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Caos jurídico: Desalento de um povo

Comumente, diz-se da necessidade social
de que o povo acredite na atuação justa da Justiça, como seu último apoio. E
essa Justiça, para que, de fato, se faça justa, merecendo a confiança
desse povo, há de estar à altura de seus anseios, em consonância, sempre,
com a Lei das leis – a Constituição Federal (que, aliás, existe para isto:
reger harmonicamente a vida da sociedade). O homem, considerado individual e
coletivamente, não dispensa o senso de justiça, que lhe é inerente. O povo
brasileiro, inda que superficialmente, sabe que existe uma Constituição, a
nortear-lhe, quanto juridicamente possível, os
destinos, como garantia de seus direitos e imperativo de seus deveres.
Nesse contexto, dos agentes da Justiça (juízes) – sobretudo em grau superior
(Tribunais) –, espera a preservação do Estado de Direito, inferível
dos princípios ínsitos àquela Constituição. Entre o poder estatal e a liberdade
dos indivíduos, a Justiça cumpre – ou deve cumprir – o papel de elemento de
equilíbrio, a coibir abusos destes e desvios daquele.

Ora, nessa equação, enquanto se
não  coíba desvio do Estado, relativamente ao descumprimento da
Constituição Federal, a Justiça será tudo, menos justa, constituindo-se em
elemento de desequilíbrio social, estrangulada por interesses meramente políticos,
à distância do estado de direito.

Recentemente, atônito, o povo
brasileiro – de si mesmo tão sofrido – assistiu ao triste espetáculo do
esfacelamento da Constituição Federal, no episódio da decisão do Supremo
Tribunal Federal que, por oito votos contra dois, considerou constitucional
artigos da Medida Provisória do Plano de Racionamento de Energia Elétrica;
especificamente, quanto à sobretaxa e à possibilidade de corte daquela energia,
nas hipóteses que especifica. Dois juízes – a cujos votos nos reportamos
– ficaram vencidos, sem nada poderem fazer diante da decisão exclusivamente
política, desvinculada do âmbito jurídico da questão, em prejuízo dos direitos
do cidadão, insculpidos naquela Constituição.
Realmente, de jurídica – legal – nada tem linha de argumentação que se oriente
no sentido de que, se daquela forma não se decidisse,
o racionamento de energia elétrica – necessário, sim, mormente, pela falta de
competência do (os) governo (os) no gerenciamento da questão – não obteria
credibilidade popular, impondo-se-nos o chamado “apagão”. Diga-se: antes este que o apagão
moral, de que ora, profundamente, se ressente nossa coletividade.

A lei é o norte – ao menos, deve ser –
de um povo; mais que isso, de uma nação. O Supremo Tribunal Federal tem a
função precípua de guardião da Lei maior – a Constituição Federal deste País.
Na medida em que, por injunções de cunho eminentemente político, e efetivamente
nada jurídico, institucionaliza algo inconstitucional, está a ferir fundo o
sentimento de justiça do povo e, mais que isso, a credibilidade deste numa
Instituição – o Judiciário, personificado por aquele
Tribunal – que lhe serve de reduto último de suas justas e fundadas esperanças.

Doravante, sob pretexto qualquer, por
exemplo, corre-se o risco – virtual – de legitimação de confisco de
bens, etc.; tudo, em nome do interesse do Estado, que, a bem da verdade, só
existe em função do homem, cujos direitos tem a obrigação de resguardar.
Há de se dar um basta na gritante inversão de valores, sobretudo morais, desta
dificílima quadra da humanidade deste Brasil. As leis – normas que visam à
convivência pacífica das criaturas – não mais podem (ou devem) ficar no papel,
quais instrumentos de retórica; antes, devem repercutir na vida dos cidadãos,
como reflexo de luz jurídica positiva, a se contrapor aos surtos –
lamentavelmente, já não tão episódicos – dos “apagões”
de variada espécie.

Ferir-se de morte princípios
Constitucionais, qual se fez, abre precedente perigoso na ordem institucional
das coisas da vida de um país, que se diga – ou pretenda ser – verdadeiramente
democrático.

Que se tome, pois, definitivamente,
consciência dos riscos inerentes à postergação de direitos, fruto de árdua
conquista popular, sob pena de se fomentar o descrédito e o desprestígio de um
Poder que tudo tem – como sempre teve – para ser, de fato e de
direito
, a inexpugnável fortaleza da verdadeira justiça. Mais que
isto: que se não corra o risco de infirmar, na prática, as
lapidares palavras de eminente Ministro daquele alto Tribunal – Luiz Gallotti – orientativas de
que essa Corte, suprema na hierarquia judicial brasileira, “soube sempre
cumprir a sua alta missão constitucional, impávida e serenamente, mesmo nas
horas mais difíceis e de maior perigo, usando, na falta de outra, de sua imensa
força moral, e jamais desertando ao seu nobre dever de guarda impertérrito da Constituição e das leis
”.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Edison Vicentini Barroso

 

Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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