Resumo: O “Ministério Público e os poderes investigatórios” é tema efervescente na atualidade, tendo em vista que pode alterar de modo crucial as atividades exercidas pelo parquet. Desse modo, urge tecermos breves considerações acerca da temática em tela, apresentando uma síntese dos principais argumentos de ambas as correntes: aquelas que negam e as que atribuem ao Ministério Público os poderes de investigação criminal. Ademais, demonstrar-se-á os posicionamentos adotados na doutrina, nos Tribunais Superiores e na Advocacia Geral da União.
Sumário: I. Intróito II. Uma análise das correntes doutrinárias III. O tema na visão dos Tribunais Superiores IV. A posição da Advocacia-Geral da União V. À guisa de conclusão
I.Intróito
O “Ministério Público e os poderes investigatórios” é tema efervescente na atualidade, clamando ao debate distintos segmentos da comunidade jurídica nacional. Desse modo, urge tecermos breves considerações acerca da temática apresentada, mormente os posicionamentos adotados na doutrina, nos Tribunais Superiores e na Advocacia Geral da União.
II. Uma análise das correntes doutrinárias
Primeiramente, convém salientar que a doutrina possui os mais diversos ensaios sobre o assunto em tela. Desse modo, faz-se necessário apresentar uma breve síntese dos principais argumentos de ambas as correntes: aquelas que negam e as que atribuem ao Ministério Público os poderes de investigação criminal.
No entendimento da primeira, a que firma posição pela ausência dos poderes investigatórios do parquet, com respaldo nas lições de José Afonso da Silva, Luis Roberto Barroso e Cézar Roberto Bittencourt, a investigação criminal teria sido reservada, pela Constituição Federal, à Polícia Judiciária, sendo ilegítimo e inconstitucional o desempenho de tal atividade pelos membros do Ministério Público, que assim agindo estariam usurpando atribuição que não lhes foi deferida. De fato, o art. 144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição atribui de forma expressa às Polícias Federal e Civil a apuração de infrações penais. A Polícia, portanto, seria a autoridade competente para proceder a investigações criminais, como exigido pela garantia constitucional do devido processo legal. Ademais, a Constituição atribui ao Ministério Público a função de exercer o controle externo da atividade policial (art. 129, VII) e não o de substituí-la. Conseqüentemente, a Carta Magna não permitiria a figura do promotor investigador.
Outrossim, o escopo do inciso VI do art. 129 da CF/88 (que atribui ao MP poderes para expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los) está restrito aos inquéritos civis públicos e outros também de natureza administrativa, como os preparatórios de ação de inconstitucionalidade ou de representação por intervenção. O inquérito criminal é disciplinado em inciso diverso (VIII) e quanto a ele a atuação do parquet se limita à requisição de instauração do próprio inquérito e de diligências investigatórias.
Em seguida, reforçam sua posição ao citar que a competência para promover a ação penal não englobaria a investigação criminal – esta competência não é um minus em relação àquela. Tratar-se-ia, na verdade, de uma competência diversa e que fora atribuída de forma expressa pelo constituinte a outro órgão. Não se aplicaria aqui, portanto, a lógica dos poderes implícitos, pela qual o órgão a quem compete o mais, compete igualmente o menos. Logo, a atribuição de competência investigatória ao Ministério Público dependeria de prévia emenda constitucional.
De outra banda, os defensores da posição favorável a que o Ministério Público proceda a investigações criminais, entre os quais cabe destacar Hugo Nigro Mazzilli, Tourinho Filho e Mirabete, também apresentam um conjunto de argumentos diversos para sustentar sua tese. Para estes, o Ministério Público, na condição de titular da ação penal pública, não seria um mero espectador da investigação a cargo da autoridade policial, podendo, por isso, não só requisitar diligências, como realizá-las diretamente, quando elas se mostrassem necessárias. Mesmo porque, doutrina e jurisprudência entendem que o inquérito policial é um instrumento facultativo e dispensável para o exercício do direito de ação. Demais disto, a Constituição atribuiu ao Ministério Público o poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva. Logo, essa competência abrangeria tanto a esfera cível quanto a criminal.
Não obstante esta assertiva, fazem a ressalva de que a investigação pelo Ministério Público teria um caráter subsidiário e seria empregada apenas quando necessária, de modo que a competência da Polícia não seria subtraída. A seu ver, o sistema pelo qual se atribui com exclusividade à Polícia a investigação criminal, reservando-se ao Ministério Público a função de mero repassador de provas, seria anacrônico e contraproducente. A atuação direta do Ministério Público nesse particular pode conferir maior celeridade à atividade investigatória, permitindo, ademais, o contato pessoal do agente do parquet com a prova e facilitando a formação de seu convencimento.
III. O tema na visão dos Tribunais Superiores
Na ótica dominante do Superior Tribunal de Justiça, verifica-se a legitimidade do Ministério Público para realizar diligências investigatórias, que não se deve confundir com investigação direta, pois decorreria de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.° 75/93. No entender da Corte Superior, proceder à colheita de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria, é um consectário lógico da própria função do órgão ministerial de promover, com exclusividade, a ação penal pública.
Na verdade, a questão acerca da possibilidade de o Ministério Público desenvolver atividade investigatória objetivando colher elementos de prova que subsidiem a instauração de futura ação penal é tema incontroverso no âmbito da 5ª Turma. Para seus integrantes, a Carta da República de 1988, em seu art. 129, I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Essa atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor. Entender-se que a investigação desses fatos é atribuição exclusiva da polícia judiciária seria incorrer-se em impropriedade, já que o titular da ação é o órgão ministerial. Caberia, portanto, a este, o exame da necessidade ou não de novas colheitas de provas, uma vez que, tratando-se o inquérito de peça meramente informativa, pode o Ministério Público entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação penal.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, entretanto, ainda não há um posicionamento definitivo do pleno. Com efeito, é possível verificar a existência de precedentes nos dois sentidos. Entre eles, temos o RHC 81.326-DF, de relatoria do Min. Nelson Jobim, no qual o STF firmou entendimento de que a Constituição Federal dotou o Ministério Público somente do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. A norma constitucional não contemplaria a possibilidade de o parquet realizar e presidir inquérito policial. Não caberia, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial.
Todavia, recentemente, no HC 91.661-PE, a Min. Ellen Gracie houve por bem entender ser perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão, a seu ver, não significaria retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti.
IV. A posição da Advocacia-Geral da União
Por seu turno, a Advocacia-Geral da União, em parecer apresentado nos autos da ADIN 4271, se posicionou pela inexistência de poderes de investigação do Ministério Público. Seguindo a linha esposada pela doutrina negativista anteriormente apresentada, rechaça que a Constituição Federal tenha dotado o órgão ministerial de “poderes implícitos” para conduzir investigações criminais. Nas palavras do então Advogado Geral da União, José Antônio Dias Toffoli, “não se pode considerar implícita uma competência quando a Constituição a outorgou – de modo explícito – a outro órgão”.
No seu entender, seria temerário realizar uma interpretação extensiva para atribuir ao MP um poder, a priori, não previsto na CF/88, dotando o órgão ministerial de amplos poderes. Isto porque, no Brasil, é tradição que se outorgue apenas à polícia o exercício desse mister. Para fundamentar esta afirmação, lembra a fracassada tentativa de se incluir no texto originário da CF/88 tal atribuição ao Ministério Público, o que evidenciaria a vontade do Constituinte de afastar do órgão ministerial público as atividades de investigação criminal. Cita, ademais, a proposta de Emenda Constitucional (PEC n.° 197/2003 – Dep. Antonio Carlos Biscaia) que pretendia alterar a redação do inciso VIII, do art. 129, incluindo entre as atribuições do MP a possibilidade de realizar a investigação criminal, o que seria mais uma prova da não previsão desse poder ao parquet.
V. À guisa de conclusão
Uma vez apresentados estes singelos traços acerca do tema em apreço, é de bom alvitre informar que o propósito não era esgotar o assunto, mas sim estimular o debate mediante a exposição das premissas básicas que envolvem a presente discussão.
Com efeito, forçoso dedicar esmero aos desdobramentos da decisão final a ser exarada pela mais alta corte pátria, visto que, a depender do posicionamento firmado, podem decorrer profundas implicações no dia a dia do Ministério Público, uma das mais importantes instituições mantenedoras do Estado Democrático de Direito em que vivemos.
Advogado da Eletrobrás-Chesf. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Maurício de Nassau.
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