Resumo: O presente estudo tem por finalidade abordar a laicidade e a liberdade religiosa e seus respectivos desdobramentos no Brasil.
Sumário: 1. Introdução. 2. A laicidade no Brasil. 3. A laicidade e a liberdade religiosa na história das constituições brasileiras. 3.1. A Constituição Imperial de 1824. 3.2. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. 3.3. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. 3.4. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937. 3.5. A Constituição dos Estados unidos do Brasil de 1946. 3.6. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967/69. 3.7. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 4. A liberdade religiosa na constituição federal de 1988. 4.1. O preâmbulo da constituição de 1988. 4.2. Direito ao ateísmo. 4.3. A prestação de assistência religiosa nos estabelecimentos de internação coletiva . 4.4. A proibição de o estado interferir na religião (art. 19, inciso i, da constituição). 4.4.1. Possibilidade de Parceria entre o Estado e a Igreja na Colaboração de Interesse Público. 4.4.2. Uso de Símbolos Religiosos em Locais Públicos. 4.5. Escusa de consciência por motivos religiosos. 4.5.1. Serviço Militar Obrigatório. 4.5.2. Serviço do Júri. 4.6. Imunidade tributária. 4.7. O ensino religioso nas escolas públicas. 4.8 casamento religioso com efeitos civis. 5. Limites do direito à liberdade religiosa. 5.1. Direito à vida x não-recepção de sangue por testemunhas de Jeová. 5.2. Proteção ambiental x sacrifício de animais nos rituais religiosos. 5.3. Curandeirismo x ministração de curas nos rituais religiosos. 5.4. Projetos de Lei da Câmara dos Deputados 6.418/2005 E 122/2006. 6. A liberdade religiosa na legislação infraconstitucional federal. 6.1 atribuição de personalidade jurídica às organizações religiosas. 6.2. Feriados religiosos. 6.2.1 A Lei 9.093/95. 6.2.2 A Senhora Aparecida dos Católicos como Padroeira do Brasil (Lei 6.802/80). 6.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente. 6.4. O Estatuto do Idoso. 6.5. A proteção penal à liberdade religiosa. 7. Outras manifestações da questão da liberdade religiosa no brasil. 7.1. A expressão “Deus seja louvado” no dinheiro brasileiro. 7.2. Atuação de bancadas religiosas na política. 7.3. Dias de “yom kipur”, “pessach” e “rosh hashaná” e profissionais judeus. 7.4. Concursos públicos e vestibulares x adventistas de sétimo dia. 8. Conclusão. Referência bibliográfica.
1 INTRODUÇÃO
A vigente Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso VI, dispõe que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias[1].
Há quem diga que a liberdade de consciência e a liberdade de crença são sinônimas. Todavia, isso não é verdade.
A liberdade de consciência pode orientar-se tanto no sentido de não admitir crença alguma (o que ocorre com os ateus e os agnósticos, por exemplo), quanto também pode resultar na adesão a determinados valores morais e espirituais que não se confundem com nenhuma religião, tal como se verifica em alguns movimentos pacifistas que, apesar de defenderem a paz, não implicam qualquer fé religiosa[2].
A liberdade de crença, por sua vez, “envolve o direito de escolha da religião e de mudar de religião”[3], conforme será melhor explicitado adiante.
Outrossim, a Constituição Federal, em seu art. 19, inciso I, preconiza que é vedado ao Poder Público estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Por força desses dispositivos constitucionais, diz-se que o Brasil é um Estado laico, onde há liberdade religiosa.
Em que pese a aparência de simplicidade do tema, as questões da laicidade e da liberdade religiosa no Brasil têm tantos desdobramentos que não pudemos nos deter diante do desejo de conhecê-los mais a fundo, e trazer aos leitores desse trabalho uma abordagem mais específica, mas não exaustiva, de vários deles.
Iniciaremos a exposição apontando as diversas espécies de relação Estado-Igreja e o momento em que o Brasil se tornou um Estado laico.
Em seguida, faremos um escorço histórico da liberdade religiosa nas Constituições brasileiras anteriores.
Relativamente à Constituição vigente, abordaremos a abrangência da liberdade religiosa (liberdade de crença, liberdade de culto e liberdade de organização religiosa), seus desdobramentos (o direito ao ateísmo, a prestação de assistência religiosa nos estabelecimentos de internação coletiva, a proibição de o Estado interferir na religião, a escusa de consciência por motivos religiosos, o ensino religioso nas escolas públicas, a imunidade tributária e o casamento religioso com efeitos civis) e algumas polêmicas relacionadas à proibição de o Estado interferir na religião, tais como o uso de símbolos religiosos em locais públicos e consagração de municípios ao Senhor Jesus Cristo.
Na seqüência, trataremos acerca dos limites impostos à liberdade religiosa, especificamente a não-recepção de sangue pelas Testemunhas de Jeová em contraposição ao direito à vida, o sacrifício de animais nos rituais religiosos em contraposição à proteção ao meio ambiente, a ministração de curas religiosas diante da proibição da prática do curandeirismo, e os Projetos de Lei da Câmara dos Deputados 6.418/2005 e 122/2006 em contraposição ao direito de se pregar contra o homossexualismo.
No capítulo seguinte, analisaremos o tratamento da liberdade religiosa na legislação infraconstitucional, tal como se dá com a atribuição de personalidade jurídica pelo Código Civil às organizações religiosas, a possibilidade de instituição de feriados religiosos trazida pela Lei 9.093/95, a instituição da Senhora Aparecida dos católicos como padroeira do Brasil pela Lei 6.802/80, o direito de liberdade religiosa conferido às crianças e aos adolescentes pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e aos idosos pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) e a proteção penal à liberdade religiosa.
Por fim, traremos de algumas outras manifestações da questão da liberdade religiosa no Brasil, como a referência a Deus nas notas de dinheiro, a atuação de bancadas religiosas na política, os profissionais judeus e a guarda de seus respectivos feriados, e a alteração de datas de concursos públicos e vestibulares para os adventistas de sétimo dia.
2 A LAICIDADE NO BRASIL
Estado laico é estado leigo, secular (por oposição a eclesiástico)[4]. É estado neutro.
Conforme leciona Celso Lafer, “laico significa tanto o que é independente de qualquer confissão religiosa quanto o relativo ao mundo da vida civil”[5].
Ainda segundo Celso Lafer[6]:
“Uma primeira dimensão da laicidade é de ordem filosófico-metodológica, com suas implicações para a convivência coletiva. Nesta dimensão, o espírito laico, que caracteriza a modernidade, é um modo de pensar que confia o destino da esfera secular dos homens à razão crítica e ao debate, e não aos impulsos da fé e às asserções de verdades reveladas. Isto não significa desconsiderar o valor e a relevância de uma fé autêntica, mas atribui à livre consciência do indivíduo a adesão, ou não, a uma religião. O modo de pensar laico está na raiz do princípio da tolerância, base da liberdade de crença e da liberdade de opinião e de pensamento.”
O modo de pensar laico teve o seu desdobramento nas concepções do Estado. O Estado laico é diferente do Estado teocrático e do Estado confessional. No Estado teocrático, o poder religioso e o poder político se fundem (exemplo: Irã), enquanto no Estado confessional existem vínculos jurídicos entre o Poder Político e uma Religião (exemplo: Brasil-Império, cuja religião oficial era a católica). O Estado laico, por sua vez, “é o que estabelece a mais completa separação entre a Igreja e o Estado, vedando qualquer tipo de aliança entre ambos”[7].
Em perfeita síntese, Celso Lafer leciona que “em um Estado laico, as normas religiosas das diversas confissões são conselhos dirigidos aos seus fiéis e não comandos para toda a sociedade”[8].
O Brasil tornou-se um Estado laico com o Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, de autoria de Ruy Barbosa[9].
Até o advento do Decreto nº 119-A/1890, havia liberdade de crença no Brasil, mas não havia liberdade de culto. Os cultos de religiões diferentes daquela adotada como oficial pelo Estado (Catolicismo Romano) só podiam ser realizados no âmbito dos lares.
Com o mencionado decreto, o Brasil deixou de ter uma religião oficial. Com a separação Estado-Igreja, a extensão do direito à liberdade religiosa foi ampliada.
3 A LAICIDADE E A LIBERDADE RELIGIOSA NA HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
3.1 A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL DE 1824
A Constituição do Império, outorgada em nome da “Santíssima Trindade”[10], trazia a religião católica romana como religião oficial, mas era permitido aos seguidores das demais religiões o culto doméstico[11].
De acordo com Celso Ribeiro Bastos, havia, no Brasil Império, liberdade de crença sem liberdade de culto. Segundo ele, “na época só se reconhecia como livre o culto católico. Outras religiões deveriam contentar-se com celebrar um culto doméstico, vedada qualquer forma exterior de templo”[12]
3.2 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1891
Após a proclamação da República, que se deu em 15 de novembro de 1889, Ruy Barbosa redigiu o Decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890, separando definitivamente o Estado e a Igreja Católica Romana no Brasil[13].
Em seu artigo 1º, referido Decreto determinava que “é proibido a autoridade federal, assim como a dos Estados federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivos de crenças, ou opiniões filosóficas, ou religiosas”[14].
O artigo 2º preconizava a ampla liberdade de culto, enquanto os artigos 3º e 5º previam a liberdade de organização religiosa sem a intervenção do poder público[15].
Conforme leciona Aldir Guedes Soriano, “a constitucionalização do novo regime republicano consolidou, através da Constituição de 1891, a separação entre a Igreja e o Estado, fazendo do Brasil um estado laico”[16].
Segundo Fábio Dantas de Oliveira, “a Constituição Federal de 1891 representou um marco no que tange à laicidade do Estado, pois todas as Constituições que lhe sucederam mantiveram a neutralidade inerente a um Estado Laico, ainda que teoricamente”[17].
Não há menção a Deus em seu preâmbulo[18].
3.3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1934
Em breve síntese, é possível afirmar que há menção à figura de Deus no preâmbulo da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 e que ela reconheceu a liberdade de culto, desde que não contrariasse a ordem pública e os bons costumes[19].
3.4 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1937
Thiago Massao Cortizo Teraoka leciona que, “nos moldes das Constituições anteriores, a Constituição de 1937 previu que o Estado não estabelecerá, subvencionará ou embaraçará o exercício de cultos religiosos”[20], ou seja, também reconheceu a liberdade de culto. Não há, contudo, menção a Deus no preâmbulo.
3.5 A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1946
Há menção à proteção de Deus no preâmbulo[21].
Conforme magistério de Thiago Massao Cortizo Teraoka[22]:
“A Constituição de 1946 manteve a proibição de a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estabelecerem, subvencionarem ou embaraçarem cultos religiosos.
Ao contrário da Constituição anterior, não há previsão expressa de o Estado manter “relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja”.
No capítulo pertinente aos direitos e garantias individuais, a Constituição de 1946 assegura o livre exercício dos cultos religiosos “salvo os dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes”. As organizações religiosas adquirem a personalidade jurídica dos termos da lei civil.
Há algumas inovações importantes no tema. A Constituição de 1946 inova ao estabelecer a previsão da imunidade tributária, com relação aos impostos, para os “templos de qualquer culto”, “desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins”.
A Constituição de 1946 inovou, ainda, ao prever pioneiramente a “escusa de consciência”. A lei poderia estabelecer obrigações alternativas àqueles que se recusassem a cumprir obrigações impostas por lei a todos os brasileiros.
Há, também, previsão de assistência religiosa aos militares e aos internados em habitação coletiva. A assistência religiosa somente pode ser prestada por brasileiro.
Os cemitérios poderiam ser seculares (administrados pelos Municípios) ou confessionais (mantidos por entidades religiosas). As organizações religiosas poderiam praticar seus ritos, mesmos nos cemitérios seculares.
Também havia previsão da instituição de descansos remunerados, em dias de feriados religiosos.
Previu-se a possibilidade de efeitos civis ao casamento religioso.
Também há a previsão do ensino religioso facultativo.”
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, portanto, também consagrou o direito à liberdade de culto, mas trouxe importantes novidades para implementar o exercício desse direito.
3.6 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967/69
Thiago Massao Cortizo Teraoka ensina[23]:
“Há menção à proteção de Deus, no preâmbulo.
A Constituição de 1967, nos moldes das Constituições anteriores, proíbe o Estado de estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos. Porém, há a previsão expressa de colaboração entre o Estado e as organizações religiosas, no interesse público, especialmente nos setores educacional, assistencial e hospitalar.
Não há previsão de “escusa de consciência”, imputando-se a perda dos direitos políticos no caso de recusa, por convicção religiosa, de cumprir encargo ou serviço imposto por lei.
No Capítulo “Dos Direitos e Garantias Individuais” há afirmação de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de credo religioso.
São assegurados a liberdade de consciência e o exercício de cultos religiosos, desde que “não contrariem a ordem pública e os bons costumes”.
Há a previsão de assistência religiosa, prestada por brasileiros, às forças armadas e nos estabelecimentos de internação coletiva.
Igualmente são assegurados o repouso remunerado, nos feriados religiosos; o casamento religioso de efeitos civis; o ensino religioso facultativo.
A Constituição de 1967 mantém a previsão da imunidade tributária, no tocante aos impostos, dos “templos de qualquer culto”.
Percebe-se, pois, que a liberdade de culto também foi mantida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967/69, com algumas modificações em relação à Constituição de 1946.
3.7 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Há menção à proteção de Deus no preâmbulo da Constituição vigente[24].
A respeito dela, Thiago Massao Cortizo Teraoka ministra[25]:
“Na mesma linha das anteriores, a Constituição de 1988 não consagra a expressão “liberdade religiosa”. Porém, em passagens de seu texto, a Constituição faz referência a “culto”, “religião” e “crença”.
Topologicamente, a primeira referência da Constituição ao termo encontra-se no artigo 5º, VI, que dispõe ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. (…)
Também nos termos das Constituições precedentes, há a previsão de assistência religiosa aos militares e nas entidades de internação coletiva, inovando-se, porém, ao não se impor a condição de brasileiro para os que devem prestar essa assistência.
A Constituição atual, acompanhada pela Constituição de 1946, consagra a possibilidade de a lei prever a “escusa de consciência”, nos seguintes termos: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
Seguindo a tradição consagrada desde 1891, a Constituição de 1988 impõe a proibição de estabelecer, subvencionar ou embaraçar o funcionamento de cultos religiosos ou igrejas. Há, porém, a possibilidade de “colaboração de interesse público”, nos moldes antes previstos pelas Constituições de 1934 e 1967.
Também há previsão de ensino religioso, de matrícula facultativa e do casamento religioso de efeitos civis.
Igualmente é prevista a imunidade dos templos de qualquer culto, no tocante aos impostos, conforme é de nossa tradição desde 1946.
Não há previsão de respeito aos feriados religiosos, como direito social do trabalhador.”
Logo, a liberdade religiosa também está prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e seus desdobramentos serão mais detalhados adiante.
4 A LIBERDADE RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Segundo Iso Chaitz Scherkerkewitz, Aldir Guedes Soriano ensina que a liberdade religiosa é o princípio jurídico fundamental que regula as relações entre o Estado e a Igreja em consonância com o direito fundamental dos indivíduos e dos grupos a sustentar, defender e propagar suas crenças religiosas, sendo o restante dos princípios, direitos e liberdades, em matéria religiosa, apenas coadjuvantes e solidários do princípio básico da liberdade religiosa[26].
Consoante assevera José Afonso da Silva[27], a liberdade de religião engloba, na verdade, três tipos distintos, porém intrinsecamente relacionados de liberdades: a liberdade de crença; a liberdade de culto; e a liberdade de organização religiosa.
Quanto à liberdade de crença, José Afonso da Silva professa que ela compreende a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, e também a liberdade de não aderir a religião alguma, bem como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Não engloba, contudo, a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença, “pois aqui também a liberdade de alguém vai até onde não prejudique a liberdade dos outros”[28].
No que tange à liberdade de culto, José Afonso da Silva explica[29]:
“(…) a religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática dos ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida. (…)
A Constituição ampliou essa liberdade e até prevê-lhe uma garantia específica. Diz, no art. 5º, VI, que é assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, proteção aos locais de culto e a suas liturgias. (…)
O dispositivo transcrito compõe-se de duas partes: assegura a liberdade de exercício dos cultos religiosos, sem condicionamentos, e protege os locais de culto e suas liturgias, mas aqui, na forma da lei. É evidente que não é a lei que vai definir os locais do culto e suas liturgias. Isso é parte da liberdade de exercício dos cultos, que não está sujeita a condicionamento. É claro que há locais, praças por exemplo, que não são propriamente locais de culto. Neles se realizam cultos, mais no exercício da liberdade de reunião do que no da liberdade religiosa. A lei poderá definir melhor esses locais não típicos de culto, mas necessários ao exercício da liberdade religiosa. E deverá estabelecer normas de proteção destes e dos locais em que o culto normalmente se verifica, que são os templos, edificações com as características próprias da respectiva religião. Aliás, assim o tem a Constituição, indiretamente, quando estatui a imunidade fiscal sobre “templos de qualquer culto” (art. 150, VI, b). Mas a liberdade de culto se estende à sua prática nos lugares e logradouros públicos, e aí também ele merece proteção da lei.
Enfim, cumpre aos poderes públicos não embaraçar o exercício dos cultos religiosos (art. 19, I) e protegê-los, impedindo que outros o façam. (…)”[30]
Por fim, relativamente à liberdade de organização religiosa, José Afonso da Silva ministra que “essa liberdade diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas relações com o Estado”[31].
Para Iso Chaitz Scherkerkewitz, “a liberdade de religião não está restrita à proteção aos cultos e tradições e crenças das religiões tradicionais (Católica, Judaica e Muçulmana), não havendo sequer diferença ontológica (para efeitos constitucionais) entre religiões e seitas religiosas”[32].
Segundo Scherkerkewitz[33]:
“(…) o critério a ser utilizado para saber se o Estado deve dar proteção aos ritos, costumes e tradições de determinada organização religiosa não pode estar vinculado ao nome da religião, mas sim aos seus objetivos. Se a organização tiver por objetivo o engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em prol de toda a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do Estado.”
Fábio Dantas de Oliveira nos lembra que, tamanha a importância dada à liberdade religiosa pelo legislador constituinte, que tal direito foi erigido à categoria de cláusula pétrea, ou seja, trata-se de um dispositivo que não pode ser abolido, sendo que somente o advento de uma nova Constituição poderá modificar tal condição[34].
4.1 O PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Preâmbulo é o enunciado que antecede o texto constitucional. Nem todas as constituições o possuem. Nas constituições brasileiras ele esteve sempre presente[35], embora nem todos mencionassem o nome de Deus.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi promulgada “sob a proteção de Deus”, como é possível verificar em seu preâmbulo[36]:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.
Segundo Thiago Massao Cortizo Teraoka, “isso não significa que a Constituição resolveu consagrar a necessidade de obediência à determinada doutrina religiosa. Não significa sequer a apologia a uma ideia monoteísta, em contraposição às religiões politeístas”[37]
Conforme leciona Fábio Dantas de Oliveira, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição da República Federativa do Brasil, adota a tese da “irrelevância jurídica”, segundo a qual o preâmbulo não se situa no domínio do Direito, mas da política ou da história, possuindo apenas um caráter político-ideológico destituído de valor normativo e força cogente, motivo pelo qual não pode ser invocado como parâmetro para o controle da constitucionalidade[38].
4.2 DIREITO AO ATEÍSMO
O direito ao ateísmo também está protegido pela Constituição vigente, na medida em que a liberdade de crença compreende, além da liberdade de escolha da religião, da liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, da liberdade de mudar de religião, a liberdade de não aderir a religião alguma, bem como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo[39].
De acordo com Alexandre de Moraes, “(…) a liberdade de convicção religiosa abrange inclusive o direito de não acreditar ou professar nenhuma fé, devendo o Estado respeito ao ateísmo”[40].
Dirley da Cunha Júnior, contudo, encaixa o direito ao ateísmo não como decorrência da liberdade religiosa, mas sim como decorrência da liberdade de consciência, também protegida pela Constituição Federal vigente[41].
De uma maneira ou de outra, o direito ao ateísmo encontra guarida na Constituição e deve ser respeitado.
4.3 A PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA RELIGIOSA NOS ESTABELECIMENTOS DE INTERNAÇÃO COLETIVA
A Constituição Federal vigente, em seu art. 5º, inciso VII, também cuidou de assegurar, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva[42], como, por exemplo, nas penitenciárias, casas de detenção, quartéis, hospitais, entre outras.
Alexandre de Moraes assevera que “trata-se de uma norma constitucional de eficácia limitada, cuja regulamentação em relação às Forças Armadas foi dada pela Lei nº 6.923/81, parcialmente alterada pela Lei nº 7.672, de 23-9-1988, ambas recepcionais pela nova ordem constitucional”[43].
Especificamente quanto aos civis, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), em seu art. 24[44], assegura aos presos a assistência religiosa, com liberdade de culto, in verbis:
“Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.
§ 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos.
§ 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.”
É interessante atentar para o que Julio Fabbrini Mirabete preconiza sobre o assunto[45]:
“Na atualidade, a assistência religiosa no mundo prisional não ocupa lugar preferencial nem é o ponto central dos sistemas penitenciários, tendo-se adaptado às circunstâncias dos nossos tempos. Não se pode desconhecer, entretanto, a importância da religião como um dos fatores da educação integral das pessoas que se encontram internadas em um estabelecimento penitenciário, razão pela qual a assistência religiosa é prevista nas legislações mais modernas. Em pesquisa efetuada nos diversos institutos penais subordinados à Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo por um grupo de trabalho instituído pelo então Secretário Manoel Pedro Pimentel, concluiu-se que a religião tem, comprovadamente, influência altamente benéfica no comportamento do homem encarcerado e é a única variável que contém em si mesma, em potencial, a faculdade de transformar o homem encarcerado ou livre. Foram as seguintes as conclusões desse trabalho de pesquisa: I – há necessidade de conscientização dos homens que lutam pela reabilitação do presidiário da marcante e benéfica influência da religião no comportamento humano e de que ela constitui a única forma de tratamento que subsiste por si mesma, independendo de qualquer outro para atuar como fator de valorização do homem; II – essa influência reflete-se em todas as áreas de tratamento penal e pode levar à recuperação de delinqüentes; III – é de fundamental importância dar ao presidiário condições de expressar sua religiosidade ou de conscientizar-se de que ela existe por meio da liberdade de culto, propiciando-lhe o exercício do direito de opção por uma religião com a qual se identifique; IV – impõe-se, portanto, que se proceda com urgência à sistematização, melhoria e expansão dessas atividades nos estabelecimentos penais, para que toda a população carcerária seja beneficiada, possibilitando o ensino religioso, leitura, diálogo, conforto espiritual, contribuindo, assim, para sua evolução moral e cultural.”
Mirabete aduz, ainda, acerca da maneira pela qual a assistência religiosa deve ser prestada aos presos e internados[46]:
“A assistência religiosa dos presos e internados, conforme a regulamentação local, pode estar a cargo de um corpo de capelães, de sacerdotes ou párocos das diversas religiões, e os internos devem ser atendidos pelos ministros da religião que professem. O serviço de assistência deve compreender todas as atividades que sejam necessárias para o adequado desenvolvimento religioso da pessoa, permitindo-se, portanto, a celebração de missas, a realização de cultos, a promoção de atividades piedosas, como a leitura da Bíblia ou de outros livros sagrados, os cânticos, as orações etc. Não basta, porém, que se permitam essas atividades religiosas, sendo preciso que o capelão esteja sempre presente para escutar os presos que o procuram e dizer-lhes a palavra de que necessitam, para guiá-los, aconselhá-los ou censurá-los.
Para que as atividades dos serviços de assistência religiosa alcancem suas finalidades na execução da pena, é necessário que se integrem na organização de todos os serviços penitenciários, razão pela qual devem ser eles organizados pelo próprio estabelecimento penal, como prevê a lei, impedindo-se assim que possam perturbar o trabalho penitenciário com relação a horários, disciplina etc. Além das celebrações regulares, deve a direção programar palestras, instalar biblioteca especializada para cada setor religioso, sem que se exclua a permissão legal da posse, pelos presos e internados, de livros de instrução religiosa.
Para a celebração de missas, realização dos cultos e de outras atividades religiosas, é indispensável que em todas as prisões haja um local adequado e reservado, tal como o determina o art. 24, §1º, da Lei de Execução Penal.”
Alguns doutrinadores criticam o inciso VII do artigo 5º da Constituição Federal, afirmando que não há compatibilidade entre um Estado laico e a previsão, como direito individual, de prestação de assistência religiosa nas entidades de internação coletiva.
Alexandre de Moraes rebate essa crítica. Segundo ele, “o Estado brasileiro, embora laico, não é ateu, como comprova o preâmbulo constitucional, e, além disso, trata-se de um direito subjetivo e não de uma obrigação, preservando-se, assim, a plena liberdade religiosa daqueles que não professam nenhuma crença”[47].
Sobre a execução penal, Aldir Guedes Soriano traz à tona questão bastante interessante: indaga-nos se o condenado, cuja pena privativa de liberdade foi substituída, pode recusar-se a cumprir a reprimenda de prestação de serviços à comunidade em determinado templo religioso, com base no direito à liberdade religiosa, por sentir-se constrangido com a tarefa[48].
Segundo Soriano, “entende-se que tal reprimenda não pode ser imposta ao condenado, pois viola o direito à liberdade religiosa, consagrada no art. 5º, incisos VI e VIII”[49]. Há, inclusive, jurisprudência nesse sentido.
4.4 A PROIBIÇÃO DE O ESTADO INTERFERIR NA RELIGIÃO (ART. 19, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO)
O artigo 19 da Constituição Federal está assim redigido[50]:
“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II – recusar fé aos documentos públicos;
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”
Para os fins do presente estudo interessa-nos apenas a vedação contida no inciso I acima.
De acordo com magistério de José Afonso da Silva[51]:
“Pontes de Miranda esclareceu bem o sentido das várias prescrições nucleadas nos verbos do dispositivo: “estabelecer cultos religiosos está em sentido amplo: criar religiões ou seitas, ou fazer igrejas ou quaisquer postos de prática religiosa, ou propaganda. Subvencionar cultos religiosos está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens da entidade estatal, para que se exerça a atividade religiosa. Embaraçar o exercício dos cultos religiosos significa vedar, ou dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou material, de atos religiosos ou manifestações de pensamento religioso”. Para evitar qualquer forma de embaraços por via tributária, a Constituição estatui imunidade dos templos de qualquer culto (art. 150, VI, b). Não se admitem também relações de dependência ou de aliança com qualquer culto, igreja ou seus representantes, mas isso não impede as relações diplomáticas com o Estado do Vaticano, porque aí ocorre relação de direito internacional entre dois Estados soberanos, não de dependência ou de aliança, que não pode ser feita.”
4.4.1 POSSIBILIDADE DE PARCERIA ENTRE O ESTADO E A IGREJA NA COLABORAÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO
Segundo José Afonso da Silva[52]:
“Mais difícil é definir o nível de colaboração de interesse público possibilitada na ressalva do dispositivo, na forma da lei. A lei, pois, é que vai dar a forma dessa colaboração. É certo que não poderá ocorrer no campo religioso. Demais, a colaboração estatal tem que ser geral a fim de não discriminar entre as várias religiões. A lei não precisa ser federal, mas da entidade que deve colaborar. Se existe lei municipal, por exemplo, que prevê cessão de terreno para entidades educacionais, assistenciais e hospitalares, tal cessão pode ser dada em favor de entidades confessionais de igual natureza. A Constituição mesma já faculta que recursos públicos sejam, excepcionalmente, dirigidos a escolas confessionais, como definido em lei, desde que comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação, e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades (art. 213). É mera faculdade que, por conseguinte, não dá direito subjetivo algum a essas escolas de receber recursos do Poder Público”.
Aldir Guedes Soriano resume o artigo 19, inciso I, da Constituição Federal, ministrando que “o Estado laicista não pode favorecer uma religião em detrimento de outras (…). Isso não impede, entretanto, que a Igreja e o Estado possam ser parceiros em obras sociais e de interesse público”[53].
4.4.2 USO DE SÍMBOLOS RELIGIOSOS EM LOCAIS PÚBLICOS
É bastante comum encontrar símbolos religiosos em prédios públicos (salas de audiência, tribunais, Congresso Nacional etc.), em sua maioria crucifixos, mas também placas nas entradas de alguns municípios, especialmente do Estado de São Paulo (Mauá, Sorocaba, Itu, Itupeva, dentre outros), nas quais se faz referência a Jesus Cristo como sendo o Senhor da cidade.
Isso trouxe questionamentos no tocante à liberdade religiosa das minorias não adeptas de tais símbolos, já que se diz que o Brasil é um estado laico, sendo-lhe proibido interferir na religião.
Sobre esse aspecto, Fernando Fonseca de Queiroz assim se posiciona[54]:
“Como bem afirma Dr. Roberto Arriada Lorea “(…) O Brasil é um país laico e a liberdade de crença da minoria, que não se vê representada por qualquer símbolo religioso, deve ser igualmente respeitada pelo Estado”. (LOREA, O poder judiciário é laico. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 2005. Tendências/Debates, p.03).
Saliente-se então que, conforme nosso entendimento, não é lícito que prédios públicos ostentem quaisquer símbolos religiosos, por contrariar o princípio da inviolabilidade de crença religiosa. O Estado deve respeito ao ateísmo e quaisquer outras formas de crença religiosa. O predomínio do Catolicismo no Brasil não justifica tais símbolos.
Não entramos no mérito das religiões. Não avaliamos qual ou quais religiões o crucifixo representa. Isto não tem conotação pública e não nos interessa. Se tais símbolos ofendem a liberdade de crença ou descrença de uma única pessoa, já se torna justificada a retirada destes objetos”.
Entretanto, Thiago Teraoka alerta que[55]:
“No Brasil, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, há jurisprudência no sentido de que os símbolos religiosos não devem ser obrigatoriamente retirados dos diversos tribunais. Com exceção do relator, todos os ministros entenderam que os objetos seriam símbolos da cultura brasileira e que não interferiam na universalidade e imparcialidade do Poder Judiciário. Também Gilmar Mendes, do STF, já manifestou, em entrevistas, que há “certo exagero” naqueles que pretendem a retirada de crucifixos nos tribunais. Na doutrina, José Levi Mello do Amaral Júnior está entre os que defendem a manutenção do crucifixo no Supremo Tribunal Federal, por motivos culturais e artísticos.”
Infelizmente, parece que, em relação a pronunciamentos de órgãos oficiais, no Brasil prevalece a posição de que os símbolos religiosos utilizados pelo Estado são constitucionalmente legítimos, por questões culturais, artísticas e de tradição[56], com o que não concordamos.
4.5 ESCUSA DE CONSCIÊNCIA POR MOTIVOS RELIGIOSOS
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso VIII[57], preconiza que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa fixada em lei.
Sobre a escusa de consciência (ou objeção de consciência), Dirley da Cunha Júnior ministra[58]:
“Assim, por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política ninguém poderá ser privado de direitos. Essa é a regra, que está em total harmonia com a liberdade de consciência e de crença declarada no inciso VI do art. 5º. Porém, vai mais longe a Constituição, pois admite que alguém invoque a liberdade de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política para se eximir de obrigação legal a todos imposta desde que se preste a cumprir obrigação alternativa fixada em lei. A Constituição assegura, assim, a chamada escusa de consciência, como um direito individual que investe a pessoa de recusar prestar ou aceitar determinada obrigação que contrarie as suas crenças ou convicções.”
De acordo com Dirley da Cunha Júnior, “a legitimidade da escusa de consciência depende, todavia, do cumprimento da prestação alternativa fixada em lei. Caso contrário, a escusa não é legítima, devendo a pessoa responder pelas conseqüências de seus atos”[59].
A suspensão ou perda dos direitos políticos[60] é a consequência constitucionalmente estabelecida para quem se recusar a cumprir obrigação a todos imposta ou a prestação alternativa (art. 15, IV)[61].
Dirley da Cunha Júnior arremata[62]:
“Mas é importante ressaltar que o cumprimento da prestação alternativa depende de sua previsão legal, só estando a pessoa obrigada ao seu cumprimento quando fixada por lei. Não é correto dizer que a escusa de consciência depende de lei, sobretudo em face da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º). O que depende de lei é a fixação da prestação alternativa, não o exercício da escusa de consciência. Assim, fundada em suas crenças ou convicções, pode uma pessoa deixar de cumprir uma obrigação legal a todos imposta, sem, no entanto, se sujeitar a uma prestação alternativa, quando esta não estiver prevista em lei.”
As escusas de consciência regulamentadas no direito brasileiro são as que fixam prestação alternativa ao serviço militar e ao serviço do júri, ambos obrigatórios.
4.5.1 SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO
O serviço militar obrigatório está previsto no artigo 143 da Constituição Federal[63]:
“Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.
§ 1º – às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.
§ 2º – As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir”.
O “caput” do artigo 143 da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei 4.375[64], de 17.08.1964, e esta, por sua vez, foi regulamentada pelo Decreto 57.654[65], de 20.01.1966. A Lei 8.239, de 04.10.1991[66], regulamentou os §§ 1º e 2º do artigo 143 acima.
Alexandre de Moraes explica que a Lei 8.239/91 dispõe sobre a prestação de serviço alternativo ao serviço militar obrigatório. Segundo ele[67]:
“Assim, ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma da lei e em coordenação com o Ministério da defesa e os comandos militares, atribuir serviços alternativos aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência decorrente de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. Entende-se por “serviço militar alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar”.
O serviço alternativo será prestado em organizações militares da atividade e em órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos ministérios civis, mediante convênios entre estes e o Ministério da Defesa, desde que haja interesse recíproco e, também, que sejam atendidas as aptidões do convocado.”
Dirley da Cunha Júnior ministra que[68]:
“Ao final do período de atividade, será conferido ao escusante um Certificado de Prestação Alternativa ao Serviço Militar Obrigatório, com os mesmos efeitos jurídicos do Certificado de Reservista. Contudo, segundo a lei, a recusa ou cumprimento incompleto do serviço alternativo, sob qualquer pretexto, por motivo de responsabilidade pessoal do convocado, implicará o não-fornecimento do certificado correspondente, pelo prazo de dois anos após o vencimento do período estabelecido. Findo esse prazo de dois anos, o certificado será emitido após a decretação, pela autoridade competente, da suspensão dos direitos políticos do inadimplente, que poderá, a qualquer tempo, regularizar sua situação mediante cumprimento das obrigações devidas.”
A seita religiosa das testemunhas de Jeová é uma das que costuma alegar a escusa de consciência para não prestar o serviço militar obrigatório.
J. Cabral ensina que “as testemunhas-de-Jeová recusam publicamente servir à pátria, saudar a bandeira e outros deveres que a pátria nos impõe. Afirmam ser ato de idolatria”. Segundo ele, “essa posição tem posto as testemunhas-de-jeová de vez em quando em conflito com os tribunais”[69].
4.5.2 SERVIÇO DO JÚRI
O serviço do júri também é obrigatório e está previsto no artigo 436 do Código de Processo Penal[70]:
“Art. 436. O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 1o Nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2o A recusa injustificada ao serviço do júri acarretará multa no valor de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica do jurado. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)”
Contudo, Thiago Teraoka nos lembra que, “nos termos do Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 11.689 de 09/06/2008, em seu artigo 438, pode-se se recusar à prestação dos serviços de jurado, desde que se preste serviço alternativo, fixado pelo juiz”[71].
Eis o teor do artigo 438 do Código de Processo Penal[72]:
“Art. 438. A recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 1o Entende-se por serviço alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2o O juiz fixará o serviço alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)”
Pelas mesmas razões expostas acima, os adeptos da seita das Testemunhas de Jeová são alguns dos que invocam a escusa de consciência por motivo religioso para não prestar o serviço do júri.
4.6 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
A Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso VI, alínea “b”, vedou à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto[73]. Trata-se de limitação ao poder de tributar, considerada cláusula pétrea pelo Supremo Tribunal Federal[74].
O mencionado dispositivo constitucional proíbe a tributação sobre qualquer templo justamente com a finalidade de não dificultar seu funcionamento pela via financeira[75].
Para Sacha Calmon Navarro Coelho, “o templo, dada a sua isonomia de todas as religiões, não é só a catedral católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o terreiro de candomblé ou umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista e a mesquita maometana”[76].
Hugo de Brito Machado professa que[77]:
“Nenhum imposto incide sobre os templos de qualquer culto. Templo não significa apenas a edificação, mas tudo quanto seja ligado ao exercício da atividade religiosa. Não pode haver imposto sobre missas, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir imposto sobre bens pertencentes à Igreja, desde que não sejam instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como os respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para atividades religiosas, ou para residência dos religiosos.
A imunidade concerne ao que seja necessário para o exercício do culto. Nem se deve restringir seu alcance, de sorte que o tributo constitua um obstáculo, nem se deve ampliá-lo, de sorte que a imunidade tributária constitua um estímulo à prática do culto religioso.
Há quem sustente que os imóveis alugados, e os rendimentos respectivos estão ao abrigo da imunidade desde que sejam destinados à manutenção do culto. A tese é razoável quando se trate de locação eventual de bens pertencentes ao culto. Não, porém, quando se trate de atividade permanente deste. A locação de imóveis, com a ressalva feita há pouco, é uma atividade econômica que nada tem a ver com um culto religioso. Colocá-la ao abrigo da imunidade nos parece exagerada ampliação. A ser assim, as entidades religiosas poderiam também, ao abrigo da imunidade, desenvolver atividades industriais e comerciais quaisquer, a pretexto de angariar meios financeiros para a manutenção do culto, e ao abrigo da imunidade estariam praticando verdadeira concorrência desleal, em detrimento da livre iniciativa e, assim, impondo maus tratos ao art. 170, inciso IV, da Constituição. (…)
Nenhum requisito pode a lei estabelecer. Basta que se trate de culto religioso.”
Thiago Teraoka, entretanto, leciona que há uma interpretação mais ampla para esse dispositivo constitucional, segundo a qual “considerar-se-ão imunes não somente os templos e as atividades vinculadas aos templos, mas a própria pessoa jurídica (organização religiosa), integralmente, em todas as suas atividades”, posição à qual ele se filia e que também foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal[78].
O Supremo Tribunal Federal tem interpretado ampliativamente a imunidade dos “templos de qualquer culto”, para abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas também o patrimônio, as rendas e os serviços relacionados com as atividades essenciais das entidades nela mencionadas[79].
Nessa toada é que a Suprema Corte “entende que há imunidade de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) também em relação aos prédios alugados de propriedade de organizações religiosas[80]. No mesmo sentido ampliativo, em 2008, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a imunidade tributária aos cemitérios pertencentes às organizações religiosas[81], equiparando aos ‘templos de qualquer culto’”[82].
4.7 O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS
O §1º do art. 210 da Constituição estabelece que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”[83].
Para Aldir Guedes Soriano, “é evidente que, se a matrícula do ensino religioso nas escolas públicas fosse obrigatória, o direito à liberdade religiosa estaria sendo violado”[84]. Segundo ele, a ministração de atividade de cunho religioso só poderá acontecer com o consentimento do aluno ou responsável[85].
De acordo com Anna Cândida da Cunha Ferraz, o desdobramento desse preceito constitucional é que “os alunos podem optar por seguir aulas de religião, podem não optar por ensino religioso, podem mudar de religião quando entendam, não ficam obrigados a seguir aulas de religião ainda quando optem pela disciplina no início do ano”[86], sob pena de ofensa ao direito de liberdade religiosa.
As escolas particulares, contudo, estão livres para promover o ensino religioso, segundo a filosofia adotada, sem que isso lesione o direito à liberdade religiosa, já que a clientela, ao procurar a escola, tem ciência da religião propagada pela instituição de ensino. A matrícula do aluno no estabelecimento equivale a um consentimento tácito para o ensino de determinada doutrina religiosa[87].
4.8 CASAMENTO RELIGIOSO COM EFEITOS CIVIS
Conforme leciona José Afonso da Silva, “o casamento válido juridicamente é o civil, mas o casamento religioso terá efeito civil, nos termos da lei”[88] (art. 226, §§1º e 2º, da Constituição Federal).
Em outras palavras, cumpridas as formalidades legais, será reconhecida a validade jurídica do casamento religioso.
Para Thiago Teraoka[89]:
“No entanto, deve-se observar que a existência do reconhecimento de efeitos jurídicos ao casamento religioso não implica no reconhecimento de uma determinada verdade teológica. Há uma mitigação razoável do princípio da separação Igreja-Estado. Essa mitigação é válida, pois plenamente justificada em razão da realidade social brasileira, além de ter sido instituída pelo Poder Constituinte Originário.”
Ainda segundo Teraoka, Caio Mario da Silva Pereira, sob a égide da Constituição de 1967/69, professava que apenas o casamento celebrado por ministro de confissão religiosa reconhecida seria válido em termos civis.
De acordo com Teraoka, “para esse autor, ‘não se admite, todavia, o que se realiza em terreiro de macumba, centros de baixo espiritismo, seitas umbandistas, ou outras formas de crendices populares que não tragam a configuração de seita religiosa reconhecida como tal’”[90].
Teraoka entende que essa visão preconceituosa contrária às religiões afro-brasileiras não pode prevalecer na Constituição de 1988, mas aduz que não seria desarrazoado exigir que a organização religiosa seja regularmente constituída, nos termos das leis brasileiras[91].
A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73[92]), porém, não exige qualquer comprovação da regularidade da organização religiosa, bastando que os nubentes se submetam ao procedimento de habilitação perante o oficial de registro civil[93].
5 LIMITES DO DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA
Conforme leciona Edison Miguel da Silva Júnior, “no Estado Democrático de Direito brasileiro, não existe nenhum direito absoluto”[94].
Para ele, a tarefa do profissional do direito é justamente a de “construir a solução justa para cada caso concreto e não, simplesmente, aplicar a literalidade do texto legal para todos os casos que possam surgir em uma sociedade dinâmica, cada vez mais complexa e sofisticada”[95].
Diante da inexistência de direitos absolutos, não há dúvidas de que o direito à liberdade religiosa também encontra limites, podendo não prevalecer sobre outros direitos em algumas situações.
Abaixo analisaremos algumas hipóteses em que poderá haver conflito de direitos, cuja solução caberá ao magistrado decidir no caso concreto posto a seu exame.
5.1 DIREITO À VIDA X NÃO-RECEPÇÃO DE SANGUE POR TESTEMUNHAS DE JEOVÁ
Por crenças religiosas, os adeptos da seita das Testemunhas de Jeová não se submetem a transfusão de sangue[96]:
“Transfusão de Sangue – o livreto Sangue, Medicina e a Lei de Deus é uma apologia da posição que assumem contra a transfusão. Citam textos como: Gênesis 9:3,4; Levítico 3:17; Deuteronômio 12:23-35; Salmo 14:32,33; Atos 15:28,29. Afirmam que sendo o sangue a alma, não podemos passá-la a outra pessoa, pois desobedecemos ao mandamento de amar a Deus com toda a alma.”
Na prática, a não aceitação ao tratamento hemoterápico pode resultar na morte do paciente, pondo em confronto dois princípios garantidos constitucionalmente: o direito à liberdade religiosa e o direito à vida.
Sobre isso, Fábio Dantas de Oliveira professa que[97]:
“Em caso de situação emergente o médico pode solucionar de acordo com sua ética ou a solução pode ser dada pela justiça. Entretanto, pode o médico conseguir uma liminar que o autorize a realizar os tratamentos médicos devidos. De acordo com o artigo 2º do Conselho Federal de Medicina, independentemente do consentimento do enfermo ou dos seus representantes legais, o médico pode praticar a transfusão sangüínea, em caso grave onde a vida do paciente está em risco.”
Em se tratando de paciente maior e capaz, Thiago Massao Cortizo Teraoka, por sua vez, aduz[98]:
“Na parte que trata dos direitos da personalidade, o artigo 15 do Código Civil determina que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
Em uma interpretação simplista e contrario sensu, poderia se admitir que todos podem ser submetidos a tratamento de saúde, desde que não houvesse risco de vida no tratamento. Ou seja, por exemplo, todos nós poderíamos ser compulsoriamente submetidos a tratamento estético perante um dermatologista, desde que o tratamento não trouxesse risco de vida.
Porém, interpretação que consagre a compulsoriedade de tratamento médico, seja qual for, não parece consentânea com os princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana.
Assim, a melhor interpretação da legislação infraconstitucional deve conduzir ao sentido de que todos podem se opor ao tratamento médico, ainda que esteja em risco de vida. Essa interpretação, além de mais consentânea com o restante do ordenamento jurídico, não afronta a literalidade do dispositivo.
Diante disso, concluímos que a recusa ao tratamento médico por pessoa maior e capaz é absolutamente legítima, desde que a recusa seja expressa e livre. Não há motivos para se desconsiderar a vontade do próprio paciente, realizada de maneira expressa.
O principal argumento contrário diz respeito à indisponibilidade do direito a vida. Porém, no caso, a liberdade de crença, o direito à privacidade e o direito de autodeterminação do paciente devem prevalecer. Até porque a recusa a tratamento médico não é vedada por Lei, conforme a correta interpretação do artigo 15 do Código Civil.
No caso de manifestação prévia da vontade, por pessoa maior e capaz, a solução a ser adotada é a acima referida. A recusa permanece sendo válida. Por manifestação prévia, consideramos aquela em que a pessoa recusa-se a determinado procedimento médico, ainda antes de iniciado o tratamento. A manifestação prévia é válida, ainda que no momento da necessidade do tratamento médico, o paciente esteja inconsciente.”
Quando, todavia, o paciente é juridicamente incapaz, é necessário analisarmos a possibilidade de recusa de tratamento médico pelo representante legal.
Thiago Massao Cortizo Teraoka explica que, “nessa hipótese, não há manifestação expressa de vontade. Há manifestação de vontade por representação-imputação. A vontade do representante é imputada juridicamente ao representado, pois este não pode manifestar sua vontade”[99].
O mesmo autor aponta a solução que entende mais adequada a essa hipótese[100]:
“Assim, a recusa do representante legal não pode ser considerada válida, para a finalidade de se impedir o tratamento médico convencional. A liberdade de crença, para prevalecer no caso, deve ser absolutamente inequívoca e livre. A crença, ainda que possa ser manifestada publicamente, é interna e personalíssima à própria pessoa; a decisão de não se submeter a tratamento médico, que pode salvar-lhe a vida terrena em nome de uma vida divina também. Mesmo se houver comprovação de que é adepto de determinada religião (por exemplo: Testemunhas de Jeová) não significa que o paciente debilitado aprove todos os seus dogmas e mandamentos. Um católico, ainda que fervoroso praticante, pode se utilizar de métodos anticoncepcionais. Da mesma forma, um adepto das Testemunhas de Jeová pode não estar disposto a correr risco de vida por sua religião.
Assim, para a recusa a tratamento médico tradicional, a manifestação por representação ou presumida não pode ser aceita.
Em relação aos menores, é importante a análise do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aprovado pela Lei nº 8.069, de 13/07/1990.(…)
A crença religiosa do menor deve ser respeitada, ainda que em confronto com a vontade dos pais. (…)
Assim, entendemos que a manifestação de vontade inequívoca e livre da criança e do adolescente deve ser considerada, no caso da recusa de tratamento médico convencional. E, frise-se, ainda que contra a vontade dos pais.(…)
Porém, se não houver manifestação inequívoca de vontade do menor, deve-se optar pelo tratamento convencional. Entendemos que a manifestação do menor deve ser considerada, especialmente se se tratar de adolescente, conforme critério legal presente no ECA.”
Celso Ribeiro Bastos, contudo, adota entendimento diverso quanto aos menores[101]:
“Sabe-se que o pátrio poder inclui a tomada de decisões que envolvem toda a vida dos filhos menores sob sua tutela. Não se pode negar, pois, a tomada de decisões pelos pais, desde que os filhos sejam atingidos pela incapacidade jurídica de decidirem por si mesmos. A decisão sobre não submeter-se a determinado tratamento médico, como visto, é perfeitamente legítima e, assim, inclui-se, como qualquer outra, no âmbito da decisão dos pais quando tratar-se de filho menor de idade.”
Por fim, cabe a análise da responsabilidade do médico ou do hospital que submete compulsoriamente a tratamento médico o paciente que o recusou sob a alegação de liberdade de crença.
Thiago Massao Cortizo Teraoka entende que caberá indenização por danos morais, por lesão a direito da personalidade, consistente no direito à disposição do próprio corpo e da sua liberdade de crença. Entretanto, para ele, “é cabível a redução equitativa da indenização pelo juiz, nos termos do artigo 944, parágrafo único, do Código Civil, dada a boa-fé presumida dos agentes”[102].
5.2 PROTEÇÃO AMBIENTAL X SACRIFÍCIO DE ANIMAIS NOS RITUAIS RELIGIOSOS
Leciona Thiago Massao Cortizo Teraoka que “o sacrifício de animais é amplamente difundido entre as religiões”. Como exemplo, menciona o hinduísmo, o islamismo e as religiões afro-brasileiras (candomblé, xangô, batuque e umbanda)[103].
O artigo 32 da Lei 9.605/98 estabelece[104]:
“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”
Surge, então, a seguinte indagação: sacrificar animais em rituais religiosos configura ou não crime ambiental?
Thiago Massao Cortizo Teraoka nos traz alguns delineamentos sobre o assunto[105]:
“Em interessante artigo Daniel Braga Lourenço sustenta que “a prática de rituais religiosos, consistente na matança de animais não humanos, é condenável, filosófica, ética e juridicamente, constituindo tais condutas atos ilícitos que acarretam responsabilidade civil e criminal, devendo ser enquadradas nos tipos penais pertinentes, especialmente no previsto no art. 32 da Lei 9.605/98”.
Jayme Weingartner Neto, por outro lado, entende que a Lei nº 9.605/1998 não se aplica ao sacrifício ritual de animais. “Não faz parte do programa das normas ambientais vedá-lo, nem se encontra no âmbito normativo a proibição das situações decorrentes do exercício religioso”. Assim, Jayme Weingatner Neto não se manifesta conclusivamente a respeito; limita-se a afirmar que a lei ambiental não se aplica, pois não trata de sacrifício de animais.
Não podemos concordar com o argumento de Jayme Weingartner Neto. O artigo 121 do Código Penal que trata do crime de homicídio também não é específico para a proibição de sacrifícios humanos. E nem por isso alguém argumentaria que o sacrifício humano é possível em nossa ordem constitucional, em razão da liberdade de culto.
Pela ausência de exceção na regra ambiental, entendemos que o sacrifício de animais em cultos religiosos enquadra-se na descrição legal da conduta prevista na legislação. Porém, em razão da proteção constitucional à liberdade de culto, a conduta passa a ser atípica.”
Teraoka conclui a discussão expondo sua opinião, da qual partilhamos, no sentido de que “impedir totalmente o sacrifício de animais significaria impedir a própria prática de diversas religiões. A legislação penal referente ao direito ambiental não pode ser levada a interpretação de impedir a prática religiosa”[106].
5.3 CURANDEIRISMO X MINISTRAÇÃO DE CURAS NOS RITUAIS RELIGIOSOS
O artigo 284 do Código Penal prevê o crime de curandeirismo[107]:
“Curandeirismo
Art. 284 – Exercer o curandeirismo:
I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II – usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III – fazendo diagnósticos:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único – Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.”
O bem jurídico protegido pela norma penal é a incolumidade pública, particularmente a saúde pública[108].
Segundo Damásio Evangelista de Jesus, “o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que não possua conhecimentos médicos”. Todavia, “não são sujeitos ativos do delito as pessoas que se dedicam à cura por meio de métodos que fazem parte do ritual da religião que abraçaram. No espiritismo, umbanda etc., os ‘passes’ fazem parte do ritual da religião, não integrando a figura típica”. Para o mencionado autor, “as palavras e gestos, quando atos de fé, não caracterizam o delito”[109].
De acordo com Cezar Roberto Bitencourt, “sujeito passivo é a coletividade, bem como qualquer pessoa que seja tratada pelo agente”[110].
O entendimento de que são atípicos os atos das pessoas que se dedicam à cura por meio de métodos que fazem parte do ritual da religião que professam é um evidente desdobramento do direito à liberdade religiosa.
Os pastores evangélicos, por exemplo, ministram a cura aos fiéis em nome do Senhor Jesus Cristo. Isso, além de ter respaldo bíblico[111], jamais poderá ser considerado curandeirismo pelo ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de ofensa ao direito à liberdade religiosa.
Alexandre de Moraes preconiza que “(…) a questão das pregações e curas religiosas deve ser analisada de modo que não obstaculize a liberdade religiosa garantida constitucionalmente, nem tampouco acoberte práticas ilícitas”[112].
5.4 PROJETOS DE LEI DA CÂMARA DOS DEPUTADOS 6.418/2005 E 122/2006
Thiago Massao Cortizo Teraoka nos relata que “alguns líderes cristãos evangélicos se insurgiram contra dois projetos de lei (PL nºs 122/06 e 6.418/2005), que criminalizam condutas homofóbicas”, com a preocupação de que haveria restrições à pregação[113].
O autor também explica que, atualmente, a discriminação por opção sexual constitui ato ilícito, reprimido no âmbito civil, não havendo disposição específica a respeito do assunto no âmbito penal[114].
Entretanto, Teraoka entende importante a tipificação penal da discriminação por orientação sexual[115], mas sem que isso implique restrição ao exercício do direito à liberdade religiosa de se pregar contra o homossexualismo.
Segundo ele[116]:
“Porém, seja qual for a tipificação da conduta, a legislação não poderá impedir a divulgação ou propagação de idéias religiosas. Os líderes religiosos, suas homilias e livros poderão continuar a desestimular a prática homossexual. Porém, já não podem e não poderão humilhar ou estimular atos violentos ou repulsa aos homossexuais.
Outra interpretação seria desarrazoada. A total criminalização de opinião desfavorável ao homossexualismo impediria a publicação de muitos livros sagrados, assim considerados pelas religiões. Na própria Bíblia, no Novo e no Antigo Testamento (este também aplicável aos judeus), há trechos que consideram pecado o homossexualismo. No Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, também há prescrição semelhante.
Não é preciso nem dizer que a proibição, legislativa ou judicial, da divulgação e publicação da Bíblia e do Alcorão seria afrontosa à liberdade religiosa e à Constituição Federal. Da mesma forma, pregações ou comentários baseados em tais livros não podem ser considerados ilícito penal ou civil.”
Teraoka finaliza sinalizando que deve haver limites até mesmo à liberdade religiosa, pois “a humilhação de um homossexual em particular e/ou mesmo o estímulo à intolerância e à violência não podem ser admitidos em nosso ordenamento jurídico”[117].
Alexandre de Moraes aduz que “obviamente, assim como as demais liberdades públicas, também a liberdade religiosa não atinge grau absoluto, não sendo, pois, permitidos a qualquer religião ou culto atos atentatórios à lei, sob pena de responsabilização civil e criminal”[118].
6 A LIBERDADE RELIGIOSA NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL FEDERAL
A proteção constitucional da liberdade religiosa irradia seus efeitos para todo o ordenamento jurídico, sendo comum encontrar dispositivos da legislação infraconstitucional federal dispondo sobre o tema, conforme veremos a seguir.
6.1 ATRIBUIÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA ÀS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS
O inciso IV do artigo 44 do Código Civil[119], introduzido pela Lei 10.825, de 22.12.2003, incluiu as organizações religiosas no rol das pessoas jurídicas de direito privado, ao lado das associações, das sociedades, das fundações e dos partidos políticos:
“Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
§ 1o São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.
§ 2o As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código.
§ 3o Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica.”
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ensinam que[120]:
“Juridicamente, podem ser consideradas organizações religiosas todas as entidades de direito privado, formadas pela união de indivíduos com o propósito de culto a determinada força ou forças sobrenaturais, por meio de doutrina e ritual próprios, envolvendo, em geral, preceitos éticos.
Nesse conceito enquadram-se, portanto, desde igrejas e seitas até comunidades leigas, como confrarias ou irmandades.”
Ainda segundo Gagliano e Pamplona Filho, o §1º do art. 44 do Código Civil, acima transcrito, soa dispensável, pois o art. 19, inciso I, da Constituição Federal vigente já vedou à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”[121].
Prosseguem os autores lecionando que “trata-se, portanto, do que se convencionou chamar justamente de liberdade de organização religiosa, uma das formas de expressão da liberdade religiosa, coexistindo com a liberdade de crença e de culto”[122].
Logo, é inequívoca a importância desse reconhecimento, trazido pela Lei 10.825/03, das organizações religiosas como pessoas jurídicas de direito privado, por reforçar o direito fundamental de liberdade religiosa, especificamente no aspecto da liberdade de organização religiosa.
6.2 FERIADOS RELIGIOSOS
Outro aspecto bastante polêmico é a (in)constitucionalidade dos feriados religiosos no Brasil, um (suposto) Estado laico.
Iso Chaitz Scherkerkewitz defende a constitucionalidade da existência dos feriados religiosos em si. Segundo ele[123]:
“Creio não ser inconstitucional a existência dos feriados religiosos em si. O que reputo ser inconstitucional é a proibição de se trabalhar nesse dia, por outras palavras, não reputo ser legítima a proibição de abertura de estabelecimentos nos feriados religiosos. Cada indivíduo, por sua própria vontade, deveria possuir a faculdade de ir ou não trabalhar. Se não desejasse trabalhar, a postura legal lhe seria favorável (abono do dia por expressa determinação legal), se resolvesse ir trabalhar não estaria obrigado a obedecer uma postura válida para uma religião que não segue. Pode-se ir mais além nesse raciocínio. Qual é a lógica da proibição de abertura de estabelecimento aos domingos? Com certeza existe uma determinação religiosa por trás da lei que proibiu a abertura de estabelecimentos nos domingos (dia de descanso obrigatório para algumas religiões). Como ficam os adeptos de outras religiões que possuem o sábado como dia de descanso obrigatório (v.g., os judeus e os adventistas)? Dever-se-ia facultar aos estabelecimentos a abertura aos sábados ou aos domingos, sendo que a ratio legis estaria assim atendida, ou seja, possibilitar o descanso semanal remunerado.”
Para grande parte da doutrina, todavia, a oficialização de feriados religiosos é inconstitucional, por afrontar a liberdade religiosa daqueles que não professam a mesma religião em favor da qual o feriado foi instituído.
6.2.1 A Lei 9.093/95
A Lei 9.093, de 12 de setembro de 1995, é a que dispõe acerca dos feriados.
Segundo esse diploma legal[124]:
“Art. 1º São feriados civis:
I – os declarados em lei federal;
II – a data magna do Estado fixada em lei estadual.
III – os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal. (Inciso incluído pela Lei nº 9.335, de 10.12.1996)
Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.”
A Lei 662, de 6 de abril de 1949, e posteriores alterações, declara os feriados nacionais civis. São sete: 1º de janeiro (Dia da Confraternização Universal), 21 de abril (Dia de Tiradentes), 1º de maio (Dia do Trabalho), 7 de setembro (Dia da Independência do Brasil), 2 de novembro (Dia de Finados), 15 de novembro (Dia da Proclamação da República) e 25 de dezembro (Natal)[125].
Além dos sete feriados constantes na Lei 662/49, também é considerado feriado nacional o dia 12 de outubro, criado pela Lei 6.802, de 30 de junho de 1980, dedicado à Senhora Aparecida dos católicos. Dessa forma, são oito os feriados nacionais no Brasil.
Considerando a autorização legislativa geral contida no art. 2º da Lei 9.093/95 (acima transcrito), algumas comemorações religiosas podem ser fixadas como feriados por lei municipal, observado o limite máximo de 4 (quatro).
A sexta-feira da Semana Santa e o “Corpus Christi”, por exemplo, são feriados religiosos com datas móveis. No município de São Paulo, a Lei 14.485/07, que consolida a legislação referente a datas comemorativas, eventos e feriados, é que os prevê[126].
Os dias de Carnaval não estão incluídos dentre os feriados oficiais, sendo dias úteis para todos, estando os festejos carnavalescos somente incluídos no Calendário de Eventos da Cidade de São Paulo[127].
6.2.2 A Senhora Aparecida dos Católicos como Padroeira do Brasil (Lei 6.802/80)
Conforme exposto acima, a Lei 6.802/80 declara feriado nacional o dia 12 de outubro, consagrado à Senhora Aparecida dos católicos, tida como padroeira do Brasil.
Segundo o artigo 2º dessa lei, o dia 12 de outubro deve ser dedicado a culto público e oficial à mencionada entidade[128], contra o que protesta grande parte da doutrina.
De acordo com Danilo Gonçalves Montemurro[129]:
“Apesar de a referenciada lei ser inconstitucional e relacionar-se a culto bastante específico, possui caráter histórico e origina-se de religião que possui um grande número de seguidores (cerca de um terço da população), sendo sua revogação perigosa, podendo causar conflitos entre seus membros e o Estado, constituindo um assombroso pesadelo para aqueles que se preocupam com a interferência da Igreja no Estado democrático.
Data maxima venia às religiões, respectivos dogmas e membros, não se pode permitir que seu poder e seus ideais interfiram na administração pública, uma vez que a nação viraria um caos. Se erguermos uma estátua da imagem da Virgem de Nazaré com o dinheiro dos cofres públicos, teremos de construir a imagem de Iemanjá e a imagem de Buda e de muitos outros santos e deuses dos vários cultos religiosos existentes, assim como teriam de ser oficializados vários feriados em virtude de comemorações religiosas. Imaginemos se fosse oficializado o feriado muçulmano Ramadham: 30 dias de feriado seria inviável e impraticável para a economia do país.
De sorte que não é aceitável a interferência ou a influência, pelas várias religiões existentes no país. Não é admissível que o poder público interfira em algum culto religioso ou subvencione em nenhuma hipótese, evitando, assim, confundir Estado democrático com culto religioso.”
Renata Eiras dos Santos observa, com perspicácia, que, “se o Estado em seus três poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é leigo, como poderá a Administração Pública, através de lei, impor aos seus administrados o respeito a um feriado de cunho flagrantemente católico, como é o dia 12 de outubro (…)?”[130].
Fica a indagação.
Para eliminar qualquer resquício de inconstitucionalidade, Scherkerkewitz propõe o alargamento do “calendário de feriados e dias santificados para incluir as datas das maiores religiões existentes no nosso país e tornando estes feriados e dias santificados facultativos (no sentido de ser feita a opção entre ir trabalhar ou não)”.
Não concordamos com a proposta do autor. Na nossa opinião, a conseqüência lógica da laicidade do Estado deveria ser a eliminação da existência oficial de feriados religiosos.
6.3 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90[131]) elenca uma série de direitos dos quais as crianças e os adolescentes são portadores, dentre os quais se encontra o direito à liberdade de crença e de culto religioso (inciso III), como é possível verificar dos artigos 15 e 16 desse diploma legal:
“Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II – opinião e expressão;
III – crença e culto religioso;
IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;
V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI – participar da vida política, na forma da lei;
VII – buscar refúgio, auxílio e orientação.”
Assim, não bastasse a Constituição Federal já assegurar, em seu art. 5º, inciso VI, o direito de liberdade religiosa aos indivíduos em geral, o Estatuto da Criança e do Adolescente houve por bem refrisá-lo, tamanha a importância do tema.
6.4 O ESTATUTO DO IDOSO
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03[132]) também assegura à pessoa idosa a liberdade de crença e de culto religioso (inciso III), como é possível verificar no §1º do artigo 10 desse diploma legal:
“Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 1o O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos:
I – faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II – opinião e expressão;
III – crença e culto religioso;
IV – prática de esportes e de diversões;
V – participação na vida familiar e comunitária;
VI – participação na vida política, na forma da lei;
VII – faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação.
§ 2o O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.
§ 3o É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”
Tal como se deu com as crianças e com os adolescentes na Lei 8.069/90, o legislador ordinário entendeu importante ressaltar o direito de liberdade religiosa dos idosos, a despeito da previsão constitucional que já o assegura a todos (art. 5º, inciso VI).
6.5 PROTEÇÃO PENAL À LIBERDADE RELIGIOSA
Thiago Teraoka preleciona que “na legislação penal, há vários exemplos de artigos que pretendem conferir proteção penal ao exercício da liberdade religiosa”[133].
No Código Penal, por exemplo, verificamos o artigo 140, §3º, o artigo 149, §2º, inciso II, e o artigo 208[134]:
“Injúria
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena – reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO
Art. 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.”
De acordo com André Estefam, o §3º do artigo 140 do Código Penal cuida da injúria qualificada pelo preconceito, pois “a ofensa é ligada a elementos de preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”[135].
Quanto ao artigo 149, §2º, inciso II, Thiago Teraoka destaca que, no crime de “redução a condição análoga à de escravo”, há causa de aumento de pena “se o agente o cometer por motivo religioso”[136].
No que atine ao artigo 208 do Código Penal, Damásio Evangelista de Jesus explica que tal dispositivo legal protege “o sentimento religioso, independentemente da religião escolhida. De forma secundária, assegura-se a liberdade de culto”[137].
Ainda de acordo com Damásio, o artigo 208 do Código Penal “contém três figuras típicas: 1ª) escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; 2ª) impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; 3ª) vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”[138].
Na legislação penal especial também é possível encontrar outros dispositivos que revelam a preocupação do legislador de proteger a liberdade religiosa.
Conforme leciona Thiago Teraoka[139]:
“A Lei 4.898, de 09/12/1965, considera como abuso de autoridade qualquer atentado ao “livre exercício de culto religioso”. Porém, a abrangência da norma penal deve ser reduzida a ponto de proteger somente os cultos religiosos protegidos em definitivo pela liberdade religiosa, prevista constitucionalmente. É evidente, no entanto, que não deve ser considerado como abuso de autoridade impedir a realização de cultos religiosos, fora da proteção constitucional, como eventual reunião religiosa na qual pretenda oferecer sacrifícios humanos.
A Lei nº 7.716, de 05/01/1989, pretende criminalizar condutas que manifestem preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Nesse ponto, merece destaque o genérico artigo 20, que criminaliza a prática, a indução ou a incitação de discriminação ou preconceito.(…)
A Lei nº 2.889, de 01/10/1956, tipifica como genocídio algumas condutas praticadas com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso. O genocídio é mais abrangente do que o preconceito, e exige a intenção específica de destruir grupos homogêneos (nacional, étnico, racial ou religioso). “O ânimo do agente não é atingir determinada pessoa em razão do preconceito, mas destruir o grupo nacional, étnico, racial ou religioso.”
Teraoka também nos recorda de que há disposição específica que impõe sanção penal a quem escarneça de ritos religiosos indígenas[140]. Trata-se do inciso I do artigo 58 da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio)[141]:
“Art. 58. Constituem crimes contra os índios e a cultura indígena:
I – escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradição culturais indígenas, vilipendiá-los ou perturbar, de qualquer modo, a sua prática. Pena – detenção de um a três meses;
II – utilizar o índio ou comunidade indígena como objeto de propaganda turística ou de exibição para fins lucrativos. Pena – detenção de dois a seis meses;
III – propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais ou entre índios não integrados. Pena – detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. As penas estatuídas neste artigo são agravadas de um terço, quando o crime for praticado por funcionário ou empregado do órgão de assistência ao índio.”
Por fim, há, ainda, a Lei nº 11.343/2006[142], que dispõe acerca da proibição da plantação, cultivo e comercialização de plantas que podem ser utilizadas na produção de plantas psicotrópicas.
Thiago Teraoka ministra que referida lei estabelece como exceção as plantas de uso ritualístico-religioso. Conforme seu magistério, “a exceção da Lei nº 11.343/2006 e da Convenção de Viena são importantes ao exercício da liberdade religiosa”. O hinduísmo, por exemplo, é uma das seitas religiosas que utiliza drogas em seus rituais (a maconha)[143].
7 OUTRAS MANIFESTAÇÕES DA QUESTÃO DA LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL
7.1 A EXPRESSÃO “DEUS SEJA LOUVADO” NO DINHEIRO BRASILEIRO
Em conformidade com o que ensina Thiago Massao Cortizo Teraoka, “a referência ‘Deus seja louvado’ nas cédulas de Real não significa que o Estado brasileiro possa fazer apologia a crença religiosa”[144].
Segundo Teraoka[145],
“(…) a opção pela menção “Deus seja louvado”, nas notas de Real, é opção válida eleita pelo administrador, pois (i) o próprio preâmbulo da Constituição faz referência genérica a Deus; e (ii) na análise das cédulas de Real, percebe-se que não houve apologia a uma doutrina religiosa específica; a palavra “Deus” pode ser representativa de tantas crenças, que acaba esvaziando seu significado teológico específico.”
O autor em comento, contudo, entende que “qualquer referência a Deus, ainda que de forma genérica (‘Deus seja louvado’), em documentos públicos, poderia violar o direito de quem não acredita em qualquer religião”, motivo pelo qual tal referência deveria ser retirada de documentos públicos, como é o caso da moeda Real[146], opinião da qual partilho.
7.2 ATUAÇÃO DE BANCADAS RELIGIOSAS NA POLÍTICA
De acordo com Iso Chaitz Scherkerkewitz, “não existe nenhum empecilho constitucional à participação de membros religiosos no Governo ou na vida pública. O que não pode haver é uma relação de dependência ou de aliança com a entidade religiosa à qual a pessoa está vinculada”[147].
A Igreja do Evangelho Quadrangular, por exemplo, tem, na atual legislatura (2010-2014), membros na Câmara dos Deputados (Pastor Mário de Oliveira[148] e Pastor Jefferson Campos[149]) e na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Pastor Carlos Cezar[150]).
7.3 DIAS DE “YOM KIPUR”, “PESSACH” E “ROSH HASHANÁ” E PROFISSIONAIS JUDEUS
Valéria Gerber Mariscal aponta legislação que visa a tornar efetivo o direito à liberdade religiosa dos profissionais judeus. Trata-se da Lei 1.410, de 21 de junho de 1989, do Município do Rio de Janeiro, também conhecida como “Lei Gomlevky”, que dispensa os servidores do Poderes Legislativo e Executivo, da Administração direta e indireta, que professam a religião judaica, de assinar ponto nos dias determinados à observância de “Yom Kipur”, “Pessach” e “Rosh Hashaná”, e da Lei nº 2.874, de 19 de dezembro de 1997, do Estado do Rio de Janeiro, que autoriza o Poder Executivo estadual a dispensar os funcionários que professam a religião judaica nos dias determinados à observância de “Yom Kipur”, “Pessach” e “Rosh Hashaná”[151].
Gabriela Rocha, jornalista do site Consultor Jurídico, também noticia interessante decisão do Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança nº 30.491, sobre o adiamento de audiências que coincidam com o feriado judaico do “Yom Kipur”[152]:
“Audiência no dia de feriado religioso pode ser adiada
O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a decisão do Conselho Nacional de Justiça que cassou a recomendação, do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de que juízes acolham pedidos de adiamento para as audiências que recaiam no feriado judaico do Yom Kipur (dia do perdão).
Segundo o ministro, o ato do TJ-RJ, que só permite o adiamento que não prejudicar as partes, foi mera recomendação aos juízes e respeitou o princípio constitucional básico de respeito à crença religiosa. “Em momento algum, adentrou a seara da normatização. Interpretou, sim, a Constituição Federal e, sem discrepar da razoabilidade, sopesando valores caros em um Estado Democrático de Direito”.
Marco Aurélio considerou que “ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. A atuação do Conselho Nacional de Justiça limita-se ao âmbito administrativo e deve ser conciliada com a citada independência. A realização, ou não, de audiência circunscreve-se ao campo jurisdicional”.
Segundo Fernando Lottenberg, advogado e secretário-geral da Confederação Israelita do Brasil Conib, o ministro Marco Aurélio demonstrou sensibilidade para com o assunto, respeitando, ao mesmo tempo, os princípios constitucionais e as prerrogativas do CNJ.
Falta de competência
O Mandado de Segurança no qual a medida cautelar foi concedida pelo ministro foi apresentada pela Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro e pela Associação Nacional de Advogados e Juristas Brasil-Israel.
O ato do TJ-RJ foi publicado no Diário Oficial do Estado em 4 de abril de 2006, nos seguintes termos:
Por unanimidade, deliberou o Conselho da Magistratura em recomendar aos Excelentíssimos Senhores Juízes de Direito, em atuação no 1º Grau de Jurisdição, no sentido de, mediante prévio requerimento dos advogados de fé mosaica, sem prejuízo às partes, recolhidas as custas que forem devidas para eventuais intimações, acolher pedidos de adiamento ou de designação de nova data para as audiências que recaiam no feriado religioso do ‘Yom Kipur’ (Dia do Perdão).
Em 23 de novembro de 2010, o CNJ entendeu que o conteúdo da recomendação só poderia ter sido editado em lei federal, “pois o conteúdo normativo atinge a ordem processual”.
O Conselho considerou que “a recomendação é ato normativo com certo grau de cogência, pois, nos casos em que o juiz admita terem sido preenchidos os pressupostos fáticos e jurídicos para sua aplicação, o seu descumprimento sistemático e ostensivo poderá dar ensejo a sanções”.
7.4 CONCURSOS PÚBLICOS E VESTIBULARES X ADVENTISTAS DE SÉTIMO DIA
Fábio Dantas de Oliveira nos traz mais um exemplo de incidência do princípio da liberdade religiosa[153]:
“Outro exemplo de invocação do princípio da liberdade religiosa foi a controvérsia acerca da possibilidade de candidato a concurso público, em razão de ser membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, ter como justificada sua ausência no dia de sábado, em curso de formação. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios julgou procedente a ação judicial em favor de candidato, sob o argumento de que o texto constitucional respalda todas as crenças, consagrando o Estado Democrático de Direito com sua máxima liberdade religiosa”.
O Supremo Tribunal Federal também noticiou que analisará a possibilidade de mudança da data de concurso por crença religiosa[154]:
“Mudança de data de concurso por crença religiosa será analisada em repercussão geral
Assunto tratado no Recurso Extraordinário (RE) 611874 interposto pela União teve manifestação favorável do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à repercussão geral. O Plenário Virtual da Corte, por votação unânime, considerou que o caso extrapola os interesses subjetivos das partes, uma vez que trata da possibilidade de alteração de data e horário em concurso público para candidato adventista.
O caso
O caso diz respeito à análise de um mandado de segurança, pela Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que entendeu que candidato adventista pode alterar data ou horário de prova estabelecido no calendário de concurso público, contanto que não haja mudança no cronograma do certame, nem prejuízo de espécie alguma à atividade administrativa. O TRF1 concedeu a ordem por entender que o deferimento do pedido atendia à finalidade pública de recrutar os candidatos mais bem preparados para o cargo. Essa é a decisão questionada pela União perante o Supremo.
Natural de Marabá (PA), o candidato se inscreveu em concurso público para provimento de vaga no TRF-1. Ele foi aprovado em primeiro lugar na prova objetiva para o cargo de técnico judiciário, especialidade segurança e transporte, classificado para Rio Branco, no Estado do Acre.
Ao obter aprovação na prova objetiva, o impetrante se habilitou para a realização da prova prática de capacidade física que, conforme edital de convocação, deveria ser realizada nos dias: 22 de setembro de 2007 (sábado) nas cidades de Brasília (DF), Salvador (BA), Goiânia (GO), São Luís (MA), Belo Horizonte (MG) e Teresina (PI); 29 de setembro de 2007 (sábado) nas cidades de Rio Branco (AC), Macapá (AP), Cuiabá (MT), Belém (PA), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR) e Palmas (TO); e 30 de setembro de 2007 (domingo) para as provas em Manaus (AM).
Desde a divulgação do Edital de Convocação para as provas práticas, o candidato tenta junto à organizadora do concurso – Fundação Carlos Chagas – obter autorização para realizar a prova prática no domingo (30/09/2007), mas não teve sucesso. Por email, a Fundação afirmou que não há aplicação fora do dia e local determinados em edital.
Com base nesta resposta, o candidato impetrou mandado de segurança e entendeu que seu direito de liberdade de consciência e crença religiosa, assegurados pela Constituição Federal (artigo 5°, incisos VI e VIII), “foram sumariamente desconsiderados e, consequentemente, sua participação no exame de capacidade física do concurso está ameaçada, fato que culminará com a exclusão do Impetrante do certame e o prejudicará imensamente”.
Segundo ele, o caso tem causado um grande transtorno, uma vez que professa o Cristianismo sendo membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, instituição religiosa que determina guardar o sábado para atividades ligadas à Bíblia.
Por meio do recurso extraordinário, a União sustenta que há repercussão geral da matéria por esta se tratar de interpretação do princípio da igualdade (artigo 5º, caput, da Constituição Federal) em comparação com a norma do mesmo artigo (inciso VIII) que proíbe a privação de direitos por motivo de crença religiosa. Para a autora, as atividades administrativas, desenvolvidas com o objetivo de prover os cargos públicos, não podem estar condicionadas às crenças dos interessados.
Repercussão
De acordo com o ministro Dias Toffoli, relator do RE, a questão apresenta densidade constitucional e extrapola os interesses subjetivos das partes, sendo relevante para todas as esferas da Administração Pública, que estão sujeitas a lidar com situações semelhantes ou idênticas.
“Cuida-se, assim, de discussão que tem o potencial de repetir-se em inúmeros processos, visto ser provável que sejam realizadas etapas de concursos públicos em dias considerados sagrados para determinados credos religiosos, o que impediria, em tese, os seus seguidores a efetuar a prova na data estipulada”, afirma Toffoli.”
Valéria Gerber Mariscal também nos alerta para atuações positivas do Poder Público no sentido de efetivar o direito à liberdade religiosa. São exemplos de tais atuações: a Lei nº 1.631/2006, do Estado de Rondônia, que determina que as provas de concursos públicos e exames vestibulares, em todo o Estado, sejam aplicados de domingo à sexta-feira entre 8 (oito) e 18 (dezoito) horas, e a Lei nº 73/2006, do município de Manaus, que estabelece períodos para os concursos, vestibulares e também o abono de faltas para os alunos que guardam o sábado[155].
8 CONCLUSÃO
O Brasil é um estado teoricamente laico, onde, todavia, ocorrem situações que põem em xeque tal laicidade, como é o caso do uso de símbolos religiosos em locais públicos e dos feriados religiosos.
Como decorrência da laicidade estatal (ainda que questionável), a Constituição Federal de 1988 confere aos indivíduos o direito não absoluto à liberdade religiosa.
O direito à liberdade religiosa, por sua vez, é tema que tem muitos desdobramentos e cada um deles poderia, isoladamente, dar origem a uma monografia.
A amplitude do tema é tamanha que vários outros desdobramentos não foram abordados no presente trabalho, tais como o proselitismo religioso, o uso de documentos espirituais como prova nos processos judiciais, os juramentos religiosos, a privacidade em matéria religiosa, o estatuto jurídico dos ministros religiosos, dentre outros.
Optamos por não abordar tais questões porque, além de não ser possível esgotar o assunto em um trabalho de conclusão de curso, também tivemos a intenção de deixar o leitor com o desejo de buscar outras fontes de estudo para se aprofundar mais no assunto.
advogada e professora plantonista da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG), bacharel em Direito graduada pela PUC/SP e pós-graduada em Processo Civil, também pela PUC/SP. Especialista em Direito Público e em “Grandes Transformações do Processo” pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Licenciada em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu.Teóloga
Acidentes de trânsito podem resultar em diversos tipos de prejuízos, desde danos materiais até traumas…
Bloqueios de óbitos em veículos são uma medida administrativa aplicada quando o proprietário de um…
Acidentes de trânsito são situações que podem gerar consequências graves para os envolvidos, tanto no…
O Registro Nacional de Veículos Automotores Judicial (RENAJUD) é um sistema eletrônico que conecta o…
Manter o veículo em conformidade com as exigências legais é essencial para garantir a sua…
Os bloqueios veiculares são medidas administrativas ou judiciais aplicadas a veículos para restringir ou impedir…