Noticia-se, em 23 de junho, que o Procurador Geral da
República, a alguns dias da transmissão do cargo, arquiva o procedimento em que
se investigava a ligação do senador Antonio Carlos Magalhães com os grampos
telefônicos que fizeram sucesso no Brasil – e na Bahia – até a eclosão do
escândalo que abriu panos sujos do espiolhamento da
privacidade de políticos importantes, misturando-se, naquelas manobras, gente
boa e gente ruim, alguns delinqüentes e dois ou três inimigos do ainda
influente coronel nordestino. As origens da questão são bem conhecidas: uma
eminente juíza teria autorizado, na Bahia, a interceptação referida. Alguém,
por conta própria, incluiu outros nomes, a mão. Daí ao escorregão cavernoso a
distância foi pequena.
O senador ACM, no episódio, é incidental (ou
acidental). Com ou sem grampo, vira estátua numa praça pública baiana (ou em
várias). Escrevi em um lugar qualquer que estátuas servem à alegria dos netos e
aos ninhos dos pardais. Um escultor excêntrico poderia, no máximo, esculpi-lo com
um auscultador de telefone sobre a cabeça (Salvador Dalí,
meu ídolo, fez isso. Ninguém se queixou. A escultura se encontrava em Figueras, onde o gênio adoidado morou).
Episodicamente, portanto, Antonio Carlos Magalhães
serve de exemplo. Ele vai passar, como passam os grandes e pequenos homens, as
borboletas, os jacarés e as tartarugas. Sobram os grampos e a infelicíssima lei que regulamentou as interceptações
telefônicas no Brasil, transformando autoridades judiciárias, setores do
Ministério Público e da polícia em gulosos inspetores das privacidades alheias.
Certa vez, fiz um romance (Caranguejo-Rei) em que uma autoridade se viciava em
vigiar, usando uma luneta potente, moças bonitas que se exibiam nas praias de
uma estância de veraneio. Aquele comportamento sempre me horrorizou. É
repugnante. Capta, num mesmo episódio, hipóteses de infrações penais, sim, mas
arrasta consigo os sagrados
mistérios mantidos até então, a duras penas, por gente que não
tem ligação qualquer com o reino da malandragem e outras avenças.
Não é hora de esmiuçamento
da lei em vigor. Isso
já foi concretizado alhures. Critiquei a legislação enquanto em projeto. A censura se
perdeu em páginas hoje amareladas do jornal “O Estado de São Paulo”“.
Venceu o entusiasmo do novo Brasil democrático, antes uma ditadura política,
hoje uma autocracia eletrônica. Na verdade, a interceptação
autorizada dos meios de comunicação transformou o relacionamento entre alguns
juízes, uns poucos promotores de justiça, inúmeros prepostos da investigação e
“arapongas” diversos em cúmplices de comportamentos só assimiláveis a
folhetins lidos aos solavancos, no metrô, pelos cansados e explorados usuários
que, no entremeio das apostilas e das palavras cruzadas, procuram forma de se
manterem vigilantes para que não se lhes escapem as bolsas postas a tiracolo.
Há projeto de nova lei de interceptações tramitando
em Brasília. Os
autores, em maioria, são os mesmos ilustres arquitetos da nefanda legislação
ainda atuante. Tentam purgar, na inovação, os pecados cometidos
originariamente. Teriam aprendido a lição. O problema, entretanto não reside na
crueza ou nas imorais determinações contidas na legislação em usança. A
contaminação advém da psicótica ideologia alimentadora da permissão, hoje
deferida a qualquer beleguim de terceira classe, a bisbilhotar a vida
de terceiros, colhendo-lhes, se necessário for, o resultado dos mais conspícuos
exames de laboratório de análises clínicas. Dir-se-á que estou a confundir
alhos e bugalhos. Não estou não. Os exemplos ruins
frutificam. Espalham-se, criando sub-espécies.
Multiplicam-se nas câmeras escondidas em corredores e alcovas. Resultam na parafernália mefítica que temos
por aí, obrigando-se o Poder Judiciário, sempre preguiçoso na identificação do
fenômeno deletério, a reprimir, vagarosamente, a resultante do contágio
venenoso. No meio disso tudo, Brindeiro arquiva a
investigação contra o senador. É preciso coragem para tanto. Poucos tomam
atitude igual enquanto se apagam as luzes do próprio poder. Deve ter razões
jurídicas sustentáveis. Restam ao senador baiano outros
problemas, mas aquilo ele tira de letra.
Vale o episódio para uma lição excelsa: todo ser humano tem, sem exceção
dos juízes, uma luz vermelha tremeluzindo em alguma parte do corpo. A
negligência, o costume, a rotina enfim, levam, às vezes, à desatenção ao sinal
de alarme. Dá no que deu, não só em Salvador, Bahia, mas na São Paulo de
Piratininga, tudo em nome da defesa da sociedade contra a bandidagem.
O povo, de seu lado, se acostuma a isso. A dona de casa e o exausto executivo
já têm preocupações em
demasia. Pouco se importam quando as câmeras indiscretas
remetem ao guarda da noite, ou ao apartamento do síndico, a gravação de um
momento qualquer de solidão descuidada. Faz parte do jogo e não há como
resistir. Alguns até gostam da espionagem. Sabem da vigilância e fazem de
propósito. A sensação de risco, no fim de tudo, faz parte da natureza humana...
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.
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