Em estudo, já de 1996, Hector-Hugo Barbagelata, Prof do Uruguai, percebeu que “conforme já destacado por vários analistas, o processo de flexibilização não é linear e, em vários países, podem ser encontrados, juntamente com manifestações de flexibilização e até de desregulamentação, exemplos de novas regulamentações legais ou aditamentos às já existentes. É certo que a maioria das regulamentações mais recentes se refere a questões em que esta é menos resistente aos flexibilizadores, como a prevenção e o meio ambiente e os utensílios de trabalho (…), assim como aos problemas de discriminação, especialmente contra a mulher e portadores de deficiência (…) e sobre formação profissional… Mas contam também as normas sobre término da relação de trabalho por iniciativa do empregador…; sobre a ampliação do número de dias feriados de descanso obrigatório…; sobre o trabalho noturno… e inclusive sobre salário mínimo, etc”. [i]
Estes avanços, em alguns pontos específicos, ocorrem em todo o Mundo. As dificuldades impostas pelas idéias neoliberais não suficientes para travar a roda da história. Ainda que não se consigam grandes passos na construção mais imediata de uma sociedade com objetivos superiores, todos pensamos, sonhamos e muitas ações concretas concretizam-se. Inclusive se fala em subsistemas jurídicos.
Já em 1937, antes das atuais correntes filosóficas do neo-individualismo, comentando o intervencionismo social e econômico nos Estados Unidos, Araujo Castro, disse que: “Durante muito tempo os Tribunais dos Estados Unidos manifestaram-se contra a constitucionalização de grande número de leis operárias. Tal jurisprudência, porém, tem sofrido profundas modificações nos últimos anos. No princípio, a jurisprudência americana inclinou-se a considerar inconstitucionais muitas leis operárias, ou porque as considerasse contrárias à liberdade de contrato, ou porque entendesse que elas constituíam uma legislação de classe, não igual para todos. Mas a tendência atual é para admiti-las como válidas, desde que correspondam a uma necessidade social”, conforme lembrança de José Luciano de Castilhos. [ii]
O conhecimento dos principais embates do passado é necessário inclusive para que busque o melhor rumo. Mais ainda, quando se nota que muitas aspirações ainda não foram solucionadas. O mesmo Ministro aposentado do TST José Luciano de Castilhos assinalou que “voltando às suas origens deveremos cuidar de um Direito do Trabalho que leve a democracia aos ambientes do trabalho. Não para aliviar a Justiça do Trabalho, mas para permitir que se possa sonhar com uma economia que tenha no homem a razão de ser de todas as nossas ações”.
Oscar Ermida Uriarte tem apontado que a alta rotatividade prejudica a própria qualificação da mão-de-obra. [iii] Os elevados números dos acidentes de trabalho são obstáculos inclusive aos números orçamentários da previdência social pública, especialmente no Brasil.
A competência ampliada da Justiça do Trabalho, no Brasil, tem coerência com os principais estudos de vários Organismos Internacionais. No recente documento sob o título “Livro Verde”, na Europa, se tenta elaborar o conceito de “flexisegurança”. [iv] Nesta consulta, o objetivo é recolher as melhores sugestões para um desenvolvimento econômico que respeite e mesmo incentive a dignidade da pessoa humana.
As recomendações da OIT – Organização Internacional do Trabalho, igualmente apontam para a necessidade de mais empregos dignos. Qualquer trabalho, ainda que não seja de emprego, deve ter suas controvérsias submetidas à apreciação do Poder Judiciário e até mesmo com regras não muito distintas. Inexiste, pois, melhor local do que a Justiça do Trabalho, para tais lides, mesmo que aplicando algumas leis especiais, além da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.
É na Justiça do Trabalho que o trabalhador, empregado ou não, expressa suas reivindicações, na condição de autor. O mesmo José Luciano de Castilhos recordou o Ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, ao dizer: “Não preciso fazer outro elogio à Justiça do Trabalho, senão recorrer à própria linguagem popular – vox populi, vox dei. O povo, quando se refere a uma ação trabalhista, diz: Vou buscar os meus direitos. Não existe este linguajar em nenhuma outra instância judiciária.” [v]
Por óbvio, as novas lides ajuizadas diante desta esfera do Poder Judiciário revelam a existência da anterior “demanda reprimida”. Antes disto, algumas soluções legislativas anteriores mostram-se obsoletas. Além do deslocamento da competência, as novas descobertas do Direito Constitucional, talvez com força ainda maior, exigem dedicação mais atenta dos profissionais do Direito. Em outro momento, comentou-se a grandiosidade dos números das ações de indenização por dano moral. [vi]
Novas lacunas passam a ser visíveis. Já hoje, percebe-se a dificuldade de enfrentamento do tema da prescrição, por exemplo. Desde logo, registrem-se manifestações contrárias ao seu reconhecimento “de ofício” pelo juiz, como previsto em recente alteração legislativa, quanto ao processo civil. [vii] No julgamento das ações de indenização por dano moral, decorrente de acidentes de trabalho, já viu certa especificidade. A adoção da “prescrição civil” pode ser obstáculo ao exame de mérito de muitas causas, diante de seu prazo reduzido de três anos. A “prescrição trabalhista” poderia significar o não conhecimento de milhares de ações que tramitavam, antes, na Justiça Comum. [viii] Jorge Luiz Souto Maior chega a preconizar que se busquem regras específicas sobre o tema da prescrição, que não seriam nem as “trabalhistas” ou as “civis”, atuais. [ix]
Nos primeiros momentos da Emenda Constitucional 45, outra situação é ainda mais curiosa. A Instrução Normativa 27 do TST expressou aquilo que era o entendimento predominante, naquele instante inicial. Nas ações vindas para a competência da Justiça do Trabalho, caberiam honorários de advogado, ao contrário das reclamatórias trabalhistas “típicas”, nas quais permanecia o entendimento do descabimento. O TRT RS terminou por cancelar a correspondente Súmula 20. [x]
Apenas no debate sobre a competência ampliada da Justiça do Trabalho, notou-se que era e/ou passou a ser insuficiente o conceito de “serviço” registrado no Código de Defesa do Consumidor, artigo terceiro, parágrafo segundo. Esta nova situação levou Antonio Álvares da Silva a propor, acertadamente, que a relação de consumo de prestação de serviço é, agora, da competência da Justiça do Trabalho. Pondera, inclusive, que “A experiência da Justiça do Trabalho com o empregado vai ajudar no tratamento jurídico do consumidor, o qual, por sua vez, trará para o processo do trabalho contribuições modernas de direito material e processual, que sem dúvida o enriquecerão: desconsideração da pessoa jurídica, sanções administrativas, ações sobre interesses difusos, coletivos e homogêneos, infrações penais, defesa do consumidor em juízo e, enfim, todas as disposições da Lei n. 8.078/90, em tudo que for compatível com o contrato de trabalho.” [xi]
Luciano Athayde Chaves recorda que, desde muito, se sabe da existência das lacunas “iniciais” e, também, por outro lado, das “subseqüentes”. Em brilhante tentativa de acréscimo ao conhecimento do Direito, apresenta algumas considerações sobre a historicidade do valor “segurança”, no Direito do Trabalho, no qual não se percebe a mesma centralidade que este valor teve para a consolidação do Direito Civil. [xii]
Maria Helena Diniz, ao tratar das lacunas do Direito, recordou que a busca de modificação da realidade, nem sempre, foi o objetivo central. Narra que “… o problema teórico da lacuna jurídica aparece no século XIX, marcado pelo fenômeno da positivação representado pela crescente importância da lei e caracterizado pela liberação que sofre o direito de parâmetros imutáveis. De fato, com a positivação cresce a disponibilidade temporal do direito, pois sua validade se torna maleável, podendo ser limitada no tempo, adaptada a prováveis necessidades de futuras revisões, institucionalizando a mudança e a adaptação através de procedimentos cambiáveis, conforme as diferentes situações, possibilitando com isso um alto grau de pormenorização dos comportamentos como jurisdificáveis, não dependendo mais o caráter jurídico das situações de algo que sempre tenha sido direito. O direito torna-se um instrumento da modificação planificada da realidade, abarcando-a nos seus mínimos aspectos”. [xiii]
Recorde-se que, logo após a promulgação da Emenda Constitucional 45, foi firmado e enviado ao Congresso Nacional o Pacto pela Celeridade. Algumas das proposições relativas ao processo civil já foram aprovadas, provavelmente, reforçadas por outros debates implementados pelo Instituto Brasileiro de Processo Civil, por exemplo. [xiv] Quanto ao processo do trabalho, ao menos nos dois primeiros anos, nenhum aprimoramento legislativo relevante. Neste quadro, é crescente o ânimo de ceder a uma utilização intensa das normas processuais comuns. De qualquer modo, é expressivo o benefício, quanto ao tempo útil do processo, de um modo geral, com a recente alteração legislativa, estabelecendo a necessidade de depósito de vinte por cento do valor da causa, para o ajuizamento de ação rescisória. [xv]
Esta demora do Congresso Nacional, no debate e aprovação de novas leis processuais trabalhistas, tem, inclusive, levado alguns a aceitaram sugestões perigosas. Sabe-se do Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Federal Luiz Antonio Fleury, alterando o art 769 da CLT. [xvi] Com tal proposição, aplicar-se-ia o processo civil sempre que houvesse maior celeridade. Ora, hoje, o mencionado art 769 tem outro requisito para a utilização do processo civil, ou seja, a compatibilidade das normas. Acaso aprovada tal simplificação, unificante, será necessário um esforço interpretativo para emprestar à palavra “efetividade” um significado bem profundo. A rigor, agora, já se estaria, necessariamente, no exame do próprio direito material envolvido. O relevante não é apenas a solução dos conflitos e a pacificação social, como em outras áreas talvez seja, mas, sim, a modificação dos hábitos presentes nas relações de trabalho, que se quer superar.
O próprio surgimento do Direito do Trabalho teve peculiariedades. Mario Garmendi Arigon, entre tantos outros, bem assinalou, com percepção bem profunda, as contribuições do Direito do Trabalho para o Direito para a Teoria Geral do Direito, ao salientar que: “As citadas mudanças sofridas pela teoria jurídica são também determinantes de uma importante revisão do papel que se confere às normas jurídicas no funcionamento social em geral. De um papel relativamente passivo, que consiste na ordenação e sistematização das condutas dos sujeitos que convivem na sociedade, a norma jurídica começa a assumir posição muito mais ativa e incisiva, desenvolvendo-se como instrumento que penetra nos âmbitos particulares até então inexpugnáveis para o Direito.” [xvii]
Hélios Sarthou percebeu e apontou que o Direito do Trabalho atua, desde o seu início, na “tensión” entre interesse social e o cuidado de “no matar el impulso de negociación o circulación de los bienes”, conformando peculiares limites à manifestação de vontade. [xviii] Dito de outro modo, pode-se imaginar que os limites e ponto de chegada do Direito do Trabalho são, desde o seu surgimento, semelhantes, exatamente, ao ponto de partida dos demais ramos do Direito.
As peculiariedades e desenvolvimento do Direito Processual do Trabalho, igualmente, já foram indicadas por Eduardo Couture, em manifestação na Universidade Nacional Autônoma do México, ocorrida em 1947, ao revelar que: Cheguei à convicção, através de um estudo que o Professor Trueba Urbina, em seu notável livro Derecho Procesal del Trabajo, julgou de maneira extremamente generosa, de que o direito adjetivo do trabalho não deixou de pé nem um só dos princípios clássicos do Direito Processual Civil. Ele excedeu, literalmente, todos os postulados que estamos manejando para a justiça civil ordinária: a idéia de prova, em virtude dos fenômenos típicos da inversão do ônus da prova, em matéria de acidentes ou em matéria de indenização por despedida; a idéia da coisa julgada, mediante o problema da sentença coletiva; a idéia de jurisdição; a idéia relativa ao princípio de igualdade entre as partes etc. Tudo foi ultrapassado pelas exigências do processo trabalhista.” [xix]
Entre nós, mais recentemente, os avanços com o sistema resultante do programa e convênio Bacen-jud foram imensos. A possibilidade da penhora “on-line” permitiu a agilização de muitas execuções, seja pela sua efetiva utilização ou mesmo tão somente pela sua eventual utilização, pela certeza de que as ordens judiciais de execução seriam cumpridas. Nem tudo foi solucionado, de qualquer modo. Sendo assim, é inevitável, por exemplo, deixarmos de imaginar eventuais vantagens com algo semelhante à revogação do art 737 do CPC, pela Lei 11.382, de 2006. Ora, o recebimento dos embargos antes da penhora do valor total da dívida, talvez seja mais razoável, no mínimo, em algumas situações, nas quais quase visíveis as compatibilidades entre as soluções do processo comum e do trabalho. [xx]
A complexidade da realidade deve ser preocupação e objeto de exame atento em cada situação. Após a Lei 11.101, de 2005, sobre recuperação judicial, inúmeras e bem diversas situações concretas ocorreram. Em determinado momento, se julgou pretensão a parcelas rescisórias de trabalhadora despedida após o plano de recuperação judicial, disciplinado no art 49 da referida Lei. Por óbvio, tendo havido transferência, parcial de patrimônio, impunha-se a responsabilização de todas as empresas, ainda que não exatamente caracterizada com perfeição as situações dos artigos 10 e 448 da CLT, mas valendo lembrar o artigo 264 do Código Civil. [xxi]
Examinando o “dogma da completude”, Riccardo Guastini expressou que “o ordenamento jurídico não é um sistema de normas “consumado”, finalizado de uma vez por todas, sendo, ao contrário, um sistema capaz de uma expansão ilimitada”. [xxii] No Brasil, esta expansão, somente agora, intensificou-se, em vários temas, com a leitura atenta do Texto Constitucional, pela comunidade dos profissionais do Direito.
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