Ativismo Judicial e o STF

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Autor: Wilson Cesar Carvalho, acadêmico de Direito no Centro Universitário Iesb – Brasília/DF.

Orientadora: Suzana Vidal de Toledo Barros, professora de Direito Constitucional do Instituto de Educação Superior de Brasília – Iesb (desde 2001).

 

Resumo: O presente artigo analisa o ativismo judicial no Brasil e o protagonismo do STF nesse contexto. Para tanto, são abordados os fenômenos da criatividade judiciária, da jurisdição constitucional e da judicialização da política e das relações sociais. A partir daí, buscam-se os fatores que levam ao protagonismo do STF no cenário político do país. Por fim, analisa-se a reação do Poder Legislativo à crescente hegemonia do STF dentre os demais Poderes da República.

Palavras-chave: Jurisdição constitucional. Judicialização. Ativismo judicial. STF. Backlash.

 

Abstract: This article analyzes judicial activism in Brazil and the role of STF in this context. For that, the phenomena of judicial creativity, constitutional jurisdiction and judicialization of politics and social relations are approached. From there, we look for the factors that lead to the STF protagonism in the country’s political scenario. Finally, the reaction of the legislative power to the growing hegemony of the STF among the other powers of the republic is analyzed.

Keywords: Constitutional jurisdiction. Judicialization. Judicial activism. STF. Backlash.

 

Sumário: Introdução. 1. Jurisdição constitucional e judicialização. 2. Ativismo judicial. 3. Criatividade jurisprudencial. 4. Razões para o protagonismo do STF. 5. Reação do Poder Legislativo e backlash. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Uma das novidades institucionais do Brasil, nos últimos trinta anos, foi a ascensão do Poder Judiciário. Com a retomada do regime democrático e as garantias da magistratura implementadas pela Constituição da República de 1988, os juízes e tribunais deixaram de ser meros órgãos técnicos e passaram a ter participação política nas mais diversas questões econômicas e sociais, as quais encontraram no Poder Judiciário sua última instância.

Esse fenômeno trouxe não só aplausos, mas também críticas. Questiona-se sobre a legitimidade da função judicial para exercer tais competências, sob o argumento, dentre outros, de que os quadros do Poder Judiciário não são formados a partir da vontade popular – como os do Executivo ou do Legislativo -, mas sim por critérios técnicos. Cria-se, assim, para os formalistas, um deficit democrático do Judiciário, para uma atuação que transcende a área técnico-jurídica e invade a esfera política.

Posto isso, estaria a crescente participação do Poder Judiciário, em especial do STF, nas mais diversas questões políticas, econômicas e sociais no Brasil, em consonância com as competências positivadas na Constituição da República? Até que ponto a atuação de um Poder na esfera de competências de outro é legítima? Quais os fatores que levam ao protagonismo do Poder Judiciário no cenário político do Brasil? Finalmente, qual a reação do Poder Legislativo a esse protagonismo?

 

  1. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E JUDICIALIZAÇÃO

No cenário político brasileiro atual, à vista de todos, destaca-se o papel do Supremo Tribunal Federal, como última palavra em questões diversas, que vão de matérias de extrema relevância e alcance universal, como a união homoafetiva, até assuntos interna corporis dos demais Poderes da República, como a nomeação de ministros do Poder Executivo.

Trata-se do fenômeno de jurisdição constitucional exercida pelo órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, o STF. A jurisdição constitucional consiste na interpretação e aplicação da Constituição por órgãos judiciais. No caso do Brasil, essa competência é exercida por todos os juízes e tribunais. O eminente ministro Luís Roberto Barroso, com extrema clareza, explica:

“A jurisdição constitucional compreende duas atuações particulares. A primeira, de aplicação direta da Constituição às situações nela contempladas. Por exemplo, o reconhecimento de que determinada competência é do Estado, não da União; ou do direito do contribuinte a uma imunidade tributária; ou do direito à liberdade de expressão, sem censura ou licença prévia. A segunda atuação envolve a aplicação indireta da Constituição, que se dá quando o intérprete a utiliza como parâmetro para aferir a validade de uma norma infraconstitucional (controle de constitucionalidade) ou para atribuir a ela o melhor sentido, em meio a diferentes possibilidades (interpretação conforme a Constituição). Em suma: a jurisdição constitucional compreende o poder exercido por juízes e tribunais na aplicação direta da Constituição, no desempenho do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público em geral e na interpretação do ordenamento infraconstitucional conforme a Constituição.” (BARROSO, 2011, 359)

A jurisdição constitucional é característica do chamado Estado Constitucional de Direito, em que vale a supremacia da Constituição, como norma jurídica que não somente disciplina o modo de produção das leis e atos normativos, mas também estabelece limites para o seu conteúdo e impõe deveres de atuação ao Estado. E a interpretação dessas normas constitucionais – e garantia de sua efetividade – se dá por meio de um tribunal constitucional ou suprema corte – no caso do Brasil, o Supremo Tribunal Federal -, cuja última palavra possui efeito vinculante.

Tal desenho institucional leva à judicialização da política e das relações sociais, na medida em que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas em última instância pelo Poder Judiciário, implicando transferência de poder para o Judiciário, em especial o STF, que assume relevante protagonismo no contexto político e social do país. Barroso aponta causas de natureza diversa ao fenômeno da referida judicialização. A primeira delas é o reconhecimento da importância de um Poder Judiciário forte e independente, importância essa positivada no texto constitucional de 1988. A segunda é a crise de representatividade e funcionalidade dos parlamentos em geral. Há, ainda, uma terceira causa, segundo o ministro, que consiste na preferência de determinados atores políticos no sentido de que o Poder Judiciário decida questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável na sociedade, evitando-se, assim, desgaste na deliberação de temas divisivos.

 

  1. ATIVISMO JUDICIAL

Resultado dessa retração do Poder Legislativo brasileiro, a qual muitas vezes impede que demandas sociais sejam atendidas de forma efetiva, é a forma proativa de se interpretar o texto constitucional observada atualmente e à qual a doutrina denomina ativismo judicial. Nas palavras do eminente ministro Luís Roberto Barroso, “a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações, sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios.” (BARROSO, 2011, 365)

Ainda segundo Barroso, “o ativismo judicial legitimamente exercido procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, inclusive e especialmente construindo regras específicas de conduta a partir de enunciados vagos (princípios, conceitos jurídicos indeterminados)” (BARROSO, 2011, 366).

O ativismo judicial pode apresentar duas faces opostas entre si. A primeira, negativa, dá espaço para que juízes, muitas vezes, façam prevalecer entendimentos subjetivos, em detrimento de dispositivos legais, usurpando a competência legislativa ordinária, violando a separação de Poderes e consequentemente ferindo o Estado Democrático de Direito; a segunda, positiva, permite que o Poder Judiciário corrija defeitos e omissões do Poder Legislativo, atuando de forma ativa, a fim de garantir o princípio da dignidade da pessoa humana, principal alicerce da Constituição da República.

A intervenção indevida do Poder Judiciário na esfera de atuação dos outros Poderes implica insegurança jurídica, retirando do cidadão uma de suas mais valiosas garantias. Com a mitigação do princípio da segurança jurídica, perde-se a necessária estabilidade nas relações entre o Estado e o cidadão, bem como nas relações entre estes últimos. Perde-se também a imparcialidade técnica do julgador, necessária para a solução dos conflitos de forma que se chegue à paz social. Resta prejudicado, ainda, nesse cenário, o bom funcionamento das instituições, dando-se superpoderes ao Judiciário.

Por outro lado, a utilização do Poder Judiciário – em especial do Supremo Tribunal Federal – para decidir matérias que foram objeto de omissão ou abuso dos demais Poderes constitui valioso instrumento de salvaguarda da Constituição e do princípio da dignidade da pessoa humana. Sem esse ativismo, assuntos como a união homoafetiva ainda estariam às margens da lei. Portanto, tal atuação proativa do Poder Judiciário, prevista inclusive no texto constitucional, desde que na medida certa, possui legitimidade e constitui importante ferramenta em prol do bom funcionamento do Estado Democrático de Direito.

 

  1. CRIATIVIDADE JURISPRUDENCIAL

Como embasamento teórico para o assunto, entendemos relevante discutir, a princípio, o direito jurisprudencial – sua origem, virtudes e debilidades -, bem como as causas e os efeitos da intensificação da criatividade jurisprudencial.

O primeiro aspecto a ser examinado consiste na verificação acerca do papel do juiz – se ele é mero intérprete-aplicador do direito, ou se participa na criação do direito. Trata-se de questão antiga, mas que experimenta vívida atualidade, diante da crescente participação do Poder Judiciário em questões que, em princípio, pertenceriam à esfera de atuação de outros Poderes.

Seriam, portanto, “interpretação” e “criação do direito” conceitos contrapostos? Atualmente, a doutrina majoritária ensina que, pelo contrário, os dois conceitos relacionam-se entre si, na medida em que, em toda interpretação, há ao menos um mínimo grau de criatividade. “Chief Justice” da Austrália, Sir Garfiled Barwick, já em 1979, com extrema clareza, explicava que “a melhor arte de redação das leis, e mesmo o uso da mais simples e precisa linguagem legislativa, sempre deixam, de qualquer modo, lacunas que devem ser preenchidas pelo juiz e sempre permitem ambiguidades e incertezas que, em última análise, devem ser resolvidas na via judiciária.” (1980, p.239-240 apud CAPPELLETTI, 1993, p.20). Essas ambiguidades e incertezas, portanto, devem ser resolvidas pelo intérprete, que não somente as esclarece, mas também preenche lacunas e adapta o sentido ao caso concreto e à realidade social, a qual não é estanque.

Avancemos, então, a um segundo ponto na discussão sobre a criatividade judiciária. Superado o questionamento sobre a sua existência, devemos analisar o modo, os limites, o grau de criatividade, bem como a legitimidade dela. Tais aspectos tendem a variar de acordo com o caso concreto, respeitando, como não poderia deixar de ser, a fronteira da razoabilidade. Como ensina Cappelletti, “o reconhecimento de que é intrínseco em todo ato de interpretação certo grau de criatividade – ou, o que vem a dar no mesmo, de um elemento de discricionariedade e assim de escolha -, não deve ser confundido com a afirmação de total liberdade do intérprete.” (CAPPELLETTI, 1993, 23).

Os juízes devem ser criativos na proporção em que o caso concreto lhes exige. “Efetivamente, eles são chamados a interpretar e, por isso, inevitavelmente a esclarecer, integrar, plasmar e transformar, e não raro a criar ex novo o direito. Isto não significa, porém, que sejam legisladores.” (CAPPELLETTI, 1993, 74) A variação nesse grau de criatividade, dependerá, portanto, do caso concreto e das necessidades que este apresentar.

Com relação aos limites da criatividade judiciária, existem dois pontos de vista por meio dos quais eles devem ser analisados. Do ponto de vista material, a criatividade judicial não diverge da criatividade legislativa. Ambas são formas de se criar o direito e devem respeitar, em maior ou menor medida, limites substanciais a elas impostos. Já do ponto de vista processual, os Poderes Judiciário e Legislativo possuem formas de atuação totalmente diferentes entre si, no tocante à criação de normas jurídicas.

O juiz sofre de passividade no plano processual. São regras fundamentais da “justiça natural” a nemo judex in causa propria, que exige que o juiz não decida sobre aquilo em que ele seja parte interessada, e a audiatur et altera pars, que impõe o caráter contraditório do processo. Não menos importante é uma terceira regra, a ubi non est actio, ibi non est jurisdictio, a qual impõe atitude passiva, no sentido de o juiz não poder iniciar ex officio um processo. Portanto, a atuação do magistrado é bem distinta, em termos processuais, daquela do parlamentar. Embora a natureza de sua atuação seja inegavelmente política, os órgãos judiciais possuem métodos de atuação e de argumentação jurídicos.

Existe também o aspecto, não menos relevante, da legitimidade democrática da criatividade jurisprudencial – ou a falta dela. Os críticos de tal criatividade alegam que há maior grau de legitimidade na criatividade jurídica de legisladores e administradores públicos, democraticamente eleitos, do que na de magistrados, os quais não passam pelo crivo popular direto. É o que a teoria constitucional denomina dificuldade contramajoritária.

Ocorre, no entanto, que, a despeito de os primeiros, no Brasil, por exemplo, serem eleitos diretamente, e em voto universal, pelos cidadãos, o que observamos é a preferência, da maior parte desses políticos, pela defesa de interesses de grupos de grande poder político e econômico, e não da massa de eleitores comuns. Por sua vez, os magistrados têm nas atribuições constitucionalmente a eles outorgadas, bem como na obrigação de imparcialidade e de busca da justiça, credenciais suficientes para, a nosso ver, gozarem de legitimação democrática para criar o direito, dentro de seus devidos limites. Segundo Barroso, “idealmente preservado das paixões políticas, ao juiz cabe decidir com imparcialidade, baseado na Constituição e nas leis. Mas o poder de juízes e tribunais, como todo poder em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade.” (BARROSO, 2013, 411). Cappelletti reforça essa assertiva, quando afirma que “certamente, o respeito por parte dos juízes àquelas regras fundamentais de antiga sapiência, que, como afirmamos, determinam a “natureza” da função jurisdicional, constitui uma fonte de legitimação diversa da dos poderes políticos.” (CAPPELLETTI, 1993, 103)

Resta claro, portanto, que a criatividade jurisprudencial é consequência da necessária interpretação das leis e que possui atributos processuais diversos da criatividade legislativa típica. Observa-se, ainda, uma intensificação dessa criatividade nos dias atuais. Quais seriam, então, as causas históricas para esse fenômeno?

A primeira delas, nas palavras do filósofo Morton G. White, citado por Cappelletti (CAPPELLETTI, 1993, p. 31), diz respeito à revolta contra o formalismo. O formalismo elegia o elemento da lógica pura e mecânica no processo jurisdicional, inibindo o elemento discricionário nas decisões dos juízes. A referida revolta, por sua vez, conduziu à descoberta de que o papel do juiz é muito mais complexo, na medida em que suas decisões envolvem escolhas não só jurídicas, mas também morais e políticas.

Outra causa da intensificação da criatividade jurisprudencial reside na implementação e no desenvolvimento do Estado do bem-estar, o welfare state. Criaram-se, a partir do início do século XX, políticas de proteção aos cidadãos, com o consequente crescimento do papel do Estado na vida das pessoas. Esse crescimento se deu, em um primeiro momento, sobretudo no âmbito do Poder Legislativo, com a criação de um grande conjunto de leis protetoras de direitos sociais. Após, de forma gradual, veio o crescimento do Poder Executivo, à medida que o Estado passou a ter uma maior ingerência sobre a vida das pessoas.

Diante desse cenário, cresceu em complexidade e atribuições a atividade jurisdicional. É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária, como consequência de uma legislação mais extensa, pautada em grande medida nos direitos sociais, muitas vezes de conteúdo programático, e de um Estado administrativo, que abarca funções as quais, em um estado tipicamente liberal, não seriam suas. Preservam-se, assim, a harmonia entre os três Poderes e o sistema de freios e contrapesos.

Também contribui para o crescimento da criatividade jurisdicional o declínio da confiança nos parlamentos e no Poder Executivo. Padece o Poder Legislativo de crescente falta de confiança perante a sociedade comum. O Poder Executivo, por sua vez, diante da sua onipresença nos mais variados assuntos, tornou-se potencialmente repressivo. Nesse cenário, surge a magistratura como instrumento de controle dos poderes políticos e, consequentemente, de proteção dos cidadãos e da sociedade em geral, contra eventuais abusos.

Mas o crescimento das funções jurisdicionais também traz alguns riscos, como bem alerta Cappelletti:

“Certamente, o surgimento de um dinâmico terceiro gigante, como guardião e controlador dos poderes políticos do novo estado leviatã, constitui por si mesmo um acontecimento não imune aos riscos de perversão e abuso. Existe, antes, certa semelhança entre esses riscos e os decorrentes de outras manifestações do gigantismo estatal, de natureza legislativa ou administrativa: riscos de autoritarismo, lentidão e gravosidade, de inacessibilidade, de irresponsabilidade, de inquisitoriedade policialesca.” (CAPPELLETTI, 1993, 49)

Há, ainda, além do seu já mencionado caráter antidemocrático, outros argumentos negativos, no que diz respeito à criatividade jurisdicional. Alega-se a dificuldade, para o cidadão comum, em ter informação adequada do direito jurisdicional. O mundo do direito exige conhecimento técnico para sua plena compreensão, conhecimento esse não acessível à maioria das pessoas. Essa dificuldade tem sido amenizada, por meio de mecanismos como as súmulas, a assistência jurídica gratuita aos menos privilegiados e as audiências públicas; fala-se também da eficácia retroativa das decisões judiciais, que abalariam a necessária segurança jurídica. Quanto a esse aspecto, também já há mecanismos, como a modulação de efeitos, no controle de constitucionalidade; alega-se, ainda, que os juízes não dispõem de recursos para agir como força criadora de direito, fato que pode ser atenuado por pareceres técnicos e perícias, disponíveis ao Poder Judiciário. Por fim, e como bem se observa no cenário nacional contemporâneo, a transferência do debate público para o Poder Judiciário leva uma dose excessiva de politização aos tribunais, transformando um ambiente que deveria ser de imparcialidade e razoabilidade em um palco de embates políticos acalorados.

Esse estudo, por fim, acaba por defender a expansão da criatividade judiciária nas sociedades contemporâneas. Expansão que deve se dar de acordo com a realidade do país em questão. São diversos os fatores a serem analisados, sendo que o mais relevante deles talvez seja o sistema jurídico – civil law ou common law – de cada país. O civil law tem nas normas jurídicas a principal fonte do direito. O common law, por sua vez, baseia-se essencialmente em costumes e precedentes judiciais. Tradicionalmente, enquanto no common law as decisões judiciais possuem naturalmente maior relevância, no civil law a lei continua sendo o norteador soberano das decisões judiciais. O civil law possui juízes mais técnicos e cortes superiores mais fragmentadas, enquanto o common law possui relevantes cortes constitucionais e nele o direito se dá de forma mais politizada.

O que se observa, ao longo das últimas décadas, é a mitigação dessas diferenças, com a criação de cortes constitucionais em países tradicionalmente adeptos do civil law, bem como com a expansão da criatividade judiciária neles, em proporções similares aos países de common law. O Brasil, país tradicionalmente adepto do civil law, tem vivenciado nos últimos anos, desde a redemocratização, um fortalecimento do papel do Poder Judiciário e, sobretudo, de sua Corte Constitucional, tendo como consequência a expansão da criatividade jurisdicional. Com a redemocratização do país, recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ter um papel essencialmente técnico e passaram a desempenhar uma função política, dividindo espaço com os Poderes Legislativo e Executivo. Esse cenário promoveu o estreitamento da relação da sociedade com o Poder Judiciário, suscitando questões complexas a respeito da extensão dos poderes de juízes e tribunais.

Nesse contexto de expansão das atribuições do Poder Judiciário, em um sistema político pautado na Constituição, verifica-se no Brasil uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais, que leva ao ativismo judicial e tem reforçado a função do Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, na proteção dos direitos fundamentais e na garantia do respeito às regras do jogo democrático. Como salienta o ministro Barroso, “eventual atuação contramajoritária do Judiciário em defesa dos elementos essenciais da Constituição dar-se-á a favor e não contra a democracia.” (BARROSO, 2011, 371). Entretanto, nas outras situações, em que não estejam em questão os direitos fundamentais ou os ritos democráticos, o Poder Judiciário deve, em respeito ao princípio da separação dos Poderes, acatar as escolhas legitimamente feitas pelo legislador e o exercício da discricionariedade razoável de competência do administrador público.

 

  1. RAZÕES PARA O PROTAGONISMO DO STF

No Brasil, a cada dia, intensifica-se a judicialização da política e das relações sociais. Questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas em última instância pelo Poder Judiciário, implicando transferência de poder, em especial para o STF, o qual assume relevante protagonismo no contexto político e social do país. Conforme já mencionado neste trabalho, pode-se apontar causas de naturezas diversas ao fenômeno da referida judicialização.

A primeira delas é a garantia de um Poder Judiciário forte e independente dada pela Constituição de 1988. A Carta Magna assegura aos tribunais, como forma de garantia institucional, a autonomia orgânico-administrativa, que compreende independência na estruturação e funcionamento de seus órgãos. Assegura também a autonomia financeira, como independência na elaboração e execução de seus orçamentos. Existem, ainda, as garantias dadas pela Constituição aos juízes, para que estes possam manter sua independência e exercer a função jurisdicional com dignidade e imparcialidade. José Afonso da Silva (SILVA, 2011, p. 588-592) classifica essas garantias em duas categorias: garantias de independência dos órgãos judiciários e garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários. As garantias de independência são a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios. As garantias de imparcialidade, por sua vez, aparecem na Constituição sob a forma de vedações aos juízes, como as de exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério, e a de dedicar-se à atividade político-partidária.

O segundo fator que leva ao atual protagonismo do STF é a crise de representatividade e funcionalidade do parlamento brasileiro. Inevitável citar, em primeira análise, o descrédito dos políticos e partidos políticos em geral, reconhecidos pela opinião pública como corruptos e alheios aos interesses da população como um todo. Tal crise de representatividade entre o povo e os políticos que compõem a Câmara dos Deputados, casa legislativa que deveria representar os interesses daqueles, é constatada na atual composição desta. De acordo com reportagem divulgada pela Pública, agência de jornalismo investigativo (MEDEIROS, 2016), no ano de 2016, dos 513 deputados, mais de duzentos integravam a chamada bancada agropecuária, enquanto pouco mais que vinte parlamentares eram associados à causa dos direitos humanos. Essa proporção, seguramente, não se alterou substancialmente na atual legislatura. Igualmente expressivas e poderosas são as bancadas que representam os interesses dos empresários, das igrejas evangélicas e das empreiteiras e construtoras. Sendo assim, fácil se torna inferir que a casa legislativa que deveria representar os interesses da população em geral, na realidade, legisla em prol das causas dos setores mais poderosos do país – e o mesmo, pela mesma lógica, ocorre no Senado Federal.

Não bastasse essa falta de sintonia entre as ações legislativas e os interesses da população em geral, são inúmeros os exemplos de situações de mora ou mesmo omissão do parlamento, com relação a questões de relevante conteúdo social. Pode-se citar o emblemático caso da união homoafetiva, cuja positivação no Código Civil não ocorreu até hoje. Não fosse decisão do STF, nos casos da ADI 42 e da ADPF 132, em 2011, a união estável entre casais homoafetivos não estaria reconhecida no Brasil, ainda em 2019.

Outra atuação relevante – e mais recente – do STF na adaptação do ordenamento jurídico aos anseios da sociedade e que bem retrata a omissão do Congresso Nacional no tratamento de determinados temas deu-se na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO – 26. No referido julgamento, o sentido da expressão “raça” foi alargado, mediante interpretação conforme a Constituição, de forma a abranger, ainda que provisoriamente, atos tidos como homofóbicos ou transfóbicos, tipificando-os como “racismo social”. Observa-se, no referido episódio, que, se, de um lado, suprimiu-se a garantia constitucional da estrita legalidade das normas incriminadoras, por outro lado, o STF tornou efetivas as imposições constitucionais que outorgam importante proteção estatal aos integrantes da comunidade LGBT.

Há, ainda, uma terceira causa para o protagonismo do STF, consistente na preferência de determinados atores políticos por que o Poder Judiciário decida questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável na sociedade, evitando-se, assim, desgaste na deliberação de temas divisivos. Aborto e maioridade penal são exemplos de temas complexos e de difícil consenso que vêm sendo evitados pelo parlamento brasileiro, não obstante sua relevância e atualidade no contexto social. Como prova dessa falta de interesse político do Congresso em tratar desses temas, basta mencionar que a proposta de emenda à Constituição – PEC – 115, que trata da redução da maioridade penal, a qual atualmente se encontra na CCJ do Senado, tramita no parlamento desde 1993. Diante dessa inércia legislativa, algumas dessas demandas acabam chegando até o STF, que vem assumindo a responsabilidade de decidir a respeito.

Portanto, o STF, investido de poderes pela Constituição Federal de 1988, diante da crise de representatividade entre o povo e seus mandatários e da omissão destes na deliberação sobre assuntos sensíveis à sociedade, vem assumindo crescente protagonismo na cena política nacional, por meio de decisões com repercussão geral. Vale ressaltar que não se trata unicamente de prerrogativa, mas também de papel irrenunciável do STF, o de guardar e defender a Constituição, assegurando que os princípios, valores e ideais que norteiam a Carta Magna sejam cumpridos e concretizados na vida do cidadão e no convívio da sociedade.

 

  1. REAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO E BACKLASH

O crescente protagonismo do Poder Judiciário, em especial do STF, no cenário político-social brasileiro traz como uma de suas consequências um engajamento político da população com relação ao que vem sendo decidido pela Suprema Corte. Outra consequência diz respeito ao inevitável descontentamento do Poder Legislativo, ao qual, por óbvio, não interessa a perda de espaço e força política. Esse engajamento social produz reações que, quando negativas, juntamente com mobilizações do Congresso Nacional contrárias às decisões judiciais, fazem parte do que a teoria constitucionalista denomina efeito backlash. O efeito backlash é definido, em linhas gerais, como as mais significativas reações sociais e institucionais negativas às decisões do Judiciário que interpretam o texto constitucional.

Discute-se hoje a respeito da extensão dos efeitos indesejados no backlash, mas muitos defendem que o fenômeno promove o debate público e fortalece o regime democrático. De acordo com Katya Kozicki:

“O termo backlash pode ser traduzido como reação, resposta contrária, repercussão. Dentro da teoria constitucional, vem sendo concebido como a reação contrária e contundente a decisões judiciais que bus­cam outorgar sentido às normas constitucionais. Seriam, então, rea­ções que acontecem desde a sociedade e questionam a interpretação da Constituição realizada no âmbito do Poder Judiciário. No Brasil, penso ser o caso, especialmente, das reações populares às decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas em sede de controle concentrado/abstrato de constitucionalidade. O engajamento popular na discussão de ques­tões constitucionais não apenas é legítimo dentro dessa perspectiva, mas pode contribuir, também, para o próprio fortalecimento do princí­pio democrático.” (KOZICKI, 2015, p. 194).

Da mesma forma, o ministro do STF Luiz Fux, relator no julgamento da ADI 5.105/DF, salienta a importância do amplo debate no regime democrático, ao tecer as seguintes considerações, em seu voto:

“1. O hodierno marco teórico dos diálogos constitucionais repudia a adoção de concepções juriscêntricas no campo da hermenêutica constitucional, na medida em que preconiza, descritiva e normativamente, a inexistência de instituição detentora do monopólio do sentido e do alcance das disposições magnas, além de atrair a gramática constitucional para outros fóruns de discussão, que não as Cortes.

  1. O princípio fundamental da separação de poderes, enquanto cânone constitucional interpretativo, reclama a pluralização dos intérpretes da Constituição, mediante a atuação coordenada entre os poderes estatais – Legislativo, Executivo e Judiciário – e os diversos segmentos da sociedade civil organizada, em um processo contínuo, ininterrupto e republicano, em que cada um destes players contribua, com suas capacidades específicas, no embate dialógico, no afã de avançar os rumos da empreitada constitucional e no aperfeiçoamento das instituições democráticas, sem se arvorarem como intérpretes únicos e exclusivos da Carta da República.
  2. O desenho institucional erigido pelo constituinte de 1988, mercê de outorgar à Suprema Corte a tarefa da guarda precípua da Lei Fundamental, não erigiu um sistema de supremacia judicial em sentido material (ou definitiva), de maneira que seus pronunciamentos judiciais devem ser compreendidos como última palavra provisória, vinculando formalmente as partes do processo e finalizando uma rodada deliberativa acerca da temática, sem, em consequência, fossilizar o conteúdo constitucional.”

Importante consignar que as referidas reações não significam necessariamente ter sido inadequada a interpretação que delas foi objeto. Decisões a respeito de temas sensíveis jamais gozarão de aceitação unânime da sociedade, ainda mais quando atacam entendimentos já consagrados ao longo do tempo. De fato, o efeito backlash, via de regra, é consequência do rompimento ocasionado pela decisão judicial com relação ao status quo, conforme leciona Vanice Regina Lirio do Valle:

“É de Krieger (2001, p.1-76) a explicitação de que o backlash resulta de uma relação entre um regime legal instituído para promover uma mu­dança social, e o sistema de normas e práticas consolidadas destinatário dessa nova disciplina normativa. O backlash tende a emergir quando a aplicação de um regime legal transformativo gera resultados que di­virjam visceralmente da normatização já consagrada ou de instituições em relação às quais segmentos influentes da população mantenham uma consciente e significativa fidelidade normativa. […] Está-se então no plano puro e simples da manifestação do dissenso a uma alteração brusca do status quo – sem que se possa afirmar aprioristicamente que essa divergência seja em si boa ou ruim; o que ela expressa é em princí­pio, o descontentamento com a solução. A reação à mudança brusca – e em síntese é disso que se cuida quando se alude a backlash – só pode receber signo valorativo quando se tem uma avaliação sobre a bondade ou maldade do regime anterior (superado pela decisão) que funcione como elemento de orientação quanto à pertinência da mudança em si.” (VALLE, 2013, p. 9).

O ativismo judicial do STF se dá, na maioria das vezes, em defesa de direitos fundamentais e no sentido da inovação legislativa. Sendo assim, observa-se, em regra, um efeito backlash conservador, no sentido da manutenção do status quo. Podemos citar como exemplos o crescimento de vozes favoráveis ao Estatuto da Família, frente ao reconhecimento da validade jurídica das uniões homoafetivas pelo STF, bem como o Estatuto do Nascituro, diante da decisão da Suprema Corte que autorizou o aborto de fetos anencefálicos.

Na medida em que as decisões decorrentes do ativismo judicial promovem certo enfraquecimento do Poder Legislativo – seja no caráter criativo de decisões judiciais de repercussão geral, seja no controle externo que o Judiciário termina por exercer sobre os demais Poderes -, surge a conceituação de efeito backlash também como reação do Poder Legislativo contra o protagonismo do Poder Judiciário. Entendemos que o backlash, em sua face institucional, limita-se à primeira hipótese, na qual decisões judiciais de repercussão geral vão de encontro ao sistema normativo vigente, provocando reações do Poder Legislativo a partir de grupos com relevante representação neste.

As decisões de mérito proferidas pelo STF em controle abstrato de constitucionalidade – ADI, ADC e ADPF – possuem eficácia erga omnes (contra todos) e efeito vinculante, como determina o § 2º do art. 102 da CF/88 (No caso da ADPF, esses efeitos estão descritos no art. 10, § 3º da Lei nº 9.882/99):

“§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”

Como se pode observar pelo dispositivo constitucional acima, as referidas decisões não vinculam o Poder Legislativo em sua função típica de legislar. Tampouco vinculam o plenário do STF, que pode mudar seu entendimento sobre a constitucionalidade de uma norma, diante de eventuais mudanças no cenário político, econômico ou social do país. Essas limitações ao alcance das decisões da Suprema Corte visam a evitar o que o ministro Fux, em seu voto supracitado, denominou fossilização do conteúdo da Constituição. Conforme Pedro Lenza bem esclarece,  “O legislativo, assim, poderá, inclusive, legislar em sentido diverso da decisão dada pelo STF, ou mesmo contrário a ela, sob pena, em sendo vedada essa atividade, de significar inegável petrificação da evolução social.” (LENZA, 2014, 359)

Vivenciou-se, há poucos anos, situação emblemática envolvendo a vaquejada. Em 2013, o Ceará editou a Lei 15.299, que regulamenta a atividade no estado. O Procurador Geral da República, no entanto, ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4983/CE) contra a lei, alegando que as práticas por ela regulamentadas constituem crueldade contra os animais, o que é vedado pelo art. 225, § 1º, VII, da CF/88. O STF reconheceu a inconstitucionalidade da referida lei, bem como da atividade, mesmo reconhecendo a importância desta como manifestação cultural regional, em razão do art. 225, § 1º, VII, da CF/88, in verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

  • 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” (grifo nosso)      

Pouco mais de um mês após a decisão do STF, o Congresso Nacional editou a lei 13.364/2016, elevando o rodeio e a vaquejada, bem como as respectivas manifestações artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.

“Art. 1º Esta Lei eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.

Art. 2º O Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, passam a ser considerados manifestações da cultura nacional.”

Ainda, alterou a própria Constituição Federal, inserindo a previsão expressa de que são permitidas práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais.

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(…)

  • 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 96, de 2017)

Outro claro exemplo de efeito backlash diz respeito à possibilidade de execução provisória da pena, após condenação em segunda instância. Este tema tem grande impacto na sociedade e já foi objeto de muita discussão no Brasil, tendo o STF mudado seu entendimento algumas vezes, ao longo dos últimos dez anos. Até fevereiro de 2009, o STF entendia ser possível a execução provisória da pena. No dia 05 do referido mês, ao julgar o Habeas Corpus (HC) 84078, a Suprema Corte mudou seu posicionamento e passou a proibi-la antes do trânsito em julgado.

No dia 17 de fevereiro de 2016, ao julgar o HC 126292, o STF voltou a decidir pela possibilidade de execução provisória da pena após condenação em segunda instância. Tal decisão teve grande repercussão nos processos criminais relativos à Operação Lava Jato – conjunto de investigações que revelou um gigantesco esquema de lavagem de dinheiro público. Viabilizou-se, assim, a prisão de diversas autoridades públicas e de grandes empresários condenados em segunda instância, os quais antes se beneficiavam da morosidade do Poder Judiciário e do infindável número de recursos processuais penais à mão daqueles que podem dispor de bons e caros advogados.

Com essas prisões, criou-se um sentimento, no Brasil, pela primeira vez em sua história, de que a lei, de fato, é para todos, e que a elite da sociedade responde, sim, pelos crimes que cometer. Além disso, os envolvidos em esquemas de corrupção, encurralados pelo fim da impunidade no moroso sistema processual criminal brasileiro, passaram a colaborar com as investigações, por meio da delação premiada, instituto criado no país em 1990, mas que ganhou maior relevância com a possibilidade da execução provisória de pena.

Esse período de maior rigor do entendimento jurisprudencial findou, em 07 de novembro de 2019, com o julgamento das ADCs 43, 44 e 54. Na oportunidade, o STF voltou a proibir a execução provisória da pena, ao afirmar que o cumprimento da pena só pode ter início com o esgotamento de todos os recursos. A decisão teve como consequência a libertação de milhares de condenados em segunda instância, dentre eles figurões da política nacional e poderosos empresários, e não foi vista com bons olhos por grande parte da população, a qual percebe na execução provisória da pena importante ferramenta no combate aos crimes de colarinho branco.

Nesse diapasão, as duas Casas do Congresso Nacional sinalizaram no sentido de acelerar a tramitação de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que positivam no Texto Constitucional a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Na Câmara dos Deputados tramita a PEC 410/18; no Senado Federal, a PEC 5/2019. A primeira visa a alterar o inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal, para prever que ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso; a segunda tem como objeto o inciso XVI do art. 93 da CF/88, positivando a possibilidade de execução provisória da pena, após a condenação por órgão colegiado.

Resta saber se, não obstante a clara tendência da maior parte da sociedade brasileira no sentido de apoiar essa pauta, os congressistas realmente trabalharão para aprovar mudanças na legislação que possam prejudicar – e colocar atrás das grades – diversos políticos e financiadores de campanhas que figuram no polo passivo de ações penais, ou se este efeito backlash se resume tão somente a mais um jogo de cena, para uma plateia inquieta, até que se esfriem os ânimos.

Além do efeito backlash, temos também demonstrações de verdadeira reação de autodefesa institucional, em que o Poder Legislativo tem reagido, não pontualmente a uma eventual decisão do Poder Judiciário, mas à crescente ampliação do espaço institucional deste. Dentre essas reações, escolhemos abordar duas, que nos chamam especial atenção. A primeira delas, dirigida especificamente contra o STF, materializou-se na Proposta de Emenda à Constituição – PEC – 33/2011. A referida PEC propunha medidas que aumentavam o controle sobre a atuação da Suprema Corte, criando mecanismos de revisão, ou ratificação, de seus julgados. A segunda evidência da reação do Poder Legislativo ao ativismo judicial consiste no Projeto de Lei de abuso de autoridade – PL 7596/2017 -, endereçado sobretudo às atividades do Poder Judiciário e do Ministério Público.

A PEC 33/2011 surgiu no já exaustivamente comentado contexto de tensão institucional entre os Poderes Legislativo e Judiciário. Ela sugeria alterações nos artigos 97, 102 e 103-A da Constituição Federal – dispositivos insertos no capítulo relativo ao Poder Judiciário. Seu texto impunha o aumento do quórum para a declaração de inconstitucionalidade nos tribunais, o qual passaria para quatro quintos, o condicionamento do caráter vinculante das súmulas do STF à prévia aprovação pelo Poder Legislativo, bem como a submissão das decisões que declarem a inconstitucionalidade de emenda constitucional à análise do Congresso Nacional. Tais medidas provavelmente levariam a um significativo enfraquecimento do ativismo judicial no Brasil e ao fortalecimento do Poder Legislativo. No entanto, resta saber se dessas mudanças prevaleceria uma maior harmonização entre os Poderes ou o aumento das discrepâncias entre o sistema normativo vigente e os anseios da sociedade. Finalmente, no início da legislatura iniciada em 2015, a referida PEC foi arquivada, nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em razão de sua tramitação não ter sido concluída na legislação que vigorou entre 2011 e 2014. Houve, ainda, tentativa de desarquivamento da PEC, no ano de 2019, que não foi exitosa.

O Projeto de Lei de Abuso de Autoridade – PL 7596/2017 –, por sua vez, foi apresentado no Senado Federal, em 2016, pelo senador Renan Calheiros, e aprovado na referida casa legislativa, em 2017. Desde então, encontrava-se parado, na Câmara dos Deputados. Em 2019, em um cenário político favorável a ele em razão da divulgação pelo site The Intercept Brasil de mensagens entre membros da Operação Lava-jato, o projeto foi aprovado, em regime de urgência, pela Câmara, e enviado para a sanção – ou veto – do presidente da república. O chefe do Executivo vetou trinta dispositivos, e dezoito desses vetos foram derrubados pelo Congresso Nacional. A já publicada Lei 13.869/2019 dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder a ele atribuído. Existe uma intensa disputa em torno desse diploma legal, havendo, inclusive, já aguardando apreciação do STF, ADIs da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal (Anafisco) que questionam alguns de seus artigos.

Esses são apenas alguns dos inúmeros exemplos de embate entre os Poderes Legislativo e Judiciário que retratam a subjetividade da tênue, sensível e muitas vezes obscura linha que divide suas atribuições constitucionais. Certo é que se trata do tipo de situação necessariamente presente em uma real democracia, na qual a separação dos Poderes e o sistema de freios e contrapesos coexistem em um complexo ambiente social, muito diferente da precisão das ciências exatas.

 

CONCLUSÃO

Segundo Luiz Roberto Barroso, a judicialização é fato; o ativismo judicial, atitude. A judicialização, que representa a transferência de poder político para o Judiciário, é consequência da constitucionalização vigente no país. Constitucionalização esta que concedeu ao cidadão amplo acesso à justiça, tornou a Carta Magna abrangente base central para o ordenamento jurídico – ao redor da qual orbitam os diversos diplomas legais – e implementou um robusto sistema de controle de constitucionalidade, que concentra poderes nas mãos do Judiciário – dentre eles o de dar a palavra final no tocante à validade das normas jurídicas. O ativismo judicial, por sua vez, ganha espaço à medida que o Poder Legislativo não exerce sua função típica a contento, resultando na aplicação pelo Judiciário de princípios a situações não alcançadas pela lei.

A judicialização é fenômeno derivado do lugar central que o texto constitucional ocupa em nosso ordenamento jurídico, como importante garantidor de direitos e garantias fundamentais. Está associada a um valoroso papel contramajoritário dos tribunais, situação em que estes invalidam leis e atos normativos em desacordo com os direitos fundamentais e as regras do jogo democrático. Diz respeito também ao importante papel representativo do Poder Judiciário, em especial do STF, no atendimento a demandas sociais, em caso de omissão ou morosidade do Poder Legislativo.

O ativismo judicial, por sua vez, além do caráter representativo, tem estreita relação com um papel iluminista do Judiciário, também de extrema importância, mas que se deve dar em caráter extraordinário e com parcimônia, sob o risco de excessiva politização deste Poder. Tal papel consiste, nas palavras de Barroso, em empurrar a história, impondo-se a razão humanista sobre o senso comum majoritário. Conforme já exposto neste trabalho, o direito está sempre associado à política, na medida em que nenhuma norma jurídica é isenta de interpretação. No entanto, a fim de se manter dentro da imparcialidade exigida pela atividade jurisdicional, o juiz deve agir conforme uma única vontade pré-existente, que é aquela do ordenamento jurídico vigente – e isso não exclui, por óbvio, os movimentos sociais, que são fonte materiais do direito.

O Brasil vive um momento de extrema polarização, no qual o debate político vem perdendo espaço, nas redes sociais e também nas ruas, para o discurso de violência e de ódio. Essa divisão ideológica encontrou no muro do impeachment, em Brasília, seu maior símbolo, em 2016, nas manifestações que antecederam à destituição da então presidente da República Dilma Rousseff. Nessas oportunidades, muros de metal dividiram ao meio a Esplanada dos Ministérios, a fim de evitar o conflito direto entre os manifestantes favoráveis e contrários ao afastamento. De 2016 até hoje, essa polarização tem aumentado e contaminado também as mais variadas instituições, as quais deveriam agir de forma impessoal, mas que têm se deixado contaminar pelo acirramento da crise política.

As instituições são formadas por pessoas, e estas possuem seus valores e opiniões. Sendo assim, não raro se verificam manifestações ideológicas vindas dos mais diversos agentes públicos, dos três Poderes. Com relação ao STF, observamos que, a despeito das opiniões e tendências pessoais dos seus ministros em um ou outro sentido, a Suprema Corte tem exercido valoroso papel moderador, de promoção do equilíbrio entre as forças sociais.

Podemos citar a Súmula Vinculante 11, do STF, a qual consolidou jurisprudência da Corte no sentido da excepcionalidade do uso de algemas. Nos últimos tempos, diante da midiatização das ações da Polícia Federal, as algemas vinham sendo utilizadas muitas vezes de forma abusiva, expondo desnecessariamente aos flashes dos repórteres pessoas detidas. Outro caso emblemático do papel moderador do STF deu-se no julgamento das ADPF 395 e 444, em que o plenário da Corte declarou que a condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, prevista no artigo 260 do Código de Processo Penal, não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Mais uma vez, observavam-se situações em que pessoas passavam pelo constrangimento de serem conduzidas coercitivamente a depor, sem que houvesse uma justificativa razoável.

Assim, deve exercer o Judiciário o poder de autocontenção, no sentido de julgar-se ou não competente para decidir questões que entenda da exclusiva esfera de competência de outros Poderes. Necessária também se faz uma reforma política, que, entre outros ajustes, promova um modelo legislativo capaz de produzir melhores resultados. É de suma importância para o país um Judiciário forte e independente, mas sem esquecermos que poder em excesso leva ao autoritarismo.

 

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