Resumo: O presente artigo tem por finalidade apresentar o estudo realizado sobre as peculiaridades de análise para a concessão do Benefício de Prestação Continuada – BPC (LOAS). Esse estudo é de grande relevância social, uma vez que, diante do cenário atual do Brasil, no qual a crise afeta a sociedade, cada vez mais, há uma enorme demanda de processos solicitando esse amparo ao Estado e na sua grande maioria é negado tanto pela via administrativa – INSS, quanto na via Judicial. Os Tribunais não possuem um entendimento pacificado quanto ao critério de análise da condição de renda e de miserabilidade do beneficiário, gerando assim uma incerteza quanto à concessão do benefício.
Palavras Chave: Benefício de prestação continuada (BPC) – LOAS – assistência social – condição de miserabilidade – flexibilização da norma – condição mínima de subsistência.
Abstract: The purpose of this article is to present the study carried out on the peculiarities of analysis for the granting of Continuous Benefit Benefit – BPC (LOAS). This study is of great social relevance, since, given the current scenario in Brazil, in which the crisis affects society, more and more, there is an enormous demand for lawsuits requesting such protection from the State and, for the most part, is denied both By administrative route – INSS, and in the judicial route. The Courts do not have a pacified understanding regarding the criterion of analysis of the condition of income and miserability of the beneficiary, thus generating an uncertainty as to the concession of the benefit.
Keywords: Continuous benefit (BPC) – LOAS – social assistance – condition of miserability – flexibility of the standard – minimum subsistence condition
Sumário: Introdução; 1. Breve conceito de Seguridade Social; 2. Diferença entre assistência e previdência; 2.1.Previdencia Social; 2.2. Assistência Social e o BPC; 3.Desigualdade, pobreza e miserabilidade, requisitos de concessão de BPC (LOAS); 4. A Miserabilidade e o limiar da renda mensal do BPC (LOAS); Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 implementou em seus artigos 203 e 204, um significativo instrumento de proteção social, que tem como escopo o amparo aos idosos e deficientes que comprovem não possuir meios de manter sua subsistência por si ou por seus familiares.
A implementação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pela Lei 8.742/93 restringiu esse amparo às pessoas carentes, que de fato comprovem suas necessidades independente de qualquer contribuição para a previdência.Para a concessão, é realizada uma análise minuciosa da condição de pobreza e miserabilidade em que se encontra o beneficiário, mas o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) verifica unicamente o parâmetro objetivo de renda, previsto pelo parágrafo 3º do artigo 20 da lei 8.742/93. Esse critério mostra-se totalmente falho para aferir com precisão a verdadeira condição de miséria e necessidade do indivíduo, não levando em consideração a situação fática vivida.
1 BREVE CONCEITO DE SEGURIDADE SOCIAL
A Seguridade Social está conceituada na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 194, como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinados a assegurar direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Abarca caráter social, designado a “garantir precipuamente, o mínimo de condição social necessário a uma vida digna, atendendo ao fundamento da República contido no artigo 1º, inciso III da CRFB” – segundo o professor Marcelo Leonardo Tavares[1].
Sua finalidade é amparar os menos favorecidos, que durante sua vida não tiveram a mínima condição de contribuir para a previdência social, então surge como última ratio a proteção social do Estado prevista na estrutura da Seguridade Social, definhada no artigo 203, inciso V, da CRFB/88.
2 DIFERENÇA ENTRE ASSISTÊNCIA E PREVIDÊNCIA
A previdência social visa proteger o segurado no momento em que ele se vê incapacitado para o trabalho. De maneira distinta das outras áreas da seguridade, a previdência ao conceder um auxílio, uma pensão ou aposentadoria, impõe ao segurado uma contribuição constante, correspondente com a remuneração percebida na sua ocupação laboral, para que possa usufruir do direito de receber a proteção social, assegurando-lhe, dessa forma, o padrão médio do trabalhador no momento de necessidade.
A assistência social, no entanto, não exige contribuição alguma, pois tem como finalidade garantir o padrão mínimo aos não favorecidos pela previdência ou pela família, tendo como seu recebedor o mais necessitado.
Portanto, podemos dizer que a previdência se aplica aos trabalhadores, que possuem o dever de contribuir para que possam ter o direito de receber a contraprestação no momento oportuno. Essa contraprestação também se estende aos seus dependentes, desde que comprovado o grau de dependência conforme exige a lei.
No que tange a assistência social a finalidade é outra, pois está totalmente voltada aos mais necessitados, não amparados pela previdência, e que precisam restituir um pouco da sua dignidade humana.
2.1 Previdência Social
A previdência social é um direito social indubitável a todos os trabalhadores e seus dependentes, garantindo haveres nas situações adversas que ocorrem na vida do trabalhador, mas para essa cobertura, tanto obrigatória quanto facultativa, a lei exige uma contraprestação do segurado.A proteção obrigatória ocorre pelo RGPS (Regime Geral de Previdência Social) que é operado pelo INSS, uma entidade pública e de filiação obrigatória para os trabalhadores regidos pela CLT; e pelo RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), instruído por entidades públicas, como os Institutos de Previdência ou os Fundos Previdenciários. Os servidores públicos, titulares de cargos efetivos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, possuem filiação obrigatória ao RPPS.
Através desses dois regimes, o Estado possibilita a todos o acesso à previdência, estando assim o trabalhador amparado ante as adversidades, uma vez que estando incapacitado para o trabalho terá garantido recursos para sua subsistência.
A proteção facultativa está prevista na Constituição em seu artigo 202, antevendo uma proteção complementar que é estruturada de forma autônoma em relação ao RGPS. A previdência complementar possui como finalidade adicional a aposentadoria dos regimes obrigatórios e está regulamentada nas Leis Complementares 108 e 109 de 2001.
2.2 Assistência Social e o BPC
A Assistência Social está definida pela Lei Orgânica da Assistência Social nº 8.742/1993 no artigo 1º:
“Art. 1º. Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.”[2]
E assegurada constitucionalmente nos artigos 203 e 204 da CRFB/88.
”Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III- a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV- a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:
I – despesas com pessoal e encargos sociais;
II – serviço da dívida;
III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiadas.”[3]
A Constituição afasta a exigência da contraprestação direta por parte do beneficiário (artigo 203, caput da CRFB), para cobertura às situações de necessidade, que deverão ser atendidas adequadamente, garantindo-se o nível mínimo de subsistência àquele que esteja em nível de miserabilidade.
Contudo, a Lei 8.742/93 em seu artigo 20, implementou requisitos para a concessão dessa assistência, o BPC (LOAS):
– Idoso deverá ter 65 anos completos e estar vivendo em condição de pobreza e necessidade extrema;
– Portador de deficiência: comprovar com laudo médico a deficiência, podendo ser de qualquer natureza, o impedindo de participar em condição de igualdade na sociedade, além de vivenciar estado de pobreza e necessidade extrema.
3 DESIGUALDADE, POBREZA E MISERABILIDADE, REQUISITOS DE CONCESSÃO DO BPC (LOAS)?
Segundo Boschetti, “pobreza e desigualdade, embora intrinsecamente relacionadas, não expressão situações semelhantes”[4].
Com relação aos conceitos de pobreza, desigualdade e miséria, vejamos:
a) Pobreza: configura-se pela escassez de proventos, ou ainda pela existência de famílias cujas rendas estão abaixo do valor considerado mínimo para a manutenção básica de uma vida digna.
b) Desigualdade: fator que intensifica a pobreza na sociedade. É a falta de equilíbrio no padrão de vida da sociedade, ou seja, a má distribuição de renda e falta de investimento em políticas sociais.
c) Miséria: pobreza extrema na qual as vítimas não dispõem do mínimo básico para subsistência.
Percebe-se claramente, a partir dos conceitos apresentados, que só a desigualdade e a pobreza não são requisitos para concessão de BPC (LOAS).
O Estado tem o poder dever de fornecer aos cidadãos o mínimo para aqueles que não possuem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por seus familiares.
Por esse motivo a assistência não se aplica ao pobre propriamente dito, mas sim ao miserável, aquele que vive à margem da sociedade por falta de condições de se manter.
O BPC (LOAS) não possui a finalidade de oferecer uma complementação de renda ao pobre ou àquele que sofre a desigualdade social, mas sim proporcionar o mínimo possível indispensável à sobrevivência digna do indivíduo.
Citando Marcelo de Souza Moura[5]:
[…] “ a visão de Ana Paula de Barcelos que, inspirada nas lições de John Rawels, postula que, para se efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana, para que todas as pessoas, independente de idade, deve o Estado, primeiro ofertar o mínimo social existencial, para garantir que todas as pessoas tenham uma existência digna. É necessário um núcleo com conteúdo básico. “Esse núcleo, no tocante aos elementos materiais da dignidade, é composto de um mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encont4ra em situação de dignidade. ” (BARCELLOS, 2001, p304[6]).
4 A MISERABILIDADE E O LIMIAR OBJETIVO DA RENDA MENSAL DO BPC (LOAS)
Vejamos o artigo 20, §3º da Lei 8.742/93 que dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.”[7]
A norma é clara ao impor um critério objetivo (a miserabilidade) para o cálculo do valor do BPC (LOAS).
Segundo alguns doutrinadores, esse dispositivo viola preceitos constitucionais ao limitar o propósito do artigo 203, inciso V da CRFB/88, na consubstancialização da assistência social, além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, CRFB/88) e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (artigo 3º, incisos III e V, CRFB/88).
Inclusive, determinado assunto foi objeto de Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ACDI 1232/DF) em que a Suprema Corte entendeu não haver na regulamentação da norma restrição, mas uma estipulação de hipótese objetiva de provento estatal, ao limitar o cálculo da renda.
“Constitucional. Impugna dispositivo de Lei Federal que estabelece critério para receber o benefício do inciso V do artigo 203, da CRFB/88. Inexiste a restrição alegada em face do próprio dispositivo constitucional que reporta à lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado. Ação julgada Improcedente”– (ADI nº 1.232/DF, Relator o Ministro Ilmar Galvão, Relator p/ acórdão o Ministro Nelson Jobim, Tribunal Pleno, DJ de 1º/6/01)
Diante dessa decisão, apesar de possuir efeito Erga Omnes, uma vez que se diz respeito ao controle concentrado de constitucionalidade, as instâncias inferiores do Poder Judiciário continuam considerando que existem outros meios de provar a miserabilidade exigida para concessão do BPC (LOAS).
Essas decisões monocráticas, tendem a adaptar o artigo 20, §3º da Lei 8.742/1993, aos fatores de miserabilidade do beneficiário e de sua família tendendo analisar a situação concreta vivida no dia a dia pelo indivíduo e assim flexibilizar a norma.
Fica cada vez mais evidente, ante às decisões dos tribunais superiores e inferiores a problemática existente ao auferir o quesito miserabilidade imposto pela norma, que existe um grande conflito entre dois importantes princípios constitucionais, o princípio da legalidade e o da dignidade da pessoa humana. Diante disso o STF em decisão recente, na Reclamação 4.374/PE, bem como nos julgamentos dos REs 567985/MT e 580963/PR, considerou a inconstitucionalidade parcial do artigo 20, §3º, da Lei 8.742/93, alterando assim o entendimento da ADIn nº 1232/DF, que considerava constitucional o critério de renda familiar per capita inferir a ¼ (um quarto) do salário mínimo para a concessão de benefícios assistenciais.
O parecer mais recente do Superior Tribunal Federal referente ao requisito socioeconômico fala em pobreza ou necessidade e não mais cita o critério de miserabilidade:
“[…]o critério de renda familiar por cabeça nele previsto como parâmetro ordinário de aferição da miserabilidade do indivíduo para fins de deferimento do benefício de prestação continuada. Permitiu, contudo, ao Juiz, no caso concreto, afastá-lo, para assentar a referida vulnerabilidade com base em outros elementos“. (ARE 937070)
Mesmo diante do entendimento dos tribunais de que a renda per capita de ¼ do salário mínimo para cada membro do grupo familiar não ser critério absoluto de miserabilidade, analisando não só o critério socioeconômico, mas também as peculiaridades do caso concreto, o INSS continua negando os pedidos de benefícios de prestação continuada, mesmo sabendo que está a infligir os princípios constitucionais fundamentais, fazendo com que o Poder Judiciário fique lotado de ações neste sentido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em conta, o estudo apresentado neste trabalho, conclui-se que Previdência Social e Assistência Social não se confundem. Enquanto a previdência exige uma contraprestação e a assistência visa garantir um pouco de dignidade à pessoa que está à margem da sociedade e não possui condições de subsistência.
Portanto, não são todos os idosos ou deficientes que possuem direito ao benefício de prestação continuada. Somente os que completaram a idade prevista e que comprovarem a condição de miserabilidade e também a deficiência por meio de laudos médicos, é que podem receber o benefício assistencial, demonstrando desta forma, a seletividade da Assistência Social.
No entanto, o critério socioeconômico, gera divergência de entendimento nos Tribunais, pois coloca em conflito princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa e o da legalidade uma vez que o conteúdo fático da vida do indivíduo se destaca perante a norma.
Por fim, diante do desacordo de norma e princípios, fica o beneficiário à mercê da sorte, já que o INSS faz a análise de forma taxativa com base na norma e em virtude dos inúmeros processos indeferidos, o Judiciário fica abarrotado de processos aguardando julgamento.
Advogada, Formada em Direito pela Faculdade Sudamérica de Cataguases-MG; Pós-graduanda Master of Business Administration (MBA) em Direito Previdenciário pela UCAM; Pós-Graduada em Direito da Seguridade Social pela UCAM; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UGF
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