Resumo: Contornos legais e atributos inerentes ao direito de propriedade sob a ótica do direito de vizinhança que, apesar de ser um de seus limitadores, tal como a função social da propriedade, pode justificar, ainda que de forma anacrônica, a prática de atos que não confiram utilidade ou comodidade ao seu titular em um cenário de claro confronto entre direito subjetivo e função social.
Keywords: Neighbourhood of law; Social function and emulative Act.
Abstract: Legal contours and attributes inherent to property rights from the perspective of neighborhood law which, despite being one of their limiting factors, such as the social function of property, can be justified, albeit anachronistically, to acts that do not confer utility or convenience to its holder against a backdrop of clear confrontation between subjective rights and social function.
Palavras-chave: Direito de Vizinhança; Função Social e Ato Emulativo.
Sumário: 1 – Introdução; 2 – Limitações ao Direito de Propriedade; 3 – Perspectivas do Direito de Vizinhança: Exercício regular e Abuso de Direito; 4 – Conclusão; 5 – Bibliografia
1 – Introdução
01. O homem é frequentemente estimulado, através da percepção de impressões atuais e precedentes e, a partir deste ponto, verifica-se que a vida nas cidades periféricas e rurais se difere daquela dos grandes centros urbanos, eis que esta última mostra-se mais intensa e atributos como a pontualidade, contabilidade e exatidão tornam-se indispensáveis aos seus moradores[1].
02. O fenômeno urbano relaciona-se intrinsecamente com a dinâmica cultural e as formas de sociabilidade nas cidades contemporâneas, especialmente em um contexto pós-moderno capitaneado pelo crescimento populacional nos grandes centros urbanos que desafia não só o Estado a promover políticas públicas que assegurem o direito a moradia, mas a própria iniciativa privada e autonomia privada dos indivíduos.
03. Com a generalização dos riscos da modernização a dinâmica social deve ser reformulada e adquirir uma concepção epistemológica apta a enfrentar as questões relacionadas a propriedade que, atualmente, com os constantes rearranjos pode levar até mesmo aqueles mais abastados a condição de necessitados dos programas de política pública mais essenciais.
04. Neste cenário transnacional, composto por aspectos desagregadores como a poluição, crise hídrica, lixo tôxico, violência e falta de moradia, a relevância da cidadania cresce concomitantemente a necessidade de se tutelar os direitos fundamentais expressos na Constituição da República de 1988.
05. Pois bem, é justamente neste cenário de crescimento desordenado das metrópoles, fruto de um profundo desequilíbrio das políticas públicas, que surgem duas premissas: êxodo rural e concentração populacional nos centros urbanos. Assim, o presente estudo partirá desta segunda premissa para analisar conflitos urbanos que, atualmente, comprometem o próprio equilíbrio geográfico.
06. Ademais, os riscos da próprio desenvolvimento industrial são tão assentes quanto remotos, de sorte que os riscos à saúde passam a atingir níveis mais críticos em função de novas forças produtivas e remanejos urbanos, especialmente nas grandes metrópoles onde a falta de espaços habitáveis leva a constituição de morarias precárias.
07. Ademais, a noção de urbanismo está intimamente relacionada a redefinição das cidades, especialmente quanto ao aspeto demográfico, cultural e econômico, com foco no bem estar humano e, através de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável e consciente, e na preservação ambiental.
08. Neste sentido, a função urbanística não encerra em si, mas se vale da antropologia, sociologia, arte, arquitetura, economia e história, além, claro, das normas jurídicas de conduta social que enxerga o homem tutelado pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art. 3º, inciso III da Constituição da República.
09. Mas é interessante perceber a reorganização dos espaços, com se a delimitação das fronteiras literalmente quisesse ceifar sua essência geográfica e o fim do Estado nação. Neste sentido, o fim da geografia acarretaria a perda de poder do próprio Estado e, por consequência, na sua soberania.
10. Ora, o Estado representa uma entidade genérica e que, não apenas por este motivo, mas pela seu próprio sentido, deve ser historicamente situado, a par da instituição de uma nova ordem globalizadora e pós-moderna, que, segundo Nietzshe, superou a fase modernista e romântica do século XVII para externar o progresso.
2 – Limitações ao Direito de Propriedade.
11. Registre-se que a Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919 representam uma rica gama de precedentes históricos da função social da propriedade, ocasião em que a solidariedade teve fundamental importância para nortear a amparar as suas disposições sistemáticas e ideológicas.
12. O direito real de propriedade encontra-se positivado no art. 1.228 do Código Civil Brasileiro – CCB e trata das faculdades do seu titular que pode, dentre outras: usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem que injustamente a possua ou detenha, elementos que correspondem aos atributos jus utendi, fruendi, abutendi e re vindicatio [2].
13. Desta forma, a noção individualista[3] da propriedade deve ser afastada, de sorte a contemplar a função social, encerrando-se, assim, uma visão puramente civilista da propriedade sem se ater aos seus fundamentos, ou seja, rechaçando-se a finalidade meramente individual, onde as faculdades de uso, gozo e fruição não podem se mostrar nocivas à coletividade.
14. A função social da propriedade constitui limitação ao direito de propriedade, direito complexo instrumentalizado pelo domínio, cuja pertinência constitucional e legal vem estampadas no art. 5º, incisos XXII e XXIII, art. 182, parágrafo 2º da Constituição da República de 1988 – CR/88.
15. Além disso, a CR/88 dispõe em seu art. 3º, inciso I, que constitui objetivo da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária. Todavia, muitas normas de vizinhança dependem de práticas de boa convivência, onde excessos e os contornos dos limites do exercício do próprio direito devem estar alinhados com o valor moral que acompanha o direito.
16. Paralelamente, caminha a tolerância individual como um indicador do grau de estresse causado por algum abuso ou prática de convivência reprovada pelo ordenamento jurídico e desafiam a moral e metafísica a reconstruir uma epistemologia contemporânea eficiente.
17. O direito de vizinhança, igualmente, constituiu outra limitação ao direito real de propriedade, que traz consigo características de ser absoluto, perpétuo, elástico, complexo e fundamental, na medida em que enaltece valores de boa convivência social, inspirada no Princípio da Boa-fé, e coloca o direito do proprietário de imóvel, na posição de limitado pelo direito do proprietário do imóvel vizinho.
18. Imperioso ressalvar que a CR/88 fez previsão expressa não apenas no sentido de contemplar a propriedade como direito fundamental e dispor limitações, em que pese o direito de vizinhança, a função social da propriedade, normas ambientais, e o próprio Estatuto da Cidade, mas, desta vez, indo além, trouxe instrumentos jurídicos com caráter de sanção para que, realmente, sejam efetivados os valores fundamentais nela defendidos.
19. Neste sentido, o art. 21, incisos IX e XX, art. 24, inciso I, e a norma prevista no art. 30, inciso II, da CR/88 evidenciam certa atribuição de competência aos municípios, haja vista a quantidade de emendas constitucionais e a respectiva " taxa de emendamento[4] " desde o advento da carta política de 1988, relacionadas ao federalismo fiscal, repartição e aumento de competência dos entes locais.
20. Assim, emergem possibilidades variadas de desfechos dos conflitos envolvendo posse e propriedade, na medida em que recolocam o Poder Judiciário na qualidade de relevante ator institucional, a pretexto de defender os valores da Constituição e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Em sentido oposto, Ingborg Maus analisa o papel do Poder Judiciário à luz do conceito psicanalítico da imagem paterna, projetada na função de moralidade pública[5].
21. Com o Plano Diretor surge a possibilidade de os Municípios aplicarem sanções, como: o IPTU progressivo, parcelamento compulsório e, até mesmo, a desapropriação, na forma do art. 182, parágrafo 4º, inciso III, da CR/88. Assim, o núcleo positivo e o núcleo negativo do direito de propriedade produzem simetricamente certas limitações não só de direito público, mas próprias do direito privado, não obstante a sensível mitigação dos valores que sustentam o conceito de propriedade.
22. No entanto, faz-se imperioso retornar à crítica com relação a atuação ativista do Poder Judiciário que, no estudo em exame, pode ser facilmente verificada nas normas previstas no art. 1.228, parágrafos 4º e 5º do CCB. Em que pese vivermos sob a égide de uma jurisdição una, onde prepondera o Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, previsto no art. 5º, inciso XXXV da CR/88.
23. No próximo parágrafo a abordagem do ativismo judicial integrará um cenário composto por proprietários e possuidores, através de uma avaliação em escala onde são medidos os tolerância, solidariedade, bom senso e convivência.
3 – Perspectivas do Direito de Vizinhança: Exercício regular e Abuso de Direito.
24. Quanto ao aspecto privado, se é que subsiste de forma assente neste estudo, pretende-se discutir e não esgotar o debate acerca da fisionomia do perfil urbano em que o homem tenha chances e condições de habitar, trabalhar, circular, conviver, recrear e, literalmente ver respeitadas as situações de fato de direito já consolidadas com o decurso do tempo, onde o Princípio da Segurança Jurídica lhe assegura estabilidade e paz para si e sua família em face das constantes e, não raro, nocivas utilizações da propriedade: direito de construir, limites entre prédios, direito de tapagem e os respectivos graus de tolerância pelos direta ou indiretamente afetados.
25. Aqui, o direito de vizinhança, objeto deste trabalho, merece destaque, eis que é preciso ponderar o que seria tolerável e, principalmente, o que não guarda qualquer interesse econômico ou prestatividade e, doravante, deixaria de ser violação ao direito de vizinhança para configurar a prática de ato emulativo (Emutatio), que se perfaz somente com a intenção de causar dano à terceiro, geralmente desprovido de qualquer utilidade ou proveito econômico, mas, com certa frequência, manejado astuciosamente sob o pretexto de se estar no exercício do animus domini ou até na defesa manu militare de direito real.
26. Há dois precedentes que ocorreram na França, no auge do ideal liberal, em que um vizinho construiu uma chaminé para fazer sombra na propriedade do outro. Outro caso, em que um vizinho inconformado com a diária decolagem de balões, da propriedade ao lado, construiu muros com lanças, a pretexto de que estaria exercendo seu direito de construir.
27. Partindo-se da premissa envolvendo a natureza jurídica do abuso de direito, que aqui não cabe maior explanação, o ato emulativo seria uma espécie de abuso, todavia qualificado pela intenção que aquele instituto prescinde.
28. Importante salientar que a configuração da ilicitude dependeria de uma violação de limites formais impostos pelo ordenamento jurídico, enquanto que no abuso do direito, não há esta definição prévia de limites que poderão ser rompidos, configurando assim a abusividade.
29. Os limites que importam na abusividade são os próprios fundamentos do direito, os quais serão violados apenas quando do exercício empreendido pelo agente do direito concedido, de sorte que a verificação da ilicitude decorre de uma análise formal do ordenamento jurídico em busca de limitações ao determinado exercício do direito, o que torna a sua percepção mais direta e objetiva.
30. Com relação ao abuso do direito não existe um limite expresso, previamente estipulado pelo ordenamento jurídico, o que dificulta a sua percepção e deixando sua constatação à mercê de hipóteses concretas. Em síntese a interpretação literal do art. 187 do CCB, que define o ato abusivo como ilícito, deve ser relativizada, a fim de o instituto seja entendido como uma referência lato sensu[6] ao conceito de ilicitude. Seguindo esta premissa abre-se um precedente para admitir casuisticamente a prática dos atos emulativos, que nem sempre são ilícitos.
32. Mas a questão é evidenciar os limites saudáveis para a intervenção do Poder Judiciário, às vezes aquém de todos os dados e fatores determinantes para apreciar um direito que, em tese, poderia estar sendo violado ou, ao contrário, milimetricamente arquitetado pelo verdadeiro agressor que age á margem da lei.
33. Ou seja, faltariam subsídios mais profundos ao Juiz , numa primeira análise, para decidir aspectos tão intensos e subjetivos, eivados de pessoalidade e facilidades para manejo inadequado dos institutos, a pretexto de uma eventual inobservância dos deveres inerentes à propriedade.
34. Não é difícil imaginar, basta refletir os contornos de um caso concreto em que, numa comarca distante de uma das capitais, não rural, mas, tampouco essencialmente urbana, chegue ao magistrado que, em muitos casos não reside no local ou pouco conhece suas acepções históricas, políticas, sociológicas e arquitetônicas, a árdua tarefa de aplicar o direito a um pretenso possuidor que almeja obter a propriedade de um bem denominado casa de veraneio, de passagem, de férias, do vizinho que, por razões pessoais, deixou de viajar para sua casa durante certo período.
35. Ainda são escassos os recursos para auxiliar a dirimir os conflitos urbanos e rurais na sociedade contemporânea, onde a solidariedade é rara e a ganância, quiçá objeto de estudos antropológicos, perfaz-se com naturalidade e requintes de imoralidade que, por sua vez, nem sempre encontram a respectiva reprimenda no direito positivado ou quando a encontra, nem sempre o fato se subsume à norma.
36. Na sociedade contemporânea onde o direito de construir, previsto no art. 1.299 e seguinte do Código Civil Brasileiro – CCB, quase sempre é atrelado a livre iniciativa, é comum justificar projetos de construção muitas vezes unilaterais, no sentido de sua não harmonia com o direito de vizinhança, respeito aos confrontantes e até mesmo observância de normas urbanísticas, o que, em tese, ensejaria, inicialmente, a configuração do abuso.
37. O Direito urbanístico deve ser avaliado além do seu sentido estritamente urbano, no sentido de viabilizar a integração sistemática de norma técnicas e jurídicas para melhor tratar da ordenação das cidades, procurando melhores condições de habitação, saúde, segurança e lazer[7].
38. Aspecto que deve ser enfrentado é saber até que ponto o mau uso da propriedade, ainda que travestido de um suposto interesse coletivo de circulação de riquezas, criação de moradias e fomento ao desenvolvimento, passa a configurar um ato emulativo[8], tal como prevê o art. 1.228, parágrafo 2º do CCB, que tangencia o próprio conceito de abuso de direito. Ou seja, intrinsecamente, é quando questões de ordem pessoal adquirem relevo.
39. A conceituação de mau uso ou uso nocivo, potencialmente capaz de gerar prejuízos, quase sempre é entregue ao Estado-Juiz, a fim de reestabelecer o equilíbrio que se presume preexistente, sempre que o uso de uma propriedade fuja a noção de normalidade, fato que é não difícil de imaginar.
40. Ora, basta imaginar ruídos excessivos, barulho com gritos, manifestações de toda ordem sem que haja compatibilidade com local e horário, poluição sonora, com fumaças, poeira e aquelas relacionadas ao direito de construir.
41. Como conciliar o direito de propriedade preexistente, seguro, com pleno uso e gozo de todos os atributos a ela inerentes e a superveniente alteração de um muro limítrofe ou de uma servidão de vista ou passagem, por exemplo? Compatibilizar interesses privados que se encontram nos limites do interesse público desta natureza nem sempre se mostra uma tarefa fácil e acaba levando as partes envolvidas a buscar a tutela jurisdicional do Estado para dirimir impasses.
42. Outrossim, o ato emulativo, com precedentes do direito francês, vem perdendo relativo espaço para as questões entre vizinhos cujo interesse, comodidade, prestatividade econômica e bem estar integram a discussão acerca do direito de construir, na sua fase preparatório, de execução (durante a obra) e após emissão e averbação do habite-se, onde nascerão novos vizinhos e relações jurídicas oriundas daquele novo status de direito real.
43. Verifica-se, assim, que a velocidade das transformações sociais impõe uma constante reorganização do sistema, a fim de que tenha capacidade de lidar com a rica e casuística gama de situações envolvendo direito de vizinhança e a prática de atos emulativos.
44. Novamente, não é demais frisar que, no primeiro caso, a discussão se perfaz em torno de interesses de ordem econômica, habitacional, de lazer, comodidade, saúde ou até mesmo por servidões de vista e passagem, enquanto que o segundo instituto aproxima-se do abuso do direito, eis que, na maioria das vezes, subsiste o intuito de prejudicar o direito de outrem lhe cerceando o exercício de algum direito fundamental.
45. Outrossim, a preocupação do presente trabalho é chamar atenção para a complexidade do tema e a da concomitante fragilidade dos sistemas e arranjos institucionais disponíveis para regular e tratar do assunto.
46. Evidencia-se, com isso, a necessidade de maior participação do Estado, não necessariamente através do Poder Judiciário, mas na promoção de políticas públicas e atribuição de competências administrativas para instituir métodos empíricos de avaliação para definir e parametrizar o estudo acercados conflitos sociais.
47. Após o advento da Constituição da República de 1988, o Estatuto da Cidade representou um importante avanço para o desenvolvimento das propostas ora elencadas e atendimento das premissas dispostas no bojo da carta política, no entanto ainda se mostra insuficiente para acompanhar os efeitos da globalização e a velocidade das des- re-territorializações que colocam os indivíduos á mercê da própria sorte para alcançar um mínimo de dignidade e, acima de tudo, o acesso a moradia.
48. Isto por que as políticas públicas igualmente se mostram insuficientes para tratar do assunto, basta verificar que o Código Civil menciona o ato emulativo em apenas um dispositivo. Talvez, se não fossem as cláusulas gerais, os novos microssistemas e, a título de exemplo, o art. 187 do CCB, não se alcançaria o sentido da ato emulativo, mesquinho e que, neste trabalho faz-se contraponto com o direito de vizinhança partindo-se da perspectiva comparativa de utilidade.
49. Daí que, o doravante direito de vizinhança assegura uma faculdade de exercício (núcleo positivo da propriedade) e, por outro lado, a de exclusão (núcleo negativo), restando evidente sua importância na relativização dos contornos jurídicos (elementos e atributos) que cercam o direito de propriedade, sua função social, racional e coerente.
50. Particularmente, os problemas relacionados aos conflitos urbanos são potencializados pela crescente escassez de espaços habitáveis que, por outro lado, sofrem a necessária ingerência dos municípios para, através do poder de polícia, garantir o controle sobre a ocupação desenfreada do solo urbano e a manutenção da sustentabilidade, daí a preponderância dos atos conscientes e bem arquitetados, por entidades estruturadas, que visam a otimização do uso do espaço e lucro, sobre aqueles meramente emulativos, mesquinhos, que cada vez ficam mais restritos a uma rixa pessoal de vizinhos.
51. Na esteira deste raciocínio depreende-se uma preocupação com o crescimento desenfreado de propriedades edificadas, por exemplo, e, todavia, com a harmonia desta ao contexto urbano que a precede, ou seja, com as demais propriedades e direitos reais já consolidados, a fim de assegurar amplamente o sossego das pessoas, segurança, privacidade, saúde e, acima de tudo, sem o qual o título de domínio pouco diz: bem-estar.
52. Por fim, um dos grandes desafios da sociedade pós-moderna é fazer coexistir interesses e direitos fundamentais, bem como lidar com conflitos entre vizinhos, cada vez mais vizinhos, mais próximos, onde o coeficiente de aproveitamento dos espaços urbanos disponíveis parece enfrentar os mais variados desafios, fruto na necessidade e ambição do homem de encontrar o seu local de morada e não subsumir a exclusão espacial-territorial.
53. Portanto, a aferição dos direitos de vizinhança e constatação dos atos mesquinhos sem interesse ou propósito de obter qualquer proveito que não seja a mera satisfação pessoal em prejudicar um terceiro, no campo dos direitos reais, devem imbricar um diálogo com outros ramos do direito que não seja o civil, mas o constitucional, administrativo, ambiental e urbanístico.
54. Isto por que, numa escala de interesse ou proveito, até certo ponto, ou seja, subsistindo alguma comodidade, a discussão ocorrerá, a princípio nos moldes do direito de vizinhança, porém, o seu próprio titular pode deixar de ter interesse, simplesmente por questões subjetivas ou pela perda do objeto guerreado e passar a ostentar uma postura puramente abusiva, em sentido estrito, o que, doravante, ensejaria o reconhecimento do ato abusivo (emulativo).
55. Para finalizar, é importante mencionar que o ato emulativo pode ser o início da postura ostentada e, no decurso do tempo, aquele ato inicialmente mesquinho pode vir a adquirir uma roupagem mais robusta e a envolver questões de relevância para o direito e vizinhança.
56. Ou seja, é esta flexibilidade, bom senso e possibilidade de abertura ao diálogo, não só na seara administrativa, mas pelo próprio Poder Judiciário, que se mostram como valores que deveriam ser intrínsecos ao estudo dos institutos (direitos reais).
57. Ademais, é preciso racionalizar os instrumentos disponíveis e promover a mediação interdisciplinaridade como meio de enriquecer o estudo dos direitos reais, da propriedade, da posse e, no presente caso, do estudo comparado do direito de vizinhança e dos atos abusivos em sentido estrito.
4 – Conclusão.
58. O trabalho procurou abordar alguns aspectos mais comuns relacionados ao direito de vizinhança, a partir das premissas de mau uso pelo proprietário ou possuidor e, acima de tudo, realizar um estudo comparado com o ato emulativo, aquele em que, de fato, não há objetivo de proveito econômico ou interesse justificável para, doravante, enfrentar a necessária relativização do direito real de propriedade, em favor da função social, meio ambiente, Estatuto da Cidade e, especialmente, do direito de vizinhança (verdadeiro termômetro dos conflitos urbanos).
59. Todavia, a abordagem crítica em torno dos conceitos jurídicos e institutos relacionados ao direito real (posse e propriedade), a partir de uma concepção constitucional, procurou evidenciar que as políticas públicas e os desenhos institucionais ainda se mostram insuficientes para lidar com a crescente e casuística gama de relações sociais e privadas.
60. Finalmente, conclui-se que ao titular do domínio é facultado exercer direitos inerentes a sua propriedade, podendo edificar utilizá-la como bem entender, mas, sob nenhum argumento prejudicar ou limitar unilateralmente o direito real de outrem.
61. A partir do momento em que se esvai o intuito de resguardar os desdobramentos inerente ao domínio, o direito de vizinhança e as servidões constituídas, abre-se precedente para questionar os atos doravante praticados, que passariam a beirar o abuso do direito, previsto no art. 187 do CCB.
62. Tais atos, desprovidos de agasalhado pelo direito, geralmente motivados por sentimento de competição, ciúme ou rivalidade, denotam o quanto complexa, subjetiva e multidisciplinar é a relação do homem com a propriedade, num contexto carente de solidariedade e fraternidade.
63. Talvez não seja a melhor, mas, quiçá, mais eficiente de todas as formas de se buscar a estabilização de conflitos, inevitáveis pelo próprio desenvolvimento industrial e povoamento das grandes metrópoles, seja o diálogo entre os atores institucionais e o incentivo da autonomia privada para dispor, renunciar, ceder, auferir, receber contrapartidas pela perda, total ou parcial, de uma servidão de vista ou privacidade, ou perda de um silêncio bucólico, face aos lucros do Incorporador do prédio vizinho.
64. Enquanto não se desmistificar este imbróglio, elevado ao casuísmo extremo das relações sociais, criado pelo próprio homem, não serão suficientes os esforços do Estado, no uso do seu Poder de Polícia, para tratar de matérias relacionadas ao Direito Administrativo e Urbanístico, tampouco assegurar a paz, sossego, saúde e bem estar do titular de direito real de propriedade e harmonizá-los com o direito de construir e de vizinhança.
65. A coexistência entre desenvolvimento e sustentabilidade, seja urbanística ou relacionada ao meio ambiente, é fundamental para garantir a qualidade de vida do homem e deve nortear o exercício concomitante da própria propriedade com o respeito a propriedade alheia, fato que nem sempre se mostra voluntário, tampouco altruísta.
66. Isto por que o sonho de obter a própria morada não traz mais, por si só, a sensação de segurança face a crescente dinamização das relações sociais e o desenvolvimento não planejado, apesar de esperado, das grandes metrópoles brasileiras, eis que aquele ato eivado de abuso que não perseguir um proveito ou função econômica será considerado meramente emulativo e, não por isso, menos passível de ser contido pela via administrativa ou judicial, não obstante a responsabilidade de o Estado concretizar os direitos humanos e políticas públicas para lidar com os novos paradigmas em torno do domínio.
67. Por fim, é justamente a concretização dos direitos fundamentais, calcados na moral e na ética que desafia os operadores do direito e das demais ciências sociais a encontrar soluções suscetíveis de serem aplicadas no atual cenário político, econômico e social em que a velocidade da informação e a subjetivação das fronteiras geográficas conduzem a sociedade para caminhos tormentosos cujas respostas talvez o Estado ainda não possa assegurar com plenitude.
formado em Direito, Pós-Graduado em Direito Empresarial e em Direito Civil-Constitucional, Advogado, Consultor, Membro da ABAMI – Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário, do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, da ABDF – Associação Brasileira de Direito Financeiro e Professor de Direito Civil.
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