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Autoridade e Estado à luz da Ciência Política: um breve ensaio sobre a produção do Direito

Resumo: Produto da experiência de ensino a alunos do curso de Direito, este artigo essencialmente dedicado a questão conceitual, trata das relações de autoridade que permeiam as sociedades humanas desde os tempos mais remotos até a emergência da sociedade contemporânea. Apresentando elementos relacionados à religiosidade e ao processo de racionalização que provocou o surgimento da modernidade, discute o processo histórico de produção social do Direito.


Palavras-chave: 1) Autoridade; 2) Estado; 3) Direito.


Sumário: 1. A autoridade nas sociedades ancestrais 2. O Estado Antigo 2.1 O “Estado” Grego 2.2 O Estado Romano 2.3 O Estado Medieval 3. O Estado Moderno e o Absolutismo em Maquiavel 3.1 O Estado Moderno e o liberalismo político 3.1.1 A Revolução Puritana de 1642 3.1.2 A Revolução Gloriosa de 1688 3.1.3 O Contrato Social em Hobbes 3.1.4 O Contrato Social em Locke 4. O Estado Contemporâneo e a oposição ao liberalismo político 4.1 O cenário social da Europa da Era liberal 4.1.1 A Revolução Industrial e o liberalismo econômico 4.1.2 A crítica teórica à economia liberal 4.1.3 A reação socialista e o Estado Social de Direito


1. A autoridade nas sociedades ancestrais


Componente de um diversificado rol de saberes científicos que integram as Ciências Humanas, a Ciência Política, no singular, trata do conhecimento, da compreensão e da interpretação das relações de autoridade (ou poder) que regulam a vida do ser humano na sociedade.


É comum nos depararmos com o termo Ciências Políticas. Contudo, a Ciência Política, ao lado da Sociologia e da Antropologia, são ramos singulares das Ciências Sociais. Sabemos que podemos falar em Sociologia Urbana ou em Antropologia Estrutural, nem por isso, nos referimos à Sociologia como Sociologias ou à Antropologia como Antropologias. O mesmo ocorre com a Ciência Política, apesar de possuir várias áreas de concentração, continua sendo uma única ciência que deve ser tratada no singular: Ciência Política.


Sob a ótica estritamente institucional, o Estado é o principal objeto de investigação da Ciência Política. Todavia, historicamente, o exercício da autoridade nem sempre esteve ligado às relações de poder que envolvem a ordem estatal. Por isso, como ponto de partida, podemos dizer que toda sociedade conheceu a autoridade, porém nem toda sociedade conheceu o Estado.


A relação de autoridade que caracteriza as primeiras sociedades humanas, àquelas temporalmente muito remotas, é sempre informal e restrita aos grupos sociais.


Conforme salienta Oliveira (2000), grupos e instituições se distinguem pelo fato dos grupos sociais expressarem a contínua interação de seres humanos com objetivos comuns e as instituições sociais por representarem as regras e procedimentos padronizados, conhecidos e valorizados pelos grupos sociais.


 Sabemos que os primeiros seres humanos construíram suas relações de autoridade no contexto de um processo social que envolvia a especulação sobre a sua vida sempre associada às diversas manifestações da natureza.


Estes desconhecidos seres humanos eram homens e mulheres que originariamente se depararam com um “infinito” mundo de mistérios a ser desvendado e, utilizando-se do mesmo método especulativo que consagrou os grandes filósofos gregos da antiguidade, buscavam compreendê-lo.


Provavelmente, a milhões de anos atrás, os primeiros seres humanos, vivendo em grupos para se protegerem de ataques de animais ferozes e de fatos naturais como o frio e o vento, num dia de temporal, marcado por céu escuro, trovões e raios, observaram um imenso paquiderme pré-histórico sendo atingido por um raio e, instantaneamente, caindo morto. Pensando na relação que os ligava à natureza concluíram que o céu era habitado e que seu habitante era um ser extremamente poderoso. Instantes depois observam que sinais de luz azuis semelhantes àquele que provocou a morte imediata do paquiderme desciam do céu em direção à terra ao mesmo tempo e em pontos significativamente distantes. Concluem que não há apenas um habitante poderoso no céu, mas sim, vários: começa a ser gestada a religiosidade politeísta.


A religiosidade politeísta talvez tenha sido o primeiro mecanismo utilizado pelo ser humano para tentar compreender e interpretar sua relação com a natureza. Também foi, originariamente, o mais eficaz instrumento para se exercer autoridade de liderança e produzir o direito como sistema de regras de convívio.


Não é novidade que a persuasão é a mais eficaz forma de exercício da autoridade entre os seres racionais. Sabemos que o uso da força somente apresenta eficácia na preservação da liderança de grupos animais. Em grupos (hordas) de leões ou gorilas o macho que conquista através da força a autoridade para liderar o bando somente é destituído de seu posto quando é vencido em luta. Isso não ocorre nas sociedades humanas, pois a racionalidade permite a reunião dos mais fracos para somar forças contra o mais forte. Por este motivo, a persuasão ou capacidade de convencimento é o instrumento mais eficaz para construir e manter o sistema de autoridade nas sociedades humanas.


Nos tempos mais remotos de nossa existência a invenção de sistemas religiosos foi essencialmente importante para o processo de conquista e preservação da autoridade. O primeiro ser humano que conseguiu convencer os integrantes de seu grupo de que mantinha relações estreitas de confiança com os seres poderosos que habitavam o céu e, por isso, era seu representante na terra, se fez líder e passou a ser o tutor da ordem unitária que orientava a vida religiosa, econômica, política, jurídica e administrativa dos integrantes de seu grupo social.


Nestas sociedades temporalmente remotas (ancestrais) são os ritos religiosos que legitimam a autoridade social do líder do grupo, dando-lhe o prestígio de ser humano sagrado.


Para evitar o uso de termos como “sociedades primitivas” ou “sociedades exóticas”, é importante salientar que sempre que se faz menção às “sociedades temporalmente remotas” é aconselhável a utilização da expressão “sociedades ancestrais”. A Antropologia Moderna nos ensina que não há sociedades superiores – culturas complexas (sofisticadas) – e inferiores – culturas simples (rudimentares). Toda sociedade é complexa, não devendo ser chamada de primitiva. Também precisamos evitar um olhar etnocêntrico do “outro”, do diferente e, por este motivo, não devemos classificá-lo de exótico. Nossa cultura também seria exótica para povos que consideramos culturalmente exóticos.


Os ritos são instrumentos mágicos ou sagrados que produzem culturalmente papéis e normas sociais. Além disso, os ritos promovem a modificação da situação de status da pessoa que se submete ao seu efeito mágico ou sagrado. O casamento, por exemplo, é um rito. A pessoa que se submete ao efeito sagrado do matrimônio entra numa situação de status – solteiro – e sai em outra – casado. Pessoas solteiras e casadas possuem obrigações e se orientam por regras sociais completamente diferentes.


Pense, por exemplo, nos ritos jurídicos contemporâneos. O réu que se submete ao ritual do julgamento muda de situação de status, deixa de ser réu e torna-se pessoa condenada ou absolvida. O mesmo ocorre com o juiz que veste a toga. O poder mágico da toga transforma a fala de um simples mortal em voz da justiça.


Nas sociedades ancestrais o líder sagrado é uma espécie de feiticeiro que se comunica com as divindades através da magia social dos ritos. A comunicação ritualística do líder social destas sociedades do passado remoto com as suas divindades assemelha-se às tradicionais manifestações religiosas do Candomblé na contemporaneidade. O “Pai de Santo” é um líder religioso que, quando se submete à magia dos ritos de sua denominação de fé, torna-se um instrumento de comunicação com a divindade. No instante em que incorpora a entidade divina o “Pai de Santo” deixa de ser um simples mortal – muda de situação de status – e passa a falar como ser sagrado.


São os ritos religiosos que engendram os tabus sociais nas sociedades ancestrais, pois, caracterizando o sagrado e o profano, definem a ordem jurídica da sociedade ao estabelecer obrigações e normas proibitivas: dedutivamente, tudo que não é proibido é permitido.


As regras proibitivas são às primeiras que aprendemos. Qualquer pessoa que convive com crianças pequenas sabe que nós, seres humanos, primeiro aprendemos o que não podemos fazer e, somente depois, aquilo que é permitido. As primeiras frases que toda criança se habitua ouvir sempre destacam expressões como: não pode! Não faça isso! Tira a mão daí! Pára!


Pelo fato de desconhecem a comunicação escrita, as sociedades ancestrais são regidas apenas por regras informais: normas. As normas são regras sociais que não precisam estar registradas em nenhum documento ou código jurídico, basta que sejam convenções enraizadas pela cultura na mente das pessoas.


Conceitualmente, norma é diferente de lei. As leis, por serem preceitos que derivam do poder legislativo, são regras sociais formais, estão contidas em documentos ou códigos jurídicos modernos. Contemporaneamente, a utilização do termo “norma jurídica” possui significado semelhante ao de lei. Porém, quando nos referimos a sociedades que ainda não haviam formalizado suas regras sociais devemos utilizar sempre o termo “norma”.


Apesar de não estarem registradas em códigos jurídicos e, portanto, não possuírem caráter institucional formal, as normas das sociedades ancestrais possuem grau de eficácia superior ao das leis nas sociedades de nosso tempo.


Conforme destaca a sociologia tradicional, nas sociedades ancestrais a moral social, constituída pelo poder totalizante da religiosidade, se sobrepõe à individualidade dos integrantes do grupo, dando alto grau de eficácia às normas sociais que são predominantemente proibitivas.


Durkheim (1999), por exemplo, demonstra que quanto maior é o poder da moral social sobre o grupo, menor é a possibilidade de desobediência às regras coletivas. Quanto mais afastada pelo tempo ou pelo espaço está uma sociedade do modo de vida industrial, maior é o poder da força moral que a rege. Nos dias de hoje ainda encontramos sociedades que preservam essas características do passado. É o caso dos laços de confiança que ainda se verifica nas pequenas cidades interioranas de nosso país. O longo convívio de vizinhança que, às vezes, perpassa várias gerações reforça os laços de amizade e de confiança que preservam a unidade social do grupo. Neste tipo de sociedade tradicional, marcada pelos valores morais típicos do ambiente interiorano e rural das pequenas cidades, as obrigações coletivas sempre estão acima dos interesses individuais. Geralmente, as pessoas que habitam estes lugares não precisam assinar contratos de compra e venda quando realizam negócios comerciais. O poder da moral social obriga o cumprimento do acordo firmado – informalmente – entre as partes. Todos sabem que “a palavra vale mais do que qualquer papel escrito”. Assim, embora as sociedades tradicionais operem com leis, elas costumeiramente se tornam desnecessárias, vigoram predominantemente as normas informais.


Nas sociedades ancestrais e tradicionais o não cumprimento de regras coletivas desencadeia um processo de constrangimento moral que provoca a exclusão social do violador. O constrangimento moral pode recair sobre os familiares do violador que se vêem na obrigação de bani-lo ou recai sobre o próprio violador que envergonhado não consegue mais continuar vivendo com seu grupo. Em qualquer sociedade regida por fortes valores morais este tipo de coação continua sendo muito comum. Certa vez vi uma reportagem que tratava da história de um piloto japonês que recebeu, durante a Segunda Guerra Mundial, a missão – camicase – de lançar seu avião contra navios da marinha dos Estados Unidos. Todos os companheiros de missão deste japonês morreram no cumprimento do dever, mas ele, apesar de ter explodido o avião que pilotava em um dos navios americanos, sobreviveu ao impacto. Por não ter conseguido cumprir todas as exigências de seu dever, pois morrer era parte da missão, ele nunca teve coragem de retornar ao seu país – a vergonha de ter sobrevivido impediu a sua volta.


Neste caso estamos tratando de imposições sociais informais, constrangimentos ou repulsas sociais que obrigam seguir padrões preestabelecidos de comportamento. Por acaso, você alguma vez já parou para pensar por que nós vestimos roupas para sair de casa? Será que as pessoas se vestem porque temem uma denúncia de atentado ao pudor e, por isso, terem que assinar um termo circunstanciado? Não, na verdade, ninguém pensa nesse tipo de coisa! As pessoas se vestem porque quando elas nasceram todos já usavam roupas – isso é uma convenção social. Se uma pessoa decide sair de casa despida é bastante provável que a partir de então ela tenha que enfrentar uma série de problemas relacionados ao convívio social. Para evitar este tipo de problema, os seres humanos, em regra, aceitam viver em sintonia com as convenções de seu tempo e lugar. Nas sociedades ancestrais as imposições sociais são sempre informais. Contudo, todas as sociedades, independente de lugar e tempo histórico, estão repletas de imposições sociais informais.


Quando tratamos de imposições sociais, estamos nos referindo a medidas coativas ou coercitivas.


É claro que podemos falar tanto em coação formal quanto em coação informal. Há pouco tempo atrás a justiça dos Estados Unidos da América condenou uma modelo de fama internacional a trabalhar na limpeza (faxina) de um dos prédios (Fórum) do judiciário americano. Este tipo de medida “sócio-educativa” é um exemplo de coação formal. A vergonha cultural que impediu o retorno do japonês camicase a seu país é um exemplo de coação informal.


O mesmo ocorre com a coerção. Ela também pode ser formal ou informal. Uma condenação orientada pelo poder jurídico do Estado, como à de uma pessoa que foi julgada por roubo, é um exemplo de coerção formal. Todavia, a homossexualidade, por exemplo, não é crime em nosso país, porém, o preconceito (repulsa social) contra a prática homossexual acaba provocando, até certo ponto, a exclusão social das pessoas que assumem uma sexualidade diferenciada do padrão convencional. Este preconceito à margem do poder estatal que condena qualquer tipo de discriminação é um exemplo de coerção informal.


Uma imposição social (coação ou coerção) informal deve ser classificada como sanção. Somente é possível falar em pena ou punição quando se trata de imposição social (coação ou coerção) formal – tipificada em códigos jurídicos. Deste modo, a pena e a punição são formas de coação ou coerção peculiares às sociedades regidas pela autoridade institucional do Estado.


O desenvolvimento temporal que marca a passagem deste tipo informal de relação de autoridade para um modelo formal deu origem a mais remota forma institucional de exercício de poder que temos registro histórico: o Estado Antigo.


2. O Estado Antigo


Essencialmente religioso, o Estado Antigo representa o desenvolvimento temporal da relação de autoridade que fez líder aquele primeiro ser humano que persuadiu os demais integrantes de seu grupo de que mantinha relações de confiança com as divindades naturais. O surgimento – e domínio coletivo – da escrita permitiu a elaboração de documentos que devam caráter formal à autoridade tradicional dos líderes religiosos.


Perceba que a autoridade somente ganha forma estatal quando se converte em relação institucional formal, ou seja, no instante em que o poder do líder deixa de ser uma convenção informal e busca, através de um documento jurídico (Código), ser conhecido, aceito e valorizado por todos os integrantes do grupo social que habitam o seu território. Há registro histórico de que pelo menos um destes códigos foi copiado em pequenas tábuas para ser socialmente difundido (CASTRO, 2007).


Achados arqueológicos indicam que estes primeiros códigos jurídicos surgiram acerca de 2.100 a. C. em territórios geográficos que representam antigos “berços” da civilização humana, notadamente nas regiões “próximas” às margens orientais do Mar Mediterrâneo. Talvez por estar exposto desde 1902 no Museu do Louvre em Paris, o mais popular deles é o Código de Hamurábi – rei que governou a Babilônia (hoje, parte territorial da Turquia, da Síria, do Kwait e do Iraque) de 1792–1750 a.C.


Prescrevendo relações jurídicas do direito expiatório e do indenizatório que vão desde simples contratos relativos à vida cotidiana até medidas legais – do Direito Civil – extremamente complexas como a “instituição do bem de família e a proibição de compra e venda entre cônjuges e filhos” (Altavila, 2004), o Código de Hamurábi é um entre outros códigos jurídicos de que se tem registro histórico – como os códigos de Manu (Índia) e Dungi (Suméria) – que destacam o poder divino, centralizador e totalizante dos soberanos antigos.


Nas sociedades que viveram essa forma rudimentar de exercício político-divino da autoridade, a família, a religião, o Estado e a organização econômica formavam um conjunto confuso, sem diferenciação aparente de funções sociais. Sua maior particularidade consiste em não se distinguir o pensamento político da religião. Nesse sentido, duas características são fundamentais para se compreender o Estado Antigo: a natureza unitária e a religiosidade (DALLARI, 2005).


A natureza unitária do Estado Antigo deriva do fato de que ele sempre aparece como uma unidade geral, não admitindo qualquer divisão interior, nem territorial, nem de funções. O soberano, por representar os anseios divinos na terra, incorpora o poder estatal e, por isso, torna-se o guardião sagrado da ordem institucional familiar, religiosa, econômica, política, jurídica e administrativa – todo poder concentra-se “nas mãos” de uma única pessoa.


A religiosidade é tão marcante nesta forma institucional de poder que alguns autores caracterizam o Estado Antigo como sendo um Estado Teocrático. A autoridade do governante e as normas de comportamento individual e coletivo são expressões da vontade de um ser divino.


2.1 O “Estado” Grego


 Aproximadamente a partir do ano 750 a. C. o poder estatal religioso começa a ser estruturado sob uma nova roupagem na parte ocidental do Mar Mediterrâneo, especificamente nos territórios da Grécia e da Península Itálica. Provavelmente por conta de sua geografia montanhosa e esparsa que dificultava a eficácia de um sistema unitário de autoridade, os povos helênicos desenvolveram nos territórios da Grécia um modelo de Estado centrado na autoridade político-religiosa da família.


Se no Estado Antigo a religiosidade permitia que o poder se concentrasse em um único líder, entre os gregos e os povos da Península Itálica o politeísmo distribuiu aristocraticamente a autoridade estatal.


Monarquia (governo de um só), aristocracia (governo de poucos) e democracia (governo de todos) são formas de governo.


A partir das referências de Coulanges (2007), é possível perceber que há uma inseparável relação entre religiosidade politeísta, unidade familiar e propriedade fundiária na estrutura social que ostentava a ordem estatal construída pelos povos helênicos na Grécia do período arcaico.


A tradição cultural religiosa dos primeiros habitantes dos – relativamente distantes – núcleos humanos que se espalharam pelo território montanhoso da Grécia associava o local de “moradia” dos mortos à propriedade fundiária. A terra onde estava sepultado um ancestral era sagrada – era um espaço territorial que devia ser cultuado. Seu comércio era um tabu inviolável.


A terra sagrada, na qual se construía uma espécie de altar para cultuar uma divindade privada, possuía fronteiras físicas e simbólicas que não permitiam a interferência de agentes estranhos à religião familiar. Os telhados de casas vizinhas não podiam se tocar. O mesmo muro não podia dividir dois terrenos familiares. As pessoas estranhas não podiam adentrar ao espaço familiar sagrado sem permissão.


A divindade religiosa era privativa, não havia duas famílias que cultuassem o mesmo deus. Um ser divino jamais poderia invadir o espaço de outro.


A existência da família, da divindade familiar e da propriedade fundiária, dependia da manutenção de uma linhagem masculina. Somente os filhos do sexo masculino poderiam ser integrantes perpétuos da família de seu genitor. Para se casar as mulheres tinham que renunciar à divindade familiar paterna e aderir à religião privada do marido. Após este ritual elas deixavam de pertencer à família do pai e tornavam-se integrantes da família do esposo.


O matrimônio afastava definitivamente a mulher dos bens materiais de seu pai biológico. Casada, ela não teria mais o direito de herdar o solo sagrado de sua família de origem.


Vale lembrar que o casamento derivava do acordo entre famílias, não era um ato de livre escolha entre os cônjuges. Por isso, toda mulher nascia destinada ao matrimônio e, conseqüentemente, a renuncia de sua “família” sangüínea. É claro que os homens, através do instituto da adoção, também podiam mudar de família, contudo, no caso masculino, isso decorria da manifestação de vontade das partes envolvidas.


Embora a emancipação masculina (renuncia à divindade familiar) provocasse a ruptura definitiva dos laços familiares, somente a pessoa do sexo masculino poderia optar por ser integrante perpétuo da família de seu genitor.


Das regras culturais deste modelo de politeísmo emergiu as bases do que se convencionou chamar de Estado Grego. Embora seja comum a referência ao “Estado Grego”, na verdade não se tem notícia da existência de um Estado único, englobando toda civilização helênica. Todavia, apesar de existir marcantes diferenças entre os costumes adotados no “Mundo Grego”, sobretudo em Atenas (referência intelectual) e Esparta (referência guerreira), suas concepções de sociedade política eram semelhantes, centravam-se desde 462 a. C. (período clássico) nas cidades-Estado.


Quando se faz menção generalizante ao Estado Grego, o padrão referencial é a Cidade-Estado ateniense. Atenas, pelo menos até a Guerra do Peloponeso em 403 a. C., sempre foi o principal modelo de sociedade política na Grécia.


Como o próprio nome sugere, as cidades-Estado compreendiam um espaço geográfico relativamente pequeno, possibilitando a todo sujeito de direito o exercício pessoal da sua vontade política (democracia direta). Isso significa que a reduzida dimensão territorial das cidades-Estado dispensava a necessidade do cidadão ter que eleger representantes para tomar decisões em seu nome, como ocorre nas democracias atuais (democracia representativa). Os gregos podiam se dirigir aos espaços decisórios e votar pessoalmente.


O poder de decisão política era bastante restrito no “Estado Grego”, apenas uma pequena parcela da população, denominada de cidadãos, possuía o direito de participar das decisões relativas à vida de todos os habitantes da Cidade-Estado. Além dos cidadãos, também viviam nas cidades-Estado e participavam de suas atividades sociais os plebeus e os escravos.


O cidadão representava o topo da pirâmide social grega, ele integrava uma reduzida parcela da sociedade (aristocracia) que possuía o privilégio de dirigir a vida política e jurídica da Grécia. Detentor do prestígio (status) advindo do poder econômico oriundo da grande propriedade fundiária, o cidadão era originalmente o herdeiro patrimonial dos primeiros habitantes do território de sua Cidade-Estado. Como as raízes culturais definiam a terra como um bem sagrado indisponível, dificilmente um estrangeiro conseguia adquirir por compra uma grande propriedade fundiária. Por isso, um estrangeiro dificilmente alcançava o status de cidadão.


A herança também se restringia culturalmente aos integrantes perpétuos da família, fato que associava a cidadania ao sexo masculino. As mulheres não podiam ser cidadãs.


É claro que a impossibilidade do exercício da cidadania não tornava toda mulher grega plebéia ou escrava. Havia mulheres aristocratas (nascidas em famílias cidadãs), plebéias e escravas; sua condição social dependia da realidade que a inseriu na vida da Cidade-Estado. Contudo, independente da situação de status, a mulher não podia, em circunstância nenhuma, participar de decisões de poder (decisões de Estado).


O plebeu – parte intermediária da pirâmide social grega – era uma pessoa livre que não gozava do direito de cidadania, normalmente eram trabalhadores especializados, comerciantes pouco abastados, estrangeiros sem propriedades e serviçais de atividades menos insalubres.


O trabalho era signo de desprestígio social entre os gregos, o cidadão não trabalhava, tinha bastante tempo para se dedicar às decisões de Estado. Uma parte significativa das atividades laborais e comerciais que asseguravam o abastecimento e a vida econômica da Grécia era praticada pelos plebeus.


A parcela menos prestigiada das atividades laborais e parte do trabalho doméstico dependiam da mão-de-obra escrava. O escravo estava na base da pirâmide social grega. Ele ou ela eram escravos por nascimento ou eram pessoas que haviam perdido a liberdade após derrota em guerras de conquista (o “Mundo Grego” vivia constantemente envolvido em guerras); pessoas que não conseguiam saudar dívidas com seus credores também podiam ser escravizadas.


Segundo Florenzano (1994), cada cidadão possuía pelo menos um ou dois escravos. Em média, uma família cidadã abastada era proprietária de doze escravos. As cidades-Estado da Grécia, em função do poder aristocrático que separava os cidadãos do trabalho e de grande parte das atividades comerciais, eram amplamente constituídas por plebeus e escravos. Após a Guerra do Peloponeso – na qual Esparta venceu Atenas – isso se tornou um problema para a aristocracia grega, pois a valorização das atividades comerciais provocou uma onda de pressões sociais em favor da ampliação da cidadania e colocou o debate sobre a formação de um governo monárquico na “ordem do dia”. Este novo cenário marca a decadência e o início da extinção do “Estado-Grego”.


2.2 O Estado Romano


Contemporâneo do “Estado Grego”, o Estado Romano deriva das experiências religiosas dos primeiros agrupamentos humanos da Península Itálica. Da mesma forma que ocorreu na Grécia, a sociedade política de Roma se assenta no modelo de politeísmo desenvolvido na parte ocidental do Mar Mediterrâneo. Embora tenha vivenciado em seu longo período de existência várias formas de governo (aristocracia, democracia e monarquia), a Cidade-Estado foi originalmente a base de organização da sociedade política romana.


Havia duas diferenças marcantes entre as sociedades políticas da Grécia e de Roma. A primeira diz respeito ao fato da organização grega ser essencialmente política, enquanto que Roma vivenciou uma vasta experiência jurídica.


A partir de aproximadamente 450 a. C. a vida social romana passou a ser regida pela Lei das XII Tábuas. Redigido por dez integrantes (decênviros) de famílias patrícias (cidadãs), este documento jurídico refletia – de forma explícita – os privilégios aristocráticos desfrutados pelos cidadãos de Roma. Em seus artigos podiam ser encontradas imposições como: “Cabe aos nobres o governo das coisas sagradas e o exercício da magistratura”; “A plebe deve cuidar dos campos e da lavoura” (ALTAVILA, 2004).


A segunda relaciona-se diretamente ao fato de Roma ter chegando a aspirar à construção de um império mundial e – durante seu longo período de existência – ter expandido seu domínio por uma grande extensão territorial do mundo. Em decorrência disso, embora não houvesse diferenças substanciais entre as elites sociais que comandavam as sociedades da Grécia e de Roma (a cidadania romana também estava condicionada à grande propriedade fundiária), os aristocratas das cidades-Estado da Península Itálica tornam-se com o passar do tempo cidadãos do Império Romano.


 O cidadão romano recebia a denominação de patrício e pertencia às famílias patrícias (aristocráticas). Plebeus, escravos e mulheres eram personagens com funções sociais e características históricas semelhantes às que vimos no “Estado Grego”.


Aliás, o anseio imperial do Estado Romano, marcado pela conquista constante de novos territórios, foi um dos elementos principais da derrocada do Império Romano em 476 d.C. Isso ocorreu porque mesmo expandindo substancialmente o seu domínio territorial, o Estado Romano continuou estruturando sua vida política, jurídica e militar sob as bases referenciais da Cidade-Estado.


A representação política direta, peculiar à Cidade-Estado, depende essencialmente de um espaço geográfico que não possua grandiosas dimensões territoriais. O grande espaço geográfico exige a delegação de poderes a outras pessoas, pois o cidadão não conseguiria ficar deslocando-se o tempo todo para localidades longínquas a fim de se fazer representar.


O mesmo ocorre com a questão militar, o tempo de deslocamento dos exércitos para regiões significativamente distantes torna ineficaz a repressão contra rebeliões.


Por representar uma sociedade extremamente guerreira, o Estado Romano ampliou seu território de tal forma que perdeu o controle sob suas ações de governo. Delegar poderes a outrem em sociedades de conquista representa um risco que não se deve correr. O Estado Imperial Romano se viu obrigado a correr esse risco e, por isso, acabou desaparecendo.


O Cristianismo contribuiu significativamente para o declínio e a extinção do Estado Romano. A adesão do Imperador Constantino – através do Concílio de Nicéia – ao Cristianismo em 325 d.C. é um exemplo das pressões internas que impulsionavam a perda de controle do Estado Imperial Romano sobre seus territórios.


2.3 O Estado Medieval


Fruto da vitória do Cristianismo sobre o Império Romano, o Estado Medieval representa a passagem da ordem religiosa politeísta para ordem monoteísta de organização estatal.


O Estado Medieval decorre da ascensão e da propagação do Cristianismo pelo Ocidente a partir de 325 d.C. Com ele, o ideal cristão supera a idéia romana de que os homens possuem valor diferenciado, nega as elites por origem familiar e afirma a igualdade divina; considerava temporariamente desgarrados os que ainda não eram cristãos, fato que provocou as guerras conhecidas como Cruzadas.


Em Roma havia a visão etnocêntrica que considerava a civilização uma expressão da cultura Greco-Romana. Todas as demais culturas eram negligenciadas e os outros povos considerados bárbaros.


Consolidado a partir de 476 da nossa era com a queda de Roma, o Estado Medieval também representa a superação do modelo de participação política direta presente na Cidade-Estado. A grande dimensão geográfica sob a jurisdição do rei obriga o soberano a dividir a administração de suas propriedades territoriais com a nobreza.


Na verdade, o problema da administração do poder em grandes espaços geográficos, questão que será amplamente relevante para a configuração do Estado Moderno no futuro, já está colocado para o Estado Medieval. Para tornar eficaz o exercício da autoridade na grande dimensão territorial, o rei cristão (monoteísta) passa a dividir o poder com os nobres, “administradores” das propriedades rurais medievais conhecidas como feudos.


Propriedade do rei, o Estado Medieval é um bem transferível de forma hereditária. Nele, a propriedade privada, sobretudo à fundiária, está condicionada à fidelidade ao soberano. A única coisa que assegura a propriedade da terra ao senhor feudal (nobre) é a relação de confiança que lhe une ao rei. A quebra da confiança implica no confisco real da propriedade fundiária.


A propriedade fundiária normalmente era dividida de acordo com o grau de confiança que aproximava o senhor feudal do rei. Quanto mais elevado fosse o status do título de nobreza do senhor feudal (Duque, Marquês, Conde, Visconde e Barão), maior seria a propriedade agrária sobre o seu controle.


Por representar o poder religioso que tutelava a autoridade do rei cristão, a igreja católica era a única instituição que compartilhava o controle estatal medieval com o soberano. Em 1232, o Papa Gregório IX instituiu o Santo Ofício da Inquisição, Tribunal Religioso destinado à punição de hereges – não cristãos. O terror propagado pela Inquisição permitiu a concentração absoluta do poder real (Poder Absolutista), eliminando – a partir do século XIII – a necessidade do soberano ter que dividir com a nobreza a administração da grande dimensão territorial sob a égide de sua autoridade.


A dominação exercida sobre os seres humanos no período do Absolutismo Medieval desencadeou um processo de reação contra o poder ilimitado do rei e da Igreja. O Renascimento, surgido no século XV, foi um movimento político, filosófico e artístico que, atuando geralmente no anonimato, se opunha ao poder absolutista e aos dogmas do catolicismo. Ele contesta a tese cristã de que tudo deriva da vontade de um ser supremo (Deus) e apresenta o ser humano como agente ativo que é capaz de controlar a natureza e modificar a realidade.


Aparentemente, a obra “A Criação” de Michellangelo, exposta na Capela Cistina em Roma, no qual Deus aparece estendendo seu dedo indicador para tocar o homem, é a maior expressão simbólica do Renascimento. Embora seu significado oficial seja a criação divina do primeiro homem: Adão; há quem defenda a idéia de que o famoso artista italiano retratou Deus transferindo seu poder para o ser humano. Assim, a famosa pintura expressaria o poder que desce do céu e se instaura na terra, fazendo do homem o novo criador: idéia mestra do Renascimento.


Das reações políticas renascentistas contra o Absolutismo emerge filosoficamente a partir do século XVI o Estado Moderno.


3. O Estado Moderno e o Absolutismo em Maquiavel


Nicolau Maquiavel (1469-1527) é considerado o primeiro pensador renascentista a elaborar uma teoria sobre o Estado Moderno. No seu projeto político de construção do Estado nacional italiano estão presentes os três pilares necessários para a existência de uma ordem estatal moderna: Território de dimensão nacional (Nação), Cultura política e social relativamente próxima e idioma comum (Povo) e Sistema de poder (Governo).


 Personalidade de grande relevância após 1498 na política de Florença, Maquiavel vivenciou uma série de ameaças que abalaram a estabilidade política do governo de sua cidade natal e acabaram derrubando a República de Florença em 1512, provocando, a partir de então, a sua ruína pessoal.


Maquiavel afirma ser a instabilidade política a peculiaridade marcante dos pequenos territórios. A realidade de seu tempo demonstrava que países de grande dimensão territorial (unificados) invadiam constantemente os pequenos territórios não unificados provocando a queda de seus governantes. Esse era o caso dos territórios da Península Itálica, freqüentemente invadidos e dominados por vizinhos incômodos como a França e a Espanha.


A Itália que conhecemos hoje somente se unificou – por ação de Giuseppe Garibaldi – na segunda metade do século XIX.


Convencido da necessidade de unificar em torno do idioma italiano os diversos territórios – pequenas Repúblicas e Monarquias – que compunham a Península Itálica, ainda influenciada pela cultura política da Cidade-Estado, Maquiavel extrai de suas experiências de governo as idéias que darão corpo a um livro que se tornaria clássico: O Príncipe.


Obra pioneira da Ciência Política, essencialmente marcada pelas influências filosóficas do Renascimento (destaca a figura do líder que é capaz de realizar grandes feitos), “O Príncipe”, escrito em 1513, é um manual que ensina o que deve ser feito para preservar a estabilidade dos governos.


Mesmo influenciado pela filosofia renascentista, de forma quase contraditória, Maquiavel se afasta dos objetivos políticos do Renascimento ao defender a tese de que somente um poder absolutista poderia preservar o governo do líder que conseguisse realizar a tarefa de unificar a Península Itálica.


Apesar de ser partidário dos ideais republicanos, Nicolau Maquiavel é impedido por sua visão objetiva e realista da política de seu tempo de entrar em “rota de choque” com o Absolutismo. Em Maquiavel, as bases do Estado Moderno estão sedimentadas no poder absolutista.


Para ele, o sistema de poder republicano seria viável apenas em territórios nos quais prevalecesse uma relativa situação de igualdade. Em países nos quais as desigualdades fossem latentes, a melhor saída seria a implantação de um governo centrado no medo (absolutista). Esta segunda situação refletia o quadro geral dos pequenos territórios que Maquiavel sugeria a necessidade de se unificar.


Sendo assim, em seu próximo passo histórico, o Estado Moderno irá se deparar com o desafio de limitar o poder absolutista do rei. Conforme salienta Gruppi (1987), o Estado Moderno enfatiza a superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens. Ao contrário do Estado Medieval, ele não é propriedade do governante – é um Estado liberal de direito no qual os governantes devem obedecer às imposições da lei.


3.1 O Estado Moderno e o liberalismo político


Se a visão pragmática de Maquiavel deu forma absolutista ao Estado-Nação (Moderno), os conflitos religiosos que agitaram a Europa após o século XVI impulsionaram a separação entre Estado (instituição pública) e Sociedade Civil (instituição privada) e a divisão tripartite dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), pilares de sustentação do Estado Moderno na sua forma liberal.


O poder absolutista derivava da união política entre o Estado (Rei) e a Igreja (Cristianismo). O rei era concebido como um representante divino na Terra e, por isso, a Igreja legitimava o exercício do seu poder sobre todas as coisas e pessoas. O poder absolutista não conhecia a igualdade política e jurídica. O rei estava hierarquicamente acima dos demais integrantes da sociedade.


É preciso ressaltar que até a primeira metade do século XVI, quando falamos de Cristianismo, estamos nos referindo apenas ao Catolicismo. O Catolicismo era a única denominação religiosa da fé cristã até 1517, ano que se inicia a Reforma Protestante.


No dia 31 de outubro de 1517 o monge Martinho Lutero fixou na porta da igreja do castelo de Wittenberg, na Alemanha, 95 teses que contrariavam os dogmas do Catolicismo. Seu protesto contra o comércio de relíquias sagradas, venda de títulos eclesiásticos e indulgências durante o papado de Leão X deu início à Reforma Protestante que se espalhou pela Europa. Entre outras idéias, Lutero defendia a salvação pela fé, a livre interpretação do texto bíblico, a realização de cultos em língua nacional, a negação do celibato e a adoração às imagens.


De todo modo, a modernidade européia (séculos XVI a XVIII) não pode ser lembrada apenas pelo poder ilimitado do rei, ela também representa um momento de grande expansão do comércio marítimo. Isso é fundamental para se compreender a relação que existe entre a Reforma Protestante e o surgimento dos direitos civis e políticos.


No início do século XVI a Igreja Católica vivia uma profunda crise de valores e princípios, pois, ao mesmo que condenava a acumulação de capitais, era visível sua crescente prosperidade material. Os dogmas da fé católica, que impediam o enriquecimento dos comerciantes marítimos, era o principal motivo da vertiginosa adesão desta parcela da burguesia medieval à denominação protestante que se propagava rapidamente pelo velho continente.


A lei da ganância era o dispositivo religioso que garantia os privilégios econômicos da nobreza e do clero, proibindo terminantemente a ascensão econômica da burguesia comercial. Os comerciantes marítimos, que arriscavam a vida em longas e sacrificantes expedições, promovendo a prosperidade do Rei (Estado) e da Igreja, não podiam progredir economicamente por causa de uma lei religiosa que afirmava ser pecado o desejo de querer possuir mais bens que o limite estritamente necessário à sobrevivência. A tradição cultural da sociedade feudal destacava a economia de subsistência.


Provavelmente, todos conhecem o ditado popular que diz: “É mais fácil o camelo atravessar pelo buraco da agulha do que o rico entrar no Reino do Céu”. Pois bem, ele possui raízes na Europa da Era comercial.


O Protestantismo insere-se neste conflito de interesses, invertendo os dogmas religiosos em torno da riqueza. Se, para o Catolicismo, o pecado decorria do desejo de ter mais que o necessário à subsistência, para o Protestantismo, o pecado decorria da falta de dedicação – esforço ou trabalho – para alcançar a prosperidade. Com isso, o pecado deixava de ser produto da ganância. Ninguém mais era considerado pecador por sonhar com a riqueza. Somente seria pecador aquele que recebesse de Deus saúde e sabedoria para ser próspero e não se empenhasse o bastante para isso.


Esta nova concepção de pecado, advinda do Protestantismo, converteu-se em bandeira de luta da burguesia comercial contra o absolutismo católico que assolava a Europa.


Foi na Inglaterra que a Reforma Protestante provocou o primeiro abalo no poder que unia o Catolicismo à Monarquia absolutista. Impedido pelas leis do Catolicismo de se separar de sua esposa Catarina de Aragão – integrante da família real espanhola – para desposar a plebéia Ana Bolena, o rei Henrique VIII – da dinastia Tudor – decidiu em 1531 romper com o Papa, declarando a separação da Igreja britânica da Igreja católica. Por esse motivo, Henrique VIII passou a ser cortejado pelas lideranças protestantes da Europa, sendo proclamado chefe da Igreja anglicana em 1534.


A adoção da religião protestante como política de Estado no Reino Unido, garantiu à burguesia comercial da Inglaterra, da Escócia, da Irlanda e de Gales, o direito de acumular riquezas. Durante os reinados de Henrique VIII e de sua filha Elizabeth I, o Reino Britânico, impulsionado pela livre iniciativa comercial de sua burguesia, vivenciou um intenso processo de desenvolvimento econômico. A liberdade para formar monopólios comerciais e para realizar lucrativas atividades econômicas facilitava o vertiginoso enriquecimento – de parte – de sua burguesia.


Conhecida como a rainha virgem, Elizabeth I morreu sem deixar herdeiros, fato que interrompeu o reinado da dinastia Tudor.


O perigo de restauração do poder absolutista (católico), em conseqüência da ascensão da dinastia escocesa dos Stuart ao trono britânico em 1603, colocou em risco os interesses da burguesia comercial. Fortemente ligada à tradição católica e disposta a consolidar sob bases absolutistas a autoridade real, a Coroa da Casa Stuart entrou em “rota de colisão” com o Parlamento britânico, controlado pela burguesia ascendente e partidário do liberalismo. Essa crise político-religiosa provocou duas importantes revoluções na Inglaterra do século XVII: a Puritana, de 1642, e a Gloriosa, de 1688.


3.1.1 A Revolução Puritana de 1642


A Revolução Puritana Inglesa é o primeiro acontecimento social marcante da disputa entre protestantes e católicos da Europa. Temendo a restauração do catolicismo, em 1629 o Parlamento britânico tenta impor a Carlos I a chamada Petição dos Direitos, documento jurídico que objetivava limitar a autoridade real. O monarca da dinastia Stuart não aceita a imposição parlamentar e, a partir de então, e relação entre a Coroa e o Parlamento torna-se cada vez mais tensa e desgastante. O ápice do conflito ocorre quando Carlos I decide prender lideranças parlamentares. A burguesia reage contra as medidas absolutistas do rei e as prisões não são efetuadas. Carlos I decide fazer valer sua autoridade e, rompendo com as imposições da Carta Magna que o proibia de manter exércitos sem autorização do Parlamento, convoca as tropas reais. Esta decisão provocará uma guerra civil que durou quase sete anos.


Em 1642, o protestante (puritano) escocês Oliver Cromwell (1599-1658), apoiado por seus irmãos de fé de todos os territórios do Reino Unido e pela Câmara dos Comuns, inicia a guerra civil contra o rei da dinastia dos Stuart. O conflito irá se estender até 30 de janeiro de 1649, quando o Parlamento condenará Carlos I à execução em decorrência da vitória militar dos protestantes.


O Parlamento Inglês era composto por nobres – partidários do rei – e comuns – representantes da burguesia comercial. Os parlamentares que representavam a burguesia comercial integravam a Câmara dos Comuns. Os representantes do rei compunham a Câmara dos Lordes. Depois de 1660, o Parlamento inglês dividiu-se em: Conservadores (Tories) e Liberais (Whigs).


Por motivo da vitória protestante, em 1653, inicia-se o protetorado republicano e despótico de Cromwell que, apoiado no exército e na burguesia puritana, perdurou até sua morte em 1658.


Com a morte do “Lorde Protetor”, a Inglaterra emerge numa imensa crise política que provocará uma nova Restauração monárquica inglesa (1660-1688), iniciada com a condução de Carlos II, da “Casa dos Stuart”, ao trono britânico. Durante os vinte e oito anos do processo de restauração do poder monárquico inglês, acirrou-se o conflito entre Coroa e Parlamento, que se opunha à política pró-católica e pró-francesa dos Stuart.


3.1.2 A Revolução Gloriosa de 1688


Apesar de o reinado de Carlos II ter sido marcado, segundo relatos históricos, pela tolerância religiosa, sabe-se que o acirramento dos interesses políticos que envolviam a religião e a propriedade acabou induzindo o rei britânico a dissolver o Parlamento em 1681. A dissolução do Parlamento representava o fechamento da única porta que a burguesia possuía para lutar institucionalmente por seus anseios. Isso contribuiu para aprofundar a crise política inglesa.


O ápice da crise da Restauração se dá com o reinado absolutista de Jaime II, irmão e sucessor de Carlos II. Buscando ampliar seu poder e beneficiar a população católica, ele rapidamente se tornou impopular. Jaime II tentou isentar os católicos das cobranças de impostos, nomeou alguns de seus representantes para importantes funções políticas e com a chamada “declaração de liberdade de consciência”, reconheceu a liberdade de culto a católicos e integrantes de todas as igrejas do reino.


A difusão da idéia do nascimento de um herdeiro que asseguraria a continuidade da dinastia reinante uniu Conservadores e Liberais, que convenceram Guilherme de Orange – rei da Holanda e genro de Jaime II – a depor o monarca britânico, expandindo territorialmente seu reinado pela Europa.


Convencido, Guilherme de Orange marcha com seu exército e vence sem luta, em 1688, o poder real da Inglaterra: Jaime II foge com a sua família e se refugia na França.


As bandeiras de guerra do rei da Holanda expressavam o lema: “em defesa da Liberdade, do Parlamento e da Religião Protestante” (WEFFORT, 2003).


A deposição de Jaime II por Guilherme de Orange foi o ápice da Revolução Gloriosa, referência política do triunfo histórico do liberalismo (Protestantismo) sobre o absolutismo (Catolicismo) europeu, assegurando a supremacia legal do Parlamento sobre a realeza e instituindo, no Reino Unido, uma monarquia limitada que prevalece até hoje.


Em conseqüência da Revolução Gloriosa de 1688, surge, no ano seguinte, a “Declaração dos Direitos” (civis e políticos) da Inglaterra (Bill of Rights), marco histórico do Estado Moderno liberal.


A Declaração dos Direitos da Inglaterra foi um documento político e jurídico – dirigido ao rei (Guilherme de Orange) – composto por 13 tópicos (artigos) que se destinavam a limitar o poder real e assegurar os direitos civis e políticos da burguesia comercial (protestantes) britânica.


1º – que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu cumprimento.


5º – que os súditos têm o direito de apresentar petições ao Rei, sendo ilegais as prisões e vexações de qualquer espécie que sofram por esta causa.


6º – que o ato de levantar e manter dentro do país um exército em tempo de paz é contrário à lei, se não preceder autorização do Parlamento.


 7º – que os súditos protestantes podem ter, para sua defesa, as armas necessárias à sua condição e permitidas pela lei.


13º – que é indispensável convocar com freqüência os Parlamentos para satisfazer os agravos; assim como para corrigir, afirmar e conservar as leis” (ALTAVILA, 2004).


3.1.3 O Contrato Social em Hobbes


É preciso destacar que os direitos civis e políticos emergentes das revoluções liberais, por quase dois séculos, foram concebidos – política e juridicamente – como direitos naturais. Na verdade, os direitos à vida, à liberdade e à propriedade converteram-se em direitos tão sagrados ao ser humano que não era conveniente nem discuti-los.


Para dar conta desse problema, a doutrina liberal tratou de produzir a teoria do Contrato Social. Essa teoria parte do pressuposto de que o ingresso do ser humano na sociedade política não deriva de um processo histórico. Para o contratualismo, o ser humano deixa a sociedade natural (compreendida como uma sociedade sem regras) e ingressa na sociedade política (formada por leis) por intermédio de um acordo.


Certo dia, as pessoas desistem de viver em um mundo sem regras, sentam-se à beira de uma fogueira e dizem: “Vamos criar uma série de leis para regulamentar e regrar nossas vidas”.


Evidentemente que isso nunca ocorreu, pois como vimos, toda sociedade, em qualquer tempo histórico, viveu sob a vigência de normas (regras). Assim, a teoria do Contrato Social foi apenas um construto ideológico.


Por influência da obra de Rousseau, é comum vermos Contrato Social e Pacto Social sendo tratados como sinônimos, porém, são termos conceitualmente opostos. Contrato Social é um acordo que envolve iguais: pessoas que desfrutam das mesmas condições de liberdade e igualdade; Pacto Social é um acordo entre diferentes: pessoas que se encontram em condições de liberdade e igualdade diferenciadas – trabalhadores e empresários, por exemplo.


Thomas Hobbes (1588-1679) foi o primeiro autor inglês a teorizar sobre o Contrato Social. Hobbes viveu na Inglaterra da Revolução Puritana de 1642. Ele visualizou o conflito entre católicos e protestantes, que produziu a guerra civil que se estendeu até 1649. A partir de suas análises sobre os interesses religiosos que impulsionavam o conflito, Hobbes formulou sua teoria do Contrato Social.


Na verdade, os conflitos religiosos na Inglaterra marcaram profundamente, desde a infância, a vida de Hobbes. Seu pai, um clérico anglicano, deixou a cidade, abandonando a família, depois de se envolver em uma briga – por motivos religiosos – na porta da igreja de Westport, na qual era vigário. Apesar de ser originário de uma família anglicana, Hobbes é simpatizante do rei Carlos I, fato que o aproxima dos ideais católicos do Absolutismo.


Thomas Hobbes defende que, no Estado de Natureza (Jusnaturalismo), sem organização política e jurídica que estabelecesse as regras do convívio social, o ser humano era infeliz, vivendo em constante situação de guerra.


A situação de guerra derivava exclusivamente da liberdade e da igualdade, direitos naturais, considerados negativos por Hobbes. Duas ou mais pessoas podiam querer a mesma coisa, e por isso, todos viviam em acirrada competição. Como a liberdade e a igualdade eram bens que cabiam a todos, o resultado só poderia ser a disputa pela liderança e a guerra.


Ao conceber que os seres humanos são tão iguais que nenhum pode triunfar de maneira total sobre outro, Hobbes destaca que o mais sensato para cada um é atacar o outro. Nunca se sabe o que outro está pensando, por isso, a melhor defesa é o ataque. Atento observador das relações de poder que marcaram a Revolução Puritana, Hobbes possui uma visão negativa dos homens de seu tempo. Para ele, todo homem é lobo dos outros homens.


A frase “O homem é lobo do homem” de Thomas Hobbes significa que, sem leis repressivas para impor limites às ambições pessoais, os homens acabam devorando uns aos outros – iriam se destruir por interesses pessoais.


Para conter as ameaças – provocadas pela liberdade e pela igualdade – contra a vida e a honra, os seres humanos, conhecedores de sua própria natureza, estabelecem um Contrato que firma os fundamentos políticos e jurídicos de sua organização social, fundando a vida política civil.


No Contrato Social de Hobbes, os seres humanos abdicam da liberdade e da igualdade presentes na sociedade natural e, em troca, conquistam na sociedade política a proteção à vida e à honra. Deste Contrato Social nasce o Estado denominado por Hobbes de Leviatã.


O Leviatã é um monstro bíblico citado no Livro de Jó. Composto por várias cabeças, ele é a verdadeira face do horror e do medo. No Estado Leviatã, o rei absolutista governa pelo temor, porque sem medo, não seria possível impor limites à liberdade humana (HOBBES, 1997).


Da teoria do Contrato Social de Hobbes, surgem os primeiros direitos naturais da sociedade civil: a vida e a honra. Na sociedade política moderna, a vida e a honra devem ser preservadas – garantidas a qualquer preço. São direitos invioláveis da sociedade civil.


3.1.4 O Contrato Social em Locke


Se Thomas Hobbes construiu sua teoria do Contrato Social com base nos fatos que provocaram a Revolução Puritana de 1642, John Locke (1632-1704), por sua vez, foi contemporâneo da Revolução Gloriosa de 1688. Por esse motivo, a teoria do Contrato Social desenvolvida por ele espelha a luta por liberdade de comércio que conduziu a burguesia comercial (protestantes) ao centro do poder da Inglaterra.


Adversário do absolutismo, Locke advoga em favor dos princípios do liberalismo (Protestantismo). Desse modo, ao teorizar sobre os motivos que induziram os seres humanos a celebrarem o acordo de ingresso à sociedade política, Locke visualiza os anseios de liberdade presentes no cotidiano político dos comerciantes de seu tempo.


Diferentemente do que era para Hobbes, para Locke, a liberdade e a igualdade são direitos naturais indispensáveis, inalienáveis. Locke não vê o homem como uma ameaça aos seus semelhantes na sociedade natural. Segundo sua teoria do Contrato Social, a liberdade e a igualdade eram indispensáveis ao exercício da individualidade humana no jusnaturalismo. A propriedade, por exemplo, era produto da liberdade natural dos seres humanos (LOCKE, 1997).


Na teoria de John Locke, a propriedade deriva do esforço físico. O esforço físico, por sua vez, é produto da vida. Seguindo essa lógica, há um elo que une, numa mesma cadeia natural: propriedade privada, esforço físico e vida. Sendo produto de outro produto da vida, a propriedade, tal qual a sua matriz originária, também é concebida como bem natural.


O ser humano, em uso de sua liberdade, depara-se com um pé de maçãs e empreende esforço físico (produto de sua vida) para apanhar as maçãs. Por despender esforço físico, o ser humano se torna proprietário natural das maçãs. Aqui existe a idéia de que toda propriedade deriva do trabalho.


Se a teoria do Contrato Social de Hobbes destacava apenas a vida e a honra como direitos naturais a serem preservados e defendidos pelo Estado Moderno, com a contribuição de Locke, o rol de bens naturais é ampliado. Tornam-se direitos invioláveis da sociedade civil: a vida, a honra, a liberdade, a igualdade (política e jurídica) e, sobretudo, a propriedade.


Quando o Estado Moderno se consolida no mundo ocidental no final no século XVIII, a emergente sociedade civil revolucionária apresentará um conjunto de textos jurídicos que reafirmarão a inviolabilidade de seus direitos “naturais”. Entre esses textos jurídicos que consolidaram o Estado Liberal de Direito, merecem destaque a Declaração de Direitos da Virgínia, de 12 de junho de 1776 (Independência das 13 Colônias Americanas), e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 02 de outubro de 1789 (Revolução Francesa).


“Declaração de Direitos da Virgínia:


Artigo 1º – Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança.


Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:


I – Os homens nascem e ficam livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem ser fundamentadas na utilidade comum.


II – O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Estes direitos são: a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência do homem à opressão” (ALTAVILA, 2004).


Agora que compreendemos a formação do Estado Liberal de Direito (Moderno), veremos como se deu historicamente o processo político que provocou o surgimento do Estado Social de Direito, cujas peculiaridades, somadas aos fundamentos norteadores do Estado Liberal de Direito, constituem a essência plena do Estado Democrático de Direito contemporâneo.


4. O Estado Contemporâneo e a oposição ao liberalismo político


Precisamos compreender que o Estado Democrático de Direito (Contemporâneo) é produto de um processo político representado por etapas. Na verdade, os últimos quatro séculos foram marcados por conflitos e lutas sociais, que originaram conquistas políticas e jurídicas para diferentes grupos de interesses. Esse processo civilizador, que o cientista político e jurista italiano Norberto Bobbio (1992) chamou de “A Era dos Direitos”, representa o surgimento e a consolidação dos diretos civis, políticos e sociais.


A Revolução Francesa de 1789 foi o último grande acontecimento histórico da Era liberal (modernidade européia). Ela representou a vitória definitiva da burguesia contra o absolutismo europeu. Diferentemente da Revolução Gloriosa de 1688, marcada pela transição negociada de poder, a Revolução Francesa, por sua vez, caracteriza-se pela transição radical de poder.


Após a Revolução Gloriosa, apesar de ter seu poder amplamente limitado pelo Parlamento, o governo monárquico foi preservado na Inglaterra. A sociedade liberal inglesa emergiu do acordo da burguesia comercial britânica com o rei holandês Guilherme de Orange – transição negociada.


No caso da Revolução Francesa, a família real é decapitada. O regime monárquico foi abolido pelos revolucionários franceses que instituíram um governo liberal de caráter Republicano – transição radical.


Costuma-se dizer que a decapitação da família real francesa possuiu grande significado – simbólico – para a consolidação da Era liberal. Cortar a cabeça significa, simbolicamente, retirar a identidade – traços de identificação. Desse modo, cortar a cabeça das pessoas que eram concebidas como superiores significava dizer: “agora somos todos iguais”. Sem a realeza, todos os seres humanos passavam, efetivamente, a ser política e juridicamente iguais.


Sabemos que os lemas da Revolução Francesa eram: liberdade, igualdade e fraternidade. A liberdade e a igualdade são preceitos liberais, contudo, a fraternidade não se enquadra no espectro liberal, integrando o rol dos direitos sociais. Em outras palavras, a fraternidade não é tema do Estado Liberal de Direito, mas sim, do Estado Social de Direito.


Como os direitos civis, políticos e sociais surgiram em momentos – históricos – distintos, normalmente eles são chamados de direitos de 1ª geração (civis e políticos) e 2ª geração (sociais).


É preciso saber também que os direitos civis são aqueles indispensáveis ao exercício da individualidade humana: a liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento, de fé, de realizar contratos válidos, de adquirir propriedade e de ter acesso à justiça. Os direitos políticos representam a igualdade de participação nos mecanismos decisórios: isonomia para votar e para se candidatar a cargos políticos.


Os direitos de 1ª geração (civis e políticos) são chamados de direitos negativos – são aqueles direitos que o Estado, salvo em situações previstas na lei, não pode retirar do cidadão.


Os direitos sociais expressam as garantias básicas de bem-estar que todo ser humano necessita para subsistir: renda mínima, educação, saúde e segurança. Eles são definidos como direitos positivos, são direitos que o Estado objetiva dar ao cidadão.


Objetivar é diferente de ser obrigação ou dever e, por isso, o Estado somente propiciará os direitos sociais ao cidadão se houver condições materiais para isso.


A Revolução Francesa resulta da ação política de duas frações sociais que integravam o Terceiro Estado (denominação da burguesia francesa): Girondinos e Jacobinos. Os Girondinos, considerados moderados, eram os integrantes da alta burguesia, defensora dos direitos de liberdade e de igualdade política e jurídica. Os Jacobinos, descritos como radicais, representavam a pequena burguesia e os setores populares da sociedade francesa, além da liberdade e da igualdade formal também reivindicavam os direitos de fraternidade – de bem-estar social.


É importante destacar que apenas os anseios dos Girondinos foram contemplados pela Revolução de 1789; a reivindicação dos Jacobinos acabou sendo desprezada pela Convenção Nacional francesa de 1793, que ratificou, em parte, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.


4.1 O cenário social da Europa da Era liberal


Se não podemos negar que a Europa da Era liberal deve ser lembrada pelo progresso econômico decorrente das navegações comerciais que colocaram em evidência política a burguesia marítima, também não se deve deixar de registrar que o Velho Continente, desde meados do século XVI, convertia-se em palco de acentuada miséria social. A Inglaterra da época das revoluções Puritana e Gloriosa, por exemplo, era um país de mendigos por toda parte.


A crescente demanda econômica por lã, após o surgimento dos primeiros teares mecânicos, ainda no século XVI, provocou a expulsão de pequenos proprietários rurais de suas terras. A lã era uma mercadoria nova e lucrativa que incentivava os nobres a expropriar as terras de seus pequenos vizinhos para transformá-las em pastagens para ovelhas. Essa prática, que se tornou cada vez mais comum na Inglaterra pré-industrial, propagou vertiginosamente a pobreza pelo interior do país (HEILBRONER, 1996).


Inserida nesse contexto, a Declaração dos Direitos (Bill of Rights) de 1689 não espelhava a realidade concreta dos habitantes da Inglaterra, abarcando apenas os interesses da parcela economicamente privilegiada da sociedade.


De modo geral, a realidade social não era muito diferente nos demais países europeus – por um lado, a burguesia comercial consolidava política e juridicamente suas aspirações históricas e convertia-se em classe industrial, por outro lado, a população comum vivia à margem da proteção do Estado liberal e, por isso, passava por sérias privações.


4.1.1 A Revolução Industrial e o liberalismo econômico


Sabemos que as revoluções dos séculos XVII e XVIII converteram-se em marcos políticos e jurídicos da Era liberal. Agora iremos conhecer a Revolução Industrial, referência econômica da modernidade européia.


A Revolução Industrial, consolidada nos principais países da Europa no século XIX, representa a supremacia das relações sociais urbanas sobre as rurais, predominantes na Era medieval. No centro das decisões de poder encontra-se a burguesia industrial, classe proprietária dos meios de produção.


Meios de produção são bens necessários para se produzir em escala industrial: instalações físicas (prédio das fábricas), máquinas, matéria prima e capital. Além desses quatro elementos, o processo de produção capitalista ainda necessita do emprego da força de trabalho para se efetivar.


A nascente sociedade capitalista orientava-se pelo preceito político da livre iniciativa econômica – liberdade para produzir e gerar riquezas. A respeito disso, a obra clássica do economista escocês Adam Smith, “A riqueza das nações”, publicada em 1776, transformou-se em um dos mais importantes referenciais para a conduta política dos industriais e, porque não dizer, do Estado, no primeiro século da Era econômica liberal.


O livro “A riqueza das nações” procura demonstrar quais eram as causas motivadoras da prosperidade econômica dos países. A tese de Adam Smith sustentava que o desenvolvimento da economia capitalista dependia essencialmente da não intervenção do Estado na economia – prática política do Estado mínimo. Sendo assim, a liberdade plena no mundo dos negócios era o principal condutor da riqueza das nações. Nessa linha de raciocínio, os problemas decorrentes das relações capitalistas, como os conflitos decorrentes da falta de uma legislação trabalhista, por exemplo, não deveriam ser resolvidos pela ação do Estado, mas sim, pela livre negociação entre as partes.


Smith acreditava que a vertiginosa expansão industrial provocaria um ciclo constante de crescimento econômico. Sua teoria destacava que o aumento de produção geraria a necessidade constante de contratação de novos trabalhadores, para isso, os capitalistas teriam que atraí-los oferecendo-lhes melhores salários. A contratação desses novos trabalhadores acarretaria no aumento dos lucros do capitalista. Esse aumento de lucro provocaria o investimento em novos meios de produção. O investimento em novos meios de produção geraria novamente o aumento da produção. E aí começaria tudo de novo: é a teoria da “cobra que morde o próprio rabo”.


Produção ► (+) Emprego, (+) Salário e (+) Lucro ► (+) Investimento ► (+) Produção ► (+)…


Enfim, tudo seria resolvido pelas regras do mercado. A lei da oferta e da procura, concebida por Adam Smith como “mão-invisível do mercado”, resolveria por conta própria os problemas da sociedade industrial (SMITH, 1996). Por isso, os trabalhadores deveriam ter paciência, permanecendo em perfeita sintonia com a ordem legal estabelecida. A regra era “deixar o mercado fazer”: laissez-faire.


A manutenção da ordem institucional era outro preceito teoricamente concebido como indispensável para o progresso da sociedade industrial. Na verdade, desde a publicação, em 1842, do esboço do livro “A origem das espécies” do botânico inglês Charles Darwin, todos os ramos da ciência moderna passaram a sofrer fortes influências da teoria evolucionista.


A teoria da Evolução das Espécies de Darwin demonstra que os seres vivos devem sofrer e sofrem alterações biológicas para se adaptar e sobreviver em novos ambientes. São as mutações físicas que propiciam a inserção da espécie viva no meio ambiente. Essa teoria foi extremamente revolucionária ao defender que o ser humano é fruto de um longo processo histórico de adaptação biológica. Para ela, o ser humano e algumas espécies primatas possuem um ancestral biológico em comum (DARWIN, 1996).


Antes da teoria Evolucionista de Darwin, predominava a teoria Criacionista, na qual os seres vivos eram concebidos como expressões da vontade divina: os seres humanos, por exemplo, descendiam de Adão e Eva.


O sociólogo francês Augusto Comte adaptou o evolucionismo de Darwin ao seu objeto de estudo: a sociedade.


A leitura social do evolucionismo darwinista era significativamente conveniente à sociedade industrial. A compreensão de que o progresso derivava exclusivamente da manutenção da ordem era o argumento que faltava para os capitalistas dizerem aos seus empregados que eles deveriam se moldar (adaptar) às regras (ordem) da fábrica. A fábrica era o meio ambiente ao qual o trabalhador deveria se adaptar – a adaptação ao meio assegura a sobrevivência.


Nesse sentido, as teses de que a ordem promove o progresso e de que o mercado resolve – por conta própria – todos os problemas decorrentes de suas contradições impulsionaram ideologicamente a emergente sociedade capitalista do século XIX.


Contudo, as terríveis condições de trabalho da época contrariavam o otimismo presente nas teorias liberais. As longas jornadas de trabalho, às vezes, superiores ao limite de 12 horas, a baixa remuneração, expressa em pães pretos e batatas, e, principalmente, a utilização de mão-de-obra infantil, eram retratos fiéis da crueldade e da ganância econômica dos dirigentes da recém instaurada sociedade industrial.


A necessidade de arregimentar mão-de-obra era tão intensa nessa etapa da Revolução Industrial que Huberman (1986) reproduziu em uma célebre passagem de sua obra “A História da Riqueza do Homem”, um cartaz de oferta de trabalho nas indústrias de Manchester – principal centro industrial da Inglaterra -, no qual se lê: “Precisa-se de trabalhadores. Crianças de dois anos podem candidatar-se”.


Somente a partir de 1836 entram em vigência na Inglaterra leis fabris capazes de impor, mesmo timidamente, limites ao capitalismo industrial. A jornada de trabalho foi instituída das 05h30 às 18h30. No que se refere aos jovens, embora esta lei permitisse que os de treze a dezoito anos continuassem desempenhando uma jornada de 12 horas diurnas, ela proibia o trabalho de menores de nove anos e determinava que as crianças de nove a treze anos cumprissem, no máximo, uma jornada de 8 horas diurnas, sendo proibido o seu trabalho noturno.


Porém, os capitalistas burlavam a lei adotando sistemas de troca de turnos para as crianças de nove a treze anos. Entrando no serviço às 05h30 e saindo às 13h00, a criança tinha que trabalhar 8 horas com um intervalo de 30 minutos para comer. Terminada a jornada legal de trabalho desta criança, como o empregador não contratava outra para o segundo turno, ela tinha que retornar à fábrica para a atividade do período da tarde. Com isso, o capitalista utilizava a mão-de-obra da mesma criança nos dois turnos do dia e pagava o salário de apenas um (MARX, 1996).


Esse quadro social tornava muito difícil a condição de vida da população trabalhadora. A ideologia liberal não admitia ser a criação de leis (expressão da intervenção estatal na economia) a forma adequada para amenizar os conflitos do capital versus trabalho – os trabalhadores deveriam esperar pacientemente pelos resultados positivos produzidos pela ação da “mão-invisível” do mercado que um dia, inevitavelmente, chegariam.


O liberalismo limitava-se à concessão dos direitos civis e políticos, pois a teoria do Contrato Social – seu pressuposto ideológico – defendia que as desigualdades sociais resultavam da incompetência do ser humano para se adaptar à sociedade industrial. Assim, dizia que todos os seres humanos se inseriram em condições de igualdade na sociedade moderna: os que se adaptaram às imposições do meio social prosperam – enriqueceram – e os que não conseguiram adaptar-se ao capitalismo fracassaram – tornando-se pobres. Todavia, o liberalismo sempre foi ideologicamente concebido como o regime político que propiciava a ascensão social: proporcionando ao pobre de hoje a esperança de tornar-se rico no futuro.


4.1.2 A crítica teórica à economia liberal


A reação política contra a exploração social decorrente do capitalismo começa a ganhar força na Europa após 1848, ano em que é publicado na Inglaterra o “Manifesto do Partido Comunista”, documento político dirigido à classe trabalhadora. Encomendado pelo Comitê Central da Liga dos Comunistas de Londres. O Manifesto foi redigido pelos jovens intelectuais alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895).


Marx foi cientista social e militante político internacional, atento observador dos fatos sociais de seu tempo, tornou-se o mais importante crítico da sociedade capitalista, publicando obras universais como “O Capital”, por exemplo. Engels era filho de um importante industrial de Manchester, decidiu romper com sua classe social e lutar contra a exploração e a miséria econômica dos trabalhadores. Foi o principal colaborador intelectual de Marx.


No Manifesto Comunista, Marx e Engels conclamam a classe trabalhadora a se rebelar contra a ordem política e jurídica que a oprime e explora. Demonstram que a história da civilização é marcada por conflitos de interesses e que o progresso social, em regra, resulta da ruptura com a ordem institucional.


Para eles, a burguesia somente se tornou classe socialmente dirigente porque promoveu, ao longo da história, diversas revoluções liberais contra seus opressores. Se não se rebelasse revolucionariamente contra o absolutismo, a burguesia jamais alcançaria a posição social que atingiu na Era industrial. Sendo assim, se quiserem mudar sua história social, os trabalhadores deverão fazer agora com a burguesia o mesmo que ela fez no passado contra o absolutismo.


Depois de desmistificar a idéia de que a preservação da ordem conduz ao progresso, a teoria revolucionária dos comunistas afirma que o governo liberal não solucionará o problema da exploração capitalista que agrava cada vez mais a condição de pobreza da classe proletária, pois o Estado liberal pode ser comparado, certamente, a um “Comitê” que gerencia os negócios e os interesses da burguesia – o Estado não vai interferir na economia.


Diante de tal situação o Manifesto do Partido Comunista declara: “Que as classes dominantes tremam diante de uma revolução comunista. Os proletários nada têm a perder nela a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!” (MARX e ENGELS, 1999).


4.1.3 A reação socialista e o Estado Social de Direito


O enunciado do Manifesto Comunista, devido ao seu caráter internacional, provocou diferentes reações pelo mundo. Na Inglaterra, a revolução comunista não aconteceu, mas a organização política dos trabalhadores permitiu que as leis fabris posteriores a 1853 limitassem e regulamentassem juridicamente a jornada de trabalho. Na França, os trabalhadores sublevaram e controlaram o governo de Paris entre os meses de março e abril de 1871 – Comuna de Paris.


Contudo, foi na Rússia que ocorreu a mais importante revolução operária, em outubro de 1917. A Rússia não era um país industrializado e não havia passado pelo processo histórico de uma revolução burguesa. Sendo assim, os trabalhadores russos tiveram que fazer uma revolução contra o poder monárquico de seu país, essencialmente agrícola.


Em 1918, os revolucionários russos publicaram a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e, depois de uma guerra civil que se estende até 1922, instituem a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), cujo governo centra-se na socialização dos bens de produção e no poder político dos Comitês Populares.


Socialização dos bens de produção é o mesmo que planificação da economia. Significa que todos os elementos geradores de riqueza são de domínio comum, ficando sobre a guarda do Estado. A planificação da economia é característica essencial do Estado Socialista.


A Revolução Russa causou grande impacto no mundo. A crescente organização mundial dos trabalhadores impulsionou significativas reformas institucionais nos Estados liberais do século XX. A Constituição mexicana de 1917 e à alemã (Weimar) de 1919 foram pioneiras ao inserir no texto legal as demandas sociais.


Essas duas Constituições, principalmente a de Weimar, inspiraram diversas Constituições pelo mundo – inclusive a brasileira de 1946 – desencadeando um processo de benefícios políticos e jurídicos às classes populares que consolidou, a partir da segunda metade do século passado, o Estado Contemporâneo no Ocidente.


 


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Informações Sobre o Autor

Jonas Modesto de Abreu

Doutor em Ciências Sociais pela UFSCar (SP). Professor de Ciência Política, Sociologia e Antropologia nos cursos de direito da UNIVALI (SC).


Equipe Âmbito Jurídico

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