A chamada “Operação Monte Éden”, desenvolvida em 30/6/2005 em conjunto pelo Ministério Público Federal, Receita Federal e Polícia Federal, amplamente divulgada pela mídia, culminou na prisão de 24 pessoas, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Ceará, Pernambuco e Paraná (Revista Istoé, n° 1864; O Estado de S. Paulo, 1/7/05).
Entre os investigados, o “peixe mais graúdo”, segundo a reportagem, é o escritório de advocacia “Oliveira Neves & Associados”. Observo que no meio jurídico, especialmente da área criminal, era voz corrente que esse escritório era dos maiores responsáveis pela atuação na área de lavagem de dinheiro.
Esse tipo de operação conjunta é a mais eficiente arma da justiça para o combate à criminalidade organizada. A união dos órgãos públicos em força-tarefa, ainda que montada de forma informal, afigura-se capaz de analisar, entender e agir com a eficiência desejada pela população, constituindo-se na igualdade de armas. Enquanto os criminosos planejam e executam crimes de toda espécie, evidentemente sem se preocupar com as “questões legais”, o poder público, como não poderia deixar de ser, deve estar atento aos limites das leis, exatamente para não se igualar àqueles que precisa combater. Mas a luta é normalmente injusta e desigual. Os agentes criminosos usam dinheiro produto de crime, compram objetos ilícitos, sonegam, ameaçam, … praticam crime atrás de outro. Enquanto isso, os agentes “da lei” devem cumprir o exato teor da lei, só podem comprar por licitações, precisam de receitas etc. Então resta ao poder público unir seus órgãos, de maneira bem organizada, e principalmente sem vaidades. Cada setor deve cumprir a sua função e todos atuarem com o único objetivo do combate eficiente à criminalidade, para o bem estar da população.
Esse parece ter sido o exemplo visto. A O.A.B./SP, entretanto, censurou a atuação, dizendo ter sido “abusiva” o que chamou de “invasão a escritórios de advocacia”, lastreadas em mandados de busca “genérico”, oriunda de outros estado.
Pois bem. Que a busca e apreensão baseou-se em ordem judicial, ninguém contesta, e nem poderia. Se os Advogados têm, e precisam ter, a prerrogativa do sigilo profissional para bem exercer as funções constitucionais de defesa dos seus clientes, não é menos verdade que nenhum direito pode ser absoluto. Se o advogado, ele mesmo, pratica crimes, evidentemente que não só pode, como deve ser investigado e processado, assim como o Juiz, o Promotor, o Policial, etc. Todos, perante a lei. Tampouco pode o advogado esconder em seu escritório instrumentos ou produto de crime. Não se pode imaginar um advogado, por exemplo, ocultar em seu escritório, parte de droga utilizada para o tráfico, ou a arma do crime. Já se comentou que a Polícia só pode entrar em escritório de advocacia se tiver – “fortes indícios ou provas” da participação do advogado na prática criminosa. Ora, não só em relação aos Advogados…É bem por isso que as ordens de busca são emitidas pelo Poder Judiciário. Já os mandados de busca, podem referir que deve ser apreendido “todo e qualquer documento” que possa guardar referência com os crimes apurados. Isto porque não é possível ao Ministério Público, à Receita Federal ou à Polícia Federal, saber antecipadamente “o que vai encontrar”. Não é possível, antes do ingresso no local do crime, dizer-se exatamente qual ou quais documentos dizem respeito à prática criminosa. Aí entra a importante participação do Ministério Público em casos de busca e apreensão. Se cabe à Polícia, sem qualquer dúvida, a “operacionalização”, estratégica da ação, da segurança, da forma e do horário do ingresso (são treinados para isso), deve incumbir ao Promotor que acompanha a operação, após o ingresso e o sinal verde da Polícia, entrar a realizar análises prévias, “in locu” dos documentos e materiais a serem apreendidos. Sendo o titular da ação penal, estará melhor preparado para as análises de quantificação, valoração, relevância, conteúdo e relação da prova com o crime apurado, podendo selecioná-las desde logo para que o próprio investigado não seja prejudicado no sentido de ser apreendido material sem conexão com o crime apurado, e levando tão somente aquilo que provavelmente será utilizado para a formação do contexto probatório no âmbito processual. Também nesse sentido é a atuação da Receita Federal, em auxílio imprescindível ao Ministério Público. Como se vê, a cada órgão incumbe importante e específica tarefa, e o sucesso de um depende da correta atuação do outro, e o que se almeja, o sucesso, não só da operação, mas, ao final, das ações na justiça.
No caso noticiado, segundo as informações, dito escritório de advocacia realizava espécie de “blindagem” nos bens do cliente, para “ocultá-los do Fisco”.
O trabalho agora será de seleção: Torna-se preciso identificar se os tais bens eram produto de crime ou não.
Para os que não eram produto de crime, os donos dos bens e os responsáveis pelo escritório deverão responder na justiça por crimes de sonegação fiscal.
Para os que eram produto de crime, altera-se o foco, pois deverão responder pelas práticas criminosas que renderam os bens, e, conforme seja o crime, por outro – crime de lavagem de dinheiro. No mesmo sentido poderão estar comprometidos os próprios Advogados.
A Lei n° 9.613/98 estabelece: Art. 1°, § 2°, Na mesma pena incorre quem: II- participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta lei.
Segundo interpretamos, cuida-se de crime de mera conduta. A ação de “participar” de qualquer forma, de grupo, associação ou escritório, que sabe praticar os delitos referidos na lei, reveste-se de suficiente para a prática deste tipo penal. A tipificação penal exige, no primeiro momento, a mera participação, seja como auxiliar, seja direta ou indiretamente, do grupo que se dedique à prática de qualquer das infrações penais previstas, todas as antecedentes, mas desde que saiba o objetivo, já o incriminaria. Como a lei refere a necessidade de “conhecimento” da atividade de lavagem, como principal ou secundária, não se pode admitir o dolo eventual para a configuração do crime. Não basta que o agente “desconfie” da atividade criminosa do grupo, associação ou escritório. Há que se provar, pelos meios possíveis (por exemplo escuta telefônica) que tal pessoa “tinha conhecimento” das ações criminosas. Mais. É preciso haver nexo causal entre a sua atividade e aquela desenvolvida pelo grupo, associação ou escritório, não bastando trabalhar, ou efetuar tarefas no mesmo ambiente de trabalho.
Ainda no âmbito desse trabalho, em ambas as situações, – crimes fiscais ou lavagem de dinheiro, será necessário discernir os crimes de apuração do âmbito da esfera federal e da estadual. Assim, seguiremos confiantes que estaremos no caminho certo do desejado combate à criminalidade econômica organizada no nosso País.
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia
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