O art. 4º. da Lei nº. 6.515/77[1]
dispõe que “dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges,
se forem casados há mais de 2 (dois) anos[2],
manifestado perante o juiz e devidamente homologado”[3],
o que vale dizer, conforme o dispositivo supramencionado, que a condição
essencial para essa modalidade de separação é que os cônjuges estejam casados
pelo menos há dois anos.
Para Clóvis Beviláqua, a
justificativa para essa vedação antes de dois anos é razoável, pois o casamento
é, ao mesmo tempo, um instituto jurídico e social, em que predomina a liberdade
individual e a dignidade do casamento e se a lei permitisse a separação
consensual antes de dois anos de vida conjugal, estaria atendendo somente a
liberdade individual, possibilitando que pessoas irrefletidas se casassem sem
atender à gravidade e à santidade do ato e, no outro dia, já se separassem
consensualmente, pondo fim ao laço que deram por simples desfastio[4].
Agora, com a entrada em vigor do
Novo Código Civil[5], em 12 de
janeiro de 2003[6], estabeleceu-se
o prazo de um ano de casamento para que os cônjuges possam se separar
consensualmente[7], conforme
está previsto no art. 1.574: “Dar-se-á a separação judicial por mútuo
consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem
perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção”.
Teria este novo dispositivo legal,
art. 1574 do Código Civil, revogado o art. 4º. da Lei de Divórcio?
Revogar é tornar sem efeito uma
norma, revogando sua obrigatoriedade. Revogação é um termo genérico, que indica
a idéia de cessação da existência da norma obrigatória. A revogação é o gênero
que contém duas espécies: a) a
ab-rogação, que é a supressão total da norma anterior, por ter a nova lei
regulado inteiramente a matéria, ou por haver entre as duas incompatibilidade
explícita ou implícita, e b) a derrogação, que torna sem efeito uma parte da
norma. A norma derrogada não perderá sua vigência, pois somente os dispositivos
atingidos é que não mais terão obrigatoriedade[8].
A revogação ainda pode ser expressa,
se a norma revogadora declarar qual a lei que está extinta em todos os seus
dispositivos ou apontar os artigos que pretende sejam expressamente revogados,
ou tácita, quando houver incompatibilidade entre a lei nova e a anterior pelo
fato de a lei nova disciplinar parcial ou totalmente a matéria tratada na lei
anterior.
No caso em questão, o art. 2.045 do
Novo Código Civil revogou expressamente a Lei nº. 3.071, de 1º. de janeiro de
1.916 – Código Civil – e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº. 556, de
25 de junho de 1850, silenciando-se em relação à Lei de Divórcio (Lei nº.
6.515/77).
Não obstante o silêncio do Novo
Código Civil quanto à revogação expressa deste dispositivo (art. 4º da Lei de
Divórcio), o prazo de casamento para os cônjuges se separarem consensualmente
foi reduzido para um ano pelo Novo Código Civil (art. 1.574), prazo este que é
incompatível com a disciplina anterior, logo a conclusão a que se chega é que
houve revogação tácita do art. 4º. da Lei de Divórcio, conforme art. 2º., § 1º,
da Lei de Introdução ao Código Civil.
Nessa linha de raciocínio, o prazo
mínimo de casamento para os cônjuges se separarem consensualmente seria de um
ano, nos exatos termos do que dispõe o art. 1.574 do Novo Código Civil?
A resposta é depende.
Depende da data em que o casamento
foi celebrado e da regra geral (e não
específica) de transição prevista no art. 2.028 do Novo Código Civil, aqui
transcrito: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este
Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da
metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
Assim, o prazo mínimo de casamento
será de 2 (dois) anos para a separação judicial consensual, portanto o prazo
previsto art. 4º. da Lei de Divórcio, se na data da entrada em vigor do Novo
Código Civil (12.01.2003) já houver transcorrido mais da metade do tempo (mais
de um ano) estabelecido na lei revogada (Lei de Divórcio).
Para exemplificar, imagine um
casamento celebrado em novembro de 2001. No ano seguinte, em 2002, no mês de
dezembro, este casamento terá completado mais de um ano, ou seja, terá atingido
mais da metade do tempo, que é de dois anos, estabelecido na Lei de Divórcio
(Lei nº. 6.515/77) e antes da entrada em vigor do Novo e Atual Código Civil,
que ocorreu em 12.01.2003, hipótese em que o prazo para a separação consensual
dos cônjuges será de dois anos, nos termos da regra geral de transição prevista
no art. 2028 do Novo Código Civil c.c. o art. 4º. da Lei de Divórcio.
Por outro lado, se o casamento foi
celebrado a partir de 12.01.2002, não terá atingido mais de um ano em
12.01.2.003 (data da entrada em vigor do Novo Código Civil) e, nesta hipótese,
o prazo para a separação consensual dos cônjuges será de 1 (um) ano, conforme
art. 1.574 c.c. o art. 2.028 do Novo Código Civil.
Em conclusão, se o casamento foi
celebrado a partir de 12.01.2.002, os cônjuges podem se separar consensualmente
com base no art. 1.574 do Novo Código Civil, que prevê o tempo de um ano para a
homologação da separação judicial consensual; se o casamento for anterior a
12.01.2.002, o prazo para os cônjuges se separarem consensualmente é de dois
anos, nos termos do art. 4º da Lei de Divórcio c.c. o art. 2.028 do Novo Código
Civil.
[1] Lei de
Divórcio.
[2] Conta-se o
prazo a partir da data da celebração (CC/1916 e LRP, art. 73, § 2º).
[3]
A separação, ainda que consensual, deve ser homologada pelo juiz. Trata-se de
ato de jurisdição voluntária.
[4]
Beviláqua, Clovis. Código civil. 10 ed. Rio de Janeiro: Livr. Francisco
Alves, 1954. II, p. 216
[5] Lei nº.
10.406, de 10.01.2.002.
[6]
O Código Civil foi publicado em 11.01.2.002, com prazo de um ano, após sua
publicação, para entrar em vigor (art. 2.044). A contagem do prazo para a
entrada em vigor do Código Civil é feita com base no art. 8º, § 1º, da LC
95/98, com a redação dada pela LC 107/01.
[7]
O prazo é contado a partir da data da celebração do casamento (CC, art. 1533, e
LRP, art. 73, § 2º).
[8]
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro
interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 64.
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo; Mestre em direito público (Universidade de Franca); Professor de teoria geral de processo civil e direito processual civil na UNIP, no Estado de São Paulo; Sócio-fundador da AREJ, Academia Riopretense de Estudos Jurídicos.
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