Coube a obra de Büllow hoje sem atualidade, escrever e, finalmente firmar a certidão de nascimento da ciência processual onde se procurou obter a superação do empirismo.
A partir da segunda metade do século XIX coube ao alemão Adolf Wach a partir da ação meramente declaratória, a de Degenkolb e ao húngaro Plosz promover a autonomia da ação em face do direito subjetivo material consagrando a ação como direito abstrato.
Já os compêndios de Hellwig, de Kohler, de Stein e do austríaco Fritz Klein já preconizando as raízes éticas defender um processo justo e équo, erigido como autêntico instrumento de justiça.
No século XX destaca-se o alemão James Goldschmidt que é responsável pela teoria do processo como situação jurídica em crítica à teoria da relação jurídica processual.
Apesar de acolher pouca aceitação da doutrina em geral, a obra notabilizou-se pelo intenso vigor científico, principalmente pela sistematização dos ônus processuais como categoria distinta dos deveres e das obrigações, e criou o direito justicial material.
Prosseguindo entre os germânicos temos Leo Rosenberg, Adolf Schönke, Ernest Heinitz, Friedrich Lent e Karl Heinz Schwab sendo este último um continuador da obra de Rosenberg, tendo realiza monografia com grande riqueza doutrinária acerca do tema do objeto do processo.
Heinitz também escreve relevante monografia sobre a causa petendi e as duas vertentes de sua teoria (individuação e substanciação).Os processualistas alemães enfatizam muito o tema do objeto do processo, tendo sido os primeiros a desbravar o conceito de ação, hoje, contudo, preferindo estudar a demanda ou o direito de demandar.
Entre os italianos do séc. XIX destaca-se Ludovico Mortara apesar de não mergulharem, no segundo período metodológico do direito processual. Ergue-se a escola italiana de direito processual no início do século XX com a grandiosa obra de Guiseppe Chiovenda, profundo romanista e conhecedor da doutrina alemã.
Uma dos principais escritos de Chiovenda teve o objetivo de enfatizar a relevância das raízes romano-germânicas do processo civil moderno, cujo bom entendimento é indispensável para se entender a ordem sistemática processual.
É através de sua monografia “La condanna nelle spese giudiziali” é que abriu caminho para a justificativa da condenação do vencido a pagar as custas processuais e honorárias advocatícios do vencedor é a relação de causalidade entre a conduta (resistência à pretensão). E, não a sucumbência em si mesma.
Chiovenda destacou ainda a ação no direito processual, defendendo-a como direito concreto e atribuindo-lhe a natureza de direito potestativo. Deve-se ainda a esse doutrinador muitas formulações definitivas principalmente em prol da efetividade do processo que constitui o slogan da escola instrumentalista: “uma medida do que for praticamente possível, o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter”.
O pensamento chiovendiano teve continuadores através de dois notáveis discípulos que muito lecionaram nas universidades italianas (Calamandrei e Liebman).
São preciosas lições de Chiovenda que continuam atuais e úteis:
a) na sentença que julga procedente a demanda deve dar ao autor a mesma situação que daria se tivesse sido proferida no próprio momento em que aquela foi proposta;
b) o causador da necessidade de se instaurar o processo (o que chamamos de parte sucumbente) é quem deve arcar com as despesas processuais.
Tais lições espelham bem a preocupação pela inteireza da tutela jurisdicional.
Piero Calamandrei fundou em Florença sua escola e semeou raízes do pensamento político do processo, e teve grandes discípulos como Mauro Cappelletti.
Calamandrei se mostrou atento aos valores éticos da sociedade e do direito, sublinhando a angústia dos litigantes e os deveres do juiz perante estes.
Cândido Rangel Dinamarco aponta e recomenda como interessante leitura suas jocosas sátiras à figura do juiz num artigo intitulado: “Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados”.
Ressalta ainda Calamandrei fora extremamente fiel a Chiovenda, sustentando a ação como direito concreto. Em Milão, Eurico Tullio Liebman foi grande criador de uma escola que ainda hoje ali vive na obra e nos ensinamentos de seus discípulos.
Liebman desenvolveu a própria teoria da ação como direito ao provimento de mérito e da execução como sanção ao devedor inadimplente. É bom lembrar que Liebman foi aluno de Chiovenda na Universidade de Roma e, teve como marco fundamental em sua obra a teoria da coisa julgada como autoridade dos efeitos da sentença. Também escreveu sobre o processo de execução.
Contemporâneo de Chiovenda e um de seus discípulos foi Francesco Carnelutti criador da teoria da lide como centro do sistema processual.
Com esta proposta Carnelutti conseguiu deixar de lado o estudo da ação e de suas condições. Mais tarde, o mesmo doutrinador chegou a renunciar o conceito de interesse de agir como condição da ação.
Em sua monografia “La prova civile” representa o estudo mais importante sobre o tema e, ainda escreveu “La sentenza condizionale”.
Carnelutti era um eterno insatisfeito, criticando continuamente e revendo muitas vezes seus próprios conceitos. Travou acirradas polêmicas com Liebman e Tullio Ascarelli.
Escreveu ainda comovente despedida onde se desculpa por seu temperamento contundente. Carnelutti também se manifestou sobre o direito processual penal e, se enredou em abordagens filosóficas de temas do processo em geral e de teoria geral do direito.
Outro italiano que merece destaque é Alfredo Rocco que escreveu: ”A sentença civil” e um estudo sistemático sobre a falência, sendo fervoroso defensor da teoria da ação como direito abstrato de agir.
Temos também Francesco Menestrina que ofereceu conceitos definitivos sobre prejudicialidade e, se dedicou ao estudo da execução forçada. Enrico Redenti fez preciosas contribuições sobre o litisconsórcio necessário e erigiu a tese da jurisdição como atividade produtiva de sanções.
Emilio Betti que também escreveu sobre direito privado e a clássica “Teoria Geral do negócio jurídico” que defendeu o regime totalitário de Mussolini.
No modelo do processo civil vigente percebem-se significativas mudanças legislativas iniciadas em 1984 mediante a Lei das Pequenas Causas tendo sido precedida com a intensa atividade doutrinária.
A primeira tendência é a absorção de maiores conhecimentos e institutos típicos do sistema da common law. O sistema brasileiro integrado na cultura processual européia – continental sob a influência das lições lusitanas antigas, e, depois, dos italianos e alemães o processualista brasileiro concretiza novas soluções que minimizam os dogmas e, pautam-se pelo pragmatismo de outros conceitos e outras estruturas.
O interesse no sistema da common law foi incentivado pelo estudioso italiano Mauro Cappelletti e Michele Taruffo que desenvolveram intensa cooperação com as universidades norte-americanas.
Também os congressos patrocinados pela Associação Internacional de Direito Processual contam com a participação de processualistas de duas ou mais famílias jurídicas.
Dinamarco aponta que há o que aprender com a experiência americana das class actions e de muitas das soluções de common law. Praticam os norte-americanos a chamada Discovery (descoberta) que é quase uma devassa nas provas disponíveis e inclui o rigoroso e solene dever de dizer a verdade, sob pena de pesadas sanções.
Dá-se um valor vinculante aos holdings que são máximas jurídicas fixadas por sentenças judiciárias (stare decsis).
É pressuposto político para controle das atividades do juiz a exigência constitucional de motivação das sentenças e demais atos jurisdicionais (art.93, IX da CF de 1988).
A regra do livre convencimento dá o juiz a prerrogativa de valorar elementos probatórios do processo. Também dita a lei ordinária a tríplice estrutura das sentenças: relatório – motivação – dispositivo conforme o art. 458 do CPC, que é também aplicável em sentença arbitral.
O art. 131 do CPC ao fixar a regra do livre convencimento recomenda que este se forma baseado nos elementos de prova existentes nos autos.
Tal exigência de coerência na motivação, sem a qual a sentença é irregular e nula. Também se exige que a motivação seja completa, deve abordar todos os pontos essenciais de maneira que a sentença mostre o porquê o julgador tomou determinada decisão.
Mauro Cappelletti fundou nova escola e foi defensor da efetividade do processo e lançou inúmeros ensaios que devem estar presentes em toda boa bibliografia de processo civil moderno.
É conhecidíssima a coletânea composta de vários estudos chamada de “Processo e ideologia”.
Temos na península ibérica Jaime Guasp, Leonardo Prieto Castro Fernandiz, além de José Alberto dos Reis, João de castro Mendes, Arthur Anselmo de Castro, Manuel de Almeida e Sousa (o Lobão), Silvestre Gomes de Morais, Leite Velho, Pereira e Sousa e Correa Teles.
Temos também o doutrinador uruguaio Eduardo Juan Couture que seria uma alma gêmea de Piero Calamandrei que tanto disseminou as suas preocupações com o sentimento de justiça que deve nortear as leis e a prática do processo civil.
Deve-se a continuação do trabalho doutrinário de Couture a Enrique Véscovi, Adolfo Gelsi Bidart, Ângelo Landoni Sosa, Luis Torello Giordano, James Greiff, Dante Barrios de Angelis e Pedro Bertolino.
Entre os colombianos temos Hernando Devis Echandia e Jairo Parra Quintano (especialmente sobre temas probatórios), o chileno Raul Tavolari Oliveiros, dos exicanos Niceto alcalá-Zamora y Castillo e Hector Fix-Zamudio.
No Brasil despontamos com Francisco de Paula Baptista, João Mendes Junior e a nova escola de João Monteiro, Manuel Aureliano Gusmão, Estevam de Almeida, Joaquim Ignácio de Ramalho (o Barão de Ramalho) todos da Faculdade de Direito de São Paulo.
Na década de 40 subiu à cátedra em SP Gabriel José Rezende Filho e, registramos a presença de Machado Guimarães, Amílcar Castro e Pontes de Miranda.
Com a chegada de Enrico Tullio Liebman com sua enorme bagagem cultural e propostas modernizadoras para o processo, se destacaram Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Alfredo Buzaid, José Frederico Marques, Moacyr Amaral Santos.
Luís Machado Guimarães lecionou na Universidade Federal do Distrito federal (naquela época Rio de Janeiro) escreveu textos sobre o litisconsórcio e tentou decifrar o real significado do vocábulo “instância”, bem realizou estudo sobre o efeito preclusivo da coisa julgada.
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda com seu admirável saber enciclopédico escreveu Tratado de Direito Privado e,ainda comentários ao Código de Processo Civil de 1939 e, ainda Tratado da ação rescisória, das sentenças e de outras decisões e, ainda, o Tratado das ações.
Germanista convicto, Pontes de Miranda através de Georg Kuttner gerou a concepção das ações mandamentais. Observa-se que na bibliografia pontiana são poucas as referências brasileiras citadas, mas entre estas, encontra-se “A coisa julgada” de Manoel Aureliano de Gusmão editada em 1922.
Machado Guimarães e Gabriel Rezende Filho consagraram dois períodos distintos do processo civil brasileiro e, foram influenciados pelas doutrinas de Chiovenda e Carnelutti e, ainda por alemães principalmente no estudo das condições da ação da relação jurídica processual e os pressupostos processuais.
Com a definitiva autonomia científica do direito processual civil, com a absorção dos elementos da verdadeira ciência processual, Liebman chegou logo no início da vigência do primeiro CPC de 1939 e, trazido a lecionar na Faculdade de direito de São Paulo.
Quando aqui chegou o ilustre doutrinador italiano já havia escrito dois de seus principais livros e, através da convivência com brasileiros, redigiu notas à tradução brasileira das “Instituições de direito processual” de Guiseppe Chiovenda.
Liebman inaugurou o movimento denominado Escola Processual de São Paulo além da revista de direito processual civil que se tornou realidade em 1960 e, infelizmente durou muito pouco, e só publicou parcos seus números.
Entre os discípulos de Liebman tornaram-se professores da Faculdade do Largo de São Francisco como Alfredo Buzaid e Luís Eulálio de Bueno Vidigal, enquanto que José Frederico Marques veio a lecionar na PUC-SP juntamente com Bruno Afonso de André.
Entre os dedicados estudantes, cinco vieram a tornarem-se professores titulares no Largo do S. Francisco, a saber: Manoel Gonçalves Ferreira filho, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Junqueira de Azevedo, Ivete Senise Ferreira, Cândido Rangel Dinamarco e, receberam logicamente enorme influência do mestre Vidigal, José Ignácio Botelho de Mesquita, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Rogério Lauria Tucci e Kazuo Watanabe.
Mais tarde, Alfredo Buzaid veio a redigir o atual CPC onde se observa a presença da teoria carneluttiana da lide, a sistematização dos pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito (tema em que foi pioneiro na doutrina nacional).
José Frederico Marques também doutrinador festejado foi magistrado e se aposentou como desembargador do TJ de São Paulo. Moacyr Amaral Santos de grande mérito didático também muito colaborou para o desenvolvimento do direito processual civil brasileiro.
Após 1984, percebemos a introdução de várias leis esparsas que trouxeram significativas evoluções do direito processual, como a Lei das Pequenas causas, a Lei de ação Pública, além da CF de 1988, o CDC de 1990 e, por fim, a Reforma do CPC (1994/1995). E, mais recentemente as reformas de 2005, 2006 e 2007.
Há outros doutrinadores de renome como Galeno Lacerda (RS), José Joaquim Calmon de Passos (BA), Egas Dirceu Moniz de Aragão (PR) e Celso Neves (SP). Na década de 80 ganhou notoriedade nacional o movimento chamado direito alternativo promovido por juízes do RS com a busca da efetividade da justiça, mesmo contrariando o direito positivo.
Podemos também citar nomes como Alexandre Freitas Câmara, Humberto Theodoro Junior, José Carlos Barbosa Moreira, Luiz Fux e Antonio Carlos Marcato.
O direito processual civil brasileiro além de ser altamente reformável tem se lançado numa busca constante de maior efetividade e celeridade processual, lutando contra o formalismo exacerbado e os entraves de natureza meramente processual a bem do princípio da instrumentalidade das formas e da razoabilidade.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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