Resumo: O presente texto apresenta considerações sobre o sistema global de promoção, proteção e reparação de direitos humanos. Tece considerações ainda sobre o sistema da ONU, apresentando seus antecedentes históricos, seus principais instrumentos normativos e seus mecanismos e organismos de supervisão e monitoramento, bem como suas tentativas de aperfeiçoamento em implementação.
Palavras-chave: Direitos humanos, proteção, sistema global.
Abstract: This paper presents considerations about the global systems of promotion, protection and repair of human rights. Also makes considerations about the UN system, with its historical background, its main instruments and their regulatory mechanisms and monitoring and supervisory bodies, as well as improvement in their attempts to implementation.
Keywords: Human rights, protection, UN systems.
Sumário: 1. Introdução. 2. O sistema global de proteção dos direitos humanos. 2.1. Os principais instrumentos normativos do Sistema Global. 2.2. Os principais organismos e mecanismos do Sistema Global. 3. Considerações finais.
1. Introdução
Historicamente, a Carta das Nações Unidas, de 1945, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, são os principais instrumentos normativos sustentadores da proteção universal dos direitos humanos.
Além disso, e, principalmente, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que impulsionou o processo de generalização da proteção dos direitos humanos, diversos outros instrumentos normativos, tratados e convenções internacionais, foram elaborados visando à promoção e proteção dos direitos humanos. Até mesmo os Estados nacionais, inspirados neste complexo normativo internacional, passaram a adotar, em seus textos constitucionais, de forma expressa, a necessidade de proteção e promoção dos direitos humanos.
Todavia, os direitos humanos não são protegidos, efetivados e concretizados apenas porque foram declarados, pactuados, convencionados ou mesmo constitucionalizados1. A garantia da proteção, efetivação, promoção e concretização dos direitos humanos exige a organização articulada de sistemas de proteção que realizem o monitoramento, a supervisão e a fiscalização do cumprimento, especialmente pelos estados, do corpus júris dos direitos humanos.
Assim, a crescente demanda em torno da efetivação dos direitos humanos, especialmente em face da comum incapacidade dos estados de darem a eficaz proteção a esses direitos, fez surgir os sistemas e seus mecanismos de proteção dos direitos humanos, no âmbito internacional.
Os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos foram organizados em dois níveis complementares, a saber, o sistema em nível global – Sistema da ONU – e os sistemas em nível regional – o Sistema Europeu, o Sistema Interamericano, o Sistema Africano e o Sistema Árabe. O presente artigo tem como foco o Sistema Global, seus principais instrumentos normativos e organismos de supervisão e monitoramento.
2. O Sistema Global de proteção dos direitos humanos.
O Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, também chamado de Sistema da ONU ou de Sistema Universal, eis que seus princípios iluminam, inspiram e influenciam o surgimento dos demais instrumentos normativos posteriores2, tem como fonte normativa imediata a Carta das Nações Unidas de 1945, a qual, ao estabelecer que os Estados-partes devem promover a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e, demarcar o início do processo de universalização dos direitos humanos, exige, consequentemente, a necessidade de efetivação desses direitos, sob a vigilância de um sistema de monitoramento, supervisão e controle.3
O Sistema Global integra a estrutura da ONU, cujos órgãos principais são: a Assembléia Geral, o Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o Conselho Econômico e Social e o Secretariado4.
2.1. Os principais instrumentos normativos do Sistema Global.
O Sistema da ONU é integrado por instrumentos normativos gerais e especiais e por organismos e mecanismos de vigilância, supervisão, monitoramento e fiscalização dos direitos humanos. Os instrumentos normativos gerais são principalmente aqueles que integram a chamada Carta Internacional de Direitos Humanos, que é composta pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. São chamados de gerais porque endereçados a toda e qualquer pessoa humana, indistintamente. Além destes, também compõem o conjunto normativo do Sistema Global as diversas Convenções Internacionais5, estas consideradas como instrumentos normativos especiais, portanto não gerais, porque voltadas, “fundamentalmente, à prevenção da discriminação ou à proteção de pessoas ou grupos de pessoas particularmente vulneráveis, que merecem tutela especial.”6
2.2. Os principais organismos e mecanismos do Sistema Global.
Para a vigilância, supervisão, monitoramento e fiscalização do cumprimento dos instrumentos normativos gerais e especiais foram criados organismos e mecanismos extraconvencionais e convencionais, respectivamente. Annoni esclarece a diferença:
“Essa proteção extraconvencional diferencia-se dos demais mecanismos de proteção das Nações Unidas, justamente por ter sido fundamentada na Carta da ONU e na Declaração Universal de 1948. Não há recurso a acordos específicos; ao contrário, busca-se extrair a proteção dos direitos humanos da interpretação ampla dos objetivos de proteção aos direitos humanos da ONU, e do dever de cooperação dos Estados para alcançar tais objetivos. (…) Os procedimentos convencionais distinguem-se dos procedimentos extraconvencionais, já que esses obrigam os Estados contratantes, enquanto os procedimentos extraconvencionais buscam vincular os membros da Organização, sem o recurso às convenções específicas. (…) O termo extraconvencional, apesar de inexato, é utilizado justamente para enfatizar a diferença entre procedimentos coletivos nascidos de convenções específicas (…) e os procedimentos adotados pela Organização que nascem baseados em dispositivos genéricos…”7
Assim, vejam-se os principais organismos e mecanismos extraconvencionais e convencionais.
2.2.1. A Comissão de Direitos Humanos da ONU.
A Comissão de Direitos Humanos da ONU – CDH foi8 o principal órgão do Sistema Global. Criada em 1946, por ação do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), a CDH era composta de 53 Estados, com mandato de três anos, tendo como função geral promover e proteger os direitos humanos, em âmbito mundial. De 1946 até 1967 – fase legislativa9 – a CDH dedicou-se, quase exclusivamente, na elaboração do arcabouço normativo destinado à promoção dos direitos humanos, especialmente da Declaração Universal de 1948 e dos dois grandes Pactos Internacionais, de 1966.
A partir de 1967 a Comissão iniciou sua fase de implementação10, mais intervencionista, assumindo um papel de apreciação de casos de violações de direitos humanos, seguindo, para isso, basicamente, dois procedimentos criados pelo Conselho Econômico e Social da ONU: o Procedimento 1235 e o Procedimento 1503.
Sobre o Procedimento 1235, Piovesan esclarece:
“O procedimento 1235, criado pela Resolução n. 1235 do Conselho Econômico e Social em 6 de junho de 1967, simplesmente autorizou a Comissão de Direitos Humanos e a Subcomissão sobre a Prevenção contra a Discriminação e a Proteção de Minorias, hoje denominada Subcomissão para a Promoção e para a Proteção de Direitos Humanos, a examinarem informações referentes a violações sistemáticas a direitos humanos. Atualmente essa autorização serve de base tanto para a realização de um debate público anual (em que organizações não governamentais e governos têm a oportunidade de indicar as “situações” que entendem ser relevantes para análise da Comissão e Subcomissão), quanto para a investigação e a análise de casos específicos pela Comissão e pela Subcomissão. A análise de casos específicos pode ensejar as seguintes medidas: a indicação de serviços de aconselhamento para a Estado; a adoção de uma resolução, determinando que o Estado apresente informações; mero requerimento ao Estado para que responda às alegações; adoção de uma resolução determinando que o Estado adote as medidas cabíveis; a indicação de um relator especial ou de um grupo para examinar a situação; ou mesmo um requerimento ao Conselho de Segurança para que estude o caso e adote eventuais sanções.”11
Lima Jr, por sua vez, explica acerca do Procedimento 1503:
“O Procedimento 1503 foi estabelecido, por meio da resolução 1503, de 27 de maio de 1970, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), com a finalidade de dar resposta à grande quantidade de graves e sistemáticas violações de direitos humanos que frequentemente chegam à ONU. O Procedimento não lida com casos individuais de violações de direitos humanos, mas com situações que afetam grandes contingentes populacionais. (…) A propósito desse procedimento. Como assinala Cançado Trindade, “o exame de situações prevalentes (afetando grupos de indivíduos em países diversos), nos termos da Resolução 1503, pode ser utilizado independentemente de ratificação por parte dos Estados-membros da ONU”.12
Sob o Procedimento 1503 a Comissão de Direitos Humanos da ONU recebeu, anualmente, em média, cerca de 50 mil reclamações, sendo que, de 1972 a 2001, 80 países foram examinados, inclusive o Brasil, tendo sido levado à Comissão nos anos de 1974 a 1976.13
Acusada de não ter poder suficiente para tomar decisões mais eficazes referentes às denúncias de violações de direitos humanos, de ser “seletiva e excessivamente politizada” em relação às medidas a serem adotadas contra Estados violadores de direitos humanos e até mesmo de ser complacente com diversos países que colocavam seus interesses acima dos direitos humanos, a Comissão de Direitos Humanos foi dissolvida e substituída pelo novo Conselho de Direitos Humanos.
2.2.2. O Novo Conselho de Direitos Humanos da ONU.
O novo Conselho de Direitos Humanos da ONU14, criado pela Resolução 60/251, aprovada pela Assembléia Geral no dia 15 de março de 200615, em substituição à dissolvida Comissão de Direitos Humanos, nasce num contexto de tentativa de reforma da ONU, em busca de retomar a credibilidade ameaçada, sobretudo em face de graves acontecimentos como a invasão não autorizada do Iraque em 2003, que colocaram em xeque a eficiência do órgão.
Ademais, a criação do novo Conselho pretende alçar a temática dos direitos humanos ao mesmo status que as questões da segurança e do desenvolvimento, debatidas no âmbito do Conselho de Segurança e do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), ao qual até agora estava subordinada a Comissão de Direitos Humanos, tornando o novo Conselho um órgão de direitos humanos mais forte e eficaz.
Constituído de 47 países, inclusive do Brasil16, eleitos no dia 09 de maio de 2006 por um período de 03 (três) anos, e distribuídos geograficamente, o novo Conselho tem como principal vocação institucional “promover o respeito universal pela proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas, sem distinções de nenhum tipo e de forma justa e eqüitativa”.17
Além disso, o Conselho de Direitos Humanos se ocupará de:
“situações em que se violem os direitos humanos, incluídas as violações graves e sistemáticas; coordenar e incorporar os direitos humanos à atividade geral do sistema da ONU; impulsionar a promoção e a proteção de todos os direitos humanos, incluído o direito ao desenvolvimento; promover a educação em direitos humanos e prestar serviços de assessoria técnica por solicitação e de acordo com os Estados interessados; servir de fórum para o diálogo sobre questões temáticas referentes a todos os direitos humanos; contribuir para o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos; promover o pleno cumprimento das obrigações em matéria de direitos humanos contraídas pelos Estados; facilitar o acompanhamento dos objetivos e compromissos sobre direitos humanos emanados das conferências e cúpulas das Nações Unidas; realizar um exame periódico universal, baseado em informação objetiva e fidedigna, sobre o cumprimento por cada Estado de suas obrigações e compromissos em matéria de direitos humanos, de uma forma que garanta a universalidade do exame e a igualdade de tratamento em relação a todos os Estados, baseado num diálogo interativo, com a plena participação do país de que se trate e levará em consideração suas necessidades em relação ao fomento da capacidade; prevenir as violações de direitos humanos e responder com prontidão às situações de emergência em matéria de direitos humanos; cooperar estreitamente em matéria de direitos humanos com os governos, as organizações regionais, as instituições nacionais de direitos humanos e a sociedade civil ; e assumir as funções e atribuições da Comissão de Direitos Humanos em relação ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos”. 18
Simples comparação19 com a extinta Comissão de Direitos Humanos pode ajudar a entender melhor os novos contornos desse novo órgão:
QUADRO COMPARATIVO:
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS X CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS
O Conselho está sediado em Genebra, na Suíça, como órgão subsidiário da Assembléia Geral20 devendo reunir-se, periodicamente, no mínimo 03 (três) períodos de sessões por ano, incluindo um período de sessão principal, que tenham uma duração total não inferior a dez semanas, podendo, ainda, realizar, por solicitação de um membro do Conselho, com apoio de um terço dos membros, períodos extraordinários de sessões21.
O Conselho, sob a presidência do embaixador mexicano Luis Alfonso de Alba, reuniu-se, pela primeira vez, em Genebra, na Suíça, no período de 19 a 30 de junho de 2006, já buscando fixar as regras de funcionamento do novo órgão e, desde então, já realizou várias sessões especiais22.
Todavia, mesmo nascendo sob a expectativa de tornar-se, efetivamente, um organismo sólido e eficaz, o novo Conselho já é alvo de análises críticas, questionamentos e propostas para seu aperfeiçoamento. Neste sentido Duran, referindo-se às funções e ao status do Conselho assevera que:
“Deve-se lembrar que todas estas funções já eram desempenhadas de jure ou de facto pela Comissão de Direitos Humanos; portanto, o valor agregado do Conselho de Direitos Humanos limita-se à sua previsível maior visibilidade política (ao ser um órgão subsidiário da Assembléia geral em vez de depender do ECOSOC) e ao seu maior número de período de sessões ordinárias (pelo menos três por ano). As sessões ordinárias irão supor também um incremento de seis a dez semanas por ano.”23
Duran critica a Resolução de criação do Conselho por não indicar como será medido o cumprimento por parte dos Estados de suas obrigações em questões de direitos humanos; por não especificar como se proporcionará ao Conselho a “informação objetiva e fidedigna” sobre a real situação em cada Estado, bem como pela resolução também não especificar se o exame realizado “pelos próprios Estados-membros do Conselho de Direitos Humanos se realizará em sessão pública ou privada, a “portas fechadas”.24
E propõe que:
“o Conselho de Direitos Humanos tenha a categoria de órgão principal e permanente da Organização; contenha uma composição universal; e desfrute da mesma visibilidade política que o Conselho de Segurança, do ECOSOC ou da Assembléia Geral; o Conselho de Direitos Humanos e o Conselho de Segurança tenham uma relação de trabalho direta, horizontal e fluida, em virtude do reconhecimento da estreita relação existente entre as violações massivas dos direitos humanos e a manutenção da pez e da segurança internacionais; transitoriamente, enquanto não for alcançado o objetivo de que o Conselho de Direitos Humanos tenha uma composição universal, deverá ser exigido dos Estados candidatos que tenham ratificado, pelo menos, sete tratados básicos de direitos humanos e seus correspondentes protocolos facultativos; a determinação de se um Estado cometeu violações sistemáticas dos direitos humanos, para os efeitos de sua suspensão como Estado-membro do Conselho de Direitos Humanos, deveria ser confiada ao ditame de um especialista independente (relator especial por país); a avaliação de cada Estado se realizará sobre a base das obrigações emanadas da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e das obrigações específicas contraídas por meio da ratificação dos tratados de direitos humanos; a fonte de informação será o relatório anual sobre a situação dos direitos humanos em todos os Estados-membros da Organização, a ser preparado sob a autoridade de uma comissão de especialistas independentes; o Conselho de Direitos Humanos fará sessões em reuniões públicas, submetido ao escrutínio das organizações não-governamentais de direitos humanos; o objetivo principal da revisão periódica entre pares será avaliar a situação dos direitos humanos em cada país e, subsidiariamente, assinalar medidas idôneas de capacitação técnica e desenvolvimento institucional.”25
Críticas à parte, o Conselho de Direitos Humanos parece inicialmente refletir um avanço significativo no processo de aperfeiçoamento do Sistema Global de Proteção dos Diretos Humanos.
2.2.3. Os Comitês de Direitos Humanos.
Os Comitês são considerados mecanismos convencionais de proteção dos direitos humanos, isto porque são geralmente criados por meio de convenções internacionais. São compostos por especialistas em matéria de direitos humanos, independentes e autônomos, à disposição do Comitê.
Em geral, as funções e atribuições dos Comitês são as seguintes:
“examinar relatórios dos governos e da sociedade civil, na perspectiva do monitoramento da implementação dos tratados de direitos humanos nos Estados-partes, bem como receber e considerar as comunicações interestatais e as petições individuais; auxiliar os Estados a melhorar a implementação dos tratados de direitos humanos, no âmbito interno; elaborar observações gerais sobre os direitos e as disposições contidas nos tratados, com vistas a assistir os Estados-partes no cumprimento de suas obrigações concernentes à apresentação de informes e contribuir para esclarecer sobre a interpretação do significado e do conteúdo dos tratados de direitos humanos”.26
No Sistema Global, os Comitês são:
– O Comitê de Direitos Humanos para monitorar a implementação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos;
– O Comitê de Direitos Humanos para monitorar a implementação do Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais;
– O Comitê para monitorar a implementação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial;
– O Comitê para monitorar a implementação da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes;
– O Comitê para monitorar a implementação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança; e,
– O Comitê para monitorar a implementação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Sobre tais Comitês, Almeida assevera:
“O Comitê de Direitos Humanos, previsto no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, é um dos mais importantes órgãos de monitoramento previstos nos tratados do DIDH; ele inicia seu trabalho em 1976 e, nos últimos anos, vem incrementando sua atuação. (…)
O Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (previsto na convenção do mesmo nome) começa suas atividades em 1968 e é o primeiro órgão pertencente a um tratado específico a dar início a seu trabalho de supervisão (…)
No decorrer das décadas de 70 e 80, novos órgãos de supervisão previstos em tratados do DIDH passam a operar: (…) o Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, o Comitê contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e o Comitê sobre os Direitos da Criança. Em 1985, por meio da Resolução nº 1.985/17 do ECOSOC, estabelece-se o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, para supervisionar o pacto de mesmo nome.
Todos os comitês há pouco citados recebem relatórios dos Estados-partes a respeito da situação dos direitos humanos elencados nos respectivos tratados. Sua principal tarefa não é condenar os Estados que não cumprem com suas obrigações convencionais, mas prestar assistência na gradual implementação desses direitos. O relatório é muito mais um instrumento de informação e monitoramento do que de constatação de denúncia de alguma grave violação (…)”.27
Note-se, portanto, a especial importância dos Comitês como organismos de monitoramento da implementação dos principais tratados internacionais de direitos humanos.
2.2.4. Os Relatores Especiais e os Grupos de Trabalho.
Dentre os mecanismos extraconvencionais28 de proteção dos direitos humanos, no Sistema Global, importa destacar os Relatores Especiais e os Grupos de Trabalho.
Sobre os Relatores Especiais Lima Jr. esclarece:
“Os relatores especiais, representantes especiais ou experts independentes têm seu mandato estabelecido pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, órgão ao qual devem prestar contas anualmente, durante a reunião da Comissão, em Genebra. A Comissão estabelece dois tipos de mandatos: temáticos – quando se referem a situações específicas de direitos humanos – e por países – quando se referem à situação dos direitos humanos em determinados países.
Em termos gerais, aos relatores especiais, representantes especiais ou experts independentes são atribuídos os poderes de investigar situações de direitos humanos, através de visitas in loco, receber denúncias ou comunicações, e oferecer recomendações de como solucioná-las. São, assim, uma contribuição, no plano internacional, para que os países consigam implementar seus compromissos com os direitos humanos, resultado da ratificação de instrumentos internacionais e dos seus próprios instrumentos nacionais (constituições, leis ordinárias, programas e planos de direitos humanos) de proteção dos direitos humanos.
Embora sejam considerados mecanismos extraconvencionais da ONU, os relatores especiais são os “experts em missão” previstos na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, de 1946, instrumento que, de alguma forma, respalda convencionalmente a sua ação”.29
Ressalte-se que o Conselho de Direitos Humanos herdou e prosseguirá todos os mandatos e responsabilidades da antiga Comissão de Direitos Humanos, inclusive dos relatores especiais e grupos de trabalho, os quais serão objetos de análise um ano depois da primeira sessão do Conselho30.
Atualmente são 31 relatores temáticos e 17 relatores por país31. O Brasil já recebeu a visita de diversos relatores especiais temáticos, tais como, da relatora sobre a eliminação da violência contra a mulher, em 1996; do relator sobre a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, em 2000; do relator sobre o direito à alimentação, em 2002; do relator sobre a venda de crianças, prostituição e pornografia infantil, em 2003; da relatora sobre execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais, também em 2003; do relator sobre o direito ao desenvolvimento, em 2004; do relator referente ao direito à moradia adequada, em 2004 e do relator sobre a independência dos juízes, também em 2004.32
Sobre os Grupos de Trabalho, Lima Jr. igualmente colabora:
“Os grupos de trabalho, no sistema das Nações Unidas, são constituídos com o objetivo de receber denúncias e elaborar propostas relacionadas a situações de direitos humanos, inclusive novos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. Atualmente, há dois grupos de trabalho permanentes em funcionamento, vinculados à Comissão de Direitos Humanos, ambos relacionados à proteção dos direitos civis e políticos. São eles:
– Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários (composto por cinco membros experts independentes);
– Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária (composto por cinco membros experts independentes).
Nada impede, no entanto, que sejam estabelecidos grupos de trabalho relacionados à proteção dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais”.33
O Sistema Global de promoção e proteção dos direitos humanos integra-se, pois, principalmente, do Conselho de Direitos Humanos, dos Comitês de Direitos Humanos para monitorar a implementação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, dos Comitês para monitorar a implementação das principais convenções internacionais citadas, bem como de Relatores Especiais e Grupos de Trabalho.
Ressalte-se que a atuação desses mecanismos de proteção, embora com características diversas, deve ser articulada e adequada a cada situação de violação dos direitos humanos.
Neste sentido, Piovesan ensina:
“O sistema global de proteção a direitos humanos consiste, portanto, em mecanismos convencionais e não convencionais, que apresentam características consideravelmente diversas. Essas características podem ser usadas, como já foi ressaltado, na escolha do melhor instrumento internacional para cada caso específico, levando em consideração ser ou não o Estado-violador parte de uma convenção determinada, haver ou não suficiente pressão política para sensibilizar órgãos de proteção essencialmente políticos, existir ou não o interesse em construir precedentes normativos.” 34
E depois reconhece:
“Ainda que consideradas as limitações vigentes no sistema global de proteção, a possibilidade de submeter o Estado ao monitoramento e controle da comunidade internacional, sob o risco de uma condenação política e moral no fórum da opinião pública internacional, parece uma importante estratégia a ser utilizada e potencializada pelos indivíduos titulares de direitos internacionais”.35
3. Considerações finais.
A efetividade e a concretização dos direitos humanos não são garantidas apenas com a proclamação normativa de tais direitos. A atuação de um Sistema Global eficiente e eficaz de promoção, proteção e reparação dos direitos humanos é uma exigência do processo de internacionalização construído na história recente da humanidade, para a salvaguarda da dignidade da pessoa humana.
O Sistema da ONU, integrado por diversos organismos e mecanismos convencionais e extra-convencionais, fundamentados em diferentes tratados multilaterais de direitos humanos, depara-se, agora mais do que nunca, com o desafio de promover seu renovado aperfeiçoamento institucional, em busca da credibilidade ameaçada, em face, sobretudo, dos recentes conflitos expostos na comunidade internacional.
É certo que a criação do novo Conselho de Direitos Humanos da ONU nasce com a boa expectativa de consolidar-se, efetivamente, como órgão capaz de, sem vacilações, exercer sua vocação institucional mais preciosa de garantir a salvaguarda universal dos direitos humanos. Todavia, é igualmente certo que muitas resistências ainda restam ser vencidas, para que todos os direitos humanos sejam garantidos a todas as pessoas.
Advogado, Especialista em Educação em Direitos Humanos p/ UFPI e em Infância e Violência p/ USP. Mestre em Educação p/ UFPI. Professor do Curso de Direito do Instituto Camillo Filho e dos Cursos de Especialização e de Preparação à Magistratura da Escola Superior de Magistratura do Piauí. Caroline Bastos de Paiva Borges Bacharel em Direito, Especialista em Direito Público e em Direito Privado p/ UFPI / Escola Superior de Magistratura do Piauí.
Bacharel em Direito, Especialista em Direito Público e em Direito Privado p/ UFPI / Escola Superior de Magistratura do Piauí.
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