Justiça determinou inclusão de campos “orientação sexual” e “identidade de gênero”, mas IBGE recorreu; especialista avalia
Prestes a ser iniciado, o Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), corre o risco de deixar de fora, por mais uma edição, um mapeamento importante para a sociedade brasileira: o da população LGBTQIAP+. No início de junho, o IBGE recorreu de uma decisão da Justiça Federal do Acre que determinava a inclusão de campos sobre orientação sexual e identidade de gênero no recenseamento deste ano. Segundo a instituição, a discussão e elaboração dos questionários foram iniciadas em 2016 e a inclusão das perguntas sobre a população LGBTQIAP+ – que terá início no dia 1º de agosto – causaria aumento nos custos e novo adiamento. A pesquisa já foi adiada pela pandemia.
Para a advogada Lívia Moraes – especialista em Diversidade & Inclusão no Barcellos Tucunduva Advogados –, a recusa do IBGE traz diversas implicações negativas. “A ausência de coleta de informações relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero no questionário básico e amostral do Censo empobrece não só a quantidade de material disponível sobre os assuntos, mas impacta diretamente a construção de políticas públicas, que poderiam visar o combate da violência e discriminação contra essa população. O que não é conhecido, não pode ser resolvido”, diz.
O pedido de inclusão de dados sobre a comunidade LGBTQIAP+ no Censo brasileiro não é novidade. “Esta é uma demanda antiga do movimento na tentativa de fortalecer as políticas públicas em sua proteção”, observa Lívia. Os dados coletados em 2019 pela Pesquisa Nacional da Saúde, do IBGE, por exemplo, indicaram que 1,8% da população adulta se declara homossexual ou bissexual. No entanto, este número é reflexo de duas problemáticas principais: “os dados foram coletados via preenchimento pelo próprio entrevistador, e não pela pessoa no momento entrevistada e, obviamente, respondida de forma positiva apenas pelos que se sentiram confortáveis em tal autodeclaração”.
A advogada reitera que a Pesquisa Nacional da Saúde não abordou questões de identidade de gênero, o que apenas fortalece a invisibilidade sofrida pela população trans e travesti. Nesse sentido, Lívia lembra que o Brasil “é o país que mais mata transexuais e travestis no mundo” – e observa, mais uma vez, que “a ausência de coleta de informações sobre essa parcela da comunidade LGBTQIAP+ é apenas um reflexo de sua marginalização já historicamente estabelecida”.
No Brasil, não há pesquisa semelhante ao alcance do Censo que cubra as necessidades de monitoramento da comunidade LGBTQIAP+. “Não existe hoje uma coleta fidedigna de dados sobre essa população, suas vulnerabilidades e desafios na prática – e não apenas na teoria. Existem órgãos e associações que fazem coleta de informações, porém em nível privado e reduzido”, avalia Lívia.
Segundo ela, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), principal órgão representativo da comunidade do Brasil e da América Latina, levantou, em uma estimativa, mais de 20 milhões de pessoas homossexuais e bissexuais no Brasil – número totalmente díspar do que foi levantado na Pesquisa Nacional de Saúde.
Assim, na ausência de dados oficiais sobre o quantitativo e qualitativo da comunidade LGBTQIAP+ pelo IBGE, “os números da ABGLT foram usados como referência por muitos anos em debates para a formulação de políticas públicas, projetos de leis e até decisões judiciais”.
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