O estudo feito apresenta de forma breve, alguns aspectos do instituto pena de morte. Trata-se de um tema polêmico e muito discutido nos dias atuais.
As propostas de pena de morte ligam-se ao maniqueísmo, na medida que os bons julgam-se no direito de punir os maus, enquanto aos maus é dada a oportunidade de expiação de suas culpas, oferecendo suas vidas em sacrifício. A pena capital liga-se a um equivocado conceito de justiça, ou, melhor dizendo, a uma regulamentação da vingança (Reflexões sobre a pena de morte/Marques, João Benedito de Azevedo. 1993, p.50).
A reação aos atos crudelíssimos e arbitrários, por meio de suplícios, em nome do absolutismo, surgiu com a própria evolução da humanidade, principalmente com a filosofia do século XVIII.
A cada época, desde o desaparecimento das penas corporais, surgem novas justificativas éticas, políticas ou morais para o direito de punir.
A civilização contemporânea aboliu o corpo humano como alvo da repressão penal, sendo assim, a adoção da pena de morte configura regressão no que tange a direitos humanos e costumes sociais.
Nos dias de hoje, a criminalidade já se tornou algo freqüente e passou a fazer parte do nosso cotidiano.
Crimes cruéis ocorrem a todo momento e em todos os cantos do mundo. A imprensa manipulada por uma minoria política, exibe crimes torpes usando e abusando de sensacionalismo barato para criar uma comoção pública.
A sociedade por sua vez, abalada pelo sensacionalismo, e pelos inúmeros crimes que realmente constituem um problema social, começa a protestar pela implantação da pena capital.
Porém, os membros da sociedade enganam a si mesmos, pois chegam a essa conclusão levados pela emoção e até mesmo por inexperiência, pelo fato de não terem vivido empiricamente num regime onde estivesse ativada em nosso ordenamento a pena capital, enfim os idealizadores da pena macabra e os que protestam por ela não estão pensando com a razão.
Ademais, todos sabem que em nosso Estado pátrio é defesa a implantação da pena capital, pois é de conhecimento geral que a “vida é o maior bem protegido e garantido constitucionalmente”.
No Brasil, inúmeros políticos já apresentaram propostas de emenda no Congresso, com o intuito de institucionalizar a pena capital na ordem constitucional, através de plebiscitos e outras formas inócuas; formas estas que sequer lembram a forma do devido processo legiferante.
Não está sendo drástico avaliar que estas tentativas políticas não passaram de um intuito de ridicularização da nossa carta maior, pois sabemos que a mesma só poderá ser emendada através do devido processo legislativo, cujos dispositivos aplicáveis seguem transcritos para aclarar a idéia, “in verbis”:
Art. 5º, inc XLVII – Não haverá penas:
de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84º, XIX.
Art. 60º A constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV – Os direitos e garantias individuais:
Sendo assim, as “Cláusulas Pétreas” vedam qualquer possibilidade de emenda constitucional que vise abolir os direitos e garantias individuais, razão pela qual é impossível restabelecer a pena capital no ordenamento jurídico nacional (Reflexões sobre a pena de morte/Marques, João Benedito de Azevedo. 1993, p.18 e 19).
E mais, ao tentar-se de uma forma ludibriada e ineficaz o restabelecimento da pena capital, busca-se na realidade abolir os “princípios constitucionais básicos” ferindo assim a carta magna, ou seja, a proposta de emenda na qual conste em seu teor mérito dessa natureza, não passa de manifesta desobediência e desacato à Constituição Pátria tentando manhosamente passar pelo controle constitucional preventivo. Dessa forma, não poder-se-ia permitir a maculada pena em nosso sistema jurídico.
Seguindo a ordem de pensamento do marquês, em poucas palavras, Vimos que a pena capital não resolve, e que é dotada de manifesta ineficácia. Ressalte-se ainda que, nos países onde a pena foi adotada, a criminalidade não se resolveu. Mister se faz uma ilustração para melhor expor a linha de raciocínio. Tomemos como exemplo os assaltantes de banco. Assaltos dessa natureza, em regra, sempre terminam em combate com a polícia, ou seja, troca de tiros. Geralmente, durante a troca de tiros quem em regra levam a pior são os delinqüentes, pois, apesar destes na maioria das vezes estarem bem municiados, a polícia devido a seu treinamento, acaba levando vantagem. Enfim, algum criminoso tomado pela cólera e pela paixão deixaria de cometer um crime dessa natureza, amedrontado pela possibilidade de ser morto em conflito com a polícia? Óbvio, que não.
A priori, assaltos a bancos constituem uma prática criminosa que aumenta paulatinamente, já que todos os dias ouvimos falar nos noticiários de assaltos e outros tipos de crimes. Sabemos ou deveríamos saber que o homem tomado pela cólera é de fraca personalidade. Quando investido a cometer um crime, não se preocupa com a pena que o espera, mas sim em colocar o crime em ação.
Concluindo, em sinopse, o homem pode ser levado ao crime por inúmeros motivos, e quando decidido e tomado pela paixão, esquece a razão e não medita futuras conseqüências.
No ano de 1969, em razão da “Comoção da Organização dos Estados Americanos”, foi firmado a convenção interamericana de Direitos Humanos, em São José, Costa Rica. Nessa convenção os Estados signatários repudiavam a pena de morte entre outras práticas que desrespeitavam a dignidade humana, essa convenção ficou conhecida mundialmente como “Pacto de São José”.
O governo brasileiro reconheceu a citada convenção em 1985 e foi ratificado pelo Congresso (Decreto nº 678.6 de nov. de 1992).
Enfim, essa convenção só veio reforçar as garantias da dignidade social. A vida sempre foi o direito principal da sociedade, pois sem a vida, não haveria nem mesmo o direito. Através das convenções e tratados, a sociedade vem ao longo do tempo lutando e conquistando garantias e direitos essenciais para a sobrevivência coletiva. E mais, ao longo, a sociedade vem abrindo caminho desbravando para uma vida digna, justa e humana. E hoje, como antes dito temos a vida com o principal direito conquistado e vivemos o ápice do desenvolvimento dos diretos humanos.
Os especialistas no assunto afirmam que, a reintrodução da Pena Capital em nossa carta maior acarretaria um verdadeiro retrocesso histórico, sendo momentaneamente anulado todo resultado de uma luta milenar em prol da dignidade humana e dos direitos fundamentais.
Ressalte-se ainda, que com a Pena Capital estaríamos retrocedendo à época da “Pena de Talião”, ou seja, “olho por olho, dente por dente”, e pode-se afirmar que essa pena medieval era tão ineficaz, que há muito foi abolida das legislações.
De acordo com pesquisas da “ONU” (Organizações das Nações Unidas) foi observado que nos países onde foi adotada a pena de morte, a criminalidade não diminuiu. Como que mesmo tendo essa pena aterrorizante cravada nas legislações, a criminalidade não diminuiu? O marquês de Beccaria em pleno século XVIII já nos dava a resposta.
Segundo Beccaria “a efetividade das penas está no combate à impunidade e na garantia da punição do responsável e não na sua taxa de crueldade” (1870 p 54). Brilhante é a crítica de Beccaria. De que adianta a pena mais aterrorizante se esta não for cumprida? – Seria possível combater um mal com outro mal?
A pena de morte, de certo, só iria aguçar a carnificina, a maldade e criar uma gigantesca contradição social, onde o estado seria visto como um grande matadouro, e as leis seriam vistas como uma pistola pneumática.
Ressalte-se também a grande contradição e o maior argumento argüido por inúmeros juristas.
Ora, o Estado cria uma lei que diz:
Art. 121º Matar alguém
Pena: Reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
Em seguida diz-se que o Estado tem o direito do assassínio legal, será que isso é direito?
Por que somente o Estado pode “matar alguém” ?
Isso é realmente incoerente. O Estado criou a lei 8072 de 25 de julho de 1990 que dispõe sobre crimes hediondos, tipificando como tal os crimes praticados por grupos de extermínio. Alhures, o Estado, protegido com o manto da lei, ou seja, com a pena de morte legalizada, iria fazer uma tarefa que é executada privativamente pelos justiceiros. Sendo assim, esses, ao invés de serem julgados e condenados, iriam receber vencimentos, pois na realidade estariam fazendo o papel do Estado, sem contar que seria uma justiça rápida, e certamente barata.
A aplicação da pena de morte pelo Estado, nada distaria da liberação da vingança social (linchamento), pois, nesta a justiça seria feita pela própria sociedade, não sendo necessário que o Estado se vestisse de uma máscara democrática para agir como matador.
Ressalte-se ainda, que em um país como o nosso, a implantação da pena de morte seria uma vergonha internacional para o povo pátrio, pois o Brasil já subscreveu tratados internacionais que repudiavam essa pena e os países também subscritos já não aplicam mais a pena de morte.
Esta é uma pena com requintes bárbaros, e se trata de uma morte premeditada, com dia e hora para acontecer, e enquanto o grande dia não chega, uma contagem psicológica se inicia no condenado.
Outro dos vários argumentos adotados por juristas contra a Pena Capital é a respeito da irreversibilidade. Em 1993, a ONU (Organização das Nações Unidas), publicou uma pesquisa em que revelava um alto índice de presos condenados por erros judiciários, ou seja, presos que iriam morrer inocentemente. Sendo assim, o que podemos esperar do sistema policial- judicial – prisional brasileiro, cujas características marcantes são a arbitrariedade, a morosidade, a onerosidade, o emperramento burocrático, a superlotação e até mesmo a corrupção tantas vezes denunciada, ignorada e parte integrante da realidade do Brasil?
Não se deve cruzar os braços e fechar os olhos para a criminalidade; mister se faz o combate à impunidade e uma luta para combater a criminalidade, porém, diante dos argumentos inicialmente citados, a sociedade não pode aceitar a reimplantação dessa pena maligna e cruel , pois, além de um grande desrespeito à vida e ao direito, essa sanção cometeria inúmeras injustiças irreparáveis. E também a Pena Capital não teria legitimidade no seio de uma sociedade conscientemente próspera, racional e que realmente anseia por justiça e dignidade e mais respeito pela vida humana.
Não raramente vemos injustiças que ocorrem em sentenças judiciais; porém, em parte, quando isso ocorre, ainda é possível se converter o erro judiciário através de uma satisfatória indenização que é dada ao injustiçado.
Com a Pena Capital não ocorreria injustiça? A morte de um inocente seria esquecida sem rancor algum, através de uma satisfatória indenização? Qual segurança o Estado proporcionaria à sociedade? Certamente a Pena Capital causaria uma revolta no seio social, pois esta foi enterrada e deve continuar enterrada para não enterrar também a dignidade humana e a justiça.
A Pena Capital, em razão de sua irreparabilidade, viola o conceito básico de justiça e associa-se a julgamentos de triste memória que envergonha a humanidade como o de Cristo e Tiradentes que morreram a bel-prazer do Estado.
Ressalte-se, ainda, que o último homem executado em nossa pátria era inocente, sem contar as inúmeras pessoas que já morreram na mesma situação (Reflexões sobre a pena de morte/Marques, João Benedito de Azevedo. 1993, p.43).
Outro grande argumento contra a pena de morte é a discriminação social, e os países que passam, atualmente, por grandes crises econômicas têm maior discriminação, como mostram algumas pesquisas em que realmente é constatado um liame entre a criminalidade e a discriminação social.
Anos já se passaram desde a lei Áurea, e ainda hoje é visível a discriminação que os negros sofrem, sendo que eles, infelizmente ainda têm grandes dificuldades no mercado de trabalho, fora outras dificuldades que esta e outras raças enfrenta na sociedade, dificuldades essas que não deveriam existir em pleno crepúsculo desse novo século. Não menos visível é a marginalização sofrida por segmentos de uma sociedade onde a distribuição de rendas figura entre as mais injustas do mundo. Portanto, a pena de morte seria mais um instrumento de discriminação social, tal como ocorre hoje com as prisões arbitrárias e averiguações feitas pela polícia nas ruas das metrópoles, onde prevalecem os preconceitos de raça, cor e classe social (Reflexões sobre a pena de morte/Marques, João Benedito de Azevedo. 1993, p.52).
A institucionalização de tal pena em nosso sistema jurídico atual, seria seletivamente aplicada aos pobres, aos negros e aos desprovidos de fortuna, que não carecem de mais esta forma de perseguição.
Ao invés da guilhotina ou cadeira elétrica, a sociedade precisa de comida, emprego, escola, saúde e não seria mal um pouco de lazer. Isso sim seria um ótimo remédio para o combate à criminalidade.
No Brasil, país em que vivemos, a diferença social está estampada claramente. Se observarmos atentamente, podemos reparar que existem bairros nas cidades destinados a ricos, a pobres, à classe média e a favelados, ou seja, o rico quer o pobre o mais longe possível, pois atrás da hipocrisia social brasileira, está a absurda ideologia de que só o pobre e o negro que roubam. Grande engano! A sociedade se esquece dos tubarões que dirigem, ou melhor, roubam o país. Estes sim mereciam uma pena rígida e deveriam ser discriminados pela sociedade e não os diferenciados e menos favorecidos economicamente, pois estes não têm oportunidade de viver uma vida digna. Com a Pena de Morte no Brasil, será que ouviríamos falar na execução de algum criminoso milionário, com dinheiro suficiente para ser defendido pelos melhores advogados?
A maioria dos cidadãos fica descontente e indignada com o fato de recolher tributos para que o Estado mantenha os presos e o sistema penitenciário do país.
Esse argumento é falso; calculava-se no ano de 1993 que o custo médio de um processo de condenação à morte nos EUA (Estados Unidos da América) era de um milhão e oitocentos mil dólares, contra novecentos mil dólares, em comparação ao custo de uma prisão perpétua (Reflexões sobre a pena de morte/Marques, João Benedito de Azevedo. 1993, p.99 /Fonte: The Sacrament Bel 28/05/1988).
O elevado custo da pena capital deve-se à irreversibilidade da pena.
Um processo que objetiva eliminar a vida do réu, deve ser recoberto com diversas garantias que visem diminuir a possibilidade de erro. Seria necessária uma nova política jurídica no país, sem contar na especialização dos profissionais envolvidos na investigação (Polícia Civil, Delegados, Juízes, Promotores, etc.). Seria necessária uma polícia cientificamente habilitada, seria mister, ainda, aumentar a segurança das decisões e a instituição de diversas instâncias judiciais, para que os supostos erros pudessem ser corrigidos. Nesse caso, o procedimento se tornaria mais oneroso, lento e, conseqüentemente, moroso, prejudicando ainda mais o processo jurisdicional (Reflexões sobre a pena de morte/Marques, João Benedito de Azevedo. 1993, p 99 e 100).
Dessa forma, o foco deveria ser a resolução dos problemas sociais, que representam, sem dúvida, um dos grandes problemas do país. Em seguida, a preocupação com a criação de uma política séria de segurança pública, reestruturação da polícia civil e militar, incentivo à ampliação da atuação do ministério público e à criação de um projeto que aproxime os juízes da sociedade, para estes conhecerem os problemas que abatem o seio social, e mais, cobrança do Governo Federal melhoramentos no sistema penitenciário que atualmente está falido, e urgentemente estabelecermos uma reforma em nosso judiciário. Sabe-se que esses problemas não são utópicos, e se o objetivo é uma sociedade mais justa e digna, faz-se imperioso começar a resolver esses problemas urgentemente e não criar-se mais um problema para a sociedade chamado “Pena de Morte”.
Advogado, militante no Estado de São Paulo
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