Autor: Everton Pereira da Silva, pós-graduando na Academia AJURÍDICA, especialista em Direito Tributário Empresarial, advogado e professor universitário. E-mail: everton@evertonsilva.adv.br
Orientador: Prof. Me. Carlos Alberto Vieira de Gouveia, Diretor Acadêmico da Academia AJURÍDICA, Mestre em Ciências Ambientais, Doutorando em Ciências Sociais e Jurídicas, autor e advogado. E-mail: mailtoprofcarlos@ajuridica.com.br
Resumo: Os benefícios por incapacidade concedidos no regime geral de previdência social traduzem um alento a muitos beneficiários que se encontram incapacitados para a vida laboral e não tem meios de manter a si próprio e sua família, seja temporariamente ou definitivamente, e a influência que a lei n° 13.846/2019 teve grande influência sobre esses benefícios. Há casos em que a incapacidade laborativa pode cessar devido a condições individuais de saúde, mas, há também casos em que a incapacidade laboral é permanente de forma que o indivíduo não tenha mais condições de ser lançado novamente ao mercado de trabalho. Com as medidas aplicadas pelo INSS na chamada operação pente-fino, que configuram uma investigação feita nos benefícios quando se verifica algum indício de irregularidade ou a constatação da retomada da capacidade laboral que antes não existia, há um risco que vem se comprovando com a aplicação da referida lei de que muitos beneficiários que continuam incapacitados para o trabalho e, portanto, continuam a preencher os requisitos para ter direito ao benefício, acabam por ter que reiniciar uma vida laboral sem possuir as condições necessárias para tal, lhes causando enorme prejuízo na manutenção de uma vida com dignidade a esse beneficiários e seus dependentes. Assim, trata-se de um procedimento importante para sanar as irregularidades existentes no sistema previdenciário, mas, por outro lado, caracteriza-se por enorme injustiça com relação àqueles que ainda mantem o direito ao benefício previdenciário.
Palavras-chave: Regime Geral de Previdência Social. Benefícios. Incapacidade. Revisão. Lei 13.846/2019. Operação pente-fino.
Abstract: The disability benefits granted under any general social security scheme are a source of encouragement for many beneficiaries who are incapacitated for working life and have no means of maintaining themselves and their families, either temporarily or permanently, and the influence that law no. 13,846 / 2019 had a great influence on these benefits. There are cases where an incapacity for work may cease due to individual health conditions, but there are also cases where an incapacity for work is permanent so that the individual is no longer able to be thrown back into the labor market. With the measures applied by the INSS in the so-called comb-fine operation, which configure an investigation made in the benefits when there is any indication of irregularity or the confirmation of the resumption of work capacity that did not exist before, there is a risk that has been proven with the application the law that many beneficiaries who continue to be incapacitated for work and, therefore, continue to fulfill the requirements to be entitled to the benefit, end up having to restart a working life without having the conditions required to do so, causing enormous damage in maintaining a with dignity to these beneficiaries and their dependents. Thus, it is an important procedure to remedy existing irregularities in the social security system, but, on the other hand, it is highlighted by enormous injustice in relation to those who still maintain the right to social security benefits.
Keywords: General Social Security System. Benefits. Inability. Review. Law 13,846 / 2019. Comb-fine operation.
Sumário: Introdução. 1. Breve Histórico Da Seguridade Social e Dos Benefícios Por Incapacidade. 2. Seguridade Social. 3. Previdência Social. 4. Benefícios Previdenciários. 5. Benefícios Por Incapacidade. 5.1. Incapacidade Laboral. 5.1.1. A Relação entre Doença e Incapacidade Laboral. 5.1.2. Classificação da incapacidade laborativa. 6. A Lei N°. 13.846/2019 e a “Operação Pente-Fino”. Conclusão. Referências.
Introdução
A Seguridade Social no Brasil deve ser analisada com o rigor da importância de seus três pilares: saúde, assistência social e previdência social. Com foco em um de seus pilares que é a previdência social, faz-se necessário enfatizar os benefícios por incapacidade à luz da lei n°. 13.846/2019, que é um dos dispositivos legais integrantes da última reforma do sistema previdenciário, e que, particularmente, renovou o procedimento que objetiva a investigação de benefícios que apresentem irregularidades e, consequentemente, causam onerosidade aos cofres públicos.
Vale ressaltar que a Reforma da Previdência seguiu posteriormente, com Emenda Constitucional n°. 103, publicada no Diário Oficial da União em 13 de novembro de 2019, que alterou o Regime Geral de Previdência Social quase que em sua totalidade, mas manteve a vigência do dispositivo legal anteriormente citado.
Dessa forma, foram criados incentivos para os servidores do INSS e os médicos peritos que verifiquem irregularidades e alteração na situação de incapacidade dos beneficiários, culminando com a suspensão ou cancelamento do benefício, atingindo a finalidade da chamada “operação pente-fino”.
A evolução socioeconômica tem como consequência o aumento, entre os seres humanos, das desigualdades sociais que atingem a comunidade local e também a comunidade internacional. A pobreza não é um problema que atinge somente o indivíduo, mas sim um problema de caráter social, uma vez que alcança toda a sociedade, configurando um problema que não interessa somente ao indivíduo, sua família e sua pequena comunidade, mas que possui um interesse social devido as suas consequências. A concentração de renda nas mãos da minoria de alguns privilegiados, reflete a miséria da maioria da população que, cada vez mais, não tem como sobreviver com dignidade por suas próprias forças.
Desde os primórdios da raça humana, o homem tem por objetivo garantir seu próprio sustento e de sua família, célula fundamental da sociedade, nos termos do artigo 226 da Carta Magna, de forma que o sistema protetivo é instintivo do ser humano desde o seu surgimento neste planeta e sua convivência. A proteção social tem seu surgimento juntamente com o nascimento das famílias, com os pais sustentando os filhos em período de crescimento e educação, e os mais jovens sustentando os mais velhos e incapacitados no final de suas vidas.
Todavia, quando aquele responsável por garantir o sustento da família encontra-se em situação de carência econômica, enfermidade, incapacidade de trabalho, e a consequente redução ou perda de renda, o esforço individual passa a ser insuficiente, surgindo, nesse momento a necessidade do amparo que inicialmente se deu por caridade dos demais e, posteriormente, por parte do Estado que, para atender as necessidades sociais de seus cidadãos, passou a garantir a existência de instrumentos de proteção social estabelecidos na ordem jurídica.
A proteção social de incumbência do Poder Público teve seu início com a ideia de Assistência Pública que era baseada na caridade inicialmente exercida pela Igreja, mas que posteriormente passou a ter a participação de instituições públicas. O indivíduo que estava necessitado em situação de desemprego, doença ou invalidez, era socorrido pela caridade cuja realização se dava pelos demais membros da sociedade. Não havia direito subjetivo do necessitado, como temos nos dias atuais, mas mera expectativa de direito, uma vez que o auxílio estava condicionado à existência de recursos de caridade para atender sua necessidade.
No século XVII tivemos a primeira intervenção formal do Estado, quando em 1601, na Inglaterra, a Rainha Isabel I editou o Act of Relief of the Poor (Lei dos Pobres) que desvinculou auxílio e caridade, passando ao Estado a responsabilidade de amparar os necessitados. Foi o surgimento da ideia de Assistência Pública ou Assistência Social como hoje conhecemos. A Igreja tinha a incumbência da administração de um fundo formado pela arrecadação de uma taxa obrigatória paga por todos para amparar os indivíduos em estado de carência. Com esse ato do Estado, tornou-se obrigatória a realização do binômio “igualdade-solidariedade”.
A representação de categorias profissionais também passou a financiar caixas de auxílio visando o bem-estar de seus membros em casos de doença ou morte.
Com a Revolução Francesa de 1789 a 1799, as desigualdades sociais se tornaram marcantes e a caridade existente até então não era suficiente para o atendimento dos carentes e necessitados pela ocorrência de desemprego, doenças, orfandade, mutilações e várias outras situações, trazendo a necessidade de outros mecanismos para atender aos necessitados.
Em 1883, na Prússia (atual Alemanha), Otto von Bismarck, conhecido como Chanceler de Ferro, editou a Lei do Seguro Doença, primeiro Plano de Previdência Social da história caracterizado por um seguro social obrigatório que passou a conferir o direito subjetivo de proteção ao trabalhador em estado de necessidade.
Segundo Kertzman (2015, p. 43):
Foi a primeira vez que o Estado ficou responsável pela organização e gestão de um benefício custeado por contribuições recolhidas compulsoriamente das empresas. Este sistema de organização previdenciária, conhecido como Sistema Bismarckiano, traz as duas principais características dos sistemas previdenciários modernos: a contributividade e a compulsoriedade, que, como vimos, estrutura a previdência social brasileira. No Sistema Bismarckiano, pela primeira vez o Estado passa a ser responsável pela arrecadação de tributos para o financiamento da previdência social.
O seguro social era organizado e administrado pelo Estado, além de ter o seu custeio com a solidariedade como elemento fundamental, vez que era realizado por empregadores, empregados e pelo próprio Estado.
No século XX, com o fim da Segunda Guerra Mundial e as trágicas consequências por ela deixadas, foram necessárias grandes mudanças no conceito de proteção social, sendo que os acontecimentos naquele momento vivenciados eram totalmente diversos dos que levaram ao surgimento do seguro social.
Na Inglaterra, pouco antes do fim da segunda grande guerra surgiu o Plano Beveridge, pelo qual o seguro social era limitado aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho, de forma que os trabalhadores sem vínculo ficavam sem cobertura e não tinham a proteção garantida. Posteriormente a proteção foi estendida a todos os trabalhadores e suas famílias, incluindo rurais e autônomos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem tornou necessária a implantação de um sistema de seguridade social, com a intenção de libertar o indivíduo de todas as suas necessidades, para poder ele desfrutar de uma existência digna.
No Brasil, a Assistência Pública surgiu com a Constituição de 1824 foi a primeira a criou os chamados socorros públicos, primeiro resquício de sistema de proteção social da nossa república.
Assim, de forma bem resumida e elencando alguns marcos históricos importantes, verifica-se que a proteção social evoluiu para a ideia de Seguro Social que tem por objeto o risco, a possibilidade da ocorrência de dano e, consequentemente, há benefícios com natureza de indenização, culminando na Seguridade Social, como conhecemos atualmente que, por outro lado, tem por objeto a necessidade social e, assim, os benefícios não tem natureza indenizatória. A relação jurídica, nesse momento, se forma com a ocorrência de uma contingência, uma situação de fato a qual surge a necessidade de reparar as consequências dele decorrentes. Como exemplo, podemos citar o benefício de Salário-Maternidade que se constitui no direito que surge para a mulher com o nascimento de um filho, pois ela precisa dar ao bebê os primeiros cuidados, para tanto, deixa de trabalhar e não recebe a consequente remuneração, o que configura uma contingência que não gera danos, mas necessidades.
A Seguridade Social surge de um plano previsto na Carta Magna como um sistema de proteção que se sustenta em três pilares: Assistência Social, Saúde e Previdência Social (SALVADOR, AGOSTINHO, 2017).
O artigo 194 da Constituição Federal de 1988 dispõe que “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. No parágrafo único do mesmo artigo são elencados alguns princípios (diretrizes) que devem nortear a atuação do poder público quanto à organização da Seguridade Social. São eles: universalidade da cobertura e do atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços entre as populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e descentralizado da administração mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
Assim, o sistema de seguridade social no Brasil é regido pelo disposto nos artigos 194 e seguintes da Constituição Federal de 1988, que estabelecem as regras primevas e basilares de aplicação de seus institutos jurídicos e subdivide a proteção social em três pilares, a saber, (i) a saúde, regulamentada pela lei n° 8.080/90 e administrada pelo maios sistema de saúde público do planeta, o Sistema Único de Saúde – SUS; (ii) a assistência social, regulamentada pelo lei n°. 8.742/93 e administrada pelo Sistema único de Assistência Social – SUAS e; (iii) a previdência social, regida pelas leis n° 8.212/91 (Lei de Custeio da Previdência Social) e 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social), além do Decreto n°. 3.048/99, que institui o Plano de Benefícios e Beneficiários do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, cuja administração é de incumbência do Instituo Nacional do Seguro Social – INSS, a quem compete a organização do sistema, administração dos segurados, beneficiários e dependentes, além dos benefícios previdenciários e assistenciais, e serviços de acordo com as hipóteses previstas em lei.
O direito à saúde é garantido pelo Estado a todas as pessoas indistintamente, independentemente de prévia contribuição ao sistema, como mais uma forma de possibilitar a todos condições para o pleno exercício da cidadania, garantindo o acesso às ações e serviços de prevenção e tratamento relativos à saúde. Com fundamentos nos princípios da universalização, da equidade e da integralidade, tais direitos devem ser garantidos a todos sem qualquer distinção de sexo, raça, religião, ocupação ou quaisquer características sociais ou pessoais, com o objetivo de redução das desigualdades sociais e atendendo a todas as necessidades desde a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamentos das moléstias e a reabilitação dos doentes.
O direito à assistência social, que é devido também independentemente de contribuição ao sistema, é garantido àqueles que estiverem em situação de vulnerabilidade social, devidamente comprovada, sendo uma forma de concretização do dever do Estado em prover os cidadãos que se nessa condição do mínimo necessário para a manutenção de uma vida digna. Garante a possibilidade, mediante o preenchimento de determinados requisitos, de acesso a serviços e benefícios que visam atender a necessidade comprovada de cada cidadão.
No Brasil, a expressão “Previdência” surgiu na Constituição Federal de 1934 que, em seu artigo 121, § 1°, alínea “h”, estabeleceu a instituição da previdência com caráter contributivo, caracterizando a forma tripartite de custeio como hoje conhecida. Posteriormente, no Diploma Constitucional de 1946 foi primeiramente utilizada a expressão “Previdência Social”, mas foi somente na Constituição Federal de 1988 que o legislador constituinte destinou a íntegra de um capítulo para tratar de Seguridade Social, juntamente com Previdência Social, Assistência Social e Saúde (GÓES, 2020).
A previdência social, através de seu regime geral, prevê a concessão de benefícios, mediante prévia contribuição dos segurados e preenchimento de requisitos previamente determinados, de acordo com as contingências por estes apresentadas, tais como desemprego, idade avançada, incapacidade laborativa, dentre outros, também como forma de o Estado prover seus beneficiários e dependentes que se encontrem em tais situações que restringem ou impedem uma vida laborativa plena e suficiente para garantir a manutenção das necessidades básicas de uma vida digna.
Dentre os benefícios garantidos pela previdência social está a categoria dos benefícios por incapacidade, foco de nossa análise doravante.
Os benefícios por incapacidade são devidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS aos segurados, filiados ao Regime Geral de Previdência Social que em algum momento de sua vida são acometidos de uma incapacidade física, mental ou psicológica, ou social, para o exercício de sua atividade laborativa habitual, sendo aquela que garante o seu próprio sustento e o de sua família.
O segurado em condição incapacitante não possui condições de manter a realização do trabalho habitual ficando, consequentemente, sem receber o respectivo salário, fonte de seu rendimento mensal. Assim, nessa condição, tem o direito de receber benefício de forma a atender a contingência que se apresenta para ter os meios necessários para sua manutenção e de sua família.
Para ter direito a um dos benefícios por incapacidade, cabe ao segurado demonstrar qual é a causa de sua incapacidade mediante a apresentação de documentos médicos, tais como, exames, atestados, relatórios e prontuários emitidos por médicos que acompanham a situação de saúde do segurado ou que fizeram ao menos um atendimento ao segurado, capaz de retratar a moléstia que o acomete e lhe causa incapacidade para o trabalho.
O segurado em situação de incapacidade laborativa, tem o direito de receber benefício previdenciário por incapacidade, a saber, auxílio doença, agora nominado de auxílio por incapacidade temporária; auxílio acidente ou aposentadoria por invalidez, agora chamado de aposentadoria por incapacidade permanente. O benefício devido será aquele adaptado à situação do segurado, dependendo da classificação de sua incapacidade e, ainda, não sendo possível a sua reabilitação para a vida laboral.
Os benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente e de auxílio por incapacidade temporária são aqueles onde há continuidade de prestações e não há possibilidade de reabilitação do beneficiário, como bem ressalta o professor Wagner Balera:
A aposentadoria por invalidez, juntamente com o auxílio-doença, é concedida por incapacidade do segurado para o trabalho. Trata-se de prestação continuada, de risco imprevisível, de insuscetível reabilitação. Configura prestação provisória, sujeitando o segurado a exames periódicos para verificação da evolução da moléstia. (BALERA, 2014)
No mesmo sentido as palavras de Daniel Machado da Rocha:
A perda definitiva da capacidade laboral é uma contingência social deflagradora da aposentadoria por invalidez. Distingue-se do auxílio-doença, também concebido para proteger o obreiro da incapacidade laboral, em razão de o risco social apresentar-se aqui com tonalidades mais intensas e sombrias, vale dizer, em princípio, o quadro é irreversível. (Rocha, 2018)
Mas não perpétuos e absolutos, sempre devendo passar por uma reavaliação para verificação da manutenção da condição incapacitante do beneficiário.
O auxílio-acidente, por sua vez, possui caráter indenizatório em consequência de redução da capacidade laboral, como bem ressaltam Jefferson Luis Kravchychyn, Gisele Lemos Kravchychyn, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari:
O auxílio-acidente é um benefício previdenciário pago mensalmente ao segurado acidentado como forma de indenização, sem caráter substitutivo do salário, pois é recebido cumulativamente com o mesmo, quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza – e não somente de acidentes de trabalho –, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia – Lei n.º 8.213/1991, art. 86, caput.
Não há como confundi-lo com o auxílio-doença: este somente é devido enquanto o segurado estiver incapaz, temporariamente, para o trabalho; o auxílio-acidente, por seu turno, é devido após a consolidação das lesões ou perturbações funcionais de que foi vítima o acidentado, ou seja, após a “alta médica”, não sendo percebido juntamente com o auxílio-doença, mas somente após a cessação deste último – Lei do RGPS, art. 86, § 2.º. (Kravchychyn, 2014)
5.1. Incapacidade Laboral
Para se entender efetivamente o que é incapacidade, faz-se necessário uma análise sobre a capacidade laborativa que pode ser conceituada como o estado físico, mental ou psicológico, e social determinantes que possibilitam um indivíduo as condições para exercer sua atividade laboral habitual. Tal possibilidade se verifica mediante a análise de suas condições morfopsicofisiológicas.
Para sanar qualquer confusão que possa ocorrer, deve-se advertir que capacidade laborativa não é sinônimo de um perfeito estado de saúde caracterizado pela inexistência de doenças, lesões ou qualquer situação que cause diminuição da integridade física da pessoa.
Por outro lado, a incapacidade laboral pode ser definida como qualquer redução ou falta, seja ela física, psicológica, volitiva, sensorial, intelectual ou social, que impeça o indivíduo de desempenhar, mesmo que momentaneamente, uma atividade em igualdade de condições com os demais indivíduos, devendo ser considerado, ainda, o ambiente em que está inserido.
5.1.1. A Relação entre Doença e Incapacidade Laboral
Em sede de direito previdenciário, é indispensável que se faça uma análise da relação ou distinção entre doença e incapacidade laborativa, sendo que a primeira, em regra, não é geradora de benefício, mas a segunda sim.
Estar doente não é regra impeditiva para o exercício de atividade laborativa. Algumas moléstias são causadoras de incapacidade laborativa e outras não. E tal situação é plenamente variável de um indivíduo para outro, dependendo tal situação de diversos fatores, de forma que, por exemplo, um indivíduo portador de câncer pode se manter plenamente capacitado para o trabalho e um indivíduo com enxaqueca pode portar uma incapacidade total para qualquer atividade laboral.
Na avaliação da capacidade laborativa do segurado deve ser considerada a repercussão da doença que o acomete naquele momento no desempenho de suas atividades laborativas.
5.1.2. Classificação da incapacidade laborativa
A incapacidade laborativa pode ser classificada quanto ao atingimento e a possibilidade de realizar ou não alguma atividade laborativa em incapacidade parcial ou incapacidade total. A incapacidade parcial pode ser definida como aquela que incapacita o indivíduo à realização de determinado labor, permitindo o exercício de outra atividade não ligada a referida situação incapacitante. A incapacidade total é aquela que impede o indivíduo de realizar todo e qualquer trabalho.
No que tange à período de duração da incapacidade, esta pode ser classificada em temporária quando se verifica, no diagnóstico médico, a possibilidade de sua cessação em momento futuro. Será definitiva a incapacidade quando não houver expectativa de retomada da capacidade de exercer a atividade habitual, perdurando a impossibilidade de trabalhar por tempo indeterminado.
A incapacidade laborativa pode também ser classificada de acordo com a quantidade de atividades laborativas para as quais o segurado está incapacitado. Assim, será uniprofissional quando a incapacidade impede o exercício de única atividade laborativa, pauciprofissional quando a incapacidade impede o exercício de algumas poucas atividades laborativas, e multiprofissional quando a incapacidade impede o exercício de várias atividades laborativas ou, ainda, omniprofissional quando a incapacidade impede o exercício de toda e qualquer atividade laborativa. Tal classificação é importante, pois a decisão por reabilitação ou pela concessão de benefício por incapacidade passa por essa classificação.
A chamada “Operação Pente-Fino” é um procedimento investigativo realizado pelos servidores da autarquia federal responsável pela análise e concessão dos benefícios, o INSS, com o intuito de buscar qualquer tipo de irregularidade nos benefícios previdenciários e reduzir consideravelmente os gastos indevidos.
A Lei n°. 13.846/2019, desde o início de sua vigência, vem atingindo grande parte dos beneficiários da Previdência Social, pois, além de alterar diversas leis previdenciárias, instituiu:
(…) o Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade, o Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade, o Bônus de Desempenho Institucional por Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de Benefícios e o Bônus de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (BRASIL, 2019)
O Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade é uma das vertentes da operação com o objetivo de busca de indícios de irregularidade em processos nos quais há a possibilidade de risco de realização de gastos indevidos na concessão de benefícios administrados pela autarquia federal securitária.
Na sequência, o Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade foi instituído com foco em revisão dos benefícios por incapacidade e outros benefícios de natureza previdenciária, tais como pensão por morte, aposentadorias, dentre outros); de natureza assistencial, como é o caso do BPC – Benefício de Prestação Continuada; e, também, de naturezas trabalhista ou tributária.
Na prática, a prioridade está na busca por irregularidades que possam eivar os processos de concessão de benefícios com, ao menos, indícios de ato irregular e, quanto aos benefícios por incapacidade, serão investigados aqueles cujos beneficiários não são avaliados por perícia médica em período superior a seis meses e não possuírem data programada para sua cessação e, ainda, não tiverem possuem indicação de reabilitação. Inclui-se nesse rol o BPC – Benefício de Prestação Continuada concedido e que não tenha sido revisado há mais de dois anos.
Esse procedimento de verificação de irregularidades em benefícios previdenciários não é algo recente, como muitos pensam, o artigo 69 da Lei n°. 8.212/91 previa tal possibilidade desde a promulgação desta lei, em seu texto original e já revogado em três oportunidades e foi mantido até o texto atual alterado pela lei n°. 13.846/2019, in verbis:
Art. 69. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deverá iniciar, a partir de 60 (sessenta) dias, e concluir, no prazo de até 2 (dois) anos, a contar da data da publicação desta Lei, um programa de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas porventura existentes. (Vide Lei nº 8.902, de 1994).
Art. 69. O Ministério da Previdência e Assistência Social e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
Art. 69. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
Art. 69. O INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019) (BRASIL, 2019)
Apesar da previsão legal acima citada, a lei n°. 13.457/2017, anteriormente estabeleceu procedimento investigatório apenas para os benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença que não eram reavaliados pela perícia médica há dois anos ou mais.
O mesmo destaque foi dado com a já referida lei n°. 13.846/2019 que voltou o foco da operação não apenas aos benefícios por incapacidade e os outros já mencionados.
Um dos pontos de destaque dessa lei foi o incentivo ao servidor público que encontrar irregularidades nos benefícios com indícios de irregularidade analisados e que efetivamente tragam a diminuição dos gastos da previdência por meio do Bônus de Desempenho Institucional por Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de Benefícios (BMOB), e aos peritos nas reavaliações dos benefícios por incapacidade por meio do Bônus de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (BPMBI).
Os indícios passíveis de reanálise por parte dos servidores do INSS são aqueles previstos no artigo 8°, da lei n°. 13.846/2019, que assim dispõe:
Art. 8º. São considerados processos com indícios de irregularidade integrantes do Programa Especial aqueles com potencial risco de gastos indevidos e que se enquadrem nas seguintes hipóteses, sem prejuízo das disposições previstas no ato de que trata o art. 9º desta Lei:
I – potencial acúmulo indevido de benefícios indicado pelo Tribunal de Contas da União ou pela Controladoria-Geral da União;
II – potencial pagamento indevido de benefícios previdenciários indicado pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União;
III – processos identificados na Força-Tarefa Previdenciária, composta pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia;
IV – suspeita de óbito do beneficiário;
V – benefício de prestação continuada, previsto na Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, com indícios de irregularidade identificados em auditorias do Tribunal de Contas da União e da Controladoria-Geral da União e em outras avaliações realizadas pela administração pública federal, permitidas, se necessário, a colaboração e a parceria da administração pública estadual e da administração pública municipal, por meio de procedimentos a serem definidos em cooperação com os Ministérios competentes;
VI – processos identificados como irregulares pelo INSS, devidamente motivados;
VII – benefícios pagos em valores superiores ao teto previdenciário adotado pelo Regime Geral de Previdência Social. (BRASIL, 2019)
O procedimento de investigação não atingirá, nos termos da lei, os beneficiários de aposentadoria por invalidez e os pensionistas com idade de cinquenta e cinco anos ou mais e tendo a concessão do benefício ocorrida há mais de quinze anos, ou simplesmente os beneficiários de aposentadoria por invalidez ou pensionistas com idade de sessenta anos ou mais.
Em caso de benefício sob análise, será notificado o beneficiário através da instituição financeira onde ele recebe o benefício, através do site “Meu INSS”, pelos correios ou, em último caso, não encontrando o beneficiário, através de edital. O beneficiário tem a possibilidade de apresentar defesa perante o INSS no prazo de trinta dias, no caso de trabalhador urbano, ou sessenta dias, no caso de trabalhador rural individual, e avulso, agricultor ou segurado especial. Nessa defesa, deve ser demonstrado que os requisitos da concessão do benefício permanecem e justificam a manutenção do mesmo. A não apresentação da defesa no prazo mencionado ou se a defesa não for suficiente para sanar a irregularidade, sendo considerada insuficiente ou improcedente, ocorrerá a suspensão do benefício e a consequente notificação do beneficiário da decisão da autarquia federal previdenciária.
Mesmo havendo decisão contrária ao beneficiário, poderá ele interpor recurso no prazo de trinta dias contados a partir da notificação e, decorrido o prazo sem a apresentação do recurso, haverá a cessação do benefício, nos termos do artigo 69, § 4º, § 5º e § 6º da Lei n°. 8.212/91.
Assim, verifica-se que não é um procedimento unilateral, mas sim bilateral, pois é oportunizado ao beneficiário fazer sua defesa em respeito ao princípio do contraditório. E mesmo após encerrado o procedimento no âmbito administrativo, pode o beneficiário que se entender prejudicado se valer do poder judiciário para restabelecer o benefício cessado.
Importante ressaltar que o beneficiário que teve seu benefício investigado e analisado pela “operação pente-fino” não está livre de reanálises, podendo ser convocado novamente se, por exemplo, tiver sua última perícia de concessão ou prorrogação de benefício realizada em lapso temporal superior a seis meses.
Os procedimentos aqui analisados têm vigência até 31 de dezembro de 2020 estabelecida em lei, mas com a possibilidade de prorrogação para 31 de dezembro de 2022 mediante ato do Ministro de Estado da Economia, nos termos dos parágrafos 1° e 3° do artigo primeiro da lei n°. 13.846/2019.
Conclusão
Paira no Brasil uma insegurança jurídica no que diz respeito a garantia dos direitos dos atuais e futuros segurados da previdência social devido a reforma da previdência que se iniciou com a Medida Provisória n°. 871, de 18 de janeiro de 2019, recentemente convertida na Lei n°. 13.846, de 18 de junho de 2019, que implementou um sistema de análise e fiscalização de benefícios, com o foco na revisão de benefícios com indícios de irregularidades, principalmente os benefícios por incapacidade, causando um incerteza geral de acesso aos benefícios previdenciários previsto na Constituição Federal e seguiu posteriormente, com a Emenda Constitucional n°. 103, publicada no Diário Oficial da União em 13 de novembro de 2019, que alterou o Regime Geral de Previdência Social quase que em sua totalidade, mas manteve a vigência do dispositivo legal anteriormente citado.
A chamada lei do “pente fino” tem sido aplicada em uma verdadeira “caça às bruxas” praticada pelo INSS. O termo pejorativo é justificado quando são constatados inúmeros casos de beneficiários que estão total e permanentemente incapacitados para o trabalho, que tem seu benefício, único meio de sustento próprio e de famílias, sumariamente e irregularmente sendo cancelado, apesar da manutenção da causa incapacitante que lhe deu origem comprovada por vasta documentação médica desconsiderada pelos médicos peritos da autarquia federal. Em consequência, várias pessoas tem sido devolvidas ao mercado de trabalho sem possuir as mínimas condições para tal.
Corroborando tal situação, o INSS insiste em manter um sistema complexo, apesar de recentemente ter feito a migração para o formato digital, mas que dificulta o acesso de seus segurados aos serviços e benefícios, tendo em vista que a imensa maioria dos brasileiros não tem a instrução mínima para atender a burocracia que caracteriza esse sistema. Em consequência, o exercício da cidadania é prejudicado pela enorme dificuldade – que pode se considerar uma impossibilidade para a maioria – em ter garantidos seus direitos sociais.
Dessa forma, a já mencionada situação de insegurança jurídica que paira sobre o sistema previdenciário brasileiro, tem sido cada vez mais causada pelo cancelamento irregular de benefícios que são concedidos mediante o preenchimento de todos os requisitos legais para sua concessão e sua manutenção pelos segurados, que são os grandes prejudicados por essa situação.
O presente trabalho foi feito com base na vasta normatização que integra o Direito Previdenciário, doutrina e jurisprudência, além de constatações da militância diária na advocacia previdenciária.
Referências
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