Resumo: O benefício da prestação continuada trata-se de um benefício da assistência social, tem como fundamento principal o art.203 da Constituição Federal que de modo geral estabeleceu a existência do mesmo. Surge portanto, a Lei Orgânica da assistência social com o intuito de regulamentar referido benefício. Deste modo, tal Lei estabeleceu que para a concessão do benefício o sujeito deve ter 65 anos ou mais, ou ser portador de deficiência. Além disso, estabeleceu o denominado requisito da miserabilidade, tal requisito restringe a concessão do benefício à pessoas que comprovem ter a renda per capita familiar na quantia de até ¼ do salário mínimo. Deste modo, se perfaz em um requisito que deve ser declarado inconstitucional eis que não admite outros meios de comprovação da condição de miserabilidade, é objetivo, taxativo e limitador de um direito constitucionalmente estabelecido, retirando do rol de beneficiários grande número de pessoas que encontram-se logo a baixo do valor definido. Referido trabalho tem como objetivo demonstrar a inconstitucionalidade do requisito pois não está em conformidade com a realidade jurídica e social, tampouco coaduna com os preceitos constitucionais.
Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Miserabilidade. Benefício. LOAS.
Abstract: The benefit of continued provision it is a benefit of social assistance is based principally the art.203 of the Constitution that generally established the existence of it. Arises therefore, the Organic Law of Social Assistance in order to regulate such benefit. Thus, this law has established that the granting of the benefit the person must be 65 years or more, or having a disability. It also established the so-called requirement of misery, such a requirement restricts the grant of benefits to persons showing the per capita family income in the amount of up to ¼ minimum wage. Thus, it adds up to a requirement that must be declared unconstitutional here that does not allow other means of proof of wretchedness condition is objective, exhaustive and limiting a constitutionally established right, removing from the list of beneficiary large number of people who are found is immediately below the set value. That work aims to demonstrate the unconstitutionality of the requirement because it is not in accordance with the legal and social reality, nor consistent with the constitutional provisions.
Keywords: Unconstitutionality. Wretchedness . Benefit. LOAS .
1 INTRODUÇÃO
A assistência social é um direito do cidadão e dever do estado, foi estabelecida pela Constituição Federal de 1988 em seus artigos 204 e 204, devendo ser prestada a quem dela necessitar. Tem como um de seus objetivos, a garantia de um salário mínimo mensal aos idosos e deficientes que comprovem não ter meios de manter sua subsistência ou de tê-la provida por sua família. Contudo, a aplicação de tal dispositivo deveria ser disciplinado por Lei especial, uma vez que se trata de norma com eficácia limitada.
Sendo assim, a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742 /93) veio regulamentar a concessão do benefício, estabelecendo requisitos a serem preenchidos para se tornar beneficiário. Estabeleceu, portanto, que o sujeito deve ser idoso com 65 anos ou mais, ou ser portador de deficiência, além de comprovar a situação de miserabilidade.
Deste modo, um dos requisitos diz respeito a renda familiar per capita que não deve ultrapassar o valor de ¼ do salário mínimo. Pois bem, o presente trabalho pretende demonstrar que tal requisito, titulado miserabilidade, é inconstitucional por afrontar direitos estabelecidos constitucionalmente, além de não condizer com a realidade jurídica e social em que nos encontramos.
Observa-se que, um requisito taxativo como tal não se faz suficiente para comprovação de um estado tal qual a miserabilidade, que necessita por si só de amplas especulações e avaliações a fim de se chegar a uma conclusão coerente. A aplicação de tal requisito não coaduna com diversos preceitos constitucionais, como por exemplo, a Dignidade da Pessoa Humana que tem por escopo a garantia de um mínimo existencial ao indivíduo.
A partir desse ponto, será analisado primeiramente no presente trabalho a seguridade social de um modo geral, apresentando sucintamente seus ramos dentre os quais está a assistência social.
Na sequência, será explanado a respeito do conceito, objetivos, e definições gerais sobre a assistência social. No que segue, partiremos para a análise do benefício da prestação continuada, seus requisitos, controvérsias, evolução fática, discussões no âmbito jurídico, até chegarmos à tese de inconstitucionalidade do critério da miserabilidade estabelecido pela referida lei.
2 A SEGURIDADE SOCIAL
Iniciaremos o tópico explanando um conceito geral acerca da seguridade social. É um sistema de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, previsto pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 184, de modo que se subdivide em assistência social, saúde, e previdência social. Surgiu com o intuito de salvaguardar a sociedade dos possíveis riscos sociais, de modo que o Estado deve intervir a fim de promover a efetivação desses direitos, tidos como fundamentais. Nesse sentido leciona Frederico Amado:
“Eventos como o desemprego, a prisão, a velhice, a infância, a doença, a maternidade, a invalidez, ou mesmo a morte poderão impedir temporária ou definitivamente que as pessoas laborem para angariar recursos financeiros visando a atender as suas necessidades básicas e de seus dependentes, sendo dever do Estado Social de Direito intervir quando se fizer necessário na garantia de direitos sociais”. (AMADO, Frederico, 2015, p.20).
Em se tratando desse sistema que denominamos seguridade social temos duas subdivisões. De um lado temos o contributivo, constituído pela previdência social, cujo imprescinde de contribuição pecuniária prévia para que haja a cobertura previdenciária de seus segurados e dependentes. Por outro lado temos o não contributivo, formado pela saúde pública e pela assistência social. Estes são os casos em que não necessita de nenhuma contribuição específica, eis que custeado pelo Estado e visa atender a quem dela necessitar (AMADO, Frederico, 2015).
Deveras, o âmbito que abrange o tema em foco é a assistência social.Esta tem por objetivo atender aqueles que não dispõem condições de contribuir com a previdência social e que necessitam de amparo gratuito, sendo esse amparo permanente ou provisório. A obtenção desses benefícios independe de contribuição com a seguridade social, visto que tem por finalidade principal a manutenção de uma vida digna dos sujeitos considerados hipossuficientes ou miseráveis, como sugere a própria nomenclatura do critério em questão.
2.1 A ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEUS OBJETIVOS
Para um melhor entendimento a respeito do benefício da prestação continuada, teceremos algumas considerações a respeito da assistência social e sua previsão legal.
A assistência social está prevista na Carta Magna em seu artigo 203, é possível afirmar que tem como objetivo principal os indivíduos mais necessitados, aqueles denominados hipossuficientes, provendo meios de enfrentar a pobreza e demais problemas sociais que afetam toda a sociedade. Nesse sentido leciona Frederico Amado:
“Na Constituição Federal de 1988, a assistência social vem disciplinada nos artigos 203 e 204, destacando-se, em termos infraconstitucionais, a Lei 8.743/93 (LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social). De acordo com o artigo 203, da Constituição, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição ä seguridade social.” (AMADO, Frederico, 2015, p.41).
Deste modo, destaca-se que a assistência possui os seguintes objetivos:
“I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vidacomunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”
Assim corrobora o célebre autor e advogado José Jayme de Souza Santoro:
“A expressão Assistência Social quase desapareceu do vocábulo técnico-social, por força de preconceitos a respeito do seu entendimento, sempre, com caridade pública.O legislador constituinte, aliás, referendou a tendência, não explicitando a assistência social como direito que é, a exemplo do que fez com a saúde. De qualquer sorte, a Assistência Social pode apresentar-se sob duas formas: ou como apoio social individualizado, onde a pessoa é atendida por equipamentos e serviços que visam substituir ou completar o apoio familiar, inexistente ou insuficiente; ou como intervenção na comunidade, feita mediante assistência sociofamiliar e sociocomunitária, numa linha preventiva de atuação” (SANTORO, José Jayme de Souza, 2001, p.10).
Importante salientar que a assistência social não visa garantir a boa condição de vida, mas sim um mínimo existencial, sendo que suas contribuições ficam a cargo de toda a sociedade. Neste diapasão, é possível notar que a assistência social se perfaz no dever do Estado de prestar auxílio àqueles incapazes de se manter, seguindo assim os ditames constitucionais.
2.2 O BENEFÍCIO DA PRESTAÇÃO CONTINUADA
Deste modo, no presente artigo será tratado especificamente a respeito do benefício assistencial denominado “benefício da prestação continuada”, ou BPC. Tal benefício tem como escopo a Constituição Federal que em seu artigo 203, V, prevê: “A garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. Tal benefício é administrado e fiscalizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, a esse respeito encontramos a seguinte colocação:
“Não obstante seja uma prestação oriunda da assistência social, a pessoa jurídica responsável por sua concessão, manutenção e fiscalização é o INSS. Contudo, a competência da Autarquia não implica reconhecer a natureza previdenciária do benefício de prestação continuada. Trata-se, ressalta-se novamente, de um beneficio assistencial. Logo, a sua concessão independe de contribuição para a seguridade social. Certamente, o dever do INSS decorre de questões logísticas: a Autarquia já dispõe de uma rede de agências espalhadas por todo território nacional, sem falar dos sistemas previdenciários que possibilitam que a Administração verifique o implemento dos requisitos legais do benefício” (LEITÃO, André Studart; ANDRADE, Flávia Cristina Moura, 2012, p.201).
Nesta esteira, em se tratando do dispositivo constitucional é possível observar que a Carta Magna estabelece um direito social, deixando espaço para regulamentação em lei específica, necessária para a efetivação do direito fundamental trazido em seu bojo. Por tal desígnio surgiu a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), com a finalidade de regulamentar o benefício cujos sujeitos são os idosos com mais de 65 anos e os deficientes, que comprovem não possuir meios de prover a própria subsistência, garantindo-lhes o valor de um salário mínimo mensal (art.20, §3°- LOAS), como dita a Constituição.Nesse sentido expõe o brilhante doutrinador:
“A CF garante um salário mínimo de beneficio mensal á pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. A lei, impropriamente, denomina esse beneficio como Beneficio de Prestação Continuada (BPC), porque, na sua maioria, os benefícios são de prestação continuada, uma vez que pagos mês a mês desde o termo inicial até o termo final.” (SANTOS, Marisa Ferreira dos, 2013, p.150)
Com efeito, o benefício da prestação continuada não se confunde com aposentadoria, é personalíssimo e de caráter não contributivo. Foi legalmente estabelecido pela Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), que veio a ser regulamentadora do benefício presente no art.203, V da Constituição Federal, trazendo requisitos para sua aplicação e demais disposições a respeito do referido benefício. Assim acrescenta a consideração de Ivan Kertzman:
“O benefício assistencial é intransferível, não gerando direito à pensão. Não é pago abono anual em relação aos benefícios da LOAS. É devido, entretanto, pagamento de resíduo a herdeiros ou a sucessores, na forma da lei civil. O benefício assistencial da LOAS não pode ser acumulado com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória” (KERTZMAN, Ivan, 2015, p.461).
Dessa forma, tem-se que, o benefício da prestação continuada porta como pressuposto para concessão o preenchimento cumulativo de alguns requisitos previstos na legislação especial supramencionada, dentre eles há o requisito da miserabilidade, causador de grande polêmica no âmbito jurídico e social. Para tal requisito, o estado de “incapacidade de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família” que se refere o artigo, resta comprovado se o cidadão não tem renda per capita superior a ¼ do salário mínimo, pois bem, este é o objeto do presente artigo. Em relação ao conceito, aduzo ilustre doutrinador:
“Família incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou do idoso: aquela cuja renda mensal bruta familiar, dividida pelo número de seus integrantes, seja inferior a um quarto do salário mínimo. A legislação ressalva que a remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo da renda familiar” (LEITÃO, André Studart; ANDRADE, Flávia Cristina Moura, 2012, p.202).
Além do requisito da miserabilidade, a Lei exige que seja o destinatário do benefício, idoso ou deficiente. O conceito de idoso para referida Lei é basicamente possuir 65 anos de idade ou mais, enquanto que o conceito de deficiência cinge-se em ser aquela pessoa com impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Assim considera Ivan Kertzman:
“A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento mediante avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS. Note-se que tanto o deficiente físico quanto o mental podem receber o benefício assistências, desde o nascimento. A análise literal do texto legal anterior à alteração promovida pela Lei 12.4702011 leva à conclusão de que não era suficiente para a caracterização da deficiência, a incapacidade para o trabalho, sendo, ainda, necessária a incapacidade para a vida independente” (KERTZMAN, Ivan, 2015, p.457).
Nesta toada, nota-se que tal Lei (LOAS) regulou e estabeleceu um requisito limitador de um critério que deveria ser mais abrangente, um critério denominado “miserabilidade” e que pode ser analisado e demonstrado por inúmeras maneiras, sendo errôneo o ato de restringi-lo a um pressuposto taxativo e objetivo que é a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, deixando clara que a legislação gerou um estado de proteção insuficiente de um direito previamente estabelecido pela Carta Magna.
Dentro dessa ótica, observa-se que a condição de miserável não é algo que se verifica simplesmente no preenchimento de um requisito objetivo, mas que deve ser comprovada de várias maneiras e através de diversos outros fatores, inclusive por se tratar de um benefício constante primeiramente na Constituição Federal. Por tais motivos surge a importância do tema, consideráveis são os pedidos indeferidos todos os dias em razão do critério, a Lei está criando óbices que impedem ou dificultam a eficácia de direitos constitucionalmente assegurados, restando um evidente e notório problema de omissão inconstitucional.
2.1.1 CRITÉRIO DA MISERABILIDADE
2.1.1.1 AS CONTROVÉRSIAS SOBRE O REQUISITO DA MISERABILIDADE
Tratando-se da aplicação prática de tal requisito, ocorreu certa multiplicidade e complexidade na incidência nos casos concretos, de modo que sua constitucionalidade passou a ser ponto controvertido.
Há que se considerar, portanto, que esta é uma questão bastante discutida no âmbito jurídico, vários são os entendimentos e decisões existentes no ordenamento, porém, não obstante toda a celeuma, a aplicação taxativa do requisito continua sendo realizada, vez que todas as decisões até o momento deixaram aberto o problema da aplicação do artigo da lei em questão.
Dessa feita, a matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal através da ADI 1.232/DF de 1998, que teve por objeto o §3° do art.20 da Lei n.8.732/93, após todo o trâmite a decisão do tribunal foi pela constitucionalidade do requisito, ou seja, que não é incompatível com a Constituição, e que em caso de necessidade de criação de outros requisitos, compete então ao legislador.
Em que pese a decisão de Constitucionalidade, suscitou-se a tese de que deveria ocorrer no caso, uma interpretação de acordo com a Constituição, visto que estamos diante de um estado de omissão, onde a Lei cumpre parcialmente o comando constitucional, porém o voto foi superado. Desta forma, por óbvio, não findou a problemática da controvérsia quanto a aplicação do critério da renda familiar per capita estabelecida pela Lei. Insta mencionar que o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, avaliou uma possível inconstitucionalidade por omissão parcial (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2013).
Houve também a RLC 4374/2013 ajuizada pelo INSS visando suspender o pagamento de um salário mínimo mensal a um trabalhador rural de Pernambuco, alegando afronta a ADI 1.232, analisando os recursos extraordinários 567958 e 580963, ambos de repercussão geral, a reclamação foi julgada inconstitucional, indo contra a anteriormente julgada ADI 1.232.
Contudo, foi pronunciada a inconstitucionalidade sem a declaração da nulidade da norma, em que pese o Ministro Gilmar Mendes tenha proposto a fixação de prazo para o Congresso Nacional elaborar nova regulamentação sobre o tema, a proposta não alcançou o quórum necessário. Deste modo, continua o INSS a aplicar a norma contida no art.20, §3° da LOAS, e os juízes continuam a abraçar o teor da decisão julgada na referida ADI.
Nesse sentido pretexta Gilmar Mendes: “O fato é que, hoje, o Supremo Tribunal Federal, muito provavelmente, não tomaria a mesma decisão que foi proferida, em 1998, na ADI 1.232” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2013, p.650). Naquela época, houve a decisão de improcedência da ação direta de inconstitucionalidade, todavia, constatou que o dispositivo objeto da ADI (art.20, §3°-LOAS) era insuficiente para cumprir a regulamentação constitucional do art.203,V da CF/88, insuficiência essa que não foi enfrentada pelo Tribunal.
Entende-se, portanto, que apesar de todas as discussões no âmbito jurídico, dos entendimentos diversos, apesar de existir Lei posterior que altera vários dispositivos da LOAS (Lei n.12.435/2011), o artigo referente ao requisito da miserabilidade permanece inalterado, sendo assim, é aplicado e não atende os princípios fundamentais constitucionais além de abarrotar o poder judiciário de ações nesse sentido.
Tal situação ocasiona problemas para a sociedade, visto que este valor mínimo estabelecido é insuficiente para garantia de uma vida digna, principalmente em se tratando de pessoas portadoras de deficiência e idosos (com mais de 65 anos de idade). A aplicação do requisito continua ocorrendo, sem nenhum tipo de flexibilização e sendo considerado único aplicável, enquanto indivíduos passam por situações de miséria, mas não se enquadram no requisito por questão de valores insignificantes.
É evidente que tal situação vai contra até mesmo a Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que esta tem como princípio essencial a garantia do mínimo existencial a todos aqueles que não dispõem condições de subsistência. É oportuno lembrar que a Dignidade da Pessoa Humana está prevista na Carta Magna como um dos fundamentos do Estado, de modo que está intimamente ligado aos direitos fundamentais, fato que contribui para a caracterização da inconstitucionalidade em foco.
3 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.20, §3º – LOAS
3.1 VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Partindo-se do pressuposto de que a Constituição Federal garante em suas disposições, uma vida digna assegurando um grande rol de direitos e garantias ao cidadão, torna-se importante analisar o critério da miserabilidade estabelecido para concessão do benefício da prestação continuada previsto aos idosos e deficientes na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei. 8.742/1993). Ao firmar uma série de proteções aos direitos sociais, a Carta Magna incorreu a um maior amparo aos direitos individuais dos cidadãos.
Contudo, os direitos sociais, além de tantos outros, sofrem limitações em sua eficácia visto que mesmo sendo amparados e assegurados em âmbito constitucional, esbarram em obstáculos econômicos e políticos no momento de sua prestação Estatal. É o que se observa na aplicação do benefício previsto pelo art. 203, V da CF/88 que passou a ser regulado pelo art. 20,§3° da Lei Orgânica da Assistência Social, ao estabelecer um requisito de miserabilidade que restringe a concessão do benefício a pessoas que apesar de hipossuficientes, se encontram um pouco acima do limite exigido pela lei.
Notório se faz que a Constituição Federal apresenta diversos dispositivos que abrangem a proteção de direitos sociais, em seu artigo 3° por exemplo, estabelece como diretrizes erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, bem como em seu artigo 203 que leciona a respeito da seguridade social e contém os dizeres “a quem dela necessitar”. Nesse sentido, é evidente que o dispositivo da LOAS em questão, não atende ao princípios consagrados pela Constituição.
Nesta guarida, a Carta Magna ao consagrar o direito a esse benefício de prestação continuada inclusive estabelecendo em seu texto o valor a ser prestado, visou proteger esse direito ficando o Estado o então responsável pela tal. Assim leciona Gilmar Mendes:
“Assim, ao contrário de outras ordens jurídicas, que preferiram não estampar no texto constitucional promessas sociais mais ambiciosas, a ordem constitucional brasileira protege a assistência social, e, especificamente, o benefício assistencial previsto no art.203,V, da Constituição de 1988, como um verdadeiro direito fundamental exigível perante o Estado. Esse direito ao benefício assistencial de um salário mínimo possui uma dimensão subjetiva, que o torna um típico direito público subjetivo de caráter positivo, o qual impõe ao Estado obrigações de ordem normativa e fática” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2013, p.649)
Em se tratando, portanto de um dever constitucional, o não cumprimento gera uma proteção insuficiente do direito em questão, e sendo um direito público subjetivo garantido pela constituição, é dever do estado assegurar as condições de norma e de fato para que se efetive tal direito fundamental.
3.2 A EVOLUÇÃO FÁTICA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
Nesta toada, é possível observar que atualmente várias leis que regulam a concessão de outros benefícios assistenciais têm adotado um critério mais generoso para concessão dos mesmos, fato que enseja uma oportunidade para que a LOAS siga os mesmos parâmetros. Podem ser citados como exemplo a Lei que criou o Bolsa Família (Lei.10.836/2004), a Lei que criou o Bolsa Escola (Lei 10.219/2001), o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), entre outros.
Cabe traçarmos um paralelo, pois, se o próprio legislador vem aceitando a reinterpretação do art.203 da Constituição Federal, utilizando-se de parâmetros diferentes daqueles estabelecidos na criação da LOAS na década de 1990, tem-se que ao longo dos anos desde a promulgação do §3º do art. 20 da referida Lei, este passou por um processo que o tornou inconstitucional (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2013).
Destarte, o contexto que vivemos tem sido de grandes mudanças econômico-sociais desde a criação da referida Lei (1993), foram realizadas significativas reformas no âmbito constitucional e administrativo de modo que as legislações de benefícios assistenciais vêm trazendo tais critérios mais elásticos para sua concessão. A inconstitucionalidade que nos referimos no presente artigo, se deu em razão de evidentes mudanças fáticas (que abrangem a política, economia, sociedade, e o direito) que tornaram inviável a aplicação do critério da miserabilidade como único meio para comprovação da situação de hipossuficiência.
Portanto, ao analisar todos os fatos aqui expostos, chega-se a conclusão de que o critério da miserabilidade encontra-se defasado e mostra-se inadequado para concessão do benefício da prestação continuada, pois sua aplicação afasta um grande rol de pessoas que encontram-se logo acima do requisito e que se pudessem comprovar a situação de miserabilidade por outros meios, certamente seriam aptas a receber a assistência. A alteração do requisito, ou criação de novos parâmetros para substituí-lo é medida necessária, a fim de contribuir para a concretização de direitos e garantias constitucionalmente protegidos, sempre tendo em vista as mudanças que ocorrem no mundo jurídico, político e social.
3.3 NECESSIDADE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
Ocorre que, o critério da miserabilidade é o único estabelecido pela lei, tem caráter estritamente objetivo e econômico de modo que limita outros meios de prova para demonstração da situação de pobreza do cidadão. Trata-se de um critério restrito e que afasta grande parcela da população destinatária do benefício assistencial em questão, negando a concretização dos direitos fundamentais e sociais protegidos em âmbito constitucional. Ao estabelecer que a família que se enquadra na renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo é automaticamente considerada incapaz de prover sua subsistência, dispensa qualquer comprovação e inquirição dos demais casos.
Por conseguinte, ao analisar todos os fatos aqui expostos, chega-se a conclusão de que o critério da miserabilidade encontra-se defasado e mostra-se inadequado para concessão do benefício da prestação continuada, pois sua aplicação afasta um grande rol de pessoas que encontram-se logo acima do requisito e que se pudessem comprovar a situação de miserabilidade por outros meios, certamente seriam aptas a receber a assistência. A declaração de inconstitucionalidade e consequente alteração do requisito, ou criação de novos parâmetros para substituí-lo é medida necessária, a fim de contribuir para a concretização de direitos e garantias constitucionalmente protegidos.
Diante de todo o exposto, é possível observar que medidas como “declarar inconstitucionalidade sem redução do texto”, ou “mudar o entendimento e a interpretação” não são capazes de solucionar o problema aqui existente. A esse respeito resta mais que evidente que a medida necessária no caso em questão, é a declaração de inconstitucionalidade com a alteração do texto constitucional, seria uma hipótese competente ao legislador, como a alteração generosa do requisito já existente ou criação de outro requisito para a aferição do estado de pobreza, de modo que aumentasse sua abrangência e garantisse maior eficácia nos preceitos estabelecidos pela constituição.
“Na decisão proferida na ADI n° 1.232, o Tribunal definiu que o critério de ¼ do salário mínimo é objetivo e não pode ser conjugado com outros fatores indicativos da miserabilidade do indivíduo e de seu grupo familiar, cabendo ao legislador, e não ao juiz na solução do caso concreto, a criação de outros requisitos para a aferição do estado de pobreza daquele que pleiteia o benefício assistencial, sob pena de concessão indiscriminada de benefícios de prestação continuada e de decisões díspares, a depender do magistrado sentenciante. Ellen GRACIE, STF, Rcl-AgR 2.303/RS, DJ 1abr 2005 e Eros GRAU, STF, Rcl 2.323/PR, DJ 20 mai 2005”.
E nesse sentido preceitua Gilmar Mendes:
“Nesse contexto de significativas mudanças econômico-sociais, as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram critérios econômicos mais generosos, aumentando para ½ salário mínimo o valor padrãoda renda familiar per capita (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, 2013, p.651)”.
Ainda assim, seria uma possibilidade admissível e coerente, nos casos em que o cidadão não cumpre com o requisito de auferir renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, mas cumpre com as demais exigências para concessão e alega estar em condições de miserabilidade/hipossuficiência, poder se utilizar de outros meios, outras formas e outros fatores de comprovar tal situação. Deste modo, comprovando sua necessidade em receber tal benefício bem como o estado de pobreza, pode demonstrar que esta apto a receber o benefício. Nesse sentido corrobora a jurisprudência:
“PREVIDENCIÁRIO – BENEFÍCIO ASSISTENCIAL – MISERABILIDADE – CRITÉRIOOBJETIVO ESTABELECIDO PELO ART. 20, § 3º, DA LOAS – POSSIBILIDADE DECOMPLÇÃO POR OUTROS FATORES. I – Acórdão que indeferiu o pedido de benefício assistencial, porquantoa renda per capita familiar superava ¼ de salário mínimo. II – O critério objetivo estabelecido no art. 20, § 3º, da LOAS -declarado constitucional pelo STF na ADIN 1232-1/DF – pode ser complementadopela consideração de outros fatores para aferição da miserabilidade.II –Pedido de uniformização conhecido e provido”. (TNU – PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL: 200570950059353 PR, Relator: JUIZ FEDERAL HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, Data de Julgamento: 25/04/2007,Turma Nacional de Uniformização, Data de Publicação: DJU 14/05/2007)
Isto posto, a caracterização de inconstitucionalidade no requisito da miserabilidade para concessão da LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) é notável, verificando os obstáculos jurídicos existentes para a concessão do benefício em questão, surge a necessidade da declaração de inconstitucionalidade do requisito para constatação de pobreza, eis que taxativo, objetivo, e limitante de direitos existentes em um instrumento maior que é a Constituição Federal.
4 CONCLUSÃO
Da análise do presente trabalho, podemos concluir que o legislador ao criar a Lei Orgânica da Assistência Social, não atingiu corretamente o objetivo trazido pela Constituição Federal, como também restringiu os ditames constitucionais ao estabelecer o requisito de renda per capita até ¼ do salário mínimo. Isso porque o critério não leva em consideração diversos casos de miserabilidade que mormente por não se encaixarem na renda per capita exigida, deixam de usufruir de um benefício que certamente deveriam receber, ignorando casos de evidente necessidade.
Observa-se que em que pese toda a discussão já existente na seara judicial, em que pese já ter sido levado o tema a julgamento no Supremo Tribunal Federal, a declaração de inconstitucionalidade não ocorreu deixando apenas argumentos inconclusivos que não colocam fim a problemática. Tal situação, abarrota o poder judiciário com ações repetitivas e que poderiam ser diminuídas com a alteração da legislação.
Conclui-se portanto, ser inconstitucional o requisito denominado miserabilidade, vez que um critério objetivo e taxativo não pode ser o único para fins de comprovação de um estado de necessidade e hipossuficiência. O requisito se encontra distante da realidade social, haja vista negar a concretização de direitos fundamentais e sociais previstos constitucionalmente à grande parte da população que encontra-se infimamente acima do valor exigido por lei.
Portanto, tem-se que os valores trazidos pela constituição são intrínsecos a todo ser humano, devendo os direitos fundamentais serem seguidos e efetivados pelo Estado. Em se tratando dos benefícios da assistência social, devem ser prestados a quem dela necessitar, de modo que um requisito limitador desse direito deve ser declarado inconstitucional.
Acadêmica de direito da Faculdade Univel Cascavel/PR
Professor do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel
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