As normas trabalhistas foram (e são) conquistadas ao longo dos anos, tendo início, em especial, com a Revolução Industrial, época em que os trabalhadores laboravam em condições deploráveis, e que se deu origem às primeiras reivindicações para melhoria das condições de trabalho. As reivindicações pela melhoria das normas trabalhistas fazem parte, até hoje (ou pelo menos deveriam fazer), do âmbito de estudo e aplicação do Direito do Trabalho. Portanto, busca-se demonstrar na presente pesquisa científica que o adicional de insalubridade, que é uma conquista dos trabalhadores que laboram em locais nocivos à saúde, não possa ter como base de cálculo o salário mínimo tal como preceitua a Consolidação das Leis do Trabalho (artigo 192), e/ou, ainda, o salário profissional como prevê a nova redação do Enunciado 228 do Tribunal Superior do Trabalho. No presente estudo procura-se demonstrar que a base de cálculo para o adicional de insalubridade deva ser a remuneração do trabalhador, na forma prevista na Constituição da República Federativa do Brasil (ex vi do artigo 7º, inciso XXIII). Contudo, para que o adicional de insalubridade tenha como base de cálculo a remuneração do trabalhador, busca-se demonstrar, além das principais correntes doutrinárias e jurisprudenciais, que os princípios gerais do direito e os princípios peculiares ao direito do trabalho, conjugados com a moderna hermenêutica constitucional, devam ser aplicados conjuntamente, ou de forma sucessiva, com os preceitos da Política Jurídica, a qual tem fundamento, em síntese, em um direito que se gostaria de ter.
1.Introdução
O presente trabalho destina-se ao cumprimento de exigência legal para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, junto à Universidade Regional de Blumenau – FURB, optando-se, quanto ao tema, em adentrar no campo de estudo do Direito do Trabalho e seus princípios correspondentes, estudando, em especial, a base de cálculo do adicional de insalubridade.
O objeto da pesquisa foi o de examinar, inicialmente, qual a base de cálculo a ser utilizada para o adicional de insalubridade, verificando se há compatibilidade, em face da atual Constituição da República, do artigo 192 da Consolidação das Leis do Trabalho; bem como sobre a aplicação dos Enunciados 17 e 228 do Tribunal Superior do Trabalho; e, por fim, faz-se uma análise da norma constitucional que trata sobre a remuneração para o respectivo adicional. Após a configuração desta problemática jurídica, pretende-se examinar, conjuntamente, a utilização dos princípios gerais do direito, princípios peculiares ao direito do trabalho, e aplicação das diretrizes emanadas pela Política Jurídica, como forma de alcançar um direito justo para o trabalhador.
No primeiro capítulo, pretende-se conceituar a insalubridade, explanar um breve histórico sobre o Direito do Trabalho e o adicional de insalubridade, expondo ainda sobre a atividade insalubre no direito brasileiro e as normas que regulam o meio ambiente do trabalho.
No capítulo subseqüente, procura-se demonstrar o adicional de insalubridade sob o prisma constitucional, especialmente sob a ótica dos direitos sociais; a evolução da base de cálculo do adicional de insalubridade na legislação infraconstitucional; o cálculo do respectivo adicional após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, explicitando as principais correntes que divergem sobre o tema, e ainda, trazer a natureza e diferença entre remuneração e salário.
No terceiro e conclusivo capítulo, tenta-se demonstrar a aplicação dos princípios gerais do direito e princípios peculiares do direito do trabalho na interpretação das normas trabalhistas; a inconstitucionalidade dos Enunciados 17 e 228 do Tribunal Superior do Trabalho; e, por sua vez, propõe-se um novo entendimento sobre a base de cálculo do adicional de insalubridade através de critérios enunciados pela Política Jurídica, quais sejam: Justiça e Utilidade, tudo para garantir um direito mais justo e solidário ao trabalhador.
Por derradeiro, convém ser explicitado que nesta pesquisa científica utiliza-se do método indutivo (COP), chegando-se, paulatinamente, à análise dos elementos essenciais que formam a problemática em estudo. Em paralelo, utiliza-se a técnica do mapeamento de conceitos operacionais, sendo estes mencionados em nota de rodapé no desenvolvimento da referida pesquisa para melhor compreensão do texto.
Fez parte também desta pesquisa científica a colheita de material doutrinário nacional e estrangeiro, este já traduzido para a língua nacional e, outrossim, entendimentos jurisprudenciais representados por julgados extraídos de Tribunais Regionais do Trabalho, do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal.
Salienta-se ainda que, a presente pesquisa científica trata somente dos trabalhadores que se compreendem no regime celetista não incluindo, portanto, os servidores públicos da União, Estados e Municípios.
2 DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
2.1 CONCEITO DE INSALUBRIDADE
De acordo com Tuffi Messias Saliba e Márcia Angelim Chaves Corrêa, “a palavra insalubre vem do latim e significa tudo aquilo que origina doença, sendo que a insalubridade é a qualidade de insalubre”.[1]
Gramaticalmente, conforme prevê o Dicionário Melhoramentos, “insalubridade é caráter de insalubre”, ou seja, “insalubre: que não é salubre; que não é saudável; doentio”.[2]
O conceito legal de insalubridade, o qual será utilizado nesta pesquisa, encontra-se previsto no artigo 189 da Consolidação das Leis do Trabalho[3], in verbis:
Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.[4]
Segundo Tuffi Messias Saliba e Márcia Angelim Chaves Corrêa, em análise do conceito supra citado, verifica-se que ele é tecnicamente correto dentro dos princípios da Higiene do Trabalho[5]:
No campo da saúde ocupacional, a Higiene do Trabalho é uma ciência que trata do reconhecimento, avaliação e controle dos agentes agressivos possíveis de levar o empregado a adquirir doença profissional, quais sejam: – Agentes físicos – ruído, calor, radiações, frio, vibrações e umidade. – Agentes químicos – poeira, gases e vapores, névoas e fumos. – Agentes biológicos – microorganismos, vírus e bactérias.[6]
Ainda nos dizeres de Tuffi Messias Saliba e Márcia Angelim Chaves Corrêa, “segundo os princípios da Higiene do Trabalho, a ocorrência da doença profissional, dentre outros fatores, depende da natureza, da intensidade e do tempo de exposição ao agente agressivo. Com base nesses fatores foram estabelecidos limites de tolerância para os referidos agentes”[7]. No entanto, continuam: “representam um valor numérico abaixo do qual se acredita que a maioria dos trabalhadores expostos a agentes agressivos, durante a sua vida laboral, não contrairá doença profissional”[8]. E, concluem: “Portanto, do ponto de vista prevencionista, não podem ser encarados com rigidez e sim como parâmetros para a avaliação e controle dos ambientes de trabalho.”[9]
O artigo 189 da CLT somente conceitua a insalubridade, devendo-se observar que em relação ao aspecto prevencionista, o Ministério do Trabalho[10] é que deve regulamentar quais as atividades que devem ser consideradas insalubres[11], conforme preceitua o artigo 190, caput, da CLT, in verbis:
O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.[12]
Portanto, a insalubridade só existe no mundo jurídico a partir da inclusão das respectivas atividades na relação baixada pelo Ministério do Trabalho[13].[14]
No entanto, Amauri Mascaro Nascimento tem entendimento diverso, para o autor
A enumeração das atividades insalubres pelo Ministério do Trabalho não é taxativa, de modo que mesmo não prevista, outra atividade, desde que se caracterizar como insalubre, poderá gerar os mesmos efeitos jurídicos; assim, nada impede reclamação na Justiça do Trabalho mesmo sem previsão do tipo de atividade, caso em que será designado perito para a vistoria e conclusões que definirão o caso.[15]
Adelmo de Almeida Cabral explica que, mesmo com a relação expedida pelo Ministério do Trabalho, o trabalhador pode laborar em atividades consideradas insalubres e não perceber o adicional, mas a exposição do mesmo aos agentes nocivos, não pode estar acima dos limites de tolerância. De acordo com o autor, o trabalhador poderá realizar serviços “em atividades ou operação insalubre, sem receber adicional, desde que a sua exposição aos agentes nocivos à saúde não esteja acima dos limites de tolerância em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.”[16]
O artigo 195, caput, da CLT[17], prevê que a caracterização e a classificação da insalubridade far-se-á sempre através de perícia[18].
E o Enunciado 293 do Tribunal Superior do Trabalho[19] preceitua que, “A verificação mediante perícia de prestação de serviços em condições nocivas, considerado agente insalubre diverso do apontado na inicial, não prejudica o pedido de adicional de insalubridade.”[20]
Uma vez caracterizado o exercício de trabalho em condições insalubres, é assegurado a percepção de adicional de 40%, 20%, e 10% respectivamente, segundo seja classificado nos graus máximo, médio e mínimo, consoante preceitua o artigo 192 da CLT[21], o qual será analisado com mais profundidade no decorrer desta pesquisa científica.
2.2 DA ATIVIDADE INSALUBRE
Segundo a Bíblia Sagrada, o homem sempre teve de trabalhar para viver, onde registra-se que Deus entregou-lhe o paraíso, mas deu-lhe a missão de conservá-lo com o seu trabalho[22].
Num passado distante, os homens, na disputa de alimentos e de proteção contra as irregularidades, lutavam entre si e, também, com as forças da natureza[23].
Tilgher citado por Evaristo de Moraes Filho e Antonio Carlos Flores de Moraes, informam que “os gregos (a Antigüidade em geral) conceberam o trabalho como um castigo e como uma dor; basta lembrar que o termo grego ponos, que significa, trabalho, tem a mesma raiz que a palavra latina poena.”[24] E, concluem que “em ambos está presente a mesma idéia de tarefa penosa e pesada, como em fadiga, trabalho, pena.”[25]
Para Evaristo de Moraes Filho e Antonio Carlos Flores, o trabalho é inerente ao ser humano, confundindo-se até mesmo, com sua personalidade[26]:
O trabalho é inseparável do homem, da pessoa humana, confunde-se com a própria personalidade, em qualquer de suas manifestações. Identificou-se, pois, a ciência do trabalho com a própria antropologia, como o estudo do homem, encarado como um todo indivisível e inteiriço, como uma mônada de valor. O homem que pensa, planeja e age vive em perfeita harmonia, em luta constante com a natureza, transformando-a, moldando-a a seus interesses, criando um mundo artificial acima e ao lado do mundo natural. Cultura significa exatamente a sistematização e harmonia de todos os conhecimentos e habilidades, do equipamento civilizador e da individualidade tradicional de um povo, sua constituição social e mental, em um determinado corte transversal no tempo (Thurnwald). É impossível um conceito meta-físico de trabalho, como finalidade de si mesmo, sem relacionamento com grupos, sociedade, contextos coletivos.[27]
O conceito de trabalho[28] tem variado muito através do tempo, caminhando sempre para uma crescente espiritualidade conceitual. De malvisto a malquisto, na Antigüidade, ganhou afluência digna com o Cristianismo[29], atingindo o valor máximo no Renascimento[30], com o destino do homem, voltado para a vida, para as conquistas, para a ação.[31]
O Direito do Trabalho surgiu com o capitalismo[32], procurando dar solução aos conflitos em que o artesão empobrecido, o trabalhador rural e o pequeno empreiteiro, demandavam à cidade em busca de serviço, no qual o trabalhador era livre para contratar[33].
Para Eduardo Gabriel Saad, “Direito do Trabalho é a parte do ordenamento jurídico que rege as relações de trabalho subordinado prestado por uma pessoa a um terceiro, sob a dependência deste e em troca de uma remuneração contratualmente ajustada.”[34]
Segundo Sérgio Pinto Martins, Direito do Trabalho é o conjunto de “princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado a situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas.”[35]
As normas sobre condições de trabalho foram conquistadas pelos trabalhadores, tendo sido conseqüência de muita luta e sofrimento por parte dos mesmos. Época esta, marcada pela Revolução Industrial[36], em que crianças e mulheres chegavam a trabalhar mais de 16 horas diárias em que substituíam os homens e percebiam salários inferiores e que, tanto homens, como mulheres e crianças, trabalhavam em locais insalubres e perigosos sem nenhuma proteção ou indenização.[37]
Exemplo deste acontecimento é mencionado por Sérgio Pinto Martins:
Com o surgimento da máquina a vapor, houve a instalação das indústrias onde existisse carvão, como ocorreu na Inglaterra. Bem retrata o trabalho abusivo a que eram submetidos os trabalhadores nas minas Emile Zola, em Germinal. O trabalhador prestava serviços em condições insalubres, sujeito a incêndios, explosões, intoxicação por gases, inundações, desmoronamentos, prestando serviços por baixos salários e sujeito a várias horas de trabalho, além de oito. Ocorriam, muitos acidentes do trabalho, além de várias doenças decorrentes dos gases, da poeira, do trabalho em local encharcado, principalmente a tuberculose, a asma e a pneumonia. Trabalhavam direta ou indiretamente nas minas praticamente toda a família, o pai, a mulher, os filhos, os filhos dos filhos etc. Eram feitos contratos verbais vitalícios ou então enquanto o trabalhador pudesse prestar serviços, implicando verdadeira servidão. Certos trabalhadores eram comprados e vendidos com seus filhos. Os trabalhadores ficavam sujeitos a multas, que absorviam seu salário. Isso só terminou por meio dos decretos parlamentares de 1774 e 1779, quando foram suprimidas essas questões nas minas escocesas.[38]
Adiciona Amauri Mascaro Nascimento que:
A imposição de condições de trabalho pelo empregador, a exigência de excessivas jornadas de trabalho, a exploração das mulheres e menores, que constituíam mão-de-obra mais barata, os acidentes ocorrido com os trabalhadores no desempenho das suas atividades e a insegurança quanto ao futuro e aos momentos nos quais fisicamente não tivessem condições de trabalhar foram as constantes da nova era no meio proletário, às quais podem-se acrescentar também os baixos salários.[39]
A partir de tais acontecimentos, houve necessidade do Estado[40] intervir e a regrar uma nova forma de prestação de trabalho subordinada, destinando a sua proteção especialmente ao trabalhador[41].
Na metade do século XIX surgiram homens como Leão XIII[42], Bismarck[43], Marx[44] e muitos outros, que combateram as idéias liberais que haviam tramado para os trabalhadores que viviam do salário.[45]
Para Edgar Vargas Serra a intervenção estatal recaiu em pontos essenciais, de tal modo que a “ação estatal tivesse de ater-se a condições peculiares e personalíssimas, concernentes a cada local ou a cada tipo de trabalho, recaiu ela, contudo, de modo quase uniforme, em pontos essenciais.”[46] Nesse sentido, informa o autor que iniciou a redução da jornada normal de trabalho, “diminuindo o tempo de exposição do obreiro ao meio nocivo ou de sua atividade em serviço prejudicial; proibição de prorrogar o horário dentro das condições ambientais ou executivas, já citadas.”[47] E, por fim: “em menor número de casos, proventos mais amplos, concedidos àqueles trabalhadores sujeitos à influência nociva da insalubridade.”[48]
A intervenção do Estado visa, principalmente, realizar o bem-estar social[49] e melhorar as condições de trabalho, passando o trabalhador a ser protegido juridicamente e economicamente, estabelecendo a lei, normas mínimas sobre condições de trabalho[50], que devem ser respeitadas pelo empregador.[51]
Susy Lani Desideri explicita que as normas editadas pelo Estado devem servir tanto para prevenir quanto para reparar os efeitos da atividade insalubre. Para a autora,
A atuação dessas regras pode-se situar quanto à prevenção ou quanto à reparação dos efeitos nocivos ou especificamente insalubres. A primeira forma busca dar ao local de trabalho condições de higiene adequadas à proteção do trabalhador. A segunda, busca reparar ou minorar os efeitos, quando não se obtém o resultado preventivo ideal[52].[53]
No Brasil, somente após 1930 é que surgiram os primeiros indícios em relação ao controle efetivo da insalubridade, mais precisamente em 1932 em que ficou proibido a elevação da jornada normal de trabalho quando fosse ele exercido em serviço ou local insalubre. E ainda em 1932, ficou impedido o trabalho para mulheres[54] e menores[55] em serviços perigosos ou passivos de insalubridade. [56]
A Constituição Federal de 16 de julho de 1934, em seu artigo 121, §1º, alínea “d”, proibiu, sem qualquer exceção, o trabalho de menores de 18 anos, e mulheres nas indústrias insalubres.[57]
Mas foi com o Decreto-lei nº 399, de 30 de abril de 1938, que houve uma maior tutela para os casos de insalubridade, e ainda conforme afirma Edgar Vargas Serra, “com a Portaria SCm051[58], de 13 de abril de 1939 em que a matéria ficou devidamente tratada.”[59]
Atualmente é a Portaria nº 3.214, de 8 de junho de 1978, expedida pelo Ministério do Trabalho, que através de 28 normas regulamentadoras, estando inseridas na NR-15 e seus 14 anexos que regulam as atividades e operações insalubres, assim consideradas as que se desenvolvem: – acima dos limites de tolerância previstos nos anexos 1, 2, 3, 5, 11 e 12; – nas atividades mencionadas nos anexos 6, 13 e 14; – comprovadas através de laudo de inspeção do local de trabalho, constantes do anexos 7, 8, 9 e 10; – abaixo dos mínimos de iluminamento fixados no anexo 4[60], exceto nos trabalhos de extração de sal.[61]
O empregador deve, ou ao menos deveria, adotar medidas coletivas e/ou individuais que tornem os agentes nocivos à saúde do trabalhador controláveis ou até mesmo extintos. Deste modo, preceitua o artigo 191, incisos I e II, da CLT, que trata da eliminação ou a neutralização da insalubridade[62], in verbis:
Art. 191. A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá: I – com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; II – com a utilização de equipamento de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância.[63]
Para Tuffi Messias Saliba, “as medidas relativas ao ambiente compreendem aquelas destinada a eliminar o problema em sua fonte e trajetória, como por exemplo: a instalação de um sistema de exaustão sobre uma bancada de polimento, onde há grande geração de poeira.”[64] Com a adoção dessa medida, segundo o autor, “a comprovação de sua eficácia será tida através da avaliação quantitativa da concentração de poeira, ou seja, verificando-se se está abaixo dos limites de tolerância.”[65] Não sendo possível ou suficiente o controle no ambiente, deve-se utilizar o controle individual, conclui o autor, de modo que “dentre as medidas individuais que podem ser aplicadas, a lei prevê o uso do equipamento de proteção individual (EPI), estabelecendo-se que deverá ele diminuir a intensidade do agente a limites de tolerância.”[66]
O Enunciado 289 do TST refere-se aos equipamentos de proteção individual, e assim determina,
O simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade, cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, dentre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento.[67]
Dessa linha jurisprudencial, Eduardo Gabriel Saad extrai as seguintes conclusões:
a) o Equipamento de Proteção Individual – EPI – deve ser adequado ao risco e, se não o for, nenhuma sanção se pode impor ao empregado que se recusar a usá-lo; b) é de exclusiva responsabilidade da empresa o emprego de EPI que esteja em correspondência com a natureza do risco; c) para proteger-se contra sanções administrativas ou contra ações judiciais, deve o empregador provar que entregou o EPI ao empregado e que adotou providências para fiscalizar o seu uso.[68]
Em relação à satisfação do respectivo adicional, o artigo 194 da CLT considera cessado o direito do empregado com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física[69], in verbis: “O direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física, nos termos desta Seção e das normas expedidas pelo Ministério do Trabalho[70].”[71]
Esta matéria encontra-se consolidada na jurisprudência através do Enunciado 248 do TST, ou seja: “A reclassificação ou descaracterização da insalubridade, por ato da autoridade competente, repercute na satisfação do respectivo adicional, sem ofensa ao direito adquirido ou ao princípio da irredutibilidade salarial”.[72]
A NR 15 do Ministério do Trabalho dispõe que a condição imposta no enunciado acima deverá ser feita por ato da autoridade competente, no caso de qualquer alteração no adicional de insalubridade em que: “A eliminação ou neutralização da insalubridade ficará caracterizada através de avaliação pericial por órgão competente, que comprove a inexistência de risco à saúde do trabalhador”.[73]
No entanto, para Eduardo Gabriel Saad, os artigos 191 e 194 da CLT são conflitantes:
Há, à primeira vista, conflito entre o que se estabelece no art. 191 e no art. 194 da CLT. Naquele se afirma que, com medidas de índole individual ou coletiva que eliminem ou neutralizem a agressividade dos agentes nocivos à saúde, desaparece o direito ao adicional; neste – no art. 194 – se assenta que “o direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física, nos termos desta Seção e das normas expedidas pelo Ministério do Trabalho.[74]
Em seguida, conclui o autor que a dissonância dos dois dispositivos legais (art. 191 e 194 da CLT), é somente aparente pois numa disposição se afirma que a eliminação ou neutralização da insalubridade “conduzem à extinção do direito ao adicional; noutro, isto só se observa pela eliminação do risco. Por outras palavras, num dispositivo se fala em eliminação ou neutralização da insalubridade e, no outro, em eliminação do risco que é o efeito da insalubridade.”[75]
Por fim, Valentin Carrion observa que a eliminação da insalubridade ou diminuição de seus efeitos sobre a pessoa humana é uma preocupação constante da medicina do trabalho, como o é da lei, em que: “As normas de proteção ao ambiente ou ao trabalhador, individualmente, dirigem-se e procuram não só os aerodispersóides (poeira), como diz a norma, mas todos os agentes.”[76] Em seguida, arremata o autor: “Os órgãos administrativos receberam uma faculdade legal importantíssima: a de determinar às empresas que introduzam as medidas adequadas para eliminar ou mitigar os efeitos do mal. Eliminação do adicional (art. 194).”[77]
2.3 DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
Segundo Guilherme José Purvin de Figueiredo, o Direito do Trabalho nasceu dentro de um “quadro histórico bastante definido: o advento da Revolução Industrial. Seu tema recorrente foi a questão social e a sua finalidade, claramente tutelar, era promover a dignidade dos seres humanos ou, mais especificamente, daqueles que trabalhavam nas indústrias.”[78]
A nova classe social que surgiu com a Revolução Industrial, trouxe uma degradação do meio ambiente natural e humano nunca visto antes, o que significou, aos trabalhadores, sujeição a doenças ocupacionais e a acidentes de trabalho.[79]
Para Guilherme José Purvin de Figueiredo o Direito do Trabalho nasceu com o objetivo de favorecer a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores. Segundo o autor, não seria exagero afirmar, portanto, que o “Direito do Trabalho surgiu com a finalidade precípua de promover a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores. Ele foi, em sua origem, um ramo do Direito sadio.”[80] As primeiras normas de Direito do Trabalho, num evidente paralelo com as normas de Direitos Humanos, “diziam respeito a obrigações negativas (direito à integridade física e mental, de não praticar atos que pudessem colocar em risco a saúde do trabalhador)”[81], informa ainda o autor que sem contar as “obrigações positivas (de serem tomadas as providências cabíveis para a proteção e preservação da saúde do trabalhador, aqui incluídas as medidas de prevenção de enfermidades)”[82].
O trabalhador sempre participou ativamente reivindicando condições saudáveis de trabalho, reclamando a avaliação do ambiente de trabalho como um todo e não somente a soma de fatores independentes, pois a presença de diversos riscos e agressões que afetam a saúde e a integridade física do trabalhador é constante no meio ambiente do trabalho.[83]
Busca-se cada vez mais a proteção ao meio ambiente do trabalho, principalmente na atualidade em que novos ideais avançam na direção da qualidade de vida do trabalhador, dentro e fora do local de trabalho, no qual duas novas tendências estão ganhando espaço: a preocupação com o meio ambiente vital e a busca da qualidade no sentido amplo.[84]
Mas, o estudo ao Meio Ambiente do Trabalho[85], somente adquiriu completo desenvolvimento no campo da Ciência do Direito[86] nas décadas de 60 e 70, mais precisamente com a Convenção de Estocolmo de 1972[87].[88]
Raimundo Simão de Melo observa que “O direito à vida, suporte para existência e gozo dos demais direitos, é um direito fundamental, sendo necessário, para sua proteção, assegurar-se os seus pilares básicos: trabalho digno e saúde.”[89]
Nas palavras de Sebastião Geraldo de Oliveira, o notável progresso do direito ambiental “influencia beneficamente a tutela jurídica da saúde do trabalhador e contribui na combinação dos esforços conjugados de vários ramos da ciência jurídica em prol do meio ambiente saudável, nele incluído o do trabalho.”[90]
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[91], em seu artigo 1º estabelece que, “a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, entre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho”.[92]
De acordo com o artigo 170, também da CRFB, observa-se que, “a ordem econômica[93], fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social[94], observada a defesa do meio ambiente”.[95]
O artigo 225 da CRFB dispõe:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. §1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: […] VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.[96]
Por sua vez, o artigo 196 da Carta Magna assegura que,
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.[97]
Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira, o artigo 196 da CRFB é um princípio geral na esfera do Direito do Trabalho, em que:
Particularizando esse princípio geral na esfera do Direito do Trabalho, pode-se concluir que a manutenção do ambiente de trabalho saudável é direito do trabalhador e dever do empregador. O empresário tem a prerrogativa da livre iniciativa, da escolha da atividade econômica e dos equipamentos de trabalho, mas, correlatamente, tem obrigação de manter o ambiente do trabalho saudável.[98]
O artigo 200[99] da CRFB complementa o artigo 196 da CRFB supra citado, sendo que este atribui ao Sistema Único de Saúde (SUS) competência para, além de outras atribuições, nos termos da lei, executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador e colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho[100]. [101]
Sebastião Geraldo de Oliveira conclui que o meio ambiente do trabalho está inserido no meio ambiente geral (Art. 200 – VIII da Constituição da República), “de modo que é impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando o meio ambiente do trabalho.”[102]
Ainda na CRFB, no âmbito trabalhista, o artigo 7º, inciso XXII, prevê:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.[103]
No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mais precisamente em seu artigo 10, inciso II, alínea a, prevê um importante instrumento de proteção do meio ambiente do trabalho, que é a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), sendo que para a eficácia da sua atuação, garante estabilidade provisória no emprego aos seus membros na forma da estabilidade do dirigente sindical[104], in verbis:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: […] II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato.[105]
De forma detalhada, tem-se ainda no Capítulo V, Título II da CLT e na Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho, já mencionada anteriormente, que tratam da segurança, higiene e medicina do trabalho[106].[107]
Marcus Moura Ferreira citado por Raimundo Simão de Melo, entende que o Brasil está entre os Estados mais desenvolvidos em relação à proteção legal ao meio ambiente mas, por outro lado, a realidade é contrastante, vejamos:
Como se observa, em termos de proteção legal ambiental estamos, certamente, entre os povos mais desenvolvidos. A realidade, não obstante isso, é outra, porque temos uma Constituição moderna, comprometida com os valores éticos e substantivos essenciais à realização das dimensões mais sensíveis do homem, e uma realidade cruel, que transita ao longe da superfície da ordem jurídica e das práticas que legitimam uma sociedade democrática e socialmente justa. O Estado brasileiro não se ocupa de criar uma dinâmica social nova e abrangente, de sorte a se poder afirmar que lhe cabe a decisiva responsabilidade pelo abismo que se formou entre os direitos positivados e a vida.[108]
Sebastião Geraldo de Oliveira observa que “Essa preocupação do enfoque multidisciplinar para a melhora do ambiente laboral é de suma importância porque o homem passa a maior parte da sua vida útil no trabalho, exatamente no período da plenitude de suas forças físicas e mentais”[109]. E continua: “daí por que o trabalho, freqüentemente, determina o seu estilo de vida, influencia nas condições de saúde, interfere na aparência e apresentação pessoal e até determina, muitas vezes, a forma da morte.”[110]
Conclui o mencionado autor, que com o passar do tempo e o acúmulo da experiência, a legislação vem atuando para garantir o ambiente de trabalho saudável, de modo a assegurar que o “exercício do trabalho não prejudique outro direito humano fundamental: o direito à saúde, complemento inseparável do direito à vida. As preocupações ecológicas avançam para também preservar o homem como trabalhador.”[111]
3 O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE SOB O PRISMA CONSTITUCIONAL
3.1 DOS DIREITOS SOCIAIS
Os direitos sociais, também chamados de direitos de segunda dimensão, dominaram o século XX da mesma forma que os direitos de primeira dimensão dominaram o século XIX. Os direitos sociais são também denominados: culturais, econômicos, coletivos ou de coletividade. Nasceram cerceados ao princípio da igualdade[112], razão pela qual os ampara e estimula e do qual não se podem separar.[113]
Para Nelson Nery Costa e Geraldo Magela Alves, a reivindicação visando melhoria no aspecto social teve início ainda no século XIX:
No século XIX, a cidadania passou a conter aspectos sociais, principalmente em decorrência do movimento dos trabalhadores que, organizados através de associações e sindicatos, passou a fazer várias reivindicações, em especial pela jornada de oito horas de trabalho. Diante dos conflitos entre o capital e o trabalho, o Poder Público passou a assumir uma série de atividades que antes não lhe competiam, como a educação, a saúde, a seguridade e a previdência social, dentre outras.[114]
Segundo Paulo Bonavides, os direitos sociais foram objeto de uma investigação teórica sob esferas filosóficas e políticas com marcante feição ideológica:
Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também de maneira clássica no constitucionalismo da social-democracia, dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra.[115]
A primeira Constituição que disciplinou sistematicamente a ordem social[116] e a ordem econômica, adquirindo então dimensão jurídica, foi a Constituição mexicana de 1917, seguindo-se a Declaração do Povo Oprimido e Trabalhador russa, de 1918 e a Constituição alemã de Weimar, de 1919. No Brasil, foi a Constituição de 1934 que previu pela primeira vez um título sobre a ordem econômica e social, tendo como preponderância a Constituição de Weimar.[117]
Os direitos sociais, em razão de sua natureza ser de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais e que nem sempre são resgatáveis por serem escassas, por carência ou limitação essencial de meios e recursos, passaram, inicialmente, por um período de baixa normatividade obtendo também eficácia duvidosa.[118]
José Afonso da Silva traz o conceito de direitos sociais:
Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. (grifo do autor) [119]
Destarte, Paulo Bonavides relata que os direitos sociais foram remetidos a uma esfera programática, segundo o autor a juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada “esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade.”[120] Atravessaram, segundo o mencionado autor, “a seguir uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.”[121]
Continua o autor:
De tal sorte que os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma. Com efeito, até então em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador.[122]
Alexandre de Moraes afirma que os direitos sociais são direitos fundamentais do homem:
Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. (grifo do autor) [123]
A Constituição da República, em seu capítulo II, do título II (art. 6º ao art. 11), traz um capítulo próprio dos direitos sociais, porém, esses direitos sociais enumerados não são taxativos, podendo ser encontrados difusamente na própria Constituição.[124]
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em assembléia geral pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, preceitua em seu artigo XXII, que:
Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômico, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.[125]
O artigo 6º da CRFB proclama que: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”[126]
Convém salientar que a expressão “moradia” que consta no artigo 6º, foi acrescentada pela Emenda Constitucional nº 26/00. Sylvio Motta e William Douglas, fazem uma crítica às tantas Emendas Constitucionais que não passam de utopia para a maioria da população:
A Emenda Constitucional nº 26/00 incluiu a expressão “moradia” no caput do art. 6º como uma forma demagógica de o governo devidamente acumpliciado com o Congresso Nacional demonstrar uma preocupação com a concessão deste direito social ao brasileiro. Apenas mais um dos muitos direitos sociais que são, infelizmente, mera utopia para a maioria das gentes desse pobre país. Sempre é bom ressaltar que o dinheiro gasto na tramitação deste projeto de emenda constitucional teria, sem dúvida alguma, melhor destino se fosse empregado para construção de casas populares a fim de que, pelo menos, alguns dos milhões de brasileiros, efetivamente, conquistassem o direito a morar com dignidade.[127]
Alexandre de Moraes elucida em sua obra que para garantir maior efetividade aos direitos sociais, “a Emenda Constitucional nº 31, de 14 de dezembro de 2000, atenta a um dos objetivos fundamentais da República – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais -, criou o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza” (grifo do autor) [128]. Tal programa foi instituído “no âmbito do Poder Executivo Federal, para vigorar até 2010, e tendo por objetivo viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência[129]”, devendo, desta forma, a aplicação de seus recursos “direcionar-se às ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.[130]”
O artigo 7º da CRFB, trata dos direitos dos trabalhadores, ou seja, aqueles que mantêm relação de natureza trabalhista, fazendo referência expressa a trabalhadores urbanos e rurais[131], destinando seu parágrafo único aos empregados domésticos. Nos artigos 8º ao 11, estão compreendidos os direitos coletivos dos trabalhadores, tais como: a liberdade sindical (artigo 8º), direito de greve (artigo 9º), de participação laboral (artigo 10) e de representação na empresa (artigo 11).[132]
José Afonso da Silva traz uma classificação dos direitos sociais do homem como produtor e como consumidor, para o autor :
Entram na categoria de direitos sociais do homem produtor os seguintes: a liberdade de instituição sindical (instrumento de ação coletiva), o direito de greve, o direito de o trabalhador determinar as condições de seu trabalho (contrato coletivo de trabalho), o direito de cooperar na gestão da empresa (co-gestão ou autogestão) e o direito de obter um emprego. São os previstos nos arts. 7º a 11. Na categoria dos direitos sociais do homem consumidor entram: os direitos à saúde, à segurança social (segurança material), ao desenvolvimento intelectual, o igual acesso das crianças e adultos à instrução, à formação profissional e à cultura e garantia ao desenvolvimento da família, que são, como se nota, os indicados no art. 6º e desenvolvidos no título da ordem social. (grifo do autor) [133]
Além dos direitos sociais elencados no capítulo II, do título II, da CRFB, José Afonso da Silva entende que o direito de substituição processual[134], onde o sindicato pode ingressar em juízo, em nome próprio, na defesa dos interesses coletivos e individuais da categoria, faz parte dos direitos sociais, segundo o autor:
Direito de substituição processual, no caso, consiste no poder que a Constituição conferiu aos sindicatos de ingressar em juízo na defesa de direitos e interesses coletivos e individuais da categoria. É algo diferente da representação nas negociações ou nos dissídios coletivos de trabalho. Claro que, aqui, o sindicato está no exercício de prerrogativa que lhe é conatural. O ingresso em juízo, e qualquer juízo, ou mesmo na administração, para defender direitos ou interesses individuais, especialmente, mas também coletivos, da categoria, é atribuição inusitada, embora de extraordinário alcance social. Trata-se, a nosso ver, de substituição processual, já que ele ingressa em nome próprio na defesa de interesses alheios[135]. (grifo do autor) [136]
Segundo Alexandre de Moraes os direitos sociais previstos constitucionalmente são “normas de ordem pública, com a característica de imperativas, invioláveis, pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista.”[137] Infere o autor citando Arnaldo Süssekind:
Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho, uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal; mas sem violar as respectivas normas. Daí decorre o princípio da irrenunciabilidade, atinente ao trabalhador, que é intenso na formação e no curso da relação de emprego e que se não confunde com a transação, quando há res dubia ou res litigiosa no momento ou após a cessação do contrato de trabalho. (grifo do autor) [138]
Por fim, acrescenta Paulo Bonavides que se na fase da primeira geração os direitos fundamentais consistiam essencialmente no estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade, a partir da “segunda geração tais direitos passaram a compreender, além daquelas garantias, também os critérios objetivos de valores bem como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruência fundamental de suas regras.”[139]
Conclui o autor:
A concepção de objetividade e de valores relativamente aos direitos fundamentais fez que o princípio da igualdade tanto quanto o da liberdade, tomasse também um sentido novo, deixando de ser mero direito individual que demanda tratamento igual e uniforme para assumir uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado.[140]
3.2 A BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
O adicional de insalubridade consiste em parcelas contraprestativas suplementares devidas ao empregado[141] em razão de exercício do trabalho em circunstâncias tipificadas como insalubres.[142]
Mauricio Godinho Delgado entende que os adicionais têm característica salarial e não indenizatória, como se pode observar:
Os adicionais, em regra, são calculados percentualmente sobre um parâmetro salarial. Essa característica é que os torna assimiláveis à figura das percentagens, mencionada no art. 457, §1º, da CLT[143] (embora o critério de percentagens não esteja ausente também de outras parcelas salariais distintas, como as comissões, o salário prêmio, modalidades de cálculo do salário por unidade de obra, etc.). (grifo do autor) [144]
O referido autor fornece elementos de distinção entre os adicionais em relação às outras verbas salariais:
O que distingue os adicionais de outras parcelas salariais são tanto o fundamento como o objetivo de incidência da figura jurídica. Os adicionais correspondem a parcela salarial deferida suplementarmente ao obreiro por este encontrar-se, no plano do exercício contratual, em circunstâncias tipificadas mais gravosas. A parcela adicional é, assim, nitidamente contraprestativa: paga-se um plus em virtude do desconforto, desgaste ou risco vivenciados, da responsabilidade e encargos superiores recebidos, do exercício cumulativo de funções, etc. Ela é, portanto, nitidamente salarial, não tendo, em conseqüência, caráter indenizatório (ressarcimento de gastos, despesas; reparação de danos, etc.). Este o entendimento que prevalece na doutrina e jurisprudência pátrias (inúmeras súmulas controem-se atestando a natureza salarial dos adicionais: 60[145] e 265[146]; 76[147] e 291[148]; 80[149] e 248[150], todas do TST). Está, portanto, superada, no país, a classificação indenizatória que eventualmente se realiza quanto aos adicionais em algumas poucas análises ainda divulgadas na literatura justrabalhista. (grifo do autor) [151]
O adicional de insalubridade, que originariamente chamava-se “acréscimo de salário”, foi pela primeira vez previsto no art. 6º, §1º, do Decreto-Lei nº 2.162, de 1º de maio de 1940, que incidia sobre o salário mínimo: “Conforme se trate dos graus máximo, médio ou mínimo, o aumento de salário, tomando por base o salário mínimo que vigorar para o trabalhador adulto local, será de 40%, 20% e 10%, respectivamente.”[152]
Em 1964, pelo Prejulgado nº 08 do TST, convolado em Enunciado 137: “É devido o adicional de serviço insalubre, calculado à base do salário mínimo da região, ainda que a remuneração contratual seja superior ao salário mínimo acrescido da taxa de insalubridade”.[153]
O Enunciado 17 do TST, nascido com a Resolução Administrativa nº 28/69, trouxe outra base de incidência do adicional de insalubridade: “O adicional de insalubridade devido a empregado que percebe, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa, salário profissional, será sobre este calculado”.[154]
A CLT, em seu artigo 192, com a redação vinda com a Lei nº 6.514/77, estabelece que é o “salário mínimo da região” a base de cálculo do adicional de insalubridade, in verbis:
Art. 192. O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.[155]
Nesse sentido é o Enunciado 228 do TST, advindo com a Resolução nº 14/85, DJ, 19.09.85: “O percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo de que cogita o artigo 76 da Consolidação das Leis do Trabalho.”[156]
Com o surgimento do Enunciado 228, a aplicabilidade do Enunciado 17 ficou controvertido, advindo então a Resolução do TST nº 29/94 determinando o cancelamento deste Enunciado, sanando deste modo, a controvérsia.[157]
O Decreto-Lei nº 2.284/86[158] trouxe a unificação do salário mínimo para todo o território nacional.[159]
Fato que fez desenvolver grande discórdia na jurisprudência, foi a promulgação do Decreto-Lei nº 2.351/87, que instituiu o Piso Nacional de Salários[160] e o Salário Mínimo de Referência[161], obtendo duas correntes: uma que acolhia como base de cálculo do adicional de insalubridade o Piso Nacional de Salários; e a outra, o Salário Mínimo de Referência.[162]
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não recepcionou o Piso Nacional de Salários e o Salário Mínimo de Referência, trazendo em seu artigo 7º, inciso IV[163], a vedação à vinculação do salário mínimo para qualquer fim.[164]
Atualmente, a Resolução nº 121/03 (DJ 19.11.2003) editada pelo Tribunal Pleno do TST, restaurou o Enunciado nº 17 e revisou o Enunciado nº 228 que passou a ter a seguinte redação: “o percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo de que cogita o art. 76[165] da CLT, salvo as hipóteses previstas no Enunciado 17”[166].
3.3 O CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE APÓS A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
O artigo 7º, inciso XXIII da CRFB dispõe que: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.”[167]
A CLT em seu artigo 192 informa sua base de cálculo para o adicional de insalubridade, qual seja:
O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de quarenta por cento, vinte por cento e dez por cento do salário mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.[168]
Em relação aos artigos acima transcritos, existe intenso debate doutrinário e jurisprudencial a respeito de qual seria, a partir da promulgação da CRFB, a base a ser considerada para o cálculo do adicional de insalubridade, resultando, conforme irá se constatar a seguir, três principais correntes, quais sejam:[169]
A primeira corrente diz respeito ao entendimento de que a norma constitucional (art. 7º, inc. XXIII) não dispõe sobre a base de cálculo do adicional de insalubridade, mas que o referido adicional tem somente caráter remuneratório.[170]
Nesse sentindo é o entendimento de Amauri Mascaro Nascimento:
A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 192) dispõe que o adicional de insalubridade é calculado sobre o salário mínimo. A Constituição não altera essa regra. Não declara que o adicional incidirá sobre a remuneração. Refere-se a adicional de remuneração e não a adicional sobre remuneração. Logo, enquanto não for elaborada lei dispondo em contrário, prevalecerá o critério da Consolidação das Leis do Trabalho. (grifo do autor) [171]
Do mesmo modo entende Sergio Pinto Martins:
O inciso XXIII do art. 7º da Constituição não dispõe que o adicional de insalubridade é calculado sobre a remuneração, mas sim que se trata de um adicional “de remuneração”. O adicional não será, portanto, calculado sobre a remuneração ou sobre o salário contratual do empregado. O cálculo do adicional de insalubridade continua a ser feito sobre um determinado valor previsto na legislação ordinária, mas não sobre a remuneração. Há que se entender que o sentido da palavra remuneração a que se refere a Lei Fundamental é o do verbo remunerar e não propriamente a remuneração de que trata o art. 457 da CLT.[172]
A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região também é neste sentido:
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. A Constituição de 1988 não derrogou a norma do art. 192 da CLT, que determina o cálculo do adicional de insalubridade com base no salário mínimo. A expressão “remuneração” no art. 7º, XXIII, da Constituição Federal, não está ali no sentido técnico adotado no âmbito do direito do trabalho, inserindo-se em contexto de norma de eficácia contida, a ser complementada na esfera infraconstitucional, o que é feito pelo referido dispositivo consolidado. A vedação contida no art. 7º, IV, da CF/88, diz respeito à utilização do salário mínimo como índice de atualização monetária (TRT 3ª Reg., 4ª T., RO 12.345/96, Rel. Juiz Márcio Flávio Salem Vidigal, DJMG, Caderno V, 25.1.97, pág. 7).[173]
Portanto, como se pode observar, para essa corrente a base de cálculo do adicional de insalubridade é o salário mínimo, em razão de que a CRFB emprega a preposição “de” e não a preposição “sobre” no que, gramaticalmente altera o significado da palavra remuneração.[174]
Salienta Susy Lani Desideri que o método gramatical é o de menor relevância, segundo a autora:
Contudo, observando o texto do art. 192 da CLT, nota-se que estabelece “adicional respectivamente de 40%…, 20%… e 10%… do salário mínimo”. A lei ordinária, como se vê, ao tratar da matéria, usa a preposição de quando poderia ter usado sobre. Seria possível, portanto, entender que o constituinte, ao dispor sobre a base de cálculo dos adicionais referidos no inc. XXIII do art. 7º, inspirou-se na sintaxe empregada no artigo de lei antes aludido. Por isso, pensa-se que o método gramatical é de menor relevância para a análise pretendida, pois, isoladamente, não permite obter-se uma conclusão segura e definitiva.[175]
Continua a autora,
Entende-se, pelos motivos adiante explicitados, que, salvo quanto ao adicional de penosidade, o dispositivo constitucional é perfeitamente auto-aplicável, na medida em que recepcionadas – “na forma da lei” diz o inc. XXIII – as normas da CLT pertinentes ao assunto, inclusive a contida no art. 192, exceto no que se refere à base de cálculo, pois, atualmente, tal artigo de lei pode ser lido do seguinte modo: o trabalho em meio ambiente insalubre “… assegura a percepção de adicional respectivamente de 40%…, 20%… e 10%… da remuneração, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo”.[176]
A segunda corrente defende a tese de que a CRFB proíbe a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, conforme prevê o artigo 7º, inciso IV, in verbis:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. (sem grifos no original) [177]
De acordo com Sebastião Geraldo de Oliveira a CRFB é clara quando diz que o salário mínimo não pode ser vinculado. Para o autor o entendimento de que a intenção do constituinte era somente evitar a utilização do salário mínimo como fator de indexação em sentido estrito “não vem tendo acolhimento no âmbito do STF, que considera a proibição como vedação absoluta. De fato, pelo texto constitucional, a expressão ‘para qualquer fim’ não autoriza mesmo outro entendimento.”[178]
O Excelso Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a matéria em comento, vem decidindo o seguinte:
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacificou-se no sentido de proibir a fixação de qualquer espécie de retribuição em múltiplos do salário mínimo, não estando, porém, abrangidas por essa vedação as hipóteses em que o objeto da prestação expressa em salário mínimo tem a finalidade de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, constitucionalmente protegidas pelo inciso IV, do art. 7º (STF – Pleno – Adin nº 751/GO – Rel. Min. Sydney Sanches; STF – 2ª T. – R. Extr. Nº 170.203-6/GO – Rel. Min. Ilmar Galvão; STF – 2ª T. – Ag. Rg. no Ag. Instr. nº 178.786-5/RS – Rel. Min. Maurício Corrêa).[179]
E ainda,
Salário mínimo – vinculação. A teor do disposto no inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, descabe tomar o salário mínimo como fator relativo a cálculo de parcela ainda que de natureza trabalhista. (Cf. Brasil. STF, 2ª T. RE nº 221.234-4, Relator: Min. Marco Aurélio, Ac. de 14 de mar. 2000, DJ 5 maio 2000).[180]
O Supremo Tribunal Federal também proíbe a vinculação do salário mínimo ao cálculo do adicional de insalubridade, como pode ser observado: “EMENTA: Adicional de insalubridade: vinculação ao salário mínimo, estabelecida pelas instâncias ordinárias, que contraria o disposto no art. 7º, IV, da Constituição: precedentes.”[181]
Logo, para os que seguem esta corrente, deve-se utilizar outras bases de cálculo para o adicional de insalubridade, menos o salário mínimo. Neste sentido é o entendimento da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho:
Adicional de Insalubridade – Base de Cálculo – A disposição contida no art. 7º, inc. IV, parte final, da CF importa na revogação expressa do art. 192 da CLT, onde este determina a observância do salário mínimo, de que cogita o art. 76 da CLT, como base de cálculo para o adicional de insalubridade. Suplantação, portanto, também do entendimento jurisprudencial contido no Enunciado 228 do TST. Deve-se, assim, observar o piso salarial de uma determinada categoria, que, em princípio, é o salário mínimo que o integrante daquela atividade profissional deve receber como contraprestação mínima pelo seu labor, como a base de cálculo do adicional, como apoio no preceituado pelo art. 7º, inc. V, da Constituição Federal (TST, 5ªT, RR 19.098/90-4, ac. 288/91, rel. Min. Norberto Silveira).[182]
Porém, a jurisprudência dominante do TST era de que a base de cálculo do adicional de insalubridade era o salário mínimo, como se pode ver: “RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. O salário mínimo e não, o salário contratual do empregado (Orientação Jurisprudencial nº 02 da SEBDI I). Recurso de revista a que se dá provimento.”[183]
E ainda,
RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO. Acórdão em que se estabelece como base de cálculo do adicional de insalubridade o salário contratual e não, o salário mínimo. Violação do art. 192 da CLT. Recurso ordinário a que se dá provimento.[184]
Como se verifica também na Orientação Jurisprudencial nº 2 da Seção Especializada em Dissídios Individuais do TST em que prevê: “Adicional de Insalubridade. Base de cálculo. Mesmo na vigência da CRFB: salário mínimo.”[185]
Recentemente o TST, modificando sua jurisprudência, editou o Enunciado 228 e restaurou o Enunciado 17, verificando-se ainda que, em alguns casos este Tribunal Superior continua utilizando o salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, como pode ser observado em recente decisão:
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – Base de cálculo. Salário mínimo e salário profissional. Aplicação do Em. 228/TST aos casos em que o empregado, por força de lei, percebe salário profissional, não era questão pacífica no âmbito deste Tribunal à época do julgamento da Revista. A controvérsia, aliás, recentemente recebeu luzes, pois o Tribunal Pleno desta Corte, por meio da Res. 121/03 (DJ 19.11.2003), entendeu por bem restaurar o En. 17/TST, o qual registra que “o adicional de insalubridade devido a empregado que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa, percebe salário profissional será sobre este calculado”, e, de outro lado, revisou o referido En. 228/TST, que passou a prever que “o percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo de que cogita o art. 76 da CLT, salvo as hipóteses previstas no En. 17”.[186]
Convém transcrever o entendimento de Amauri Mascaro Nascimento em relação à vedação do salário mínimo, segundo o autor:
A Constituição veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, significando que o mesmo não pode servir de base para contratos ou outros tipos de obrigações que adotam um determinado tipo de fator como índice para o reajuste periódico dos pagamentos que prevê. É vedado o uso do salário mínimo como índice de atualização de dívidas em geral. A medida foi adotada ao se concluir que a indexação do salário mínimo vinha dificultando a sua elevação na medida em que provocava efeitos sobre toda a economia, em desacordo com os propósitos de contenção da elevação dos preços como forma de combate à inflação.[187]
Nessa linha também é o entendimento de Eduardo Gabriel Saad:
Em nosso entendimento, o dispositivo sob análise não conflita com o inciso IV do art. 7º da Constituição Federal. Neste, é vedada a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, isto é, não mais é admitido que ele se constitua em unidade monetária ou sirva de base à correção de valor ajustado contratualmente. No art. 192 o salário mínimo é apenas a base de cálculo do adicional de insalubridade. Contrariando a corrente maior da doutrina e, também, o Enunciado n. 228 do TST, as duas Turmas do Supremo Tribunal já se manifestaram pela inconstitucionalidade do emprego do salário mínimo no cálculo do adicional de insalubridade. Inobstante, continuamos a entender que o inciso IV, do art. 7º da Constituição, só proíbe o uso do salário mínimo como fator de correção monetária. Esperamos que o Plenário da Corte Suprema acabe por perfilhar o entendimento da Justiça do Trabalho e da parcela maior da doutrina pátria.[188]
Por fim, a terceira corrente consagra a tese de que o adicional de insalubridade deve incidir sobre a remuneração.[189]
Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante seguem essa corrente:
Entendemos que o art. 192 da CLT, diante da nova ordem constitucional, foi recepcionado quanto aos percentuais do adicional de insalubridade e sua sistemática de cálculo em graus – mínimo, médio e máximo, contudo, não houve a recepção em relação à base de cálculo. Não houve a recepção, na medida em que o próprio texto constitucional fala em adicional de remuneração. Devemos compreender que o adicional de insalubridade, como a periculosidade e a penosidade, devem ser calculados sobre a remuneração do trabalhador. Remuneração não é, bem como não pode ser tida como sinônimo de salário mínimo, como também salário mínimo não se confunde com piso salarial (art. 7º, IV e V, CF). [190]
Sebastião Geraldo de Oliveira também entende que a base de cálculo do adicional de insalubridade deve ser a remuneração do trabalhador, para o autor:
O cálculo correto desse adicional deve considerar o salário contratual, sem os acréscimos, como é apurado o adicional de periculosidade e não o salário mínimo. Pode-se argumentar, é certo, que o dispositivo remete o assunto para regulamentação por lei ordinária e, nessa hipótese, prevaleceria, pelo princípio da recepção, a base de cálculo fixada no art. 192 da CLT. Todavia, não se pode ignorar o vocábulo “remuneração” constante da Carta Política, cuja acepção tem contornos bem definidos na doutrina jurídico-trabalhista, valendo ressaltar que a presunção, sobretudo no Direito Constitucional, é de que o legislador tenha preferido a linguagem técnica.[191]
Também neste sentido é o entendimento de alguns Tribunais Regionais do Trabalho, que vêm decidindo:
Adicional de Insalubridade e Salário Mínimo – Base de Cálculo – Revogação do art. 192, segunda parte, da CLT – Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 – art. 7º, inc. IV -, e da Lei. n. 7.789/89, que proibiram a vinculação do salário mínimo para todos os fins, restou revogado, por absoluta incompatibilidade, o art. 192, segunda parte, da CLT. Aplicável ao caso o disposto no art. 8º e seu parágrafo único, da CLT, combinado com os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, restando como base de cálculo do adicional de insalubridade o salário contratual do empregado. (Cf. São Paulo, TRT, 2ª Reg., Relatora: Juíza Maria Aparecida Duenhas, Ac. n. 02970211070 de 23 de maio de 1997, in Revista LTr, v. 61, n. 10, p. 1389).[192]
E ainda,
Adicional de insalubridade sobre a remuneração – Ao usar, no art. 7º, item XXIII, o termo “remuneração” em vez de salário para qualificar o adicional que deve ser pago pelo trabalho prestado em condições penosas, insalubres ou perigosas, o legislador constituinte teve clara intenção de aumentar a base sobre a qual incide o trabalho realizado em condições adversas, revogando assim o art. 192 da CLT. Esta interpretação está autorizada, não só pela clara distinção entre remuneração e salário, assentada pelo próprio legislador e consolidada no art. 457, como também pelo espírito do legislador constituinte ao prometer, no item XXII do art. 7º, “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Qualquer outra interpretação colocaria a Constituição em contradição consigo própria pois, enquanto promete a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, facilita sua prestação, permitindo que o empregador pague menos pelo trabalho exercido em condições desfavoráveis. Jamais se preservará o trabalho, valor repetidamente estimado pela Constituição Brasileira (art. 1º, item IV, art. 170 e 193) sem se preservar o trabalhador que é a fonte única dos bens e serviços de que carece toda e qualquer sociedade organizada. (Cf. Minas Gerais, TRT, 3ª Reg., 3ª Turma., RO n. 6.866/95, Relator: Juiz Antônio Álvares da Silva, DJMG 31 out. 1995, p. 55).[193]
Observa Susy Lani Desideri que, nessa corrente, deve-se ater também no aspecto social que contém o inciso XXIII do art. 7º da CRFB, segundo a autora,
Tem-se por mais relevante a análise dos fins da norma contida no inc. XXIII, especialmente quanto ao aspecto social que lhe pode ser emprestado. Tal aspecto não implica perquirir os objetivos do legislador constituinte, pois a lei possui vida própria, independente da intenção daqueles que a conceberam. Tendo isso em mente, entende-se que a CF/88 visou a igualar a base de cálculo dos adicionais de insalubridade e periculosidade, bem como elevar a expressão econômica destes sobre-salários.[194]
Prossegue a autora, dizendo que não se justifica que o adicional de insalubridade seja calculado considerando-se base inferior ao do adicional de periculosidade, pois a insalubridade corresponde a um dano efetivo, que vai, paulatinamente, “comprometendo a saúde do empregado e criando as condições para o desenvolvimento de doenças profissionais. A periculosidade, a seu turno, refere-se a um dano apenas potencial, que somente ocorre por exceção.”[195]
Da mesma forma, Sebastião Geraldo de Oliveira não encontra razão para que o adicional de insalubridade tenha tratamento distinto, devendo-se observar, no entanto, a natureza e finalidade dos adicionais, para o autor:
Os adicionais são parcelas complementares ao salário que visam a compensar o empregado por um trabalho desgastante ou penoso, prestado em condições mais adversas do que as normais. Aquele que trabalha além da duração normal recebe o salário acrescido das horas extras; se trabalha à noite, recebe o adicional noturno; quando labuta em condições perigosas, recebe o adicional de periculosidade etc. Todos os outros adicionais são calculados sobre o salário contratual, não havendo razão lógica nem jurídica para dar tratamento diverso para o adicional de insalubridade, contrariando o vetusto brocardo: “Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio; ubi eadem legis ratio, ibi ipsa lex[196]”.[197]
Entretanto, essa indecisão da diferença de tratamento jurídico do adicional de insalubridade em relação aos demais adicionais é também registrada por Eduardo Gabriel Saad:
É inquestionável que os riscos produzidos pela insalubridade e aqueloutros que se originam de manipulação de explosivos ou inflamáveis se revestem da mesma gravidade, pois qualquer deles pode incapacitar o trabalhador para o serviço ou mesmo matá-lo. A diferença reside no fato de que as causas insalubres de ordinário geram doenças de forma lenta, devagar, ao passo que os explosivos e inflamáveis – de regra – têm ação simultânea, rápida, instantânea. Os efeitos, porém, desses agentes confundem-se na gravidade de que se revestem. Motivos de ordem humana ou econômica só sugerem a igualdade no cálculo dos adicionais de insalubridade e de periculosidade. Mas, estranhamente, a CLT manda calcular o primeiro com base no salário mínimo e, o segundo, sobre o salário contratualmente ajustado e despojado das gratificações, prêmios e participação nos lucros. Quanto a estes, por força de disposição constitucional, perdeu definitivamente índole salarial.[198]
Em vista disso, a CRFB ao adotar a palavra remuneração, quis corrigir a diferença no tratamento entre os adicionais de insalubridade, periculosidade e penosidade.[199]
Salienta Sebastião Geraldo de Oliveira que, além do adicional de insalubridade dever incidir sobre a remuneração, o legislador deveria agravar o percentual do adicional para que, com isso, o empregador se motivasse a melhorar o meio ambiente de trabalho. Segundo o autor:
Além da incidência do adicional de insalubridade sobre a remuneração, deve-se agravar o percentual para que o custo das condições nocivas à saúde fique mais elevado, motivando o empresário a suprimir o agente danoso para evitar a despesa. Se no caso das horas extras, por exemplo, o adicional subiu de 20% ou 25% para 50% e os instrumentos normativos estabelecem percentuais de 100% ou até mais, por que só o adicional de insalubridade permanece com os mesmos critérios estabelecidos há mais de meio século?[200]
Destaca Susy Lani Desideri que deveria existir o adicional de insalubridade somente após esgotadas todas as medidas de saneamento ambiental, devendo ter um caráter ambiental, para a autora:
Cabe considerar, ainda, que receber o adicional de insalubridade se constitui em um direito, por assim dizer, de caráter secundário, no sentido de que a Carta Política de 1988, em mais de um artigo (v., p. ex., 6º, 7º, inc. XXII; 200, inc. VIII); a Consolidação das Leis do Trabalho, no capítulo intitulado “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”; bem como diversos regulamentos do Ministério do Trabalho garantem ao empregado, precipuamente, o direito à saúde. Logo a percepção de adicional de insalubridade como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, somente deveria surgir quando, apesar de adotadas todas as medidas possíveis de saneamento ambiental e mesmo com o uso de equipamentos de proteção, persistisse a nocividade à saúde do meio ambiente de trabalho. [201]
Porém a realidade é outra, como o valor a ser pago pelo adicional é ínfimo, para os empregadores é muito mais econômico remunerar a investir na qualidade do meio ambiente de trabalho, conforme demonstra Susy Lani Desideri:
Contudo, tendo em vista a irrisoriedade do plus salarial em debate, algumas empresas preferem contraprestar o adicional ao invés de investir em medidas de saneamento ambiental, ou na aquisição de equipamentos protetores. Nesse contexto, elevar a base de cálculo do adicional de insalubridade e, conseqüentemente aumentar sua expressão econômica, contribui para desestimular o descaso para com a saúde do trabalhador. Verdade que significativo contingente de operários é assalariado com o mínimo legalmente possível. Contudo, deve-se considerar que o meio ambiente de trabalho insalubre afeta a uma coletividade de empregados. Assim, ainda que, em muitos casos, não ocorra, individualmente, um aumento na expressividade do sobre-salário, haverá, no geral, um investimento em medidas destinadas a corrigir o meio ambiente de trabalho, no sentido de torná-lo salubre. Trata-se, em suma, de forma indireta, mas eficiente, de obter um comportamento positivo por parte do empregador. Cabe reparar, ao ensejo, que, no campo tributário, se tem utilizado o aumento da carga de impostos como maneira indireta de refrear determinados comportamentos, com resultados mais efetivos, geralmente, do que a proibição pura e simples (v., p. ex., inc. II do §4º do art. 182 da CF).[202]
Convém trazer a esta pesquisa científica, uma quarta corrente que somente foi abordada por Evaristo de Moraes Filho em que, os seguidores dessa corrente, defendem a tese de que somente deveria receber o adicional de insalubridade o trabalhador que receberia o salário mínimo previsto em lei, expõe o autor:
Segundo o Ministro Mozart Victor Russomano, havia uma corrente defendendo a tese de que a idéia do Legislador, ao criar o adicional de insalubridade, fora a de aumentar o salário mínimo, não alcançando o benefício, portanto, aqueles empregados que percebessem importância superior ao salário mínimo. Considera ela a questão elucidada pelo TST, através do Enunciado n. 137, que estabelece: “É devido o adicional de serviço insalubre, calculado à base do salário mínimo da região, ainda que a remuneração contratual seja superior ao salário mínimo acrescido da taxa de insalubridade”.[203]
3.4 REMUNERAÇÃO E SALÁRIO
O salário desponta como uma contraprestação do serviço do trabalhador, em conseqüência da comutatividade e onerosidade do contrato de trabalho, sendo portanto, um direito individual decorrente da relação jurídica privada entre o empregador e o empregado.[204]
Para Mauricio Godinho Delgado, remuneração ou salário é um conjunto de parcelas retributivas em que:
A onerosidade consiste em um dos elementos fático-jurídicos componentes da relação empregatícia. Ela se manifesta no contrato de trabalho através do recebimento pelo empregado de um conjunto de parcelas econômicas retributivas da prestação de serviços ou, mesmo, da simples existência da relação de emprego. Trata-se de parcelas que evidenciam que a relação jurídica de trabalho formou-se com intuito oneroso por parte do empregado, com intuito contraprestativo, com a intenção obreira de receber retribuição econômica em virtude da relação laboral estabelecida. (grifo do autor)[205]
Eduardo Gabriel Saad também entende que o salário é uma retribuição do trabalho prestado, podendo ser em dinheiro ou in natura, trazendo ainda as características fundamentais do salário, segundo o autor, citando Gérard Lyon-Caen:
Seus caracteres fundamentais são os seguintes: 1º – É uma soma de dinheiro (ou excepcionalmente uma prestação in natura), constituindo objeto de uma obrigação periódica, exigível a intervalos regulares, chamada também de renda: renda do trabalho. Tem conseqüências na ordem fiscal e na ordem civil. 2º – Diz-se, por vezes, que essa obrigação tem caráter alimentar. No rigor dos princípios jurídicos, esta afirmação não é exata: ela não nasce das necessidades do trabalhador na sua própria subsistência; é isto que explica ter a lei submetido o salário a um regime jurídico que apresenta certas afinidades com o dos alimentos. 3º – O salário é um crédito forfaitaire. Independe dos riscos do empregador. Existe, entretanto, uma tendência a atenuar esta característica fundamental, notadamente introduzindo na remuneração um elemento de variabilidade.[206]
Acrescenta Amauri Mascaro Nascimento que não há conceito de salário na CLT, e que para o autor o conceito doutrinário de salário é: “a totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou meio de pagamento, quer retribuam o trabalho efetivo, os períodos de interrupção do contrato e os descansos computáveis na jornada de trabalho.”[207]
No passar do tempo, o conceito de salário ultrapassou os limites individuais do contrato de trabalho ganhando, exclusivamente em relação ao direito previdenciário, características mais nobres, passando a ter caráter social e natureza alimentícia.[208]
Segundo Evaristo de Moraes Filho e Antonio Carlos Flores de Moraes:
Sob o aspecto social, o salário passou a corresponder à renda nacional, parcela integrante do Produto Interno Bruto (PIB), bem como a constituir base de cálculo para a tributação, para as contribuições previdenciárias e para o FGTS. Assim, ficou patente o caráter social do salário, pois, quanto maior a renda per capita, melhor a qualidade de vida da população. Deve-se acrescentar, ainda que o aumento da renda nacional gera o incremento da poupança interna e, em conseqüência, o desenvolvimento econômico. No que se refere à segunda característica, o salário deixa de ser mera contraprestação dos serviços do empregado, para se transformar na renda de sustento da família. Na sua falta, inclusive, em caso de desemprego e morte, o salário, justamente por ser fator preponderante na alimentação da família, é substituído pelos benefícios previdenciários. A dignidade da família, célula-mater da sociedade, depende do próprio salário, que deverá provê-la razoavelmente. A partir de então, o salário deixa de interessar apenas à Ciência Jurídica e ingressa, definitivamente, nos debates econômicos e sociológicos.[209]
De fato, o entendimento que se atribui às expressões remuneração e salário é no sentido de que são parcelas contraprestativas pagas ao empregado em função da prestação de serviços ou da simples existência da relação de emprego. Todavia, há outros significados vinculados a essas palavras, principalmente em relação à remuneração.[210]
Sergio Pinto Martins traz vários nomes que são empregados para se referir ao pagamento feito pelo que recebe a prestação de serviços e por aquele que os presta, segundo o autor:
Usa-se a palavra vencimentos para denominar a remuneração dos professores, magistrados e funcionários públicos; ultimamente, tem sido empregada a palavra subsídios para designar a remuneração dos magistrados (art. 95, III, da Constituição); honorários em relação aos profissionais liberais; soldo, para os militares; ordenado, quando prepondera o esforço intelectual do trabalhador em relação aos esforços físicos; salário, para os trabalhadores que não desenvolvem esforço intelectual, mas apenas física. Proventos é a palavra empregada para estabelecer o recebimento dos aposentados ou de funcionários públicos aposentados. Algumas leis salariais se utilizaram da expressão estipêndio, que é derivada do latim stipendium (soldo, paga). Antigamente, era o pagamento feito a pessoa incorporada ao Exército, tendo significado equivalente ao de soldo. Mais tarde, veio a se generalizar, no sentido de que seria qualquer espécie de salário ou retribuição por serviços prestados. (grifo do autor) [211]
Como dito alhures, não há conceito legal na CLT para remuneração e salário, no entanto, Mauricio Godinho Delgado traz três sentidos diferentes para a palavra remuneração, apesar de serem significados próximos, guardam especificidades entre si. O primeiro significado trata do conceito de remuneração e salário como se fossem expressões iguais, para o autor:
A primeira dessas acepções praticamente identifica o conceito de remuneração ao de salário, como se fossem expressões equivalentes, sinônimas. A lei, a jurisprudência e a doutrina referem-se, comumente, ao caráter remuneratório de certas verbas, classificam parcelas como remuneratórias, sempre objetivando enfatizar a natureza salarial de determinadas figuras trabalhistas. Em harmonia a essa primeira acepção, utiliza-se no cotidiano trabalhista, reiteradamente, a expressão remuneração como se possuísse o mesmo conteúdo de salário. (grifo do autor)[212]
O segundo significado traz a diferenciação entre remuneração e salário, sendo que aquela seria o gênero e este espécie, segundo Mauricio Godinho Delgado:
A segunda dessas acepções tende a estabelecer certa diferenciação entre as expressões: remuneração seria o gênero de parcelas contraprestativas devidas e pagas ao empregado em função da prestação de serviços ou da simples existência da relação de emprego, ao passo que salário seria a parcela contraprestativa principal paga a esse empregado no contexto do contrato. Remuneração seria o gênero; salário, a espécie mais importante das parcelas contraprestativas empregatícias. (grifo do autor) [213]
Enfim o terceiro significado, o qual fundamenta-se no artigo 76 da CLT, e também no artigo 457, caput, da CLT, respectivamente:
Art. 76. Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.[214]
[…] Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.[215]
Menciona Mauricio Godinho Delgado que esta terceira acepção afasta um pouco mais a diferenciação entre remuneração e salário:
De fato, a Consolidação teria construído para a palavra salário tipo legal específico. Ele seria o conjunto de parcelas contraprestativas devidas e pagas diretamente pelo empregador ao empregado, em virtude da relação de emprego (arts. 457, caput, e 76, CLT). Ou seja, para esta noção celetista de salário será essencial a origem da parcela retributiva: somente terá caráter de salário parcela contraprestativa devida e paga diretamente pelo empregador a seu empregado. Em face desse modelo legal de salário valeu-se a CLT da expressão remuneração para incluir, no conjunto do salário contratual, as gorjetas recebidas pelo obreiro (que são pagas, como se sabe, por terceiros). (grifo do autor) [216]
Em vista disso, Sergio Pinto Martins traz o conceito de remuneração em que: “Remuneração é o conjunto de pagamentos provenientes do empregador ou de terceiro em decorrência da prestação dos serviços subordinados.”[217]
O artigo 457, caput, da CLT estabelece que a remuneração é igual ao salário mais as gorjetas, porém, para Sergio Pinto Martins o salário não representa uma contraprestação absoluta pelo trabalho prestado, segundo o autor:
O salário é a importância paga pelo empregador ao obreiro em virtude de sua contraprestação dos serviços. Essa última colocação mostra a natureza jurídica do salário, que é a forma de remunerar a prestação de serviços feita pelo empregado ao empregador. Poder-se-ia discutir que o salário não remuneraria efetivamente a prestação dos serviços, pois quando o contrato de trabalho se encontra suspenso não há salário, ou quando o empregado estiver aguardando ordens, mas à disposição do empregador, em que não há prestação de trabalho, porém existe a obrigação do pagamento dos salários. É por isso que se costuma dizer que o salário seria uma forma de prestação daquilo que foi contratado, do contrato de trabalho, embora se possa dizer que o salário não remunere prestação por prestação, mas sim o conjunto do trabalho prestado, havendo exceções na lei que determinam que o empregador deva pagar o salário mesmo não havendo trabalho, pois, do contrário, o empregado não poderia subsistir. O salário não representa, portanto, uma contraprestação absoluta pelo trabalho prestado.[218]
Ainda em relação ao artigo 457 da CLT, extrai-se que as gorjetas[219] não correspondem ao salário mas sim à remuneração, pois o pagamento das mesmas é realizado por um terceiro, o cliente, e não pelo próprio empregador, mesmo que a importância seja cobrada do cliente como adicional nas contas, a qualquer título, sendo destinada à distribuição aos empregados.[220]
Neste sentido, estabelece o Enunciado 354 do TST, in verbis:
As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.[221]
Por fim, Mauricio Godinho Delgado destaca que:
À luz de tal vertente hermenêutica, as parcelas estritamente remuneratórias (como as gorjetas) não produziriam diversos efeitos próprios às parcelas estritamente salariais. Assim, elas não comporiam o salário mínimo legal (o que é, de fato, inevitável, em vista do disposto no art. 76, da CLT, e nas Leis do Salário Mínimo, após 1988). Porém, também não iriam integrar o próprio salário contratual obreiro, deixando de produzir alguns de seus clássicos reflexos. (grifo do autor) [222]
4. UMA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
4.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Paulo Bonavides atribui ao conceito de princípio, com base em ensinamentos de Luís Diez Picazo, o sentido de premissas primordiais de todo um sistema:
A idéia de princípio, segundo Luis Diez Picazo, deriva da liguagem da geometria, ‘onde designa as verdades primeiras’. Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso são ‘princípios’, ou seja, ‘porque estão ao princípio’, sendo ‘as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geometrico’.[223]
Ruy Samuel Espíndola ensina que a idéia de princípio, independentemente da área de saber, tem o sentido de norma estruturante:
A idéia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.[224]
Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece que o princípio serve como fundamento do sistema, ou, em suas palavras, mandamento nuclear, que fornece as diretivas que embasam uma ciência e que serve para bem compreendê-la:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. […] O princípio é o primeiro passo na consecução de uma regulação, passo ao qual devem seguir-se outros. O princípio alberga uma diretriz ou norte magnético, muito mais abrangente que uma simples regra; além de estabelecer certas limitações, fornece diretrizes que embasam uma ciência e visam à sua correta compreensão e interpretação. Violar um princípio é muito mais grave do que violar uma regra. A não-observância de um princípio implica ofensa não apenas a específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.[225]
Hans Kelsen entende existir uma “norma fundamental”, que daria suporte para a criação de todas as normas:
A unidade dessas normas é constituída pelo fato de que a criação de uma norma – a inferior – é determinada por outra – a superior – cuja criação é determinada por outra norma ainda mais superior, e de que esse regressus é finalizado por uma norma fundamental, a mais superior, que, sendo o fundamento supremo de validade da ordem jurídica inteira, constitui a sua unidade.[226]
Miguel Reale citado por Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, divide os princípios em três grandes categorias:
a) princípios omnivalentes, quando são válidos para todas as formas de saber, como é o caso dos princípios da identidade e da razão suficiente; b) princípios plurivalentes, quando aplicável a vários campos de conhecimento, como se dá com o princípio de causalidade, essencial às ciências naturais, mas não extensivo a todos os campos do conhecimento; c) princípios monovalentes, que só valem no âmbito de determinada ciência, como é o caso dos princípios gerais de direito.[227]
Para Ciência do Direito, segundo Maurício Godinho Delgado, os princípios se conceituam “como proposições ideais que informam a compreensão do fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a ele se reportam, informando-o”.[228]
Os princípios gerais de direito, consoante ensinamento de Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, possuem uma natureza múltipla: “são decorrentes das normas do ordenamento jurídico; são originários das idéias políticas e sociais vigentes em uma determinada realidade, as quais influem na formação do direito positivo;” [229] E, por fim: “são reconhecidos e acatados pelas nações civilizadas, representando um substrato social comum dos povos, em função de uma dada época histórica”.[230]
Amauri Mascaro Nascimento diferencia o conceito de princípio, quer sob o prisma jusnaturalista, quer sob o prisma do positivismo. Tais categorias são diferenciadas da seguinte forma:
Os princípios, segundo a concepção jusnaturalista, são metajurídicos, situam-se acima do direito positivo, sobre o qual exercem uma função corretiva e prioritária, de modo que prevalecem sobre as leis que o contrariam, expressando valores que não podem ser contrariados pelas leis positivas, uma vez que são regras de direito natural. Para o positivismo, os princípios estão situados no ordenamento jurídico, nas leis em que são plasmados,cumprindo uma função integrativa das lacunas, e são descobertos de modo indutivo, partindo das leis para atingir as regras mais gerais que delas derivam, restritos, portanto, aos parâmetros do conjunto de normas vigentes, modificáveis na medida em que os seus fundamentos de direito positivo são alterados.[231]
Os princípios têm várias funções. Para Sérgio Pinto Martins são três: informadora, normativa e interpretativa. Segundo o autor, a “função informadora serve de inspiração ao legislador e de fundamento para as normas jurídicas; a função normativa atua como uma fonte supletiva, nas lacunas ou omissões da lei”[232]. E por fim, “a função interpretativa serve de critério orientador para os intérpretes e aplicadores da lei”[233]. No que tange à função interpretativa do princípio, afirma o autor:
A CLT, no art. 8º, determina claramente que na falta de disposições legais ou contratuais o intérprete pode socorrer-se dos princípios de Direito do Trabalho, mostrando que esses princípios são fontes supletivas da referida matéria. Evidencia-se, portanto, o caráter informador dos princípios, de orientar o legislador na fundamentação das normas jurídicas, assim como o de fonte normativa, de suprir as lacunas e omissões da lei.[234]
Para Evaristo de Moraes Filho e Antônio Carlos Flores de Moraes devem ser admitidos como “princípios gerais do direito os que decorrem, por abstração, do próprio ordenamento jurídico positivo. Parte deste, como proposição inicial, para a construção de uma cadeia ou edifício sistemático.”[235]
Segundo afirmam Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, a “Ciência, como representa o conhecimento sistematizado do homem a respeito de um determinado objeto, necessita dos seus princípios para analisar e captar a realidade inerente ao seu campo de estudo”[236]. Assim sendo, a seguir serão tratados dos principais princípios que informam o Direito do Trabalho referente à pesquisa científica ora realizada.
4.2 PRINCÍPIOS PECULIARES AO DIREITO DO TRABALHO
Vários são os princípios do Direito do Trabalho, sendo que a legislação que normatiza tal instituto geralmente não prevê explicitamente quais são os princípios, fazendo com que juristas se posicionem para dar origem a estes princípios, havendo então uma diversidade deles que varia de autor para autor.
Observa Mauricio Godinho Delgado que os princípios do Direito do Trabalho são diversos, “alcançando mais de uma dezena de proposições”[237]. E continua o autor “à medida que o ramo juslaboral desenvolve-se (e já são mais de 150 anos de evolução no mundo ocidental), novos princípios são inferidos do conjunto sistemático de sua cultura, regras e institutos peculiares.”[238]
Para Maurício Godinho Delgado, os princípios mais importantes do Direito do Trabalho são: a) princípio da proteção; b) princípio da norma mais favorável; c) princípio da imperatividade das normas trabalhistas[239]; d) princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas[240]; e) princípio da condição mais benéfica; f) princípio da inalterabilidade contratual lesiva[241]; g) princípio da intangibilidade salarial[242]; h) princípio da primazia da realidade sobre a forma[243]; i) princípio da continuidade da relação de emprego[244].[245]
Para Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, os princípios peculiares ao Direito do Trabalho são: o protetor; da irrenunciabilidade[246]; da continuidade da relação de emprego; da primazia da realidade; da razoabilidade[247]; da boa-fé[248] e da isonomia[249].[250]
Dispõe Amauri Mascaro Nascimento que os princípios do Direito do Trabalho “são válidos para todos os sistemas jurídicos”[251], esclarece ainda o autor que “são suficientemente explícitos, dispensando-se maiores explicações.”[252] Para o autor os principais princípios do Direito do Trabalho são: da liberdade do trabalho[253]; direito de organização sindical[254]; das garantias mínimas do trabalhador[255]; da multinormatividade do direito do trabalho[256]; da norma favorável ao trabalhador; da igualdade salarial[257]; da justa remuneração[258]; do direito ao descanso[259]; do direito ao emprego[260]; do direito à previdência social[261]; da condição mais benéfica.[262]
Salienta-se novamente que, serão compreendidos na presente pesquisa, somente os princípios que se relacionam com o tema quais sejam: princípio do in dubio pro operario, princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica.
4.2.1 Princípio do in dubio pro operario
Também chamado de in dubio pro misero, este princípio trata-se de que quando há dúvida na aplicação da lei o operador jurídico deve utilizar-se da regra mais favorável ao trabalhador.[263]
Para Mauricio Godinho Delgado, este princípio tem sua origem no princípio geral do in dubio pro reo, em que houve uma adaptação deste para aquele, segundo o autor:
Uma das mais antigas referências doutrinárias a princípios justrabalhistas está na diretriz in dubio pro misero. Trata-se de transposição adaptada ao ramo justrabalhista do princípio jurídico penal in dubio pro reo. Como o empregador é que se constitui em devedor na relação de emprego (e réu na relação processual trabalhista), adaptou-se o princípio à diretriz in dubio pro misero (ou pro operário).[264]
Apesar da presente pesquisa tratar sobre direito material, convém citar o entendimento de Sergio Pinto Martins em que “este princípio não deve ser aplicado integralmente ao processo do trabalho, pois, havendo dúvida, não se poderia decidir a favor do trabalhador”[265], e continua o autor relatando que deve-se “verificar quem tem o ônus da prova no caso concreto, de acordo com as especificações dos arts. 333 do CPC[266], e 818 da CLT[267].”[268]
4.2.2 Princípio da norma mais favorável
Tal princípio diz respeito à interpretação de duas ou mais normas trabalhistas, das quais deve-se aplicar a que seja mais benéfica para o trabalhador.[269]
Observa Sergio Pinto Martins que “a regra da norma mais favorável está implícita no caput do art. 7º da Constituição, quando prescreve ‘além de outros que visem à melhoria de sua condição social’”.[270]
Há entendimento que este princípio fez com que a aplicação do princípio do in dubio pro operario tornou-se desnecessária em razão de que sua dimensão temática está acobertada pelo princípio da norma mais favorável. Neste sentido é o entendimento de Mauricio Godinho Delgado, verbis:
O que há de positivo, portanto, na velha diretriz (in dubio pro operario) – sua referência a um critério de interpretação de normas jurídicas – já se manteve preservado no Direito do Trabalho (através do princípio da norma mais favorável), abandonando-se, contudo, a referência superada que o antigo aforismo fazia à função judicante de avaliação e valoração de fatos. Por tais razões nem sequer é necessário, sob a ótica estritamente protecionista, insistir-se nessa dimensão da velha diretriz censurada.[271]
O princípio da norma mais favorável atua em tríplice dimensão, quais sejam: a) a elaboração da norma mais favorável; b) a hierarquia das normas jurídicas; e c) a interpretação da norma mais favorável.[272]
Em relação à elaboração da norma mais favorável, Sergio Pinto Martins elucida que “as novas leis devem dispor de maneira mais benéfica ao trabalhador”[273], concluindo o autor que “isso quer dizer que as novas leis devem tratar de criar regras visando à melhoria da condição social do trabalhador”[274].
Para Mauricio Godinho Delgado trata-se de fase pré-jurídica ou essencialmente política em que “age como critério de política legislativa, influindo no processo de construção desse ramo jurídico especializado”[275]. Entende ainda o autor, que “trata-se de função essencialmente informativa do princípio, sem caráter normativo, agindo como verdadeira fonte material do ramo justrabalhista”[276]. Portanto, para o autor, fica clara a influência principalmente em relação a contextos políticos democráticos, “colocando em franca excepcionalidade diplomas normativos que agridam a direção civilizatória essencial que é inerente ao Direito do Trabalho”[277].
Quanto à hierarquia das normas jurídicas, esclarece Sergio Pinto Martins que “havendo várias normas a serem aplicadas numa escala hierárquica, deve-se observar a que for mais favorável ao trabalhador”[278]. E conclui o autor “a exceção à regra diz respeito a normas de caráter proibitivo.[279]”
De acordo com Mauricio Godinho Delgado este critério de hierarquia permite “eleger como regra prevalecente, em uma dada situação de conflito de regras, aquela que for mais favorável ao trabalhador, observados certos procedimentos objetivos orientadores, evidentemente.”[280]
Portanto, o operador jurídico não poderá permitir que o uso do princípio da norma mais favorável comprometa o sistema jurídico, conforme acentua Mauricio Godinho Delgado, em que o encontro da regra mais favorável “não se pode fazer mediante uma separação tópica e casuística de regras, acumulando-se preceitos favoráveis ao empregado e praticamente criando-se ordens jurídicas próprias e provisórias em face de cada caso concreto[281]”.[282] Mas sim o contrário, como salienta Mauricio Godinho Delgado, verbis:
O operador jurídico deve buscar a regra mais favorável enfocando globalmente o conjunto de regras componentes do sistema, discriminando, no máximo, os preceitos em função da matéria, de modo a não perder, ao longo desse processo, o caráter sistemático da ordem jurídica e os sentidos lógico e teleológico básicos que sempre devem informar o fenômeno do Direito (teoria do conglobamento[283]).[284]
No que tange à interpretação da norma mais favorável, nesta também se deve aplicar a regra mais benéfica ao trabalhador.[285]
Este critério informa que o operador jurídico quando está situado num quadro de conflito de regras ou de interpretações, deverá escolher a que for mais favorável ao trabalhador, ou seja, a que melhor realize o sentido valorativo do Direito do Trabalho.[286]
Prevê o artigo 620 da CLT que: “As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo.”[287] Portanto, a recíproca é a mesma, em que as normas estabelecidas em acordo coletivo, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva.[288]
Em vista disso, o operador jurídico não pode simplesmente escolher a norma mais benéfica para o trabalhador, mas deve-se ater no que toca ao processo interpretativo da Hermenêutica Jurídica, neste sentido é o ensinamento de Mauricio Godinho Delgado, verbis:
Não poderá o operador jurídico suplantar os critérios científicos impostos pela Hermenêutica Jurídica à dinâmica de revelação do sentido das normas examinadas, em favor de uma simplista opção mais benéfica para o obreiro. Também no Direito do Trabalho o processo interpretativo deve concretizar-se de modo objetivo, criterioso, guiado por parâmetros técnico-científicos rigorosos. Assim, apenas se, após respeitados os rigores da Hermenêutica Jurídica, chegar-se ao contraponto de dois ou mais resultados interpretativos consistentes, é que procederá o intérprete à escolha final orientada pelo princípio da norma mais favorável.[289]
E conclui o autor: “é óbvio que não se pode valer do princípio especial justrabalhista para comprometer o caráter lógico-sistemático da ordem jurídica, elidindo-se o patamar de cientificidade a que se deve submeter todo processo de interpretação de qualquer norma jurídica.”[290]
Portanto, e para finalizar, o princípio da norma mais favorável e que tem tríplice função, conforme explana Amauri Mascaro Nascimento, é o princípio de “elaboração da norma jurídica, influindo nos critérios inspiradores da reforma das legislações e definição das condições de trabalho fixadas pelas convenções coletivas”[291]. É também como ilustra o autor princípio de “aplicação do direito do trabalho, permitindo a adoção de meios técnicos destinados a resolver o problema da hierarquia e da prevalência, entre muitas, de uma norma sobre a matéria a ser regulada”[292]. E finalmente conclui o autor, é o princípio de interpretação, “permitindo que no caso de dúvida sobre o sentido da norma jurídica venha a ser escolhido aquele mais benéfico ao trabalhador, salvo lei proibitiva do Estado”[293].
4.2.3 Princípio da condição mais benéfica
Este princípio corresponde, no Direito do Trabalho, ao princípio do direito adquirido previsto no art. 5º, inciso XXXVI da CRFB, verbis: “Art. 5º […] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”[294]
Trata-se este princípio, de que a condição mais benéfica deve ser entendida de que direitos já conquistados pelos trabalhadores e que são mais benéficos para os mesmos, não podem ser modificados para pior.[295]
Este princípio está previsto também no artigo 468, caput, da CLT, em que prevê: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”[296]
Prevê ainda a CLT, em seu artigo 428, §2º que: “ao menor aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o salário mínimo hora.”[297]
O mesmo entendimento é agasalhado pela jurisprudência do TST, consoante o teor do Enunciado 51, in verbis: “As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento[298].” Deste modo, como esclarece Sergio Pinto Martins, “uma cláusula menos favorável aos trabalhadores só tem validade em relação aos novos obreiros admitidos na empresa e não quanto aos antigos, aos quais essa cláusula não se aplica”.[299]
Este princípio é também previsto no Enunciado 288 do TST, em que “a complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito”.[300]
Por fim, acrescenta Mauricio Godinho Delgado que este princípio informa que:
Cláusulas contratuais benéficas somente poderão ser suprimidas caso suplantadas por cláusula posterior ainda mais favorável, mantendo-se intocadas (direito adquirido) em face de qualquer subseqüente alteração menos vantajosa do contrato ou regulamento de empresa (evidentemente que a alteração implementada por norma jurídica submeter-se-ia a critério analítico distinto).[301]
4.3 OFENSA AOS PRINCÍPIOS REGENTES DO DIREITO DO TRABALHO PELOS ENUNCIADOS 17 E 228 DO TST
Para melhor visualizar o objeto de nossa crítica, que é, neste tópico, os Enunciados 17 e 228 do TST, faz-se necessário transcrevê-los novamente: “Enunciado 228 – o percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo de que cogita o art. 76 da CLT, salvo as hipóteses previstas no Enunciado 17.”[302]
É importante salientar que o Enunciado 228 do TST teve sua redação alterada, recentemente, pela Resolução do TST n. 121/2003, DJ 21.11.2003.[303]
A redação original do Enunciado 228 do TST era a seguinte: “o percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo de que cogita o art. 76 da CLT.” Tal redação foi dada pela Resolução TST n. 14/1985, DJ 19.09.1985.[304]
O Enunciado 17 que é citado no Enunciado 228, ambos do TST, tinha sido cancelado em 1994 pela Resolução do TST n. 29/1994, DJ 12.05.1994, e, posteriormente, revigorado pela Resolução do TST n. 121/2003, DJ 21.11.2003, possuindo, atualmente, a seguinte redação: “o adicional de insalubridade devido a empregado que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa, percebe salário profissional[305] será sobre este calculado.”[306]
Afirma Amauri Mascaro Nascimento que três figuras próximas são “salário mínimo, salário profissional e piso salarial, mas não se confundem.”[307] Salário mínimo é o “valor menor que todo e qualquer empregador no país pode pagar ao assalariado.”[308] Salário profissional é o “mínimo estabelecido para um tipo de profissão como a dos engenheiros, etc.”[309] E piso salarial é o “mínimo previsto para uma categoria através de convenções coletivas ou sentenças normativas.”[310]
A partir deste momento da pesquisa, torna-se imprescindível demonstrar a teoria que nos filiamos, qual seja: a de que o adicional de insalubridade deva incidir sobre a remuneração do trabalhador. Diga-se de passagem que adotamos como conceito operacional de remuneração o disposto no art. 457 da CLT.
A partir dessa ordem de idéias, verifica-se que os Enunciados 17 e 228 do TST não se coadunam com os princípios que regem o direito do trabalho (princípio do in dubio pro operário; princípio da norma mais favorável; e princípio da condição mais benéfica), posto que em desacordo, inclusive e principalmente, com os princípios constitucionais que informam os direitos sociais, que, como já visto, abrangem a questão do adicional de insalubridade.
Nota-se que o problema encontrado na interpretação dada ao tema pelo TST, tem seu nascedouro na concepção equivocada do Direito, aqui entendido como um modelo liberal-individualista que sustenta essa desfuncionalidade, conforme nos ensina Lênio Luiz Streck; mas, por ser um campo que ultrapassa os estreitos limites propostos para esta pesquisa, não iremos nos aprofundar no problema da idéia do que seja (ou deva ser) o Direito.
Nesse sentido, disserta Lênio Luiz Streck:
Não há dúvida de que no Brasil, naquilo que se entende por Estado Democrático de Direito – em que o Direito deve ser visto como instrumento de transformação social -, ocorre uma desfuncionalidade do Direito e das Instituições encarregadas de aplicar a lei. O Direito brasileiro e a dogmática jurídica que o instrumentaliza está assentado em um paradigma (ou modelo de Direito) liberal-individualista que sustenta essa desfuncionalidade, que, paradoxalmente, vem a ser a própria funcionalidade! Ou seja, não houve ainda, no plano hermenêutico, a devida filtragem – em face da emergência de um novo modelo de Direito representado pelo Estado Democrático de Direito – desse (velho/defasado) Direito, produto de um modelo liberal-individualista-normativista de Direito. (grifo do autor) [311]
A partir dessas premissas, não surpreende que institutos jurídicos importantes previstos na Constituição da República continuem ineficazes. Segundo ensina Lênio Luiz Streck: “há um certo fascínio pelo Direito infraconstitucional, a ponto de se ‘adaptar´ a Constituição às leis ordinárias… Enfim, continuamos a olhar o novo com os olhos do velho… ” (grifo do autor) [312]
E é justamente isso que vem ocorrendo, ou seja, ao invés do intérprete (TST) adaptar a legislação infra-constitucional, no caso o disposto no art. 192 da CLT, às normas constitucionais que tratam do adicional de remuneração para as atividades insalubres (art. 7º, XXIII, da CRFB), o que se vê, cristalinamente, é uma inversão de valores, negando a aplicabilidade e eficácia máxima das normas constitucionais.
O problema da eficácia das normas constitucionais passa, então, segundo Lênio Luiz Streck, pelo “tipo de justiça constitucional praticado em cada país e pelo ‘redimensionamento do papel dos operadores do Direito.’”[313] Em seguida afirma que “deve ficar claro que a função do Direito – no modelo instituído pelo Estado Democrático de Direito – não é mais aquela do Estado Liberal-Abstencionista.”[314]
Em termos de jurisdição constitucional, consoante ensinamento de Lênio Luiz Streck, “duas são as alternativas que se estabelecem no constitucionalismo contemporâneo (pós-guerra): ou os tribunais apenas garantem os direitos fixados no ordenamento-marco, sem qualquer capacidade de estabelecer posições jurídicas singulares”[315], ou, prosseguindo o autor, vinculam-se à “eticidade substantiva da comunidade e podem, portanto, agir de forma a aproximar a norma da realidade”.[316]
Nesse sentido, afirma Paulo Bonavides que o intérprete constitucional deve “prender-se sempre à realidade da vida, à ‘concretude’ da existência, compreendida esta sobretudo pelo que tem de espiritual, enquanto processo unitário e renovador da própria realidade, submetida à lei de sua integração.”[317]
E é essa realidade que o TST deixou passar ao largo por ocasião da edição da nova redação do Enunciado 228, e revigoramento do Enunciado 17. Nessa exata linha de entendimento, afirma Francisco P. Bonifácio citado por Lênio Luiz Streck:
O papel do Judiciário em um Estado que se quer democrático é distinto daquele que se lhe atribui na formulação clássica sobre suas relações com os demais poderes estatais. Do Judiciário hoje, não é de se esperar uma posição subalterna frente a esses outros poderes, a quem caberia a produção normativa. O juiz não há de se limitar a ser apenas, como disse Montesquieu, la bouche de la loi, mas sim la bouche du droit, isto é, a boca não só da lei, mas do próprio Direito. (grifo do autor) [318]
Não há dúvida que o art. 192 da CLT já deveria ter sido modificado pelo Poder Legislativo, o que será proposto a seguir com base nos preceitos da Política Jurídica, adequando-o à atual Constituição da República. No entanto, a inércia de um dos Poderes da República (no caso o Legislativo) pode e deve, segundo Lênio Luiz Streck, “ser supridas pela atuação do Poder Judiciário, justamente mediante a utilização dos mecanismos jurídicos previstos na Constituição que estabeleceu o Estado Democrático de Direito.”[319]
Para Lênio Luiz Streck a eficácia das normas constitucionais exige um “redimensionamento do papel do jurista e do Poder Judiciário […] nesse complexo jogo de forças”[320], na medida em que, segundo o autor, se coloca o seguinte paradoxo: “uma Constituição rica em direitos (individuais, coletivos e sociais) e uma prática jurídica-judiciária que, reiteradamente, (só)nega a aplicação de tais direitos.” (grifo do autor) [321]
O TST por se configurar em um Tribunal Superior, órgão máximo em matéria infra-constitucional trabalhista, deveria ter determinado o conteúdo material da Constituição, já que o STF expurgou o salário mínimo como base de cálculo da insalubridade, ou seja, além de não ter aplicado a remuneração, restringiu a eficácia da norma constitucional em atitude de flagrante inconstitucionalidade. Paulo Bonavides, discorrendo sobre o método interpretativo de concretização, “considera a interpretação constitucional uma concretização, admitindo que o intérprete, onde houver obscuridade, determine o conteúdo material da Constituição.”[322]
A nova redação dada pelo TST ao Enunciado 228, que dispôs sobre a base de cálculo do adicional de insalubridade, após o STF ter julgado inconstitucional a vinculação do adicional de insalubridade ao salário mínimo (por ofensa ao art. 7º, IV, da CRFB), implicou em retrocesso social, posto que mitigou a aplicação de um direito social positivado na Constituição da República (art. 7º, XXIII).
Segundo Lênio Luiz Streck, tais “valores substantivos fazem parte do núcleo político da Constituição, que aponta para o resgate das promessas de igualdade, justiça social, realização dos direitos fundamentais.”[323] Em seguida, referido autor ensina que da “materialidade do texto constitucional extrai-se que o Estado Democrático de Direito, na esteira do constitucionalismo do pós-guerra, consagra o princípio da democracia econômica, social e cultural, mediante os seguintes pressupostos deontológicos (grifo do autor)”.[324] Um dos pressupostos que fala o autor, é justamente a vedação de retrocesso nas garantias sociais. Em suas palavras: “implica a proibição de retrocesso social, cláusula que está implícita na principiologia do estado social constitucional”.[325]
Para Paulo Bonavides “a moderna interpretação da Constituição deriva de um estado de inconformismo de alguns juristas com o positivismo lógico-formal, que tanto prosperou na época do Estado liberal”[326]. Em seguida, afirma o autor:
Redundou assim na busca do sentido mais profundo das Constituições como instrumentos destinados a estabelecer a adequação rigorosa do Direito com a Sociedade; do Estado com a legitimidade que lhe serve de fundamento; da ordem governativa com os valores, as exigências, as necessidades do meio social, onde essa ordem atua dinamicamente, num processo de mútua reciprocidade e constantes prestações e contraprestações, características de todo sistema político com base no equilíbrio entre governantes e governados.[327]
O Enunciado do TST 228 foi criado de forma dissociada dos princípios que regem o direito do trabalho e, principalmente, com os da Constituição da República, método típico, segundo Paulo Banavides, dos formalistas do positivismo: “A objeção […] à técnica interpretativa dos formalistas do positivismo é indubitavelmente aquela referente à frieza ou indiferença com que eles, violentando a norma jurídica, costumam aplicá-la fora do conjunto no qual cobra seu preciso sentido.”[328]
José Afonso da Silva afirma que não basta que a legislação infra-constitucional (ou atos normativos autônomos – ex. Decretos do Presidente da República expedidos com base no art. 84, VI, da CRFB) se coadune com os princípios e normas constitucionais, mas, também, se exige uma atuação positiva de acordo com a constituição, vedando, desta forma, a omissão na aplicação das normas constitucionais, tal qual ocorreu na edição do Enunciado 228 pelo TST, quando se deixou (o TST) de fixar adequadamente, na condição de intérprete ‘concretizador’, já que houve falta de atuação do Poder Legislativo, a base de cálculo da insalubridade, verbis:
O princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a constituição. Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais, quando a Constituição assim a determina, também constitui conduta inconstitucional.[329]
Dos princípios e regras interpretativas das normas constitucionais elaborados por Canotilho, citado por Alexandre de Moraes[330], adotamos em nossa pesquisa especialmente dois, quais sejam: o “princípio da máxima efetividade ou da eficiência”. Tal princípio informa que “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda”[331]; bem como o “princípio da força normativa da constituição”, que tem o condão de informar que “entre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais”.[332]
José Souto Maior Borges, ao tratar dos princípios constitucionais, disserta:
A violação de um princípio constitucional importa em ruptura da própria Constituição, representando por isso mesmo uma inconstitucionalidade de conseqüências muito mais graves do que a violação de uma simples norma, mesmo constitucional. […] Por todas as considerações antecedentes, impõe-se a conclusão pela eficácia eminente dos princípios na interpretação das normas constitucionais. É o princípio que iluminará a inteligência da simples norma; que esclarecerá o conteúdo e os limites da eficácia de normas constitucionais esparsas, as quais têm que harmonizar-se com ele.[333]
Segundo se depreende da dicção do Enunciado 228 do TST não houve observância de princípios peculiares ao Direito do Trabalho, quais sejam: princípio do in dubio pro operario; princípio da norma mais favorável; e princípio da condição mais benéfica. Ao intérprete, no caso de conflitos de normas trabalhistas, deverá lançar mão da norma mais favorável ao trabalhador, seja em caso de dúvida na aplicação da norma isoladamente considerada, seja na interpretação de duas ou mais normas trabalhistas. E, por fim, estando a remuneração como base de cálculo do adicional de insalubridade prevista na CRFB, conforme defendido nesta pesquisa científica, tal direito encontra-se incorporado ao patrimônio jurídico do trabalhador, não podendo ser mitigado por legislação ordinária superveniente ou entendimento jurisprudencial.
Se tivesse sido aplicado, pelo TST, o princípio da máxima eficiência/eficácia da norma constitucional (art. 7º, XXIII, da CRFB), por exemplo, a base de cálculo do adicional de insalubridade deveria ser a remuneração do empregado, e não o salário profissional do mesmo, em consonância com o também lembrado princípio da força normativa da constituição.
Nesse sentido, afirma Alexandre de Moraes, verbis:
A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal.[334]
Por fim, não há como atribuir aos Enunciados 17 e 228 do TST, interpretação conforme a constituição. Tal forma de interpretação somente será possível, segundo Alexandre de Moraes, “quando a norma apresentar vários significados, uns compatíveis com as normas constitucionais e outros não”[335]. Prosseguindo em seu pensamento, o autor adota ensinamento de Canotilho em que a interpretação conforme a constituição só é legítima quando “existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela”. (grifo do autor) [336]
Os Enunciados 17 e 228 são bastante claros no que tange à opção adotada pelo TST para a base de cálculo do adicional de insalubridade (observando-se que salário profissional é diferente de remuneração) destoando, flagrantemente, da opção adotada pela Constituição da República. Ainda existe um agravante no Enunciado 228 do TST, que é importante ressaltar nesta pesquisa, qual seja, o inequívoco desrespeito às decisões reiteradas do STF sobre o tema, que tem por missão precípua a guarda da Constituição da República, e não admite a vinculação do mencionado adicional ao salário mínimo. No entanto, o TST ainda vem admitindo o salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, de forma residual, quando não se configurar nenhuma das hipóteses descritas no Enunciado 17, também do TST, onde seria cabível o salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade.
Infelizmente o problema da inefetividade não atinge somente o adicional de insalubridade, objeto desta pesquisa científica, mas boa parte dos princípios adotados pela Constituição. Lênio Luiz Streck afirma o seguinte:
Com efeito, passados trezes anos desde a promulgação da Constituição, parcela expressiva das regras e princípios nela previstos continuam ineficazes. Essa inefetividade põe em xeque, já de início e sobremodo, o próprio artigo 1º da Constituição, que prevê a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República brasileira, que, segundo o mesmo dispositivo, constitui-se em um Estado Democrático de Direito. Daí a necessária pergunta: qual é o papel (e a responsabilidade) do jurista nesse complexo jogo de forças, no interior do qual Konder Comparato denuncia a ‘morte espiritual da Constituição’? Quais as condições de acesso à justiça do cidadão, visando ao cumprimento (judicial) dos direitos previstos na Constituição? (grifo do autor) [337]
Assim sendo, chega-se a conclusão inevitável da inconstitucionalidade material dos Enunciados 17 e 228, ambos do TST, por não terem adotado a remuneração como base de cálculo da insalubridade. Tal entendimento não deriva somente do apontamento dos princípios constitucionais e do direito do trabalho ofendidos, mas, também e principalmente, por não se coadunar com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que foi alçado à categoria de direito fundamental e imutável, qual seja: a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB).
4.4 PROPOSTA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA NO QUE TANGE À BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE: UMA QUESTÃO DE POLÍTICA JURÍDICA
Norberto Bobbio, quando trata dos fundamentos dos direitos do homem, traça um interessante paralelo sobre o direito instituído (direito que se tem), e o direito a ser instituído (direito que se gostaria de ter), verbis:
O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter. no primeiro caso, investigo no ordenamento jurídico positivo, do qual faço parte como titular de direitos e deveres, se há uma norma válida que o reconheça e qual é essa norma; no segundo caso, tentarei buscar boas razões para defender a legitimidade do direito em questão e para convencer o maior número possível de pessoas (sobretudo as que detêm o poder direto ou indireto de produzir normas válidas naquele ordenamento) a reconhecê-lo (grifo do autor).[338]
A atual redação do art. 192 da CLT já foi declarada, em parte (base de cálculo), inconstitucional pelo STF, no âmbito de suas duas turmas, por ter vinculado o adicional de insalubridade ao salário mínimo. Apesar das reiteradas decisões do STF nesse sentido, tal norma somente deixará de existir, formalmente, em nosso ordenamento jurídico, enquanto não for suspensa por resolução do Senado Federal (art. 52, X, da CRFB[339]), por ter sido declarada através do controle difuso de constitucionalidade[340], ou enquanto não for revogada por ato normativo emanado do Congresso Nacional (lei ordinária).
Nessa parte da pesquisa, se cuidará somente, utilizando-se das palavras de Norberto Bobbio, “do direito que se gostaria de ter” [341]. Assim sendo, adotar-se-á os ensinamentos da Política Jurídica, a fim de se dar cientificidade à proposta de alteração legislativa (art. 192 da CLT) procedida neste trabalho acadêmico.
O conceito de Política Jurídica, tão diverso nos compêndios jurídicos, encontrou em Osvaldo Ferreira de Melo[342] contornos mais claros e objetivos. Assim, a Política Jurídica, pode ser conceituada como:
1.Disciplina que tem como objeto o Direito que deve ser e como deva ser, em oposição funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação e da aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente. 2. Diz-se do conjunto de estratégias que visam à produção do conteúdo da norma, e sua adequação aos valores Justiça (V) e Utilidade Social (V) (grifo do autor). [343]
Em seguida, o autor complementa seu conceito, indicando o alcance da Política Jurídica, ao dizer que se trata de um “complexo de medidas que têm como objetivo a correção, derrogação ou proposição de normas jurídicas […], tendo como referente a realização dos valores jurídicos. 4. O mesmo que Política do Direito”.[344]
Osvaldo Ferreira de Melo, citando Hans Kelsen, atribui contornos básicos à Política Jurídica como uma disciplina autônoma:
Nossa primeira e básica preocupação, portanto, foi procurar demonstrar que é possível teorizar sobre Política Jurídica, o que vem significar que possamos reconhecer que esta detém um espaço autônomo na taxinomia das disciplinas que diretamente tratam do Direito. Nosso ponto de partida para a caracterização dessa autonomia repousa na demonstrada preocupação didático-científica de Hans Kelsen quando, ao abrir a sua Teoria Pura do Direito, procurou, antes de qualquer outra reflexão, delimitar o objeto de Ciência do Direito e o da Política do Direito, ou seja, separando epistemologicamente o estudo do ‘direito que é’ (objeto da Ciência do Direito) do ‘direito que deve ser e como deva ser’ (objeto da Política Jurídica).[345]
Osvaldo Ferreira de Melo, fazendo novamente menção à Hans Kelsen, explica que o notável pensador, em momento algum afirmou, ou mesmo insinuou, que o direito vigente fosse realmente a melhor alternativa para conduta humana, verbis:
Ao confrontar o objeto da Ciência do Direito com o da Política do Direito, [Política do Direito e Política Jurídica possuem o mesmo significado] Kelsen deixou a cargo desta não o exame de uma realidade a ser descrita, mas a possibilidade permanente de buscar o direito melhor, com o que resguardou também a perenidade do objeto do que entendia ser a Ciência do Direito, pois mesmo que um projeto de reconstrução axiológica venha a ser concretizado, esse objeto continuará sendo o de descrever as normas então reconstruídas. Ressalte-se que o notável pensador, em momento algum de sua copiosa obra, afirmou ou mesmo insinuou que o direito vigente represente necessariamente a melhor alternativa para a realização da conduta humana. Apenas afirma que, quando se diz ‘uma norma vale’ admite-se esta como existente e que a existência da norma precisa ser distinguida dos fatos pelos quais ela é produzida.[346]
Nesse sentido, Osvaldo Ferreira de Melo afirma que “Se a investigação do caso concreto resultar na convicção de estarmos na presença de uma norma que perdeu seu princípio vital e por isso sua capacidade para resolver um conflito, teremos encontrado um elemento desativado no sistema jurídico[347]”. E arremata: “Será o caso de afastar do sistema essa norma indesejada socialmente e propor, com apoio do conhecimento político-jurídico, a norma adequada[348]”.
Todos os fundamentos encontrados sobre a indesejabilidade da atual redação ao art. 192 da CLT já foram descritos neste trabalho. Mas, por sua pertinência temática, recomendável trazer novamente ensinamento de Sebastião Geraldo de Oliveira, o qual entende que a atual base de cálculo não é socialmente adequada, por não estimular os empresários a adequarem o ambiente do trabalho, deixando, desta forma, de dar guarida a um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: “os valores sociais do trabalho” (art. 1o, IV, da CRFB[349]), verbis:.
No caso da adicional de insalubridade, o valor pago é tão irrisório que o empresário não tem incentivo para melhoria do ambiente de trabalho, uma vez que o custo é de apenas 10%, 20% ou 40% do salário mínimo por mês, se for tomado como base o art. 192 da CLT.[350]
No caso da Política Jurídica, seus valores fundamentais são a busca do justo e do socialmente útil, parâmetros a partir dos quais propõe o Direito que deva ser, ou seja, do Direito desejado pela Sociedade[351] (um Direito melhor). Osvaldo Ferreira de Melo afirma que “a norma jurídica, para ganhar um mínimo de adesão social que a faça obedecida e portanto materialmente eficaz, deve ser matizada pelo sentimento e idéia do ético, do legítimo, do justo e do útil”.[352]
Ainda segundo Osvaldo Ferreira de Melo, a Política Jurídica, “vale insistir, tem sua preocupação básica não com o direito vigente, mas com o direito desejado. Sendo o conteúdo de uma norma um pressuposto para o juízo do justo, pode-se afirmar que não há justiça que não seja uma valoração ética”. [353]
Sebastião Geraldo de Oliveira, além de propor que o adicional de insalubridade tenha por base de cálculo a remuneração do empregado, também propõe o aumento das suas alíquotas, comparando-o ao adicional de horas extras, que aumentou nos últimos tempos, enquanto o adicional de insalubridade continua estagnado por mais de meio século, verbis:
Além da incidência do adicional de insalubridade sobre a remuneração, deve-se agravar o percentual para que o custo das condições nocivas à saúde fique mais elevado, motivando o empresário a suprimir o agente danoso para evitar a despesa. Se no caso das horas extras por exemplo, o adicional subiu de 20% ou 25% para 50% e os instrumentos normativos estabelecem percentuais de 100% ou até mais, por que só o adicional de insalubridade permanece com os mesmos critérios estabelecidos há mais de meio século?[354]
O trabalho exercido em condições insalubres, segundo Eduardo Gabriel Saad, possui as mesmas mazelas dos outros adicionais (periculosidade, por exemplo), informando que “a diferença reside no fato de que as causas insalubres de ordinário geram doenças de forma lenta, devagar, ao passo que os explosivos e inflamáveis – de regra – têm ação simultânea, rápida, instantânea”[355]. Prosseguindo em seu pensamento, o autor encontra um conflito de normas inexplicável: “motivos de ordem humana ou econômica só sugerem a igualdade no cálculo dos adicionais de insalubridade e de periculosidade.[356]” E, finaliza dizendo: “Mas, estranhamente, a CLT manda calcular o primeiro com base no salário mínimo e, o segundo, sobre o salário contratualmente ajustado e despojado das gratificações, prêmios e participação nos lucros.[357]”
Esse conflito inexplicável que chama atenção Eduardo Gabriel Saad, acima citado, entre os próprios adicionais (periculosidade e insalubridade, por exemplo), ofende o princípio da razoabilidade, posto que a distinção é incongruente e injustificada. Carlos Roberto de Siqueira Castro esclarece sobre o alcance do princípio da razoabilidade:
A moderna teoria constitucional tende a exigir que as diferenciações normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto, há de existir uma indispensável relação de congruência entre a classificação em si e o fim a que ela se destina. Se tal relação de identidade entre meio e fim – means-end relationship, segundo a nomenclatura norte-americana – da norma classificatória não se fizer presente, de modo que a distinção jurídica resulte incongruente e injustificada, padecerá ela do vício da arbitrariedade, consistente na falta de ‘razoabilidade’ e de ‘racionalidade’, uma vez que nem mesmo ao legislador legítimo, como mandatário da soberania popular, é dado discriminar injustificadamente entre pessoas, bens e interesses na sociedade política. (grifo do autor) [358]
Importante salientar que, segundo afirmação de Marga Barth Tessler, o Supremo Tribunal Federal na fundamentação de seus acórdãos não costuma fazer distinção entre razoabilidade e proporcionalidade, elencando-os entre os princípios[359].[360]
Sebastião Geraldo de Oliveira foi além, encontrou, mesmo que implicitamente, uma violação ao princípio da igualdade material positivado na Constituição da República (art. 5º, caput, da CRFB), que diferencia, de modo injustificável, a base de cálculo para os empregados regidos pela CLT (art. 192), e dos servidores públicos regidos pela Lei n. 8.112/90, verbis:
A Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos Serviços Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações federais, estabeleceu no art. 68: “Os servidores que trabalharem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo”. Nota-se que a vantagem se desatrelou do salário mínimo para incidir sobre o vencimento do cargo efetivo.[361]
A ofensa ao princípio da isonomia (igualdade material) justifica, com mais um sólido fundamento, a proposta de alteração/correção do art. 192 da CLT por parte do Poder Legislativo, especialmente em razão do Poder Judiciário não poder funcionar, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, como legislador positivo, ainda que sob fundamento de isonomia (salvo em raras exceções – sentença normativa proferida pela Justiça do Trabalho). Mutatis mutandis, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
[…] Os magistrados e Tribunais – que não dispõem de função legislativa – não podem conceder, ainda que sob fundamento de isonomia, o benefício da exclusão do crédito tributário em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem da isenção. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado. É de acentuar, neste ponto, que, em tema de controle de constitucionalidade de atos estatais, o Poder Judiciário só atua como legislador negativo [no controle de constitucionalidade – difuso ou concentrado] […] (Agravo 138344/DF, 1a Turma, j. 02.08.94, Rel. Ministro Celso de Mello, DJU de 12.05.95).[362]
Não há dúvida que o direito vigente que dispõe sobre a base de cálculo da insalubridade – art. 192 da CLT – (e inclusive os Enunciados 17 e 228 do TST) não possuem, conforme amplamente demonstrado nesta pesquisa, adequação aos valores: “Justiça[363]” e “Utilidade Social[364]”, valores estes, aliás, demonstrados com base nos ensinamentos da Política Jurídica.
A alteração se faz necessária e urgente, devendo-se adotar a remuneração como base de cálculo da insalubridade, sem contar a revisão das alíquotas aplicáveis, em consonância com outros adicionais (hora extra, por exemplo), a fim de torná-lo mais justo, legítimo e útil. As propostas de reformas e correções na legislação vigente, segundo nos ensina Osvaldo Ferreira de Melo, é uma das tarefas da Política Jurídica:
O político do direito não precisa de armaduras, uniformes ou distintivos. É uma figura bem mais prosaica e objetiva, em que pese sua importância social. Será o advogado, o parecerista, o professor, o assessor jurídico, o juiz, o legislador, enfim todo aquele que, impregnado de humanismo jurídico e treinado na crítica social, apresente-se com a perspectiva das possibilidades, ponha sua sensibilidade e sua experiência a serviços da construção de um direito que pareça mais justo, legítimo e útil.[365]
No entanto, conforme alerta Osvaldo Ferreira de Melo, a tarefa de propor reformas e correções na legislação vigente, deve “significar para o Político do Direito apenas uma preocupação imediata que a conjuntura do cotidiano lhe vai impondo[366]”. Para o autor, o “futuro exigirá não apenas leis reformadas ou corrigidas, mas o próprio Direito reconceituado, cujo alcance não se resuma a permitir, impedir ou sancionar condutas do dia-a-dia, mas que seja capaz de reordenar, em novas bases éticas, toda a convivência social[367]”. E conclui: “redefinindo o papel do Estado e dos cidadãos perante as reais necessidades da vida, historicamente escamoteadas pela retórica do Poder que pretendeu sempre justificar formas injustas de dominações e privilégios[368]”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa nasceu do desejo de analisar cientificamente as questões voltadas à base de cálculo do adicional de insalubridade dos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Em razão do tema escolhido ser muito específico, a bibliografia não é abundante, notadamente quando relacionada à divergência encontrada sobre o tema.
A saúde é um direito constitucionalmente garantido, consectário do direito à vida. O adicional de insalubridade deveria recompensar efetivamente a perda da saúde do trabalhador no exercício de trabalhos nocivos. Trata-se de um “mal necessário”, posto que com o advento da Segurança e Medicina do Trabalho e sua real aplicação, tal adicional tende a desaparecer no plano fático, uma vez que, sendo o direito à saúde um bem maior do que qualquer recompensa financeira, não faz sentido o pagamento do mesmo em detrimento desse bem jurídico especialmente protegido (saúde). A prevenção e, por via de conseqüência, a supressão dos agentes insalubres no ambiente do trabalho, é um fim a ser alcançado, mas, enquanto isso não acontece em razão do atual conhecimento científico e tecnológico, tal adicional serve para recompensar, de alguma forma, o prejuízo ao bem jurídico do trabalhador, qual seja: a saúde e, por conseqüência, a vida. Havendo, por outro lado, um maior pagamento do adicional ao trabalhador, haverá, conseqüentemente, procura, por parte dos empregadores, de novas formas de suprimi-lo, já que o maior ônus econômico faz com que haja um estímulo às pesquisas para melhoria do ambiente do trabalho.
Nesse prisma, verifica-se que a legislação que prevê o salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, além de ser inconstitucional por ofensa ao art. 7º, IV, da CRFB, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal (critério de estrita legalidade/constitucionalidade), não corresponde aos critérios de justiça e utilidade social, fundamentos basilares da Política Jurídica (legitimidade). Não se trata de uma crítica a antiga (e atual) dicotomia entre capital e trabalho, pois ambos podem e devem ser conjugados harmoniosamente, tanto é que a Constituição informa que a ordem econômica está fundada, entre outros, na valorização do trabalho humano (art. 170, caput).
A norma jurídica, aqui entendida também os Enunciados 17 e 228 do TST, além de se enquadrar no campo de validade do ordenamento jurídico (critério formal), também deve ter legitimação social. No momento em que não há o cumprimento desse objetivo, aliás, já traçado pela Constituição da República quando preceitua que o Estado Brasileiro está fundado na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho (art. 1, III e IV), há flagrante burla à supremacia e aos valores expressos na mesma.
A interpretação de que o adicional de insalubridade deveria ter como base de cálculo a remuneração, advém também dos princípios informadores do Direito do Trabalho, especialmente o do in dubio pro operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica ao trabalhador, e, por tal direito encontrar fundamento diretamente na Constituição da República (art. 7º, XXXIII), dos princípios da máxima efetividade e da força normativa da Constituição.
Não se pretende adentrar em posições ideológicas, mas, tão-somente, na melhor interpretação sobre o tema em estudo. Verifica-se que não há valorização do trabalho humano quando previsto na atual legislação valor tão ínfimo para o pagamento do adicional de insalubridade, que deveria servir, tão-somente, de forma subsidiária, ou seja, somente após esgotadas todas as medidas de saneamento ambiental e suprimido os agentes nocivos à saúde do trabalhador. Feito isto, daí sim deveria haver a compensação financeira, mas não somente sobre uma base de cálculo que possa materializar os ditames constitucionais (remuneração), mas, também e principalmente, para que sirva de estímulo aos empregadores para envidarem todos os esforços necessários para supressão do mesmo. Esse deveria ser o ponto inicial da discussão sobre tal adicional, de modo a não compreender o Direito somente no sentido de validade, mas como fato, valor e norma, conforme a teoria tridimensional de Miguel Reale.
A partir dessa ordem de idéias, verifica-se que os Enunciados do Tribunal Superior do Trabalho sobre o adicional de insalubridade não deram a devida orientação a tais preceitos, especialmente na aplicação dos princípios regentes da matéria, de modo que se pode, tranqüilamente, considerá-los contrários aos ditames previstos na Constituição da República. Houve, na verdade, exagerado apego à forma, sem se analisar o verdadeiro sentido do adicional, conforme referido acima. Há, por outro lado, aparente ofensa ao princípio da igualdade material, quando se compara o adicional de insalubridade dos celetistas aos dos servidores públicos federais (art. 68 da Lei 8.112/90), que prevê o vencimento do cargo efetivo como base de cálculo do adicional de insalubridade. Não menos discrepante é o próprio critério desigualador entre os adicionais previstos na Consolidação das Leis do Trabalho. O adicional de insalubridade é o único que possui o salário mínimo como sua base de cálculo, enquanto, por exemplo, o adicional de periculosidade possui o salário (art. 193, §1º, da CLT). Tal diferenciação não encontra amparo por qualquer ângulo que se analise, pois ambos possuem as mesmas mazelas, residindo a diferença entre ambos no fato de que as causas insalubres geram doenças de forma lenta, enquanto as perigosas têm ação instantânea. Motivo de ordem humana e econômica só sugerem a igualdade no cálculo dos adicionais de insalubridade e periculosidade, mas, estranhamente, a Consolidação das Leis do Trabalho manda calcular o primeiro com base no salário mínimo e, o segundo, sobre o salário contratualmente ajustado.
A identificação correta das categorias salário e remuneração no decorrer do trabalho, torna-se importante para descobrir-se o real significado utilizado na norma constitucional que trata do adicional de insalubridade (7º, XXIII). Nesse sentido é importante a verificação de que o referido adicional trata-se de um direito fundamental de segunda dimensão (direitos sociais), e não foi por acaso que é tratado como “adicional de remuneração”, ao invés de salário mínimo ou, como deseja o TST, salário profissional. Diga-se de passagem, que apesar do STF ter declarado a vedação da vinculação do adicional de insalubridade pelo salário mínimo, o TST, pela dicção atual do Enunciado 228, vem, subsidiariamente, aceitando o salário mínimo como base de cálculo do referido adicional, em total ofensa à norma constitucional, e, por via de conseqüência, à autoridade da Suprema Corte, que tem por missão a interpretação e guarda da Constituição da República.
Apesar do TST ter dado um importante passo ao editar os Enunciados 17 e 228, que tratam sobre o adicional de insalubridade, comparando-os à redação retrógrada e destoante do art. 192 da CLT, ainda não se verifica a máxima eficácia da norma constitucional que trata desse adicional, já que a mesma deve ser regulamentada por lei. Sugere-se, desta forma, que a alteração deva-se dar através do Poder Legislativo, poder este que representa os mais variados segmentos da Sociedade, de modo a alterar, no menor espaço de tempo possível, a redação do art. 192 da CLT, adequando-o ao disposto no art. 7º, XXIII da Constituição da República que trata do adicional de insalubridade. Tal entendimento também está embasado em jurisprudência do STF que entende que o Poder Judiciário não pode funcionar como legislador positivo, ainda que sob o fundamento de isonomia (caso da disparidade entre os celetistas e servidores públicos da União).
A alteração se faz necessária por todos os motivos delineados, devendo-se adotar a remuneração como base de cálculo da insalubridade, sem contar a revisão das alíquotas aplicáveis, em consonância com outros adicionais (hora extra, por exemplo), a fim de torná-lo mais justo, legítimo e útil.
A proposta de alteração da legislação vigente, segundo se adota no trabalho, é uma das tarefas da Política Jurídica, a fim de corrigir distorções no “Direito que é” para alcançar o “Direito que deva ser”.
O político do direito não precisa de armaduras, uniformes ou distintivos, conforme ensina Osvaldo Ferreira de Melo. É uma figura bem mais prosaica e objetiva, em que pese sua importância social. Será o advogado, o parecerista, o professor, o assessor jurídico, o juiz, o estudante, o legislador, enfim todo aquele que, impregnado de humanismo jurídico e treinado na crítica social, apresenta-se com a perspectiva das possibilidades, ponha sua sensibilidade e sua experiência a serviços da construção de um Direito que pareça mais justo, legítimo e útil.
Salienta-se, ainda, conforme alerta Osvaldo Ferreira de Melo, que a tarefa de propor reformas e correções na legislação vigente, deve significar para o Político do Direito apenas uma preocupação imediata que a conjuntura do cotidiano lhe vai impondo, pois o futuro exigirá não apenas leis reformadas ou corrigidas, mas o próprio Direito reconceituado, cujo alcance não se resuma a permitir, impedir ou sancionar condutas do dia-a-dia, mas que seja capaz de reordenar, em novas bases éticas, toda a convivência social.
Assim sendo, utilizando-se dos importantes ensinamentos da Política Jurídica, para adequar o adicional de insalubridade aos valores “Justiça” e “Utilidade Social”, o mesmo deve ser calculo sobre a remuneração do trabalhador.
A presente pesquisa não se esgota nestas linhas, trata-se de uma proposta de análise por um outro viés, não somente para futuros acadêmicos se aprofundarem no tema, mas que possa suscitar uma saudável discussão sobre o tema nos mais diversos segmentos sociais, a fim de aprimorar nosso Estado de Direito, que tem o condão de ser Democrático, cumprindo um de seus principais objetivos, qual seja, a construção de uma Sociedade livre, justa e solidária.
Não há como não fazer o devido registro a Norberto Bobbio, quando afirma de forma veemente que não se faz mais necessário declarar os direitos fundamentais, mas, sim torná-los efetivos.
Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – Rio de Janeiro.
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