Carreiras típicas do Estado: profissionalização do serviço público e formação do núcleo estratégico


“O Estado, entre nós, não precisa e não deve ser despótico – o despotismo condiz mal com a doçura de nosso gênio – mas necessita de pujança e compostura, de grandeza e solicitude, ao mesmo tempo, se quiser adquirir alguma força e também esta respeitabilidade que os nossos pais ibéricos nos ensinaram a considerar a virtude suprema entre todas. Ele ainda pode conquistar por esse meio uma força verdadeiramente assombrosa em todos os departamentos da vida nacional. Mas é indispensável que as peças de seu mecanismo funcionem com harmonia e garbo.”


(HOLANDA, Sérgio Buarque de, Raízes do Brasil. 21ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio ed., 1989, pág. 131.)  


O propósito deste singelo trabalho é traçar, no seio das antinomias oriundas do quadro pendular de marchas e contramarchas da Revisão Constitucional, notadamente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, alguns lineamentos sobre as carreiras que, dadas as suas peculiaridades, natureza, grau de responsabilidade e complexidade, representam reservas de qualificação no setor público.


Preliminarmente, não é demais lembrar que o tom da Emenda Constitucional nº 19/98 é antes político do que jurídico. É o que podemos chamar de “constitucionalização de um Plano de Governo”1, repassado de concepções e preconceitos comprometidos com determinadas premissas políticas, que conformam o ideário de todo o movimento revisional. A tônica do discurso oficial resvala para o quase-messianismo, prometendo-se salvar o que parecia perdido – o Estado brasileiro inoperante e mergulhado em crises crônicas. A Reforma Administrativa tem a pretensão de tirar as instituições do Poder Público de sua estagnação, “promovendo a atualização de normas, concomitantemente à remoção de constrangimentos legais que hoje entravam a implantação de novos princípios, modelos e técnicas de gestão”2. Propõe o Governo Federal, em verdade, uma alteração tópica, como se fosse uma reforma profunda, apregoando como novidade uma solução já tentada pelo extinto Decreto-lei nº 200, de 25.02.1967, sem vantagens maiores do que o estrépito de sua adoção. Em precioso estudo, Felipe Néri Dresch da Silveira assevera  que “na prática, o novo texto retrocede ao regime existente na vigência da Carta de 1969 e em especial ao estabelecido pelo Decreto-Lei nº 200/67, onde, à Administração, era viabilizada a opção entre a contratação de servidores pelo regime CLT ou a investidura desses em cargo público”3. Nesse sentido, exsurge como núcleo da proposta reformista, tão-somente, a estigmatização do funcionalismo público, visto como um “sócio privilegiado do sistema de benefícios fáceis, sustentados pelos recursos arrecadados do contribuinte”4. Não é ilusório afirmar que, num cenário político de profundas mutações, estimuladas pela crise ou simplesmente orquestradas por arranjos ideologizados, o governo federal gaste todo o seu fôlego guerreiro contra o fantasma do servidor público, poupando, quiçá, os verdadeiros inimigos; e, nesse sentido, acabe por nulificar o espaço de racionalidade e razoabilidade no qual se possam reunir elementos para uma reflexão de caráter menos reativo e mais construtivo acerca da real necessidade de mudança.


Não é forçoso concluir, por exemplo, que as circunstâncias atuais de desemprego nos planos interno e internacional projetam mudanças de rumo no tratamento do serviço público. Infelizmente, este quadro é inevitável e devemos, face à relativização do tema, sugerir uma nova abordagem do setor público, mormente sob o ângulo de sua função, com vistas a se forjar uma identidade democrática de gestão administrativa capaz de se inserir no contexto participativo das massas reivindicantes e dos núcleos comunitários de poder. Contribuição universal, para tanto, origina-se no próprio Orçamento Participativo, criação de uma esfera pública não-estatal em que a sociedade institui tanto o processo de co-gestão (COP-Governo) da cidade, quanto mecanismos de controle social sobre o Estado, sem necessariamente adotar o ideário privatista “gerencial”, defendido ardorosamente pela equipe do Governo Federal. É certo que o desenvolvimento de uma cultura participativa pode levar a administração pública a uma melhor performance, dado que, quanto maior o envolvimento da cidadania nos negócios públicos, mais consistente pode ser a gestão administrativa democrática, e mais legítimas serão as instâncias regulatórias, decisórias, de execução e de controle das políticas públicas.


De qualquer modo, porém, não há como olvidar-se das peculiaridades intrínsecas a qualquer esfera de governo. Naturalmente, os caminhos de eventuais mudanças não determinam o rompimento com o que de melhor se sedimentou no âmbito do aparelho estatal, sem a perspectiva de processos substitutivos, responsáveis, coerentes e eficazes. Tais processos fundamentam-se, necessária e essencialmente, na profissionalização e na valorização do servidor público. O bom desempenho da máquina pública depende da profissionalização de seu quadro permanente, por meio da organização das carreiras e processos de formação e treinamento. O reconhecimento destes núcleos de poder insere-se num contexto de desequilíbrio do Estado como um todo, resultante da convergência de vários fatores de pressão, internos ou externos: a ilegitimidade, a ineficiência, a escassez de recursos, o desprestígio, a falta de credibilidade, o corporativismo, a indefinição das esferas pública e privada, a insatisfatória absorção da cultura informática, entre outros. Para nos opormos objetivamente a esta realidade, sem propugnar por um Estado diminuto e eficiente (como se se pudesse, na ótica reformista, estabelecer uma relação necessária entre eficiência e diminuição funcional), deve haver uma opção de Governo, espontânea ou induzida, que estrategicamente defina as responsabilidades inerentes a cada um destes núcleos, estabelecendo salvaguardas que contenham os efeitos perversos da pretendida aniquilação do Estado nacional pelo atual processo de reformas constitucionais.


O processo de profissionalização deve visar o fortalecimento do poder dos quadros que integram o Núcleo Estratégico do Estado e que se constituem, historicamente, pelas carreiras que representam reservas de qualificação no âmbito do Poder Público. Este núcleo estratégico deve atuar no planejamento, formulação, avaliação e fiscalização das políticas públicas e na defesa do Estado. Evidentemente, compõe-se de servidores dotados de alta qualificação técnica – nível superior, portanto – e visão global do processo decisório do Estado. A estes quadros, fundamentalmente, cabe subsidiar o processo de formulação das políticas governamentais. Devem, por suas atribuições e responsabilidades diretamente ligadas ao exercício do poder de Estado, merecer um regime de estabilidade mais rígido, protegidas das injunções conseqüentes à alternância no Poder Estatal. Seu enquadramento estatutário, reiteradamente caracterizado e reconhecido como próprio e específico das Carreiras Típicas de Estado, visa dar aos seus integrantes garantias no exercício de seus cargos contra o Poder Político e discricionário, já que é inerente – e natural – às atribuições do Núcleo Estratégico a possibilidade de contrariar interesses que, não raras vezes, não se coadunam com os princípios elementares da Administração Pública, violando-se por conseguinte os interesses permanentes do Estado5


Portanto, à luz das inovações trazidas pela EC 19/98, pode a flexibilização do instituto da estabilidade se converter, até mesmo em relação ao Núcleo Fundamental da Administração Pública, num elemento de pressão tendente a coibir a ação administrativa pautada no interesse público. É verdade que o ato normativo, exigido a teor do § 4º do artigo 169 da Constituição Federal, sem que se tenha de invocar a teoria dos motivos determinantes, afasta a discricionariedade pura no atendimento à Lei Complementar que define os limites das despesas com o funcionalismo público (LC nº 82, de 17.03.95). Entretanto, em face dos ocupantes das carreiras típicas, há que se estabelecer, no texto legal, sua incolumidade em relação à eventual incidência do dispositivo citado. Nas palavras de Juarez Freitas: “Destarte, o servidor público, designadamente ao exercer funções típicas e finalisticamente de Estado (funções-fim), carece de interpretações conducentes a enérgicos anteparos formais e substanciais contra perversidades de qualquer espécie. Tais anteparos não devem servir, está claro, para a comodidade do agente público, mas para que este se revista da necessária couraça neste mundo de intempéries e estonteante rotatividade no regime de trabalho em geral. Esta segurança mínima, longe de estimular a indolência, mostra-se benfazeja para o cumprimento da fidelidade plena aos princípios constitucionais, não aos chefes ou poderosos da hora. Vez por todas, a garantia patrocinada pelo princípio da estabilidade deve ser concebida, a despeito da reiteração de críticas acerbas, como uma proteção oferecida aos consumidores ou destinatários dos serviços públicos, donde segue não haver motivo aceitável para antagonizar bons servidores e os restantes membros da sociedade. Em lugar de hostilidade, uns e outros devem atuar como sinérgicos aliados no superior desígnio de impedir que se “virtualize” o Estado brasileiro, como se este pudesse deixar de ser feito por pessoas e para pessoas, sem prejuízo da luta contínua para que os agentes públicos pautem suas condutas sob o manto sagrado e finalístico da impessoal, independente e enraizada afirmação do interesse geral ”6.


Tal efetividade se dará pelo enquadramento destas carreiras dentro do que estabelece o novel art. 247 da Constituição Federal, verbis:


“Art. 247. As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.


“Parágrafo único. Na hipótese de insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa.”


Na realidade, a par de uma proposital imperfeição técnica no texto em epígrafe – o que poderia ensejar, inclusive, o entendimento de que o servidor integrante das carreiras típicas de Estado não estaria alcançado pela perda do cargo por excesso de quadros se pertencer ao Núcleo Estratégico7 -, podemos inferir que, de qualquer forma, a norma quis proteger, preservar os servidores que desenvolvam “atividades exclusivas de Estado” das ingerências que poderiam constrangê-los no exercício de suas funções.


A esta altura, cabível é o questionamento: quais serão os critérios para definir as Carreiras Típicas de Estado? Cada ente federativo, simetricamente, deverá definir, por lei, quais serão, dentre aquelas que integram a Administração Pública, as carreiras que, por suas peculiaridades, natureza, grau de responsabilidade e complexidade, situam-se entre as típicas de Estado. Historicamente, do ponto de vista normativo, a constituição destas carreiras é um processo cumulativo e, sob certos aspectos, recente e ainda em fase de aperfeiçoamento e consolidação8. Normalmente, tais quadros compõem o chamado Núcleo Estratégico do Estado, possuem atribuições indelegáveis, e desempenham atividades de fiscalização, arrecadação tributária, previdenciária e do trabalho, controle interno, segurança pública, diplomacia, defesa administrativo-judicial do Estado  e defensoria pública. O Projeto do Governo Federal nesta área reduz as Carreiras Típicas de Estado em cinco: advocacia, diplomacia, políticas públicas, polícia e fiscalização9. S.m.j., não vejo como viável a adoção destas carreiras como as únicas a comporem o Núcleo Estratégico do Estado, pelo menos em nível federal. Como é sabido que a definição das Carreiras Típicas de Estado também explicita a extensão e o papel a ser desempenhado pelo próprio Estado na sociedade, é natural deduzir que um “mínimo” de carreiras a constituírem o Núcleo Fundamental significa também outorgar uma dimensão “mínima” ao Estado que preconizamos como indutor das transformações sociais que tanto anseia o conjunto da sociedade. Das funções típicas do Estado decorrem, evidentemente, os objetivos fundamentais e as opções sociais formuladas por este Estado, as quais acabam por se inserir na sua estrutura administrativa. Portanto, é inerente à noção de um Estado democrático e popular que tais definições estejam no bojo de uma ampla negociação que “resulte na construção de um pacto de co-responsabilidade entre servidores e administração, para que sejam implementadas as necessárias alterações decorrentes da reforma administrativa10. A permear esta discussão, de intrincados contornos, deve prevalecer sempre o enfoque da profissionalização e valorização do Serviço Público, de respeito e solidariedade com o funcionalismo municipal.


Nesse sentido, o processo de profissionalização preconizado pela Emenda Constitucional nº 19/98 baliza-se por significativas alterações quanto ao ingresso no serviço público, ocupação de cargos e qualificação profissional, quando (a) permite o acesso a estrangeiros a cargos, empregos e funções públicas, desde que expressamente previsto em lei – art. 37, I; (b) permite a regulamentação em lei de procedimentos para realização de concursos públicos, considerando de forma diferenciada as características relativas à natureza e complexidade de cada cargo ou emprego – art. 37, II; (c) prevê a ocupação das funções de confiança exclusivamente por servidores detentores de cargo efetivo, e a fixação de percentual mínimo dos cargos em comissão, para servidores de carreira – art. 37, V; (d) obriga a destinação destes cargos e funções mencionadas para o exercício de atribuições de direção, chefia e assessoramento – art. V, e (e) prevê a manutenção de Escolas de Governo, instituições com atribuições específicas de formação e treinamento de servidores e prerrogativas de habilitação para efeito de promoção nas carreiras ( art. 39, § 2º)11.


Ninguém questiona que as alterações terão de ser, mais cedo ou mais tarde, implementadas. Entretanto, devem elas partir de um novo pacto com o funcionalismo, conforme já frisei, onde as molas-mestras fixem-se no desenvolvimento do pessoal, na implantação de um sistema remuneratório adequado que estimule o desempenho através de incentivos, e na instituição e reorganização das carreiras e cargos de forma a compatibilizá-los com o necessário redimensionamento do aparelho estatal. Devem ser criados mecanismos que garantam a vinculação do servidor à Administração Pública, bem como, a unidade característica de uma carreira. Tais mecanismos, por exemplo, já podem ser delineados no âmbito da  necessária instituição do chamado Conselho de Política de Administração e Remuneração de Pessoal, previsto no art. 39 da Constituição Federal. Temos que concretizar decisões de forma ágil e articulada e cumprir cronogramas acordados. Este Estado, ágil e eficiente, pode ter a marca e a visão da democracia participativa. Urge que aprofundemos as relações democráticas internas, diretamente nos locais de trabalho e organismos de representação, para construirmos coletivamente uma alternativa que contemple de forma crítica e construtiva as alterações impostas pela Reforma Administrativa, seja na definição das carreiras típicas de Estado, seja no processo de profissionalização e formação do Núcleo Estratégico, seja na necessidade de construirmos um Estado imbuído de “pujança e compostura, de grandeza e solicitude”, nas palavras inesquecíveis de Sérgio Buarque de Holanda.  


Notas:


1. VIZZOTTO, Andrea Teichmann. Estudo Preliminar sobre a Emenda Constitucional nº 19/98, pág. 08, novembro de 1998. (voltar ao texto)


2. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Exposição de Motivos Interministerial nº 49, de 18.08.95. (voltar ao texto)


3. SILVEIRA, Felipe Néri Dresch da. Reforma Administrativa e as Alterações nas Relações da Sociedade e dos Trabalhadores com a Administração Pública, pág. 02. (voltar ao texto)


4. ESTEVES, Júlio César dos Santos. Palestra no Seminário de Direito Administrativo e Tributário, 1996, Horizonte. (voltar ao texto)


5. O dispositivo constitucional que autoriza, por exemplo, a exoneração de servidores públicos estáveis por excesso de despesa, sempre que a folha de pagamento de pessoal superar o limite imposto pela “Lei Camata”, pode se converter em poderosíssima arma nas mãos de governantes desvinculados das idéias que que norteiam o serviço público. Poderemos ter aí uma fonte de todo o tipo de apadrinhamentos e venalidades criminosas, desvirtuando-se as finalidades do Estado e transformando-o num “guichê” a serviço dos economicamente poderosos (nota do autor). (voltar ao texto)


6. FREITAS, Juarez. O Princípio da Estabilidade do Servidor Público: exegese sistemática dos arts. 41 e 169 da Constituição Federal, Revista da Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre, v. 11, nº 12 – setembro de 1998, p. 35-6. (voltar ao texto)


7. Vale ressaltar que, no âmbito do Governo Federal, a proposta contida no PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO distingue quatro setores na Administração Pública: o NÚCLEO ESTRATÉGICO, o NÚCLEO DE ATIVIDADES EXCLUSIVAS DE ESTADO, o NÚCLEO DE SERVIÇOS NÃO EXCLUSIVOS e o NÚCLEO DE PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS. O Núcleo Estratégico corresponde ao governo, em sentido lato. É o “setor que define as leis e as políticas públicas”, e cobra o seu cumprimento. É, portanto, o setor onde as decisões estratégicas são tomadas, e onde a política de profissionalização no serviço público combinada com a definição de carreiras se fará de forma mais contundente. O Núcleo de Atividades Exclusivas é o “setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar”. São serviços ou agências em que se exerce o poder extroverso do Estado – o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. São exemplos, segundo o Governo Federal: cobrança e fiscalização de impostos; polícia; previdência social básica; serviço de trânsito; controle do meio ambiente; fiscalização de normas sanitárias; subsídio à Educação Básica, etc. Já o Núcleo de Serviços Não Exclusivos corresponde ao “setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas”.  As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. Seus serviços envolvem “direitos humanos fundamentais”, como os da Educação e Saúde. Seus exemplos são as universidades, os hospitais e os centros de pesquisa. Por último, o Núcleo  de Produção de Bens e Serviços para o mercado,  que corresponde a “área de atuação das empresas, caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado”. Estão no Estado seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investimento, seja porque são atividades naturalmente monopolistas. O Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) reiteradamente enquadra os servidores públicos federais integrantes do Núcleo Estratégico como parte do “quadro permanente” do Poder Público, o que, a meu sentir, inviabiliza a sua sujeição à  “demissão por excesso de quadros”, preconizada pelo artigo 169, § 4º e 7º, da CF/88. Mas ressalta que, embora haja uma clara distinção entre o Núcleo Estratégico e o Núcleo de Atividades Exclusivas de Estado, servidores da mesma carreira poderão trabalhar em um ou outro setor. Caberá à Administração, portanto, estabelecer critérios, à luz das diretrizes ditadas pela Profissionalização do Serviço Público, que determinem o enquadramento do servidor de carreira típica de Estado em um ou outro Núcleo. A participação em cursos de formação e aperfeiçoamento em Escolas de Governo, aos moldes da ENAP,  e o Regime Especial de Trabalho poderiam ser um destes critérios (art. 38 da Lei Municipal nº 6.309/88) (voltar ao texto)


8. Com a implementação da Reforma Administrativa iniciada com a edição do Decreto-Lei nº 200/67, a Lei Federal nº 6.185/74, posteriormente alterada pelas Leis nº 6.335, de 31 de maio de 1976, e 6.856, de 18 de novembro de 1980, foi o primeiro instrumento legislativo a elencar as carreiras típicas de Estado, estabelecendo em seu art. 2º como tais, aquelas compreendidas nas áreas de segurança pública, diplomacia, tributação, arrecadação e fiscalização de tributos federais e contribuições previdenciárias, Procuradoria da Fazenda Nacional, controle interno e Ministério Público. O texto legal referia-se a a) atividades inerentes ao Estado como Poder Público, significando “o exercício de função que está de forma umbilical e inseparavalmente ligada, vinculada ao Estado como Poder Público ou jus imperii”, e b) atividades sem correspondência no setor privado, sendo exclusivas do Estado como forma de manifestação do Poder Público junto à sociedade (plano interno) e demais Estados (plano internacional).Para estes cargos, a lei dispunha que só seriam preenchidos por concurso público, “condição inafastável para a aquisição de estabilidade”, e seus deveres, direitos e vantagens seriam os definidos em “Estatuto próprio” ( à época, a vigente Lei nº 1.711/52). Inobstante, o art. 3º da referida Lei nº 6.185/74 definia que, para as atividades não previstas no artigo precedente, só se admitiriam servidores regidos pela legislação trabalhista, com a aplicação das normas disiciplinadoras do FGTS. Naquele tempo, tanto estas quanto as definidas como Típicas de Estado eram regidas pelo Plano de Classificação de Cargos – PCC, instituído pela Lei nº 5.645/70. Foi num processo cumulativo de aperfeiçoamento que as categorias funcionais então protegidas voltaram a se estruturar sob a forma de carreiras, trilhando um caminho precursor no tocante à profissionalização e especialização que lhes era inerente. (voltar ao texto)


9. Recentemente, o Governo Federal, por meio do Projeto de Lei nº 4.811/98, definiu de maneira absolutamente restritiva o rol de carreiras de servidores efetivos que seriam mantidos sob a égide do regime estatutário – Advogados e Assistentes Jurídicos da União (AGU), Defensores Públicos, Policiais Federais, Policiais Rodoviários e Ferroviários Federais e os integrantes das carreiras privativas de brasileiro nato (diplomacia) – excluindo, pela leitura de seu artigo 2º, os demais servidores públicos federais, remetendo ao abrigo do regime celetista de trabalho os admitidos após a data de vigência da nova lei. Sua tramitação foi suspensa no final de janeiro de 1999, em vista de deficiências técnico-jurídicas graves, relacionadas, v.g., com a ausência de diferenciação entre Carreiras Típicas de Estado e Atividades Exclusivas de Estado. Também, a pressão – legítima – de inúmeras carreiras prejudicadas pelo projeto governista levaram a Comissão do Trabalho, de Administração e Serviço Público e os relatores do projeto a, num gesto inédito, encaminhar ao Poder Executivo, sob a forma de indicação, propostas de redação destinadas a dar melhor tratamento do assunto, assegurando proteção mais efetiva aos servidores de outras carreiras como a fiscalização tributária, previdenciária e do trabalho, de controle interno, gestão governamental, fiscalização agropecuária e fiscalização do sistema financeiro.  (voltar ao texto)


10. Seminário de Governo do Município de Porto Alegre, Texto Preliminar da Procuradoria-Geral do Município. 29 de janeiro de 1999, Porto Alegre. (voltar ao texto)


11. O artigo 39, § 2º, da CF/88 prevê, ainda, a faculdade de a União, Estados ou Municípios celebrarem convênios ou contratos entre si, com o objetivo de otimizar o aproveitamento das instituições já existentes ou que venham a ser criadas. (voltar ao texto).



Informações Sobre o Autor

Marcelo Dias Ferreira

Procurador do Município de Porto Alegre


Equipe Âmbito Jurídico

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