Resumo: Discorre-se, neste trabalho, acerca do mecanismo tributário brasileiro. Demonstra-se o que significa a carga tributária e sua histórica e atual no cenário nacional e internacional. A partir desta noção básica, desenha-se a carga tributária incidente sobre os contribuintes brasileiros sob uma ótica crítica, especialmente na cesta básica. E, ao final, sugerem-se propostas e soluções acerca do tema, tal qual a desoneração da tributação sobre os alimentos básicos.
Palavras-chave: Tributário, Carga Tributária, Cesta Básica
Sumário: 1. Introdução; 2. O estado e a tributação; 3. O poder de tributar; 4. Carga tributária; 5. Carga tributária no cenário internacional; 6. Carga tributária no brasil; 7. Carga tributária incidente sobre a cesta básica; 8. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
“A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte”. (Ministro Celso de Mello, STF, ADI 2.551-MC-QO, julgada em 20/04/06)
Hodiernamente, a preocupação com uma vida digna tem se mostrado cada vez mais relevante no cenário político-jurídico do Brasil. É crescente a necessidade da criação de mecanismos que garantam de modo eficaz o exercício dos direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988.
Destarte, este trabalho tem como objetivo adentrar no aspecto da carga tributária nacional, com foco específico na cesta básica.
Este tema é objeto de discussões tanto no âmbito nacional, como internacional. Polemizado e controvertido por doutores, mestres, estudantes, ou seja, operadores do Direito em geral, haja vista a sua presença diária na vida dos seres sociais.
2. O ESTADO E A TRIBUTAÇÃO
O surgimento do Estado decorreu da necessidade humana de viver em grupo. Para a manutenção da vida social é necessário um conjunto de normas que disciplinem as relações interpessoais, sob pena de tornar-se impossível uma convivência pacífica, para tanto a criação de uma figura que pusesse ordem e temeridade no seio social foi imprescindível. Nasce o Estado.
No entanto, como toda máquina, o Estado necessita de meios de funcionamento, instrumentos de efetivação de sua atividade, formas de prestar serviços públicos. Isso tudo é muito dispendioso.
Deste modo, foi vital para o Estado a criação de mecanismos de arrecadação de riquezas para executar as suas funções básicas, proporcionar aos seus nacionais o mínimo de dignidade, prestando serviços de saúde, educação, saneamento básico, entre tantos outros.
A arrecadação tributária se mostrou o meio mais eficaz de captação de receita pública, os tributos se tornaram a grande e inesgotável fonte de riqueza estatal, sem os quais não poderia o Estado prover a si próprio, nem suprir as necessidades elementares da sociedade.
Neste sentido, faz-se mister colacionar a posição do respeitável José Eduardo Soares de Melo[i]:
“A cobrança de tributos se mostra como a principal fonte das receitas públicas, voltadas ao atingimento dos objetivos fundamentais insertos no art. 3º da Constituição Federal, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, tendente à redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem-estar da coletividade”.
É importante frisar, neste momento, que quanto maior o Estado, ou seja, quanto mais interferência ele tiver sobre a vida privada e sob a prestação de serviços públicos, maior será o seu gasto e, por conseguinte, maior será a sua necessidade de arrecadação. Sobre esta amplitude do Estado, discorrer-se-á adiante.
Portanto, o Estado não subsiste sem a tributação, seja ela modesta ou em larga escala. O que é contestável, por outro lado, é a contraprestação estatal diante da carga tributária imposta aos contribuintes. É notória a necessidade de uma relação razoável e proporcional nas relações entre a Administração Pública e seus administrados, como disposto expressamente na Carta Magna de 1988 em seu artigo 37, caput, e não desvia desta regra a relação tributária entre o Fisco e os contribuintes. A discrepância entre a prestação de serviços públicos de um modo geral e a arrecadação tributária deve ser mínima sob pena de se tornar impraticável a vida social.
Deste modo, percebe-se que a relação entre o Estado e a tributação é indissociável, sendo a arrecadação tributária o combustível que impulsiona a máquina estatal, permitindo que sejam prestados os serviços públicos essenciais de modo a satisfazer a demanda social, resguardando os princípios gerais constitucionalmente garantidos.
3. O PODER DE TRIBUTAR
Para exercer uma atividade que invada a esfera patrimonial do contribuinte, o Estado precisa estabelecer uma relação de poder, limitada pelas normas de direito, portanto se tornando mais conveniente se falar em uma relação jurídica, conforme entendimento do professor Hugo de Brito Machado[ii]:
“Importante, porém, é observar que a relação de tributação não é simples relação de poder como alguns têm pretendido que seja. É relação jurídica, embora seu fundamento seja a soberania do Estado”.
Destarte o Estado, através da sua soberania, embasado pelo interesse coletivo em detrimento do particular, busca no patrimônio do contribuinte a satisfação da receita que precisa para se manter.
É importante frisar que o poder de tributar, como todos os poderes existentes no ordenamento jurídico brasileiro, não se pautam na arbitrariedade e do autoritarismo, pois, segundo a Constituição do Brasil no parágrafo único do artigo 1º, reza que “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Deste modo, não há que se falar em imposição forçada pelo Estado, mas sim em consentimento da sociedade. Esta anuência por vezes não se mostra muito clara, tanto que os contribuintes se alvoroçam em meio a majorações exorbitantes nos tributos, não se atendo a realidade de que nada tem a ver o poder de tributar exercido pelo Estado com a falta de congruência dos “representantes do povo” com os princípios que regem a atividade pública.
Ocorre que a juridicidade da relação tributária relativiza o Poder estatal de modo que não existe a possibilidade de discricionariedade do Estado no exercício da tributação, neste ponto cita-se o ilustre mestre Ricardo Lobo Torres[iii] acerca da relação jurídica tributária:
“Nasce, por força de lei, no espaço previamente aberto pela liberdade individual ao poder impositivo estatal. É rigidamente controlada pelas garantias dos direitos e pelo sistema de princípios da segurança jurídica. Todas essas características fazem com que se neutralize a superioridade do Estado, decorrente dos interesses gerais que representa, sem que, todavia, se prejudique a publicidade do vínculo jurídico.”
Portanto, parece mais oportuno falar que a relação existente na tributação em sua essência é de Poder, quando torna compulsória a prestação tributária e invade os cofres particulares para encher os públicos, impondo a sua soberania, bem como se regula por normas de Direito, ladeada por princípios constitucionalmente albergados, o que a torna uma relação jurídica.
4. CARGA TRIBUTÁRIA
Sobre carga tributária, busca-se a explanação do professor Aloísio Flávio Ferreira de Almeida[iv], que dita o seguinte:
“O conceito de Carga Tributária Bruta refere-se à relação entre o montante total da receita de natureza tributária, arrecadada em determinado período, e o Produto Interno Bruto nesse mesmo período. Procurando atingir a definição econômica mais ampla, considerou-se no cálculo da carga tributária, além dos impostos, taxas e contribuições de melhoria, as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses de categorias profissionais e econômicas, e, por fim, as contribuições para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço[v].”
Portanto, depreende-se que a carga tributária, também chamada de carga fiscal, é o conjunto da arrecadação de todos os tributos cobrados pelo Estado, em um definido lapso temporal, relacionada ao Produto Interno Bruto (PIB) desse ínterim.
5. CARGA TRIBUTÁRIA NO CENÁRIO INTERNACIONAL
Embora se tenha uma diversidade imensa de sociedades no mundo, é notória a utilização massiva do sistema tributário para a sustentação financeira do Estado, do governo e das políticas governamentais.
No entanto, por vezes, o que se difere nestas sociedades são os tipos de cobrança, o emprego da receita estatal e o retorno dos benefícios ao contribuinte, ou seja, o indivíduo que se encontra inserido em tal sociedade. Em algumas, o sistema é mais simplório e visa apenas a manutenção básica dos mecanismos estatais, sem quaisquer excessos e cobranças exorbitantes, porém, como a arrecadação é baixa, não há tanto retorno a sociedade, que deve dispor de meios próprios para determinados serviços, como saúde, educação e lazer.
Já em outros países, a carga tributária é mais alta, um maior volume de arrecadação que se reverte em melhorias, benefícios à sociedade contribuinte, com a prestação de escolas públicas de qualidade, áreas de lazer, entre outros.
Entretanto, há um tipo de sistema tributário que apregoa altos tributos e, no entanto, não são perceptíveis as benfeitorias estatais. Tal fenômeno é atribuído principalmente aos países emergentes devido à alta corrupção por parte dos governantes, independendo-se se uma legislação tributária eficaz, mas sim da carência de observância dos princípios administrativos, como a moralidade e eficiência, para o desenvolvimento de políticas sérias e comprometidas com os entes sociais.
Sobre a matéria inserimos as boas observações do ex-secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Rachid[vi], insertas no texto do jornalista Gustavo Patu:
“Vamos discutir o tamanho do Estado? É um bom debate, discutir o tamanho do Estado. Às vezes eu vejo: “Todo tributo é ruim”. Tá, então vamos fazer o quê? O Estado vai viver de quê? Vamos baixar [a carga tributária]? Com a desigualdade de renda que tem neste país? Uma desigualdade muito forte de renda que tem neste país, por exemplo, de outros países aqui citados. Temos que ver. Suécia: a carga é de 50%, o Estado oferece tudo. Estados Unidos: a carga é menor, o cidadão paga tudo”.
6. CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL
Evidencia-se no Brasil, como típico país emergente, uma carga tributária dissonante da contraprestação de serviços públicos. Em 2015, a carga fiscal brasileira chegou a 36,27% do PIB, segundo as informações do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário[vii] (IBTP). No entanto, é clara a desigualdade social no país, a miséria, a fome, o analfabetismo e a criminalidade.
Em 2015, cada brasileiro trabalhou 151 dias somente para pagar os impostos7. Tais números ensejam uma reflexão crítica do ponto de vista ético e humanístico, onde se percebe claramente a inversão dos papéis, em vez de o Estado servir ao indivíduo, o indivíduo se torna quase um escravo do Estado, por meio de uma tributação astronômica e descabida, sendo que ainda nem se nota o retorno à sociedade.
Para corroborar, estes dados escandalosamente absurdos, insere-se neste trabalho um trecho escrito pelo ilustre Senador da República Francisco Dornelles[viii], com base em dados do IBPT:
“Ao acordar e acender uma luz, o brasileiro está pagando de impostos, sem saber, cerca de 46% de sua conta de energia. No café da manhã, os impostos equivalem a 36% do preço do café, 40% do preço do açúcar e 35% do preço do biscoito. Mesmo com incentivos para a cesta básica, os impostos ainda comem 18% do preço da carne e do feijão e 35% do preço do macarrão. Se usa o telefone, paga 40% da conta em impostos. Para o lazer, na compra de uma TV, 38% do preço vai para o fisco”.
Se, entretanto, fosse notória a diminuição das desigualdades sociais, do desemprego, da miséria, da fome, seria de justo motivo a cobrança, tendo em vista que a sociedade proporia, através da arrecadação fiscal, meio de desenvolvimento de si própria, trazendo benefícios de um modo geral. Porém, o que se nota é o aumento de tais fatores sociais, mostrando que essa receita auferida concentra-se na estrutura governamental e nos patrimônios dos que a compõem, tornando totalmente injusto e vil esta prática abusiva.
Mesmo arrecadando em níveis elevados, o Estado brasileiro na proporciona ao contribuinte o mínimo de dignidade. Reproduz-se a brilhante opinião do professor Hugo de Brito Machado[ix]:
“Além de bastante elevada nossa carga tributária é crescente. A cada dia se eleva um tributo ou se cria tributo novo e a arrecadação, assim, tem batido sucessivos recordes. Não obstante não há dinheiro para obras importantes. As estradas, especialmente no Nordeste, estão sem a necessária manutenção, praticamente destruídas. O sistema penitenciário superlotado. As universidades federais minguando, enquanto cresce a olhos vistos o sistema de ensino superior particular. Parece que os recursos arrecadados são utilizados apenas para o pagamento de juros, ou escorrem pelo ralo da corrupção”.
Nesse contexto, é espantosa a inércia social. Envolta por uma demagogia que cega a sociedade, onde “partidas de futebol” são suficientes para manter os antolhos que não permitem que sejam vistas as discrepâncias sociais. O povo brasileiro é um mero instrumento manipulado, alienado para manutenção do sistema atual, que tanto lhe massacra.
7. CARGA TRIBUTÁRIA INCIDENTE SOBRE A CESTA BÁSICA
Desde a sua produção até a chegada na mesa do consumidor final, os produtos integrantes da cesta básicas são incididos por inúmeros tributos. Essa carga fiscal demanda do Estado a necessidade de uma grande máquina fiscalizadora e arrecadadora, configurando a criação de uma estrutura fiscal rígida e extremamente burocrática. Segundo uma matéria veiculada no site do Impostômetro[x] em 05/07/2016, a cesta básica, que serve de parâmetro de consumo para as famílias mais pobres, carrega quase 22% de impostos.
Alguns exemplos de alimentos da cesta básica e seus respectivos percentuais de tributos incidentes sobre o preço final: Achocolatado: 38,06%; Açúcar: 30,60%; Arroz: 17,24%; Biscoito: 37,30%; Carne Bovina: 23,99%; Farinha de Trigo: 17,34%; Feijão: 17,24%; Frango: 26,80%; Iogurte: 33,06%; Macarrão: 16,30%; Leite em Pó: 28,17%; Amido de Milho: 33,87%; Margarina: 35,98%; Óleo de Cozinha: 22,79%; Ovos de Galinha: 20,59%; Pão Francês: 16,86%; Verduras: 19,98%[xi].
Impende constatar como é distribuída essa carga tributária incidente sobre a alimentação da seguinte forma[xii]: ICMS: 43,6%; Previdência e FGTS: 21,6%; Outros impostos menos subsídios: 16,7%; Outros tributos: 13,6%; e Imposto de Renda: 4,7%.
Desde a produção no campo, passando pela industrialização, até chegar a mesa do cidadão, os alimentos são bombardeados de uma infinidade de tributos incidentes direta e indiretamente.
Especialmente a cesta básica, é predominantemente tributada indiretamente, como se percebe pela figura acima, o imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços, haja vista a impossibilidade de o consumidor deslocar-se até o bem a ser consumido, mas sim o fluxo inverso, é o que mais onera o preço final.
É importante demonstrar que conforme as pesquisas do DIEESE, o salário mínimo, para que o brasileiro vivesse com uma qualidade de vida digna, seria de R$ 3.992,75. O atual é de R$ 880,00. Agora, pergunta-se: Como um cidadão que recebe um salário mínimo tem condições de manter uma família em condições minimamente dignas de sobrevivência com esta quantia? Mágica!
Segundo a Lei Maior do Estado brasileiro, todo trabalhador tem direito a um salário mínimo “capaz de atender a suas necessidades e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência” (Art.7º, IV, CFRB). Crê-se que o atual salário nacional nem de longe corresponde ao anseio do legislador constituinte originário.
8. CONCLUSÃO
Diante dessa alarmante realidade brasileira, percebe-se que a sociedade urge por uma reforma tributária, que sonha com um Estado que proporcione uma vida digna aos que nela se inserem. A busca da moralidade administrativa de representantes que efetivamente busquem o interesse público e não os seus próprios anseios.
Devem ser expurgados os excessos cometidos pela legislação tributária carente de uma reforma eficaz que ainda privilegia a manutenção de uma máquina estatal, exageradamente dispendiosas ao contribuinte, sem que se tenha a real aferição dos proveitos que deveriam ser prestados pelo Estado. A arrecadação deve ser proporcional a prestação estatal. Ou o Estado é máximo, ou ele é mínimo. Não pode haver uma arrecadação de um país que oferece tudo, num Brasil que não oferece quase nada.
Cumpre demonstrar, através das palavras de Gustavo Patu[xiii], que o Brasil precisa de uma renovação na sua estrutura tributária, para viabilizar as relações comerciais, as transferências de conhecimento e principalmente a erradicação da pobreza e da fome:
“Vem de longe a crença nacional na reforma tributária. Políticos e empresários, direita e esquerda, todos apoiam a ideia de um projeto capaz de, ao mesmo tempo, reduzir a carga sobre quem paga demais e manter ou até elevar a arrecadação do governo; um novo ordenamento jurídico que eliminaria o excesso de impostos e atrairia para a legalidade uma multidão de biscateiros, contrabandistas, empresas de fundo de quintal e grandes sonegadores.”
Encerra-se, este trabalho, com a esperança que a sociedade mobilize-se em favor de si mesma, que saia às ruas e ruja por uma justiça tributária. Vislumbra-se um país mais igual, onde a consciência política do povo e dos representantes dele vise o bem-estar social coletivo.
Por fim, repete-se uma frase do brilhante jornalista Gustavo Patu[xiv]:
“Se o corte de impostos pode – não há garantia – trazer crescimento econômico e benefícios gerais, os prejudicados pelos cortes de gastos têm nome, sobrenome, endereço e título de eleitor”.
Advogado formado pela Universidade Gama Filho atuante na área do Direito Tributário e Penal
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