Bem jurídico penal militar

Resumo: O Direito Penal Militar, por vezes, é desconhecido pelos operadores do direito, ficando muitas vezes relegado a segundo plano. No passado, o estudo das normas penais castrenses possuía um caráter obrigatório nas cadeiras do Direito. Hoje já não possui mais este caráter, ficando relegado o seu estudo aos operadores e estudiosos. Em análise aos fundamentos necessários à regularização das normas castrenses, verificou-se que a tipificação de determinadas condutas dá fulcro a sistematização de normas coercitivas específicas para a atividade militar, criando um direito especial, que é o Direito Penal Militar. A proteção aos bens jurídicos penais militares justifica o sustento a normatização de um sistema penal próprio, em que a hierarquia e disciplina se destacam como marcos basilares a serem protegidos. Acima desses bens jurídicos fundamentais do Direito Penal Militar, temos o bem jurídico máximo, fundamento de nossa República, que não pode ser relegado nunca. Trata-se do Princípio da Dignidade Humana, que se harmoniza com a atividade militar, através da proteção da soberania de nossa nação e da garantia da ordem social constituída em nosso Estado Democrático de Direito.


Abstract: The Military Criminal Law, sometimes it is unknown by the operators of duty, often being relegated to the background. In the past, the study of criminal law castrenses have a binding character on chairs of the law. Today no longer has this character, being relegated its study to operators and scholars. In analyzing the reasons for the regularization of castrenses standards, it was found that the criminalization of certain conduct is the systematization of core standards for the specific coercive military activity, creating a special law, which is the Military Criminal Law. The legal protection of property justifies the criminal military support with the ruling of a criminal justice system itself, in which the hierarchy and discipline stand out as landmarks blocks to be protected. Above these fundamental legal property of the Military Criminal Law, we have the right legal maximum, based on our Republic, which can not be relegated ever. It is the Principle of Human Dignity, which harmonizes with military activity, through the protection of the sovereignty of our nation and ensuring the social order established in our democratic rule of law.


Sumário: 1. Bem Jurídico Penal 2. Bem jurídico penal militar 3. Complexidade do bem jurídico penal militar


1. Bem Jurídico Penal


O bem jurídico deve ser protegido pelo Estado, pois ele é o único ente capaz de patrocinar e garantir, através do direito positivo, as regras indispensáveis para o convívio entre os indivíduos que compõe a sociedade. Tudo aquilo que se apresenta como digno, útil, necessário e valioso, para o indivíduo ou para a sociedade, merece a tutela do Estado, erigindo este os bens jurídicos que reputa digno de proteção. Como dispõe o Prof. Fernando Capez : “A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social (…), denominados bens jurídicos”.[1]


Quando um indivíduo pratica um fato que contraria a norma estatal que vem a tutelar esses bens jurídicos, temos os ilícitos jurídicos, que poderá ter conseqüências civis de reparação ou execução patrimonial, ou, quando essas sanções civis se mostrarem insuficientes haverá a aplicação dos institutos penais. Com  dispõe o Prof.º Julio Fabbrini Mirabete;


“Muitas vezes, porém, essas sanções civis se tornam insuficientes para coibir a prática de ilícitos jurídicos graves que atingem não apenas interesses individuais, mas também bens jurídicos relevantes, em condutas profundamente lesivas à vida social. Arma-se o Estado, então, contra os respectivos autores destes fatos, cominando e aplicando sanções severas por meio de um conjunto de normas jurídicas que constituem o Direito Penal”[2]


O Direito Penal não produz bens jurídicos, mas apenas os identifica e comina sanções quando, em ultima ratio, houver a sua usurpação. Logo o bem jurídico penal é aquele que exige uma proteção especial, no âmbito das normas do Direito Penal, por não ser suficiente as garantias oferecidas pelos demais institutos jurídicos. A finalidade do Direito Penal é a proteção da sociedade e a defesa dos bens jurídicos fundamentais dispostos na Carta Constitucional. O seu objetivo fundamental é a plena tutela de bens, valores e interesses da sociedade. Não a simples tutela concreta dos bens jurídicos, como a proteção da pessoa individualmente, a sua propriedade, mas sim como nos ensina o Prof. Fernando Capez em sua obra, Curso de Direito Penal, citando o jurista alemão Hans Welzel, que nos lega uma grande lição sobre as normas penalistas, o bem a ser protegido é a própria moral e ética da Nação.


“…asegurar la real vigência (observância) de los valores de acto de la conciencia jurídica; ellos constituyen el fundamento más sólido que sustenta el Estado y la sociedad. La mera protección de bienes jurídicos tiene solo um fin preventivo, de carácter policial y negativo. Por el contrario, la misión más profunda Del Derecho Penal es de naturaleza ético-social y de carácter positivo. (…)…más esencial que el amparo de los bienes jurídicos particulares concretos es la misión de asegurar em los cuidadanos el permanente acatamiento legal ante los bienes jurídicos; es decir, la fidelidad frente al estado, el respeto de la persona.” [3]


 É o Estado quem leva em consideração quando se trata de interesses penalmente tutelados. Destarte é a figura estatal que assume como próprios os interesses individuais e coletivos, no momento da tutela penal.


O caráter ético do Direito Penal destina-se à proteção de algo, delimitado e elementar para convivência em sociedade.


Como já foi dito, a verdadeira razão de ser do Direito Penal é tutela dos bens jurídicos. Deste modo, o conceito de bem jurídico é nuclear para o entendimento da sistemática penal como ordenamento normativo da conduta humana. O vocábulo “bem” pode ter um sentido amplo, ou seja, ser definido como tudo aquilo que se apresenta como útil, necessário, valioso. Entende-se, porém, que para o Direito o conceito de bem supera a simples noção de coisa material (útil, necessária) ou imaterial (valiosa), ele identifica, como bem jurídico, a pessoa como um ser em relação à outra pessoa. Nesse sentido, de nada adianta a existência da coisa em si e uma pessoa, é necessária a colocação da coisa em relação a outra pessoa.


Devido ao caráter limitador do Direito Penal, observamos que nem todo bem é um bem jurídico, e que nem todo bem jurídico está sob a tutela específica do Direito Penal, mas somente aqueles em que seja necessária a sua atuação protetora. Quando todos os outros meios de pacificação social, não obtiveram êxito, aí sim, abre-se espaço para a aplicação do Direito Penal com toda a sua força coercitiva.


O bem jurídico não pode identificar-se simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, mais amplo. Sentido este que deve ser anterior à norma penal, ante tunc, e em si mesmo decidido, para adequar-se à sua função sistemática, de parâmetro e limite do preceito penal e, de contrapartida, das causas de justificação, na hipótese de conflito de valorações.


2. Bem jurídico penal militar


Dentro da vida castrense, vários bens específicos necessitam ser protegidos, porém os princípios da hierarquia e a disciplina se destacam entre esses bens, por serem o sustentáculo da atividade militar. Os mesmos, como já observado anteriormente, são diretamente citados art. 142 da nossa Carta Magna, sendo elevados a bem jurídico constitucionalmente protegido. A regularidade da atividade militar dentro da órbita do Estado, sustentada pela hierarquia e disciplina, será sempre tutelada de forma direta ou indireta pelas normas infraconstitucionais específicas. Os bens jurídicos advindos desta necessidade mantenedora da regularidade das instituições criam um sistema singular para o universo do direito.


Devido a sua atividade específica, em que as Forças Armadas e demais Forças Auxiliares são destinadas a garantir a segurança externa do Estado e a ordem interna, estes bens jurídicos poderão ser compostos, no qual se misturam a tutela dos direitos fundamentais da pessoa, assim como a proteção da instituição militar.


Ainda dentro do Direito Castrense, outros bens da vida foram eleitos como merecedores da tutela penal especial, tais como a integridade física, patrimonial, e outras mais, sempre visando a regularidade institucional militar.


O Prof. Cícero Robson Coimbra Neves nos dá uma visão sobre o alcance da proteção dos bens jurídicos sob a tutela castrense, afirmando que:


“…qualquer que seja o bem jurídico evidentemente protegido pela norma, sempre haverá, de forma direta ou indireta, a tutela da regularidade das instituições militares, o que permite asseverar que, ao menos ela, sempre estará no escopo de proteção dos tipos penais militares, levando-nos a concluir que em alguns casos teremos um bem jurídico composto como objeto de proteção do diploma penal castrense.”[4]                   


O Direito Penal Militar está fundado, dentre outros princípios, no da dignidade da pessoa humana, recepcionada no corpo de nossa Carta Magna, e fundamentada no seu art. 5º, com fulcro na identificação e proteção do bem jurídico-penal militar, baseado na regularidade da missão singular e precípua das instituições militares. A caserna, na sua rotina, necessita realizar atos que não são comuns à vida civil, sua especificidade é necessária no intuito de deixar a tropa adestrada, sempre pronta para o imediato emprego. Este bem jurídico é singular em sua essência, pois caberá a ele dar sustentáculo às características intrínsecas da Administração Militar.


3. Complexidade do bem jurídico penal militar


Já foi exposto acima que outros bens da vida também foram eleitos para compor a matéria militar, tais como a preservação da integridade física, do patrimônio público, da segurança externa do país e outros mais, porém, é importante afirmar que qualquer que seja o bem jurídico preservado pelas normas de Direito Militar, sempre haverá de forma direta ou indireta, a tutela da regularidade das instituições militares.


Não é possível para o jurista castrense ter uma postura minimalista, isto é, focar unicamente o bem jurídico imediato da norma, é necessário que se verifique a regularidade da instituição militar, isto é, que os princípios da hierarquia e disciplina não sejam turbados, comprometendo o sadio desempenho das missões concernentes às forças militares em tempo de paz e em tempos de reais conflitos.


Deverá haver uma mitigação da visão pragmática da norma castrense, aquela que privilegia unicamente o resultado, o Direito Penal Militar, assim como o Direito Penal geral, deverá ser compreendido como uma matéria social e política, sendo um resultado de um processo constante de elaboração legislativa e doutrinária, com sensibilidade capaz de captar as mudanças dos anseios sociais, as tensões e os conflitos da nação.


O reconhecimento da complexidade do bem jurídico-penal militar, tomando por base a regularidade da caserna, deverá ser evidenciado na letra da norma castrense de forma imediata ou mediata. A especialidade do Direito Penal Militar decorre do caráter sui generis do bem jurídico por ele tutelado, não sendo de aplicação exclusiva aos elementos que constituem o corpo da tropa, e sim também aplicável aos elementos alienígenas à corporação militar, que cometem atos em que a especialidade, pela tutela da regularidade da instituição, é de caráter inequívoco. Os tipos penais militares, que podem ser perpetrado por qualquer pessoa, visam à integridade da instituição, em forma de preservação da autoridade, da sua regularidade, da hierarquia e da disciplina.


As Forças Armadas, compostas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, se incubem de missões de grande importância no que se refere à preservação e garantia das liberdades públicas, desta forma cabe a eles, conforme o art. 142 e 144, parágrafo 5º, da nossa Carta Cidadã, a defesa incondicional da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, o policiamento ostensivo preventivo, a preservação da ordem pública e as atividades de defesa civil. Nesta situação, é inadmissível que o próprio responsável pela preservação da ordem pública, seja o patrocinador da desordem no exercício de sua atividade. Desta forma, o regular desempenho das forças militares é, de forma inequívoca, uma situação social que demanda especial cuidado, merecendo a tutela penal direta ou indireta, por valoração de diversos bens jurídico-penais, cuja turbação poderia importar em uma deficiência na realização dos objetivos imediatos constitucionais.


 


Notas:

[1] CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal – parte geral – 10ª edição, 2006, Ed Saraiva, pág 01

[2] MIRABETE, Julio Fabbrini; Manual de Direito Penal – Parte Geral – 18ª edição.  São Paulo. 2002. Ed Atlas; pág. 22

[3] CAPEZ, Fernando: Curso de Direito Penal – parte geral; 10ª edição. São Paulo. Ed. Saraiva.. Pág. 03

[4] NEVES, Cícero, op. cit.

Informações Sobre o Autor

Paulo Pereira Ramos

Acadêmico de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Papiloscopista Policial pela polícia civil do Estado de São Paulo


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