Breves apontamentos acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e o art. 50 do Código Civil

Resumo: O presente artigo pretende discorrer acerca do surgimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tanto nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, isto é,  no sistemas de “common law” e nos da família romano-germânica, para, posteriormente, analisarmos o instituto no direito pátrio. Finalmente, discorreremos sobre os pressupostos para a aplicação da disregard doctrine, mormente com ênfase no art. 50 do Código Civil, tudo com o objetivo de se encontrar critérios objetivos que visem preservar a empresa enquanto promotora do desenvolvimento econômico.


Palavras-chave: desconsideração da personalidade jurídica; direito comparado; pressupostos; abuso de direito; desvio de finalidade; confusão patrimonial.


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Sumário:  Introdução; 1. Da desconsideração da personalidade jurídica; 2. Disregard doctrine no ordenamento jurídico brasileiro; 3. Pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica segundo o art. 50, do Código Civil; 3.1. Abuso de direito; 3.2 Desvio de finalidade; 3.3. Confusão patrimonial; Conclusão; Referencias bibliográficas.


Introdução


Antes de mais nada, é importante que fique claro que o objetivo deste artigo não é desacreditar o instituto da pessoa jurídica, que representa instrumento legítimo para a consecução de interesses das mais diversas ordens e que possibilita a limitação da responsabilidade dos sócios, sem a qual dificilmente os particulares se animariam a empreender esforços e capitais em atividades de risco, extremamente necessárias ao progresso dos povos.


Assim, presentes os pressupostos da desconsideração, notadamente a fraude, que tende a crescer, conforme a economia se torna mais globalizada, é mister, para a proteção do instituto da pessoa jurídica que os estudiosos das Ciências Jurídicas debrucem-se sobre o tema, a fim de procurar soluções para sua eficaz aplicação.


O presente estudo pretende, pois, analizar a teoria da desconsideração no Brasil principalmente sob o prisma do atual Código Civil, mas antes de tudo, pretende estudar esse importante instituto à luz do direito extrangeiro e analisar sua evolução doutrinária dentro do direito pátrio.


1. Da desconsideração da personalidade jurídica


Historicamente, Rolf Serick e Piero Verrucoli foram os primeiros e mais significativos doutrinadores a enfrentarem o problema da desconsideração da personalidade jurídica.


Embora tenha tido sua gênese no sistema anglo-americano, foi o alemão Serick o principal sistematizador dessa teoria, definindo os parâmetros de sua aplicação baseando-se na jurisprudência norte-americana.[1]


Na Alemanha o tema é objeto de controvérsias até o presente momento. Várias são as correntes no direito germânico que buscam fundamentação metodológica sólida ou uma solução casuística para situações relacionadas ao assunto, as quais vão desde a justificação para a desconsideração em casos excepcionais de abuso ou fraude de um sócio ou de uma controladora, apresentando-se ainda como uma forma de aplicação direta de responsabilidade do sujeito que pratica o ilícito, sem apelo à desconsideração em si, até combinações das duas alternativas anteriores, consistindo a corrente dominante na doutrina.[2]


Já o italiano Verrucoli concentrou seus esforços num estudo comparativo entre os sistemas de common law e civil law, mormente no que dizia respeito às sociedades de capitais. Observando, portanto, um problema já exaustivamente debatido na Alemanha, o autor dizia que, nas hipóteses de fraude à lei e fraude ao contrato, para que se pudesse falar em superamento, primeiramente era necessária a verificação da existência do elemento “intenção” – teoria subjetiva. Já nas hipóteses de prejuízo de terceiros por causas anteriores, dispensava-se o elemento intencional, bastando o fato objetivo do prejuízo – teoria objetiva.[3]


No Brasil, o pioneiro a tratar do tema foi Rubens Requião que, ao analisar os trabalhos de Serick e Verrucoli, observou que se a pessoa jurídica não podia ser confundida com as pessoas naturais que a compunham e se o patrimônio da sociedade personalizada era autônomo, seria então relativamente fácil burlar o direito dos credores do sócio, transferindo-se previamente para a sociedade todos os seus bens. A partir do momento em que tal sociedade permanecesse sob o controle desse sócio, não haveria inconveniente ou prejuízo para este que o seu patrimônio fosse administrado por aquela, de forma que assim estaria resguardado das investidas judiciais de seus credores.


Outro nome que deve ser lembrado é o de Fábio Konder Comparato, que defendeu tese na qual abordava o tema da desconsideração da personalidade jurídica em concurso acadêmico para a cátedra de Direito Comercial na Universidade de São Paulo. A obra foi posteriormente publicada sob o título O Poder de Controle na Sociedade Anônima, em 1976.


Advém da obra em referência a formulação da teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica a qual, em linhas gerais, tem como pressuposto a confusão patrimonial. Todavia, cabe destacar que essa abordagem não esgota as hipóteses em que é aplicável a disregard of legal entity, haja vista que nem todas as fraudes traduzem uma confusão patrimonial.[4]


Por fim, não se pode ser esquecer Fabio Ulhoa Coelho pois, assim como fez Requião, tomou como ponto de partida as obras de Serick e Verrucoli, contribuindo para o debate com a formulação de duas teorias conhecidas como teoria maior e teoria menor.


O princípio da autonomia patrimonial, consagrado pela formulação originária de Serick da disregard doctrine, está intimamente relacionado à teoria maior, com a qual se objetiva preservar o instituto da pessoa jurídica e que só deve ser aplicada em caráter excepcional e episódico, sendo injustificável sua utilização em razão apenas da tem como pressuposto para o afastamento da autonomia patrimonial da sociedade empresária o uso fraudulento e abusivo do instituto. Trata-se, portanto, de uma formulação subjetiva, destacando o intuito do sócio administrador voltado à frustração de legítimo interesse do credor.[5]


Ainda segundo Fabio Ulhoa Coelho, a teoria menor tem como único pressuposto o desatendimento de crédito titularizado perante a sociedade, em razão da insolvabilidade desta.


Dessa forma, se a sociedade não possui ativos, basta que seu sócio seja solvente para poder ser responsabilizado pelas obrigações sociais, independentemente de a pessoa jurídica ter sido ou não usada de maneira fraudulenta, ou, ainda, de ter havido ou não abuso de forma.[6]


2. Disregard doctrine no ordenamento jurídico brasileiro


Clóvis Ramalhete afirma que há quem sustente que desde 1943 já constava do ordenamento jurídico brasileiro previsão legal para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.[7]


A previsão estaria na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que em seu art. 2º traz disposição que estende o conceito de empregador, abrangendo a noção de empresa e de grupos econômicos, atribuindo às diversas entidades que deles façam parte a responsabilidade solidária pelas obrigações oriundas dos contratos de trabalho.[8]


Por este prisma, os grupos societários, tanto o de fato como o de direito, estariam sendo tratados pelo Direito do Trabalho como se fossem uma única e mesma pessoa e, logo, estender-se-iam além dos limites de uma determinada pessoa jurídica os efeitos de certa relação empregatícia.[9]


Assim, ensina Marçal Justen Filho:[10]


“[…] a desconsideração da personalidade jurídica, no direito do trabalho, tem por pressuposto a verificação de um sacrifício de faculdade assegurada ao trabalhador. Ou seja, não é que se ignore o conceito de “pessoa jurídica” no direito do trabalho. Não se postula a inexistência dessa categoria perante tal ramo. O que se conclui é que basta a possibilidade do sacrifício de uma faculdade assegurada pelo trabalhador para que se produza a desconsideração. Enquanto inocorrente o sacrifício, a personificação é plenamente eficaz. Assim, por exemplo, se o trabalhador recebe devidamente seu salário e tem atendidos os seus direitos trabalhistas pela pessoa jurídica, não se cogita de desconsideração.” (destaques não constantes do original)


Por outro lado, também é forte o entendimento de que o art. 2º, § 2º, da CLT, não é uma hipótese de incidência da teoria da desconsideração, já que a solidariedade entre as empresas integrantes de um mesmo grupo econômico não decorre da ilicitude, mas apenas um caso de responsabilidade solidária.[11]


De qualquer forma, hodiernamente a desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Trabalho tem sido aplicada pelos juízes de forma ampla, tanto em hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, como em casos de violação da lei ou do contrato, ou, ainda, na ocorrência de fraude e, inclusive, na hipótese de insuficiência de bens da sociedade, adotando a regra do art. 28, do Código de Defesa do Consumidor.[12]


Outro dispositivo que por muito tempo foi considerado por vários doutrinadores brasileiros como uma hipótese de positivação da disregard doctrine é o art. 135, III, do Código Tributário Nacional.[13]


Atualmente, porém, vem prevalecendo o entendimento de que referido dispositivo legal trata de hipótese de responsabilidade, principalmente pela sua localização topográfica dentro do Código Tributário, justamente na parte que trata da “responsabilidade de terceiros”.[14]


Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, estimável parte da doutrina passou a considerá-lo como o primeiro diploma a positivar a despersonalização no ordenamento brasileiro. Em verdade, foi de fato a primeira lei a referir-se expressamente à teoria em estudo.


Observa Alexandre Teodoro Silva, no entanto, baseando-se principalmente na obra de Serick, que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica pertence ao campo da teoria geral do Direito, logo, desnecessária seria a sua positivação.[15]


De qualquer forma, o legislador brasileiro, seguindo a linha do Código de Defesa do Consumidor, fez também constar a desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil de 2002, o qual dispõe no seu art. 50:


“Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”


Conforme se infere, os pressupostos para a desconsideração são o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.


Como bem salienta João Batista Lopes, o Código Civil não contempla a desconsideração em sua modalidade inversa, isto é, a superação da pessoa do sócio para atingir bens da sociedade, ou seja, o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio.[16]


Além dos exemplos mencionados, há na legislação esparsa outras referências acerca à desconsideração da personalidade jurídica, tais como o art. 18, da Lei n. 8.884/94 (Lei Antitruste) e o art. 4º, da Lei n. 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente).


3. Pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica segundo o art. 50, do Código Civil


Como já afirmado, a regra do art. 50, do Código Civil, aplica-se a todos os ramos do direito, sendo, por isso, considerada como integrante da teoria geral do direito.


Ao interpretar este artigo, Fabio Ulhoa Coelho observa que tal dispositivo ocupa-se do uso fraudulento da personalidade das pessoas jurídicas, mas  foge “à vocação primeira de qualquer esforço de codificação, que é a sistematização e atualização de seu objeto, simplesmente ignora as exceções ao princípio da autonomia jurídica dispersas pelo ordenamento jurídico.”[17]


A seguir, serão analisados os pressupostos exigidos pelo art. 50, quais sejam, o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.


3.1. Abuso de direito


É sabido que o exercício de um direito, ainda que privado, deve atender a uma finalidade social. Logo, o sujeito não deve exercitar seus direitos egoisticamente; ao contrário, deve sempre atentar para a função que objetivam. Desse modo, mesmo que conforme a lei, o ato contrário a essa finalidade é abusivo e, por consequência, atentatório ao direito.[18]


Trata-se de aplicação da teoria do abuso do direito, originária da jurisprudência francesa, que vinha esboçada no Código Civil de 1916, no seu art. 160, I, o qual prescrevia que, mesmo atuando dentro do âmbito de sua prerrogativa, podia a pessoa ser obrigada a indenizar o dano causado, se fizesse dela uso abusivo.


Com o advento do Código Civil atual, a disciplina do abuso de direito foi reformulada, nos seguintes termos:


Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (destaques não constantes do original)


A reformulação da concepção de abuso de direito deve-se à evolução do instituto da responsabilidade civil, que, a princípio, era direcionada apenas para viabilizar a condenação pela prática de atos com o manifesto intuito de prejudicar terceiros.[19]


Da análise do art. 187 infere-se que a lei considera ser prescindível para a configuração do abuso de direito que o agente tenha essa específica intenção, sendo, suficiente que este exceda manifestamente os limites impostos pela finalidade econômica ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.[20]


No que diz respeito à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, Fabio Ulhoa Coelho adverte que Serick considerou o elemento subjetivo como imprescindível para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não bastando apenas que sobreviesse prejuízo a terceiro em decorrência da autonomia patrimonial.[21]


Assim, na concepção tradicional da teoria, é fundamental que o terceiro “prejudicado prove ter ocorrido a utilização, fraudulenta ou abusiva, intencional da pessoa jurídica”. Afinal, o que a teoria visa “é exatamente possibilitar a coibição de fraude, sem comprometer o próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação da personalidade e patrimônio em relação aos de seus membros”.[22]


Ressalva esse doutrinador então algumas hipóteses em que o elemento subjetivo é desnecessário, salientando, no entanto, que o elenco das mesmas deve ser feito pelo legislador. Nesse rol, inclui o art. 2, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, e o art, 135, III, do Código Tributário Nacional, já estudados no item 2.3.


Do exposto, pode-se afirmar que o abuso da personalidade jurídica constitui espécie do abuso de direito a que se refere o disposto no art. 187 do Código Civil e, de acordo com o preconizado pelo art. 50, do mesmo Código, será aferido quando a pessoa jurídica for utilizada para encobrir finalidades diversas do seu fim institucional ou quando daí decorrer confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e a pessoa beneficiada.


3.2 Desvio de finalidade


O vocábulo “desvio”, segundo Alexandre Alberto Teodoro da Silva, indica o “uso indevido ou anormal”, visto que “o sócio que detém a liberdade de iniciativa de se servir de uma personalidade jurídica, distinta dos membros que compõem a pessoa jurídica, emprega seus esforços para dar outro destino à tal personalidade”.[23]


Observa-se assim que, para que ocorra o desvio de finalidade, o exercício da personalidade jurídica deve ser abusivo, direcionado a um fim estranho à sua função.[24]


Como já frisado, todo o direito tem uma função ou fim. O mesmo acontece com a pessoa jurídica, que congrega um centro autônomo de imputação de direitos e deveres. O motivo fundamental de se atribuir a esta personalidade distinta da de seus membros é o de conferir maior agilidade, estabilidade e segurança nas suas relações.[25]


Assim, ao satisfazer determinadas necessidades compatíveis com o ordenamento jurídico, sob forma também compatível com o mesmo, a pessoa jurídica cumpre sua verdadeira função.[26]


3.3 Confusão Patrimonial


Recorde-se, como já ressaltado no item 2.1, que é de Fábio Konder Comparato a formulação da teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica, cujo pressuposto é a confusão patrimonial e que pode ser exemplificada na hipótese em que se demonstra, a partir da escrituração contábil ou da movimentação de contas de depósito bancário, que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos daquela, ou o inverso.[27]


Para ele, portanto, havendo confusão entre o patrimônio da sociedade e dos sócios, ou entre o da sociedade controladora e o da controlada, abre-se ensejo para a aplicação da desconsideração de personalidade jurídica. Vê-se, assim, que o pressuposto desta é de constatação objetiva, daí sua denominação.


Ensina que[28]


“A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica externa corporis. E compreende-se, facilmente, que assim seja, pois a pessoa jurídica nada mais é, afinal, do que uma técnica de separação patrimonial. Se o controlador, que é o maior interessado na manutenção desse princípio, descumpre-o na prática, não se vê bem porque os juízes haveriam de respeitá-lo, transformando-o, destarte, numa regra puramente unilateral.” (destaques não constantes do original)


Fábio Ulhoa Coelho considera que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica elegeu como pressuposto fundamental o uso fraudulento ou abusivo da personificação, entendendo, por isso, tratar-se de uma “formulação subjetiva”. Pondera, todavia, as dificuldades de prova do intuito do sócio ou administrador em frustrar interesse legítimo do credor, entendendo residir aí a justificativa para a “formulação objetiva”. Todavia, obtempera que[29]


“[…] deve-se presumir a fraude na manipulação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica se demonstrada a confusão entre os patrimônios dela e de um ou mais de seus integrantes, mas não se deve deixar de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, somente porque o demandado demonstrou ser inexistente qualquer tipo de confusão patrimonial, se caracterizada, por outro modo, a fraude.” (destaques não constantes do original)


Na mesma linha, Alexandre Alberto Teodoro da Silva adverte que o quê o art. 50, do Código Civil de 2002, quer atingir é a confusão patrimonial prejudicial, isto é, “aquela que é utilizada como escudo para a obtenção de resultados que contrariem os fins econômicos e sociais do direito à personalidade jurídica”.[30]


No mesmo sentido, leciona Márcia Frigeri:[31]


“A confusão nesse particular vem claramente positivada como forma de repressão ao abuso na utilização da personalidade jurídica das sociedades, fundamento primitivo da própria teoria da desconsideração. Assim, vê-se que o direito positivo acolhe a teoria da desconsideração em seus reais contornos. Tal abuso poderá ser provado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Ao contrário do que possa parecer, nosso Código não acolhe a concepção objetiva da teoria, pois a confusão patrimonial não é fundamento suficiente para a desconsideração, sendo simplesmente um meio importantíssimo de comprovar o abuso da personalidade jurídica, que ocorre nas hipóteses do abuso de direito e da fraude. Destarte, o necessário para a desconfiguração é o abuso da personalidade jurídica, que pode ser provado inclusive pela configuração de uma confusão patrimonial.”  (destaques não constantes do original)


Em síntese, para os defensores da formulação subjetiva, a confusão patrimonial decorre da promiscuidade entre o patrimônio pessoal dos sócios que compõem uma sociedade e o da própria sociedade.


Conclusão


A teoria da desconsideração da pessoa jurídica é criação da jurisprudência inglesa, amplamente amparada e analisada pela doutrina e jurisprudência alemã e italiana recepcionada, posteriormente, pelo direito pátrio com o claro objetivo de preservar o instituto da pessoa jurídica, vez que possibilita a correção de eventual abuso ou fraude cometidos valendo-se justamente da proteção que a personalidade jurídica concede aos seus sócios e administradores.


Assim, uma vez operada a desconsideração, a personalidade distinta e a autonomia patrimonial são afastadas episodicamente, fazendo com que sócios e administradores sejam responsabilizados pela fraude ou abuso de direito, não mais encobertos pelo manto da personalidade jurídica.


A codificação da teoria da desconsideração pelo Código Civil, não representou uma grande novidade porque o instituto já vinha sendo aplicado pelos magistrados ao se depararem com situações que autorizariam que se levantassem o véu da personalidade jurídica para atingir diretamente sócios ou administradores.


Contudo, sua codificação buscou uniformizar o entendimento do tema, pois em alguns casos se aplicava a teoria maior e em outro semelhante era utilizada a teoria menor. Com a entrada em vigor do Código Civil e a redação dada ao art. 50 em estudo, é possível perceber que a adoção de conceitos indeterminados, tais como abuso da personalidade, desvio de finalidade e confusão patrimonial não engessam a questão, pelo contrário, deixam ao arbítrio do magistrado ao analisar o caso concreto, interpretar o dispositivo legal de forma a se buscar a melhor e mais justa solução para o caso concreto.


De qualquer forma, ainda que a positivação da teoria signifique a valorização do instituto pelo direito brasileiro, é importante ter sempre em mente que a disregard doctrine deve ser usada excepcionalmente, apenas nos casos em que configurados o desvio da personalidade jurídica, para que não se cometa o equivoco de desacreditar a proteção dada à pessoa jurídica .


 


Referências bibliográficas:

ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica: doutrina e jurisprudência. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2.

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FRIGERI, Márcia. A responsabilidade dos sócios e administradores e a desconsideração da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 739 maio 1997.

GUIMARÃES, Flávia Lefévre, Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Defesa do Consumidor, 1998, Ed. Max Limonad, 1998

JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. 

LOPES, João Batista. Desconsideração da personalidade jurídica no novo código civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 818, dez. 2003.

NUNES, Márcio Tadeu Guimarães. Desconstruindo a desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

RAMALHETE, Clóvis. Sistema de legalidade na desconsideração da pessoa jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 586, ago. 1984.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1.

SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. A desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 76.

SERICK, Rolf. Aparencia y realidad en las sociedades mercantiles: el abuso de derecho por medio de la persona jurídica. Trad. BRUTAU, Jose Puig. Barcelona: Ariel, 1958.

TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coords.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 21-68. WALD, Arnoldo; MORAES, Luíza Rangel. Desconsideração da personalidade jurídica e seus efeitos tributários. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coords.).

VERRUCOLI, Piero. Il superamento della personalità giuridica delle società di capitali nella common law e nella civil law. Milano: Giuffrè, 1964.


Notas:

[1]  SERICK, Rolf. Aparencia y realidad en las sociedades mercantiles: el abuso de derecho por medio de la persona jurídica. Trad. BRUTAU, Jose Puig. Barcelona: Ariel, 1958. p. 241, 246, 251-252, 256

[2] Cf. NUNES, Márcio Tadeu Guimarães. Desconstruindo a desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 247-249

[3] VERRUCOLI, Piero. Il superamento della personalità giuridica delle società di capitali nella common law e nella civil law. Milano: Giuffrè, 1964. p.195, tradução nossa. ( a) della diretta realizzazione di interessi propri dello Stato (di natura tributaria, o spiccatamente política, come nel caso dell’individuazione della nacionalità delle società etc.; b) della repressioni di frodi alla legge; c) di repressioni di frodi contratual; d) della realizzazione dell’interesse dei terzi, cuando non ricorrano gli stremi della frode di cui innanzi al momento iniziale dell’operazione (constituizone della società o stipulazione di contratto etc.); e) della realizzazione dell’interesse dei soci “uti singuli”.)

[4] Cf. COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 293-294.

[5] TÔRRES, Heleno Taveira. Regime tributário da interposição de pessoas e da desconsideração da personalidade jurídica: os limites do art. 135, II e III, do CTN. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coords.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 21-68. WALD, Arnoldo; MORAES, Luíza Rangel. Desconsideração da personalidade jurídica e seus efeitos tributários. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coords.). p. 231-257

[6] COELHO, Fábio Ulhoa. As teorias da desconsideração. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coords.), op. cit., p. 259-273.

[7] Cf. RAMALHETE, Clóvis. Sistema de legalidade na desconsideração da pessoa jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 586, p. 9-14, ago. 1984.

[8] Cf. GUIMARÃES, Flávia Lefévre, Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Defesa do Consumidor, 1998, Ed. Max Limonad, 1998. p. 35.

[9] Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987.  p. 105.

[10] JUSTEN FILHO, Marçal, op. cit., p. 106.

[11]FRIGERI, Márcia. A responsabilidade dos sócios e administradores e a desconsideração da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 739 maio 1997. , p. 53-69

[12] Cf. ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica: doutrina e jurisprudência. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 189.

[13] Cf. SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. A desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2007.p. 98.

[14] Neste sentido, ver: SILVA, Alexandre Teodoro da, op. cit., p. 98-99. TÔRRES, Heleno Taveira. Regime tributário da interposição de pessoas e da desconsideração da personalidade jurídica: os limites do art. 135, II e III, do CTN. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coords.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 21-68. WALD, Arnoldo; MORAES, Luíza Rangel. Desconsideração da personalidade jurídica e seus efeitos tributários. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coords.), op. cit., p. 231-257.

[15] Cf. SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da, op. cit., p. 123 e 129.

[16] Cf. LOPES, João Batista. Desconsideração da personalidade jurídica no novo código civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 818, p. 36-46, dez. 2003.

[17] COELHO, Fabio Ulhoa. op. cit., p. 259-273, nota 47.

[18] Cf. Id. Ibid., p. 730-767.

[19] Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1. p. 320.

[20] Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – parte geral. Vol. 1. Saraiva, 2008. op. cit., p. 108.

[21] Cf. COELHO, Fábio Ulhoa, Pessoa jurídica: conceito e desconsideração. Revista Justitia do Ministério Público de São Paulo, vol. n. 137 (pág. 63 – 85), 1985.

[22] Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2. p. 36.

[23] Cf. SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da, op. cit., p. 132.

[24] Cf. Id. Ibid., p. 132.

[25] Cf. Id. Ibid., p. 132-133.

[26] Cf. SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 76.

[27] Cf. SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. op. cit., p. 293 – 294,

[28] Cf. Id. Ibid., p. 362.

[29] Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2. p. 44-45.

[30] SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da, op. cit., p. 136

[31] FRIGERI, Márcia, op. cit., p. 53-69, nota 33.

Informações Sobre o Autor

Mariana Candini Bastos

Advogada. Mestranda em Direito dos Contratos e da Empresa pela Escola de Direito da Universidade do Minho (Portugal). Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Trainee em 2010 na CBMM Europe BV – Amsterdã, Holanda.


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