Breves considerações sobre o fechamento dos supermercados aos domingos


Como sediticiu, os Municípios também foram convidados pela Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de Outubro de 1988, para fazerem parte de nossa Federação.


De uma breve e franca leitura dos Arts. 1º e 18 da Lex Mater brasileira vislumbra-se que os Municípios, definidos como pessoa jurídica de direito público interno, foram alçados, sem nenhuma dúvida, à categoria de Entes-federativos, ornados de autonomia própria, capacidade de auto-organização, autogoverno, auto-administração e autolegislação.


Nesse norte, verifique-se:


CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988


TÍTULO I


Dos Princípios Fundamentais


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (…).


TÍTULO III


Da Organização do Estado


CAPÍTULO I


DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA


Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.


Tamanho o respeito e a consideração da Carta Política pelos Municípios que qualquer ato atentatório da autonomia destes Entes é rechaçada de plano pelo remédio drástico da Intervenção, para resgate de sua autonomia, na medida de sua competência traçada pela Constituição Federal.


Vejamos:


CAPÍTULO VI DA INTERVENÇÃO


Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:


VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:


c) autonomia municipal”.


Os Municípios, assim como a União, os Estados, e o Distrito Federal, dentro da competência não legislativa (administrativa ou material) destes, deverão zelar pela guarda do texto constitucional republicano, consoante determina seu Art. 23, Inciso I. Essa competência é chamada de concorrente porque todos os Entes da Federação são tidos como capazes para desenvolvê-la, sem abertura para a abstenção.


No âmbito de sua competência constitucional legislativa compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.


É o que dispõe o Art. 30, Inciso I, da Lex Fundamentalis:


 “CAPÍTULO IV Dos Municípios


Art. 30. Compete aos Municípios:


I – legislar sobre assuntos de interesse local”.


Não se trata de novitate legislativa. A Carta Fundamental de 1967 rezava no mesmo sentido, quando fazia emprego da expressão “peculiar interesse”:


“CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967


CAPÍTULO III


Da Competência dos Estados e Municípios


Art 16 – A autonomia municipal será assegurada: (…)


II – pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse (…)”.


A doutrina constitucionalista brasileira de escol é uníssona ao asseverar que as expressões “interesse local” e “peculiar interesse” não se digladiam, são mesmo sinônimas, a significarem interesse predominante.


Entende-se que a citada cláusula do Art. 30, Inciso I, da Constituição Federal, trata do que se vem chamando de “competências implícitas” ou “não explicitamente enumeradas”. Assim, a competência para legislar sobre assuntos de interesse local revela, em último andar, competência implícita para legislar-se sobre interesses predominantemente municipais.


Sobre os temas de “interesse local” os Municípios detém competência privativa. Destarte, é hostil à Carta Magna outro diploma, que não lei municipal, que venha a dispor sobre os assuntos de interesse predominante dos Municípios por invadir competência preestabelecida afeta à normação municipal.


Com seu costumeiro vanguardismo peculiar e conhecida maestria doutrinária, o imbatível Mestre constitucionalista DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR, Juiz Federal da Seção Judiciária da Bahia, na sua monumental obra CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL (JUSPODIVM, 2009, págs. 884/886) bem define o que seja assuntos de interesse local e seu preciso alcance para efeito da competência legislativa privativa municipal esculpida no Inciso I, do Art. 30, da Constituição Republicana, in verbis:


“9.2.1. A competência legislativa


A Constituição Federal concedeu aos Municípios a competência legislativa privativa (art. 30, I) e suplementar (art. 30, II).


A competência legislativa privativa consiste na capacidade para legislar sobre assuntos de interesse local. Mas o que é ‘interesse local’? É interesse exclusivo do Município ou seu interesse predominante? Sob a égide das Constituições anteriores, vinham a doutrina e a jurisprudência entendendo que ‘interesse peculiar’ era interesse predominante do Município. Esse mesmo entendimento pode ser perfeitamente aplicado, à luz da Constituição vigente, em face da novel expressão ‘interesse local’, idêntica àquela expressão ‘interesse peculiar’. Assim, entendemos que interesse local não é interesse exclusivo do Município, mas seu interesse predominante, que o afete de modo direto e imediato, ainda que reflita nos negócios estaduais e federais. Aliás, é muito difícil, senão impossível, se identificar um assunto ou tema de interesse do Município que não seja do interesse do Estado ou da União. Entretanto, se essa matéria é de interesse predominante do Município, porque está a ele ligado mais intimamente, ela é considerada de interesse local, para o efeito de incidir a regra de competência do inciso I do art. 30, ora em comento.


Nesse sentido expressa-se Michel Temer: ‘Doutrina e jurisprudência, ao tempo da Constituição anterior, se pacificaram no dizerem que é de peculiar interesse aquele em que predomina o do Município no confronto com os interesses do Estado e da União. Peculiar interesse significa interesse predominante. Interesse local é expressão idêntica a peculiar interesse’.


Também no mesmo sentido, confira-se o entendimento de Celso Ribeiro Basto: ‘O conceito-chave utilizado pela Constituição para definir a área de atuação do Município é o do interesse local. É evidente que não se trata de um interesse exclusivo, visto que qualquer matéria que afete uma comuna findará de qualquer maneira, mais ou menos direta, por repercutir nos interesses da comunidade nacional. Interesse exclusivamente municipal é inconcebível, inclusive por razões de ordem lógica: sendo o Município parte de uma coletividade maior, o benefício trazido a uma parte do todo acresce a este próprio todo. Os interesses locais dos Municípios são os que entendem imediatamente com as suas necessidades imediatas, e, indiretamente, em maior ou menor repercussão, com as necessidades gerais’. Assim lecionam, outrossim, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior, Pinto Ferreira e Fernanda Dias Menezes de Almeida.


Assim, sobre assuntos de interesse local, ou seja, de interesse predominante do Município, cabe a este ente federado legislar com exclusividade, afastando os demais, se, evidentemente, não estiver no âmbito da competência enumerada da União (art. 22)”.


Pois bem. Feito esta concisa collatione, extrai-se, assim, que a Constituição Federal conferiu competência supletiva aos Municípios para legislarem sobre normas de interesse local, dentre elas o horário de funcionamento de seu comércio (Art. 30, Inciso I).


Deveras, o tema é pacífico, e não encontra vozes desafinadas ou disparatadas.


Para certificação do asseverado, traz-se importantes julgados do Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Guardião da Constituição Federal, acerca da singular exegese que se extrai do Art. 30, Inciso I, desta lex maxima e o entendimento segundo o qual os Municípios têm competência privativa para regular o funcionamento do comércio local.


Aqui está, ecce:


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MUNICÍPIO: HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO: ESTABELECIMENTO COMERCIAL: COMPETÊNCIA MUNICIPAL. SÚMULA 645-STF. I. – A fixação de horário de funcionamento de estabelecimento comercial é matéria de competência municipal, considerando improcedentes as alegações de ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência, da liberdade de trabalho, da busca do pleno emprego e da proteção ao consumidor. Precedentes. II. – Incidência da Súmula 645-STF. III. – Em relação à alínea c do art. 102, III, da Constituição Federal, também não merece acolhida o prosseguimento do recurso extraordinário. É que não houve demonstração de que o acórdão impugnado teria violado o texto constitucional julgando válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição. IV. – Agravo não provido. (AI 481886 AgR, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 15/02/2005, DJ 01-04-2005 PP-00054 EMENT VOL-02185-07 PP-01309 RTJ VOL-00195-01 PP-00356)”.


 “EMENTAS: 1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Impugnação de resolução do Poder Executivo estadual. Disciplina do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, consumo e assuntos análogos. Ato normativo autônomo. Conteúdo de lei ordinária em sentido material. Admissibilidade do pedido de controle abstrato. Precedentes. Pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, o ato normativo subalterno cujo conteúdo seja de lei ordinária em sentido material e, como tal, goze de autonomia nomológica. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Resolução nº 12.000-001, do Secretário de Segurança do Estado do Piauí. Disciplina do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, consumo e assuntos análogos. Inadmissibilidade. Aparência de ofensa aos arts. 30, I, e 24, V e VI, da CF. Usurpação de competências legislativas do Município e da União. Liminar concedida com efeito ex nunc. Aparenta inconstitucionalidade a resolução de autoridade estadual que, sob pretexto do exercício do poder de polícia, discipline horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, matéria de consumo e assuntos análogos. (ADI 3731 MC, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 29/08/2007, DJe-121 DIVULG 10-10-2007 PUBLIC 11-10-2007 DJ 11-10-2007 PP-00038 EMENT VOL-02293-01 PP-00043 RTJ VOL-00202-03 PP-01090)”.


“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FARMÁCIA. FIXAÇÃO DE HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO. ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL. A fixação de horário de funcionamento para o comércio dentro da área municipal pode ser feita por lei local, visando o interesse do consumidor e evitando a dominação do mercado por oligopólio. Precedentes. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 189170, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 01/02/2001, DJ 08-08-2003 PP-00086 EMENT VOL-02118-02 PP-00434)”.


“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FARMÁCIA. LEI MUNICIPAL Nº 8.794/78 E NORMAS ADMINISTRATIVAS QUE DISCIPLINAM O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO E O SISTEMA DE PLANTÃO NOS FINS DE SEMANA. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA OS ASSUNTOS DE SEU INTERESSE: ART. 30, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA LIVRE INICIATIVA, DA LIVRE CONCORRÊNCIA E AO DIREITO DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA. 1. Os Municípios têm autonomia para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas, pois a Constituição Federal lhes confere competência para legislar sobre assuntos de interesse local. 2. Afronta aos princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência e ao direito do consumidor. Inexistência. Ao Governo Municipal, nos limites da sua competência legislativa e administrativa, cumpre não apenas garantir a oferta da mercadoria ao consumidor, mas, indiretamente, disciplinar a atividade comercial, e, evitando a dominação do mercado por oligopólio, possibilitar ao pequeno comerciante retorno para as despesas decorrentes do plantão obrigatório. 3. Farmácias e drogarias não escaladas para o cumprimento de plantão comercial. Direito de funcionamento fora dos horários normais. Inexistência em face da lei municipal que disciplina a matéria. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 174645, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 17/11/1997, DJ 27-02-1998 PP-00018 EMENT VOL-01900-03 PP-00539)”.


“DECISÃO: Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento a recurso extraordinário fundado no art. 102, III, ‘a’, da Constituição Federal, interposto em face de acórdão assim ementado (fl. 88): ‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CAMAQUÃ. HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DE SUPERMERCADOS. COMPETÊNCIA MUNICIPAL. CONCORRÊNCIA. Ainda que se admita a competência do município para legislar sobre horário do comércio local, o poder há de se efetivar em consonância com eventual legislação federal (ou estadual) sobre o assunto. Tendo a União assentado que possível a abertura de mercados aos domingos, ilegítima restrição através de lei municipal (Enunciado de nº 419 da Súmula do STF). Segundo do Órgão Especial, a competência legislativa municipal restringe-se à delimitação do horário de funcionamento, e não dos dias de atividade, conforme previsão do art. 13, II, da Constituição Estadual. Ação julgada procedente’. Alega-se violação aos artigos 22, I e 30, I, da Carta Magna. Sustenta o recorrente que ‘o inciso II, do artigo 13, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, quando assegura ao Município o poder de disciplinar o horário de funcionamento do comércio, não exclui a possibilidade de estabelecer os dias de funcionamento. Cada Município tem suas peculiaridades econômicas (realidade mercadológica), culturais (datas para comemorar eventos cívicos) ou religiosas (por exemplo, o dia 2 de fevereiro, dedicado a Nossa Senhora dos Navegantes, não é feriado em todos os Municípios do Brasil)’. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento segundo o qual os municípios têm competência para regular o horário de funcionamento de estabelecimento comercial, à vista do disposto no art. 30, I, da Constituição, não acarretando afronta aos princípios da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência, do livre comércio ou da defesa do consumidor, v.g., o RE 189.170-SP, Pleno, 1º.02.01, redator para o acórdão Maurício Corrêa: ‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FARMÁCIA. FIXAÇÃO DE HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO. ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL. A fixação de horário de funcionamento para o comércio dentro da área municipal pode ser feita por lei local, visando o interesse do consumidor e evitando a dominação do mercado por oligopólio. Precedentes. Recurso extraordinário não conhecido’. Nesse mesmo sentido, RE 203.358-SP, 2ª T., relator Maurício Corrêa, DJ 29.08.97 e RE 175.901-SP, 1ª T., relator Moreira Alves, DJ 23.10.98. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Assim, conheço do agravo e converto-o em recurso extraordinário (art. 544, §§ 3o e 4o, do CPC) para dar-lhe provimento (art. 557, § 1o-A, do CPC). Publique-se. Brasília, 03 de agosto de 2005. Ministro GILMAR MENDES Relator. (AI 503558, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/08/2005, publicado em DJ 12/09/2005 PP-00041)”.


 “DECISÃO: 1. Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do Plenário do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferido em ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, e assim ementado: ‘70000502948. ADIN. Porto Alegre. Tribunal Pleno. Lei nº 2928/99 do Município de Uruguaiana. Vedação de funcionamento de grandes supermercados nos domingos e feriados. Prefaciais rejeitadas. Legitimidade do proponente. Constitucionalidade do diploma legal que restringe o funcionamento do grande comércio, face à autonomia administrativa municipal, para dispor a respeito. Art. 13, II da CE/89 e art. 30, I da Carta Federal. Peculiar interesse municipal. Lição de Hely Meirelles. Precedentes jurisprudenciais. Medida provisória nº 1982-67 de 10.11.2000, que não modifica o atual entendimento. Discrime justificado face ao balanço dos interesses em jogo. Proteção do mais fraco. ADIN julgada improcedente’ (fl. 183). O recorrente sustenta, com base no art. 102, III, a, ofensa ao art. 13, II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como aos arts. 5º, caput, e 170, II, da Constituição Federal. 2. Inviável o recurso. Quanto à alegada violação ao art. 13, II, da Carta Estadual, é desde logo incabível o recurso extraordinário, nos termos do art. 102, inciso III e alíneas, da Constituição da República. Cuida-se, no mais, de recurso extraordinário interposto de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal frente a dispositivo da Constituição Estadual e que se processou perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O art. 13, II, da Constituição do Estado, que trata da competência legislativa do município para dispor sobre horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, foi utilizado como parâmetro do controle concentrado de constitucionalidade. É consolidada a jurisprudência desta Corte, no sentido de só ser admissível recurso extraordinário contra decisão proferida em controle abstrato de constitucionalidade no âmbito estadual, quando as normas da Constituição do Estado tidas por violadas reproduzam normas da Constituição Federal de observância obrigatória pelos Estados-membros. É o que se lê à seguinte ementa: ‘Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente’ (Rcl nº 383, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 21.5.93. No mesmo sentido: Rcl n° 358, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 25.4.2001; Rcl nº 596-AgR, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 14.11.96; ADI nº 1.529-QO, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI, DJ de 29.2.97; Rcl nº 2.130, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJ de 19.8.2002; Rcl nº 2.076, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 3.10.2002; e Rcl n° 2.129, Rel. Min. EROS GRAU, DJ de 13.8.2004). É que, enquanto guardiã maior da Carta da República, cumpre a esta Corte exercer o derradeiro controle abstrato de constitucionalidade das normas que, ainda de forma indireta, afrontem a Constituição Federal. E, nesses casos, ressalva-se a possibilidade de interposição de recurso extraordinário, quando a interpretação dada à norma constitucional estadual contrariar o sentido e o alcance da norma constitucional federal. No caso, discutiu-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.928/99, do Município de Uruguaiana, em face do art. 13, II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que dispõe acerca da competência do município para dispor sobre o horário de funcionamento do comércio local. Tal norma da Constituição Estadual encontra correspondência no art. 30, I, da Constituição Federal, que prevê a competência dos municípios para legislarem sobre assuntos de interesse local, e não nos arts. 5º, caput, e 170, II, apontados pelo recorrente como violados pelo acórdão recorrido. Assim, tenho por incabível o presente recurso. 3. Invocando, pois, o disposto nos arts. 21, § 1º, do RISTF, 38 da Lei nº 8.038, de 28.5.90, e 557, caput, do CPC, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Int.. Brasília, 26 de junho de 2009. Ministro CEZAR PELUSO Relator. (RE 381147, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 26/06/2009, publicado em DJe-144 DIVULG 31/07/2009 PUBLIC 03/08/2009)”.


“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Portaria n° 17/2005, do Estado do Maranhão, que altera e fixa os horários de funcionamento dos estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas no Estado. 3. Generalidade, abstração e autonomia que tornam apto o ato normativo para figurar como objeto do controle de constitucionalidade. 4. Competência do Município para legislar sobre horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais (art. 30, I, CF/88). Matéria de interesse local. Precedentes. Entendimento consolidado na Súmula 645/STF. 5. Ação julgada procedente. (ADI 3691, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 29/08/2007, DJe-083 DIVULG 08-05-2008 PUBLIC 09-05-2008 EMENT VOL-02318-01 PP-00087)”.


 “EMENTA: Município: competência para a fixação de horário de funcionamento de estabelecimento comercial: incidência da Súmula 645. (AI 565882 AgR, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 03/08/2007, DJe-092 DIVULG 30-08-2007 PUBLIC 31-08-2007 DJ 31-08-2007 PP-00030 EMENT VOL-02287-06 PP-01358)”.


 “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NORMAS ADMINISTRATIVAS MUNICIPAIS QUE DISCIPLINAM O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DO COMÉRCIO LOCAL. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA OS ASSUNTOS DE SEU INTERESSE: ART. 30, I, DA CONSTITUIÇÃO. Os Municípios têm autonomia para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas, pois a Constituição lhes confere competência para legislar sobre assuntos de interesse local. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AI 622405 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 22/05/2007, DJe-037 DIVULG 14-06-2007 PUBLIC 15-06-2007 DJ 15-06-2007 PP-00037 EMENT VOL-02280-06 PP-01150)”.


“EMENTA: Não ofende os princípios da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência e da defesa do consumidor a fixação, pelo Município, de horário para funcionamento de farmácias. (AI 274969 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Primeira Turma, julgado em 18/09/2001, DJ 26-10-2001 PP-00036 EMENT VOL-02049-04 PP-00705)”.


“A FIXAÇÃO, PELA PREFEITURA, DE HORÁRIOS DIFERENCIADOS DE FUNCIONAMENTO, ENTRE ESTABELECIMENTO ISOLADO E OS AGRUPADOS EM DETERMINADO CENTRO COMERCIAL, NÃO PODE SER CONSIDERADA OFENSIVA AOS PRINCÍPIOS INSCRITOS NOS ARTIGOS 153, PARÁGRAFOS 1º E 160, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (AI 121078 AgR, Relator(a):  Min. OCTAVIO GALLOTTI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/11/1987, DJ 05-02-1988 PP-01389 EMENT VOL-01488-04 PP-00745)”.


“MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA PARA FIXAÇÃO DE HORÁRIO PARA O COMÉRCIO E ESTABELECIMENTO DA SEMANA INGLESA. NENHUMA INTERFERÊNCIA DE LEIS FEDERAIS. RECURSO NÃO CONHECIDO. (RMS 6149, Relator(a):  Min. LAFAYETTE DE ANDRADA, TRIBUNAL PLENO, julgado em 17/12/1958, DJ 21-05-1959 PP-***** EMENT VOL-00384-01 PP-00073)”.


“COMPETÊNCIA MUNICIPAL. AO MUNICÍPIO CABE O PODER DE POLÍCIA SOBRE O EXERCÍCIO DO COMÉRCIO, INDÚSTRIA E PROFISSÕES NO SEU TERRITÓRIO. O CONTROLE DOS ÓRGÃOS DO MINISTÉRIO DO TRABALHO SE EXERCE EM BENEFÍCIO DAS CONDIÇÕES DOS TRABALHADORES, E NÃO PARA RESTRINGIR AQUELE PODER. (RMS 4504, Relator(a):  Min. ANTONIO VILLAS BOAS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/1957, EMENT VOL-00335 PP-00074 EMENT VOL-00335-01 PP-00074)”.


A questão exaustivamente posta em desate nos valiosos precedentes acima, eminentemente de direito, como claramente se percebe e se entende, encontra refúgio seguro, igualmente, em orientação sumular da própria CORTE CONSTITUCIONAL SUPREMA, como se depreende dos seguintes enunciados abaixo:


“Súmula 645: É COMPETENTE O MUNICÍPIO PARA FIXAR O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. (Data de Aprovação, Sessão Plenária de 24/09/2003, Fonte de Publicação, DJ de 9/10/2003, p. 2; DJ de 10/10/2003, p. 2; DJ de 13/10/2003, p. 2. Referência Legislativa Constituição Federal de 1988, art. 30, I)”.


 “Súmula 419: OS MUNICÍPIOS TÊM COMPETÊNCIA PARA REGULAR O HORÁRIO DO COMÉRCIO LOCAL, DESDE QUE NÃO INFRINJAM LEIS ESTADUAIS OU FEDERAIS VÁLIDAS. (Data de Aprovação, Sessão Plenária de 01/06/1964, Fonte de Publicação, DJ de 6/7/1964, p. 2182; DJ de 7/7/1964, p. 2198; DJ de 8/7/1964, p. 2238. Referência Legislativa, Constituição Federal de 1946, art. 5º, XV, ‘k’; art. 28, II, ‘b’; art. 149””.


O Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Corte Uniformizadora da Legislação Infraconstitucional do País, não se divorcia do entendimento sólido e torrencial emanado da SUPREMA CORTE DO BRASIL, ao revés, é Celeste Pretório de devoção à jurisprudência constitucional última.


Nessa retumba, confiram-se os venerados Arestos abaixo:


“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO. COMÉRCIO LOCAL. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. 1. O Juízo Comum é o competente para processar e julgar o mandamus que impugna o ato administrativo que impõe o cumprimento de horário de funcionamento de comércio local, porquanto não se discute relação trabalhista. Precedentes: CC nº 20.424/PR, DJU de 27/04/1998; CC nº 18.483/CE, DJU de 19/12/1997; CC 5426/PR, DJ 21/02/1994. 2. Conflito conhecido para determinar a competência do MM. Juízo de Direito de Santa Cecília/SC. (CC 88.441/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/02/2009, DJe 30/03/2009)”.


“ADMINISTRATIVO – SERVIÇOS BANCÁRIOS: DISCIPLINA MUNICIPAL – LEI N. 1.006/99-RJ. 1. É da competência municipal fixar o horário de atendimento ao público. 2. Entretanto, a prestação de serviços dentro dos estabelecimentos bancários e a forma como será o cliente atendido em cada agência são da alçada do próprio banco.


3. Recurso conhecido e provido. (RMS 12.286/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/04/2001, DJ 10/09/2001 p. 366)”.


 “DROGARIAS E FARMÁCIAS. FIXAÇÃO DE HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO. ALEGAÇÃO DE DIREITO DE FUNCIONAR DURANTE 24 HORAS.  MATÉRIA CONSTITUCIONAL. 1. Inviável o conhecimento do recurso especial quando as questões nele suscitadas têm natureza constitucional. 2. Ainda que se pudesse afastar essa circunstância, a jurisprudência do STJ tem reconhecido a ‘competência do Município para regular as atividades urbanas estritamente ligadas à vida da cidade e ao bem estar de seus habitantes, inclusive fixar horário de funcionamento e plantões de farmácias e drogarias’ (REsp nº 127.889/SP, Relator o Ministro GARCIA VIEIRA, DJU de 09/11/1998). 3. Precedentes. (REsp 252.440/RJ, Rel. Ministro  PAULO GALLOTTI, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2000, DJ 28/05/2001 p. 154)”.


Destarte, persista-se, o Art. 30, Inciso I, da Constituição da República, confere e outorga, dentro do princípio de autonomia municipal e em observância desse princípio, competência exclusiva ao legislativo municipal para legislar sobre assuntos de interesse local.


Há, ainda, vastos precedentes das diversas Cortes locais do País a respeito do tema, que navegam rumo à mesma foz, em águas serenas, sem nenhuma inquietação ou divergência jurisprudencial.


Eis:


“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. SUPERMERCADO. HIPERMERCADO. FUNCIONAMENTO. DOMINGOS E FERIADOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. STJ E STF. A sociedade empresária que tem por objeto social o exercício de atividade hipermercadista tem direito líquido e certo de funcionar aos domingos e feriados, especialmente quando a legislação municipal confere a atividades comerciais e afins a possibilidade de tal funcionamento, sem qualquer limitação de dia e horário”. (Número do processo: 1.0313.07.228946-2/002(1) – Relator: MANUEL SARAMAGO – Relator do Acórdão: MANUEL SARAMAGO – Data do Julgamento: 04/12/2008 – Data da Publicação: 06/03/2009)


EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DE SUPERMERCADO AOS DOMINGOS – OBSERVÂNCIA DO HORÁRIO ESTABELECIDO NAS LEIS MUNICIPAIS – SEGURANÇA DENEGADA. O Município, ‘ex vi’ do disposto no art. 30, I da CF-88 possui competência para legislar sobre normas de interesse local. Assim, se a legislação Municipal estabelece que o horário de funcionamento dos supermercados aos domingos será de 8 às 13 horas, não há que se falar em violação de direito líquido e certo dos apelantes que pretendem trabalhar em horário diverso ao estabelecido na lei municipal”. (Número do processo: 1.0105.01.036167-0/001(1) – Relator: EDUARDO ANDRADE – Relator do Acórdão: EDUARDO ANDRADE – Data do Julgamento: 23/12/2003 – Data da Publicação: 06/02/2004)


EMENTA: Comércio. Horário para funcionamento. Competência Municipal. Aplicabilidade do art. 30, I, da CF/88. Ausência de violação ao princípio da isonomia. A fixação do horário de funcionamento do comércio local constitui matéria de competência legislativa do Município, prevista no art. 30, I, da CF/88, não tendo que se falar em violação ao princípio da isonomia ou a qualquer outra norma constitucional”. (Número do processo: 1.0388.03.003444-0/001(1) – Relator: MACIEL PEREIRA – Relator do Acórdão: MACIEL PEREIRA – Data do Julgamento: 14/10/2004 – Data da Publicação: 05/11/2004)


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI MUNICIPAL. VEDAÇÃO DE FUNCIONAMENTO DE GRANDES SUPERMERCADOS AOS DOMINGOS E FERIADOS. 1. De acordo com o art. 13, II, da Constituição do Estado, com a redação dada pela EC 35/03, compete aos municípios dispor sobre o horário e dias do funcionamento do comércio local. Assim, não padece de inconstitucionalidade a Lei 2.928/99, do Município de Uruguaiana, que veda o funcionamento de grandes supermercados aos domingos e feriados, entendimento já firmado na ADIn 70000502948, Relator Desembargador VASCO DELLA GIUSTINA, julgada em confronto com a antiga redação do art. 13, II, da Constituição Estadual, que não incluía, expressamente, os dias de funcionamento como matéria reservada à competência legislativa dos municípios. 2. INCIDENTE DESACOLHIDO. (Incidente de Inconstitucionalidade Nº 70013488408, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 13/03/2006)”.


A Lei Federal n. 10.101/2000, com a redação que lhe deu a Lei 11.603/2007, fortaleceu com robustez a autonomia dos Municípios para a atividade legislativa de interesse local, notadamente aquela relativa ao trabalho aos domingos e feriados nas atividades do comércio em geral.


Pelo que traz-se aqui excertos desse Diploma Federal Ordinário, no que mais interessa aqui para o alcance do disposto no Art. 30, Inciso I, da Lex Fundamentalis em vigor, in litteris:


“LEI N. 10.101, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000


Art. 6º Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.


Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.


Art. 6º-A. É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição”.


Como se vê, por óbvio, o texto citado do Art. 6º, da Lei 10.101/2000, rende prestígio serviente ao disposto no Art. 30, Inciso I, da Constituição Federal, não suprimindo ou rebaixando a competência legislativa municipal.


O trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral deverá observar a legislação municipal.


O repouso semanal remunerado que deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, diz respeito única e exclusivamente à gestão interna de funcionários na empresa, a escalas de trabalho a serem levadas a efeito pelos empregadores – é o chamado exercício do jus variandi – , nada tendo a ver, assim, com a questão da abertura do estabelecimento, que transcende em muito a questão laboral, tangenciando outros ramos do Direito, como o Direito Comercial, Direito do Consumidor e o Direito Urbanístico, entre outros.


Com sua reconhecida categoria e domínio no tema laboral, o Mestre trabalhista DÉLIO MARANHÃO bem nos elucida o melhor significado do jus variandi do empregador no contrato de trabalho, in verbis:


 “O contrato de trabalho, se, por um lado, é disciplinado pelos princípios que informam a sistemática jurídica em matéria contratual, apresenta, por outro, peculiaridades, inerentes à própria natureza da relação que dele se origina, e que determinam, em certos casos, um desvio do regime jurídico comum. Tais desvios, afinal, é que fazem do ordenamento jurídico do trabalho um direito especial. Assim é que, como decorrência do poder patronal de dirigir os destinos da empresa, já que assume o empregador os riscos da atividade econômica, admite-se possa este, dentro de certo limites, introduzir alterações não substanciais nas condições de trabalho: é o jus variandi” (Instituições de Direito do Trabalho, Editora LTr, pág. 530).


Já com relação ao Art. 6º-A da Lei 10.101/2000 – que preconiza que é permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do Art. 30, Inciso I, da Constituição – é preciso que não se estabeleça confusão ou interpretação equivocada. Há, aqui, para os feriados, verdadeira mitigação do poder legislativo municipal.


Trata este Art. 6º-A de feriados, e não de domingos.


O trabalho aos domingos, como visto, é expressamente regulado pelo seu antecessor Art. 6º: “Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição”.


Pois bem.


Aos domingos a regra é a liberdade de funcionamento do comércio em geral, que poderá ser mitigada ou afastada por completo unicamente pelo Município, mediante Lei, aprovada pela Câmara de Vereadores, Órgão do Poder Legislativo representativo do povo local (in verbis: “observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição”).


Para o trabalho os domingos, assim, os Princípios da Autonomia Municipal, da Legalidade e da Reserva da Lei são invencíveis. Não há qualquer menção da Lei 10.101/2000, em seu Art. 6º, sobre “convenção coletiva de trabalho” para as atividades do comércio em geral aos domingos.


A “convenção coletiva de trabalho”, por isso, é fonte de produção de regulamentação jurídica laboral estranha à normatização do trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral. É uma verdadeira intrusa.


Outra coisa se dá nos feriados. Aí, a história é outra.


Para o trabalho aos feriados, o Art. 6º-A, da Lei 10.101/2000, exige como condição prévia autorização depositada em “convenção coletiva de trabalho” (“e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição”). Perceba-se, ainda, que a “convenção coletiva de trabalho” deverá ser integrada e coadjuvada por legislação local permissiva para o trabalho nos feriados.


Desfazendo qualquer dúvida ou mesmo deficiência explicativa, valho-me das preciosas lições do Mestre Vanguardista MARCELO ALEXANDRINO, que na sua festejada Obra MANUAL DE DIREITO DO TRABALHO (MÉTODO, 2008, pág. 189), bem elucida a questão, pondo-a de maneira mais cristalina ao Operador do Direito, in verbis:


 “A Lei nº 10.101/2000 autoriza o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Costituição. Mas, nesse caso, determina a Lei que o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva (art. 6º, com a redação dada pela Lei nº 11.603, de 05.12.2007).


Essa mesma Lei permite, também, o trabalho em feriados nas atividades no comércio em geral, mas, neste caso somente se previamente autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição (art. 6º-A, acrescentado pela Lei nº 11.603, de 05.12.2007).


Note-se que o legislador estabeleceu regras distintas para o trabalho aos domingos e nos feriados. Para os trabalhos aos domingos, não há necessidade de previa autorização em convenção coletiva, mas é obrigatório que o repouso semanal remunerado coincida, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo. Já para os trabalhos nos feriados, exige-se autorização previa em negociação coletiva.


Nos dois casos – trabalhos aos domingos e feriados – , impõem-se a observância da legislação municipal, haja vista que, por força do inciso I do art. 30 da Constituição Federal, compete aos municípios legislar sobre o horário de funcionamento do comercio local”.


Também com grande habilidade, em reforço ao autor acima citado, oportuno se faz transcrever as brilhantes lições do Mestre trabalhista RENATO SARAIVA (MÉTODO, 2009, pág. 305/306), que leciona, in verbis:


“Impende destacar que a Lei 11.603, de 5 de dezembro de 2007 (que alterou e acrescentou dispositivo à Lei 10.101/2000), autorizou o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, sendo que o repouso semanal remunerado deverá coincidir pelo menos um vez, no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.


Outrossim, a Lei 11.603/2007 permitiu o trabalho em feriados nas atividades no comércio em geral, desde que autorizadas em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal.


De qualquer forma, laborando aos domingos, o empregado deverá gozar de folga compensatória, sob pena de receber em dobro a remuneração do dia trabalhado”.


Em suma, é autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observado tão-somente a legislação municipal, nos termos do Art. 30, Inciso I, da Constituição. Já para os feriados, é permitido o trabalho nas atividades do comércio em geral, desde que (a) autorizado em convenção coletiva de trabalho e (b) observada a legislação municipal.


Diante de todo esse expresso e categórico arcabouço legislativo, jurisprudencial e doutrinário, os Municípios não deverão tolerar em seus territórios que o funcionamento aos domingos das atividades do comércio em geral, notadamente o fechamento de supermercados e hipermercados, seja regulado por convenção coletiva de trabalho, em direta e frontal agressão ao disposto no comando do Art. 6º, da Lei 10.101/2000 e Art. 30, Inciso I, da Constituição Federal, que só permitem essa negociação coletiva – e sua imposição a todos – para os feriados, e, insista-se, não para os domingos.


A Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. E os Sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva.     


O Código de Posturas do Município de Vitória/ES – Lei n.º 6.080/03 – , a título de exemplo, que regula as medidas de polícia administrativa, de higiene, ordem pública e funcionamento dos estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviço, além do comércio eventual e ambulante, determinando as relações entre o Poder Público e os Munícipes, em sua Seção destinada ao funcionamento de estabelecimento comerciais, industriais e prestadores de serviço, assim dispõe:


“Código de Posturas e de Atividades Urbanas do Município de Vitória


SEÇÃO V DO HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO


Art. 153. É facultado ao estabelecimento comercial, industrial e prestador de serviço, definir o próprio horário de funcionamento, respeitadas as demais disposições legais.


Parágrafo único. A administração poderá determinar o horário de funcionamento, em caráter temporário ou definitivo, de forma a garantir melhor condição ao sossego público, fluidez no trânsito de veículos ou pessoas, interferências com obras públicas ou de interesse público bem como o cumprimento das normas estaduais ou federais relativas a atividade do estabelecimento.


Art. 154. A administração fixará escala de plantão de farmácia e drogaria, visando a garantia de atendimento de emergência à população.


Parágrafo único. Nos bairros e/ou regiões onde houver estabelecimento comercial de produtos farmacêuticos funcionando em regime de 24h (vinte e quatro horas), a critério da administração, poderá ser dispensado da escala as demais farmácias.


Art. 155. Todo posto de abastecimento de combustíveis, supermercado, farmácia, drogaria, hospital, clínica, boate e outros a critério da administração, deverá colocar em local visível ao público o respectivo horário de funcionamento.


Parágrafo único. O estabelecimento não poderá se negar a atender ao público dentro do horário de funcionamento indicado no aviso, sendo permitido extrapolar o horário desde que não infrinja outras normas a que esteja sujeito”.


Como se vê, assim, a sociedade empresária que tem por objeto social o exercício de atividade supermercadista e hipermercadista, entre outras tantas, no exemplo dado do Município de Vitória (ES), por falta de vedação legal, tem direito líquido e certo de funcionar aos domingos, especialmente porque, repise-se, a legislação municipal confere a tais atividades comerciais e afins a possibilidade de tal funcionamento, sem qualquer limitação de dia e horário em geral, e, ainda, inadmissível a figura da convenção coletiva de trabalho, convidada esta última apenas para dispor sobre o funcionamento nos feriados. Pelo que, respeitadas opiniões abalizadas em contrário, empresas que não tenham representação sindical, ou que discordem de seu comando coletivo, quando provocados, poderão recusar-se à negociação coletiva abrindo normalmente os seus estabelecimentos.


É a velha e conhecida lição de que é nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei, for impossível o seu objeto, e caminhar de encontro à lei imperativa.


Em conclusão: “Art. 6º Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição”; e, “Art. 6º-A É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição” (Lei Federal 10.101/2000).


Dura lex sed lex.



Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público do Estado do Espírito Santo


Equipe Âmbito Jurídico

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