A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao elevar a Dignidade da Pessoa Humana como princípio fundamental, aliada a previsão de que o Brasil rege-se em suas relações internacionais, entre outros, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, consagrou a dignidade humana como princípio norteador de toda a interpretação constitucional, restando evidente a intenção do constituinte originário de inserir o país no contexto da proteção dos direitos humanos fundamentais, garantindo plena eficácia a tais normas.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal desde 1977 entendia que os tratados, independentemente do assunto que versassem, ingressavam em nosso ordenamento jurídico guardando paridade normativa com as leis ordinárias. Tal entendimento tinha como base o fato de que a Constituição não havia conferido de modo explícito, a primazia dos tratados internacionais sobre o direito interno. Assim, em caso de eventual conflito entre tratados internacionais, de qualquer natureza, com leis infraconstitucionais, tinha-se como regra para a solução do embróglio, a aplicação do critério cronológico lex posterior derogat priori.
Assim, parte do STF e da doutrina defendia o status paritário das normas ordinárias com os tratados internacionais, tendo como argumento que a regra contida no art. 5º, § 2º da Constituição, acolheu os direitos decorrentes dos tratados internacionais protetivos da pessoa, mas não na condição de normas constitucionais, possuindo tão somente o status de normas ordinárias.
Por outro lado, havia grande esforço da vertente doutrinária que sustentava o status constitucional das normas provenientes de tratados internacionais de proteção aos direitos humanos e argumentando que estas ingressavam em nosso ordenamento jurídico interno, por força do art. 5º, § 2º da Constituição, que como cláusula aberta permitiria a incorporação de tais normas em nosso ordenamento jurídico constitucional, dado o caráter material de suas normas. Por serem consideradas direitos fundamentais, tais normas, ainda teriam aplicação imediata nos exatos termos do art. 5º, § 1º, desde a ratificação do tratado.
No caso de conflito das normas convencionais com o texto da Constituição, deveria prevalecer a norma que melhor protegesse os interesses da vítima, seguindo o princípio da primazia da norma mais favorável à pessoa humana.
Com o decorrer dos anos e da evolução do conceito de soberania flexível, juízes e Tribunais brasileiros começaram a reconhecer a hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, diferentemente dos Tribunais Superiores que continuavam a negar aos tratados internacionais de direitos humanos seu status constitucional, exagerando no formalismo jurídico ao analisar o § 2° do art. 5° de maneira extremamente restrita.
Para solucionar essa celeuma, o constituinte derivado introduziu, em dezembro de 2004, o § 3º ao art. 5º e que dispõem que os tratados internacionais de direitos humanos serão equivalentes às emendas constitucionais, desde que sejam aprovados em dois turnos, por 3/5 dos respectivos membros, nas duas Casas do Congresso Nacional.
Tal inovação além de não resolver a discussão acerca da hierarquia dos tratados de direitos humanos no ordenamento pátrio, mostrou o despreparo do legislador frente ao direito internacional, uma vez que a referida emenda, que tinha o objetivo de reafirmar a prevalência dos direitos humanos no ordenamento brasileiro, acabou por dificultar a incorporação formal desses tratados no ordenamento pátrio, uma vez que a incorporação material sempre foi possível de acordo com o art. 5º, § 2º da Constituição, sendo, além de ser completamente omissa quanto aos tratados ratificados anteriores à emenda, não afirmando qual o seu status no ordenamento pátrio.
Posteriormente à emenda e diante da impossibilidade de continuar mantendo o status infraconstitucional dos tratados que versam sobre direitos humanos e que não observaram o quorum qualificado previsto no § 3º do art. 5º, o Supremo Tribunal Federal conferiu a posição hierárquica de supralegalidade para as referidas normas, dispondo que estas estariam acima da legislação ordinária e abaixo da Constituição, demonstrancdo, a passos lentos ainda, o inegável valor e importância dos tratados de direitos humanos por parte do Supremo Tribunal Federal.
No entanto, da leitura que se faz dos §§ 2º e 3º do art. 5º CR/88, decorre o entendimento de que os tratados comerciais sempre terão paridade com as normas ordinárias, enquanto os tratados que tratam sobre os direitos humanos terão status de norma constitucional ou supralegal, mas, sempre serão materialmente constitucionais.
Os tratados que observarem o quorum qualificado, por discricionariedade do Congresso Nacional, integrarão ao ordenamento jurídico como materialmente e formalmente constitucionais e equivalerão às emendas constitucionais. Possuindo o status de emendas constitucionais, as normas decorrentes de tratados de direitos humanos não poderão ser passíveis de denúncia nem mesmo quando observado o quorum qualificado pelo Congresso Nacional, uma vez que essas normas, por tratarem de direitos humanos fundamentais, ingressam no ordenamento jurídico como cláusulas pétreas. Já as outras normas de tratados que não observaram o quorum qualificado, serão materialmente constitucionais apesar de possuir status de norma supralegal.
Assim, resta a ser pacificado somente o entendimento dos tratados de direitos humanos ratificados antes das EC nº. 45/04, que observaram o quorum exigido pela emenda, a fim de que lhes seja conferido o caráter material e formal de normas constitucionais, demonstrando o entendimento evoluído e voltado aos valores da Dignidade da Pessoa Humana que espera ser exercido, principalmente, em nossos tribunais superiores, deixando apra trás o velho Estado de Direito Positivista e caminhar para o Estado Constitucional e Humanitário de Direito.
Bacharel pela FADIPEL Advogada da empresa RT Advocacia.
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