Resumo: O presente artigo busca analisar o cabimento da presença das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos atualmente. Para isto, foi apresentada uma visão geral acerca dos contratos administrativos, ponto no qual se buscou esclarecer seu conceito, finalidade, características e peculiaridades. Após, foram abordados os pontos principais das cláusulas exorbitantes, como: o fenômeno da exorbitância e suas implicações, aspectos relevantes e suas decorrências – com menção das hipóteses legais previstas – e sua aplicação nos dias atuais. As cláusulas exorbitantes estão legalmente previstas para sua aplicação nos contratos administrativos; são reflexo da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, o que será demonstrado através da análise de dispositivos legais, de ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais.
Palavras–chave: Contratos administrativos. Cláusulas exorbitantes. Interesse público. Aplicação.
Sumário: 1. Introdução 2. Visão geral dos contratos administrativos 3. Cláusulas exorbitantes 3.1 O fenômeno da "exorbitância" 3.2 Aspectos Relevantes 3.2.1 Alteração e rescisão unilateral do contrato 3.2.2 Equilíbrio econômico-financeiro 3.2.3 Exceção do contrato não cumprido 3.2.4 Controle e fiscalização do contrato 3.2.5 Penalidades contratuais 3.3. Cabimento nos dias atuais 4. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O tema do presente trabalho foi escolhido pela sua importância na atualidade da Administração Pública brasileira, pois os contratos administrativos diferem daqueles regidos pelo direito privado. O que os diferencia, basicamente, é a presença de cláusulas exorbitantes, as quais se constituem em prerrogativas instituídas pelo legislador em benefício da Administração Pública, e fazem com que
tais contratos sejam desprovidos de igualdade entre as partes, uma vez que somente a Administração é titular de tais poderes.
Partindo desses pressupostos é que na primeira parte deste trabalho, busca-se expor um panorama geral acerca dos contratos administrativos e suas especificidades. Em um segundo momento, visa-se a tratar como se dá o fenômeno
da exorbitância, suas singularidades e explanar suas espécies, dentre as quais foram destacadas: o direito da Administração Pública de alterar e rescindir unilateralmente os contratos administrativos – mantendo o equilíbrio econômico-financeiro estabelecido inicialmente; impossibilidade de aplicação da exceção do contrato não cumprido; fiscalizar e controlar a execução contratual; aplicação de penalidades administrativas ao particular, consoante o princípio da autoexecutoriedade. O método de estudo utilizado foi o dedutivo a partir de pesquisa bibliográfica.
A partir de pesquisa bibliográfica, realizou-se um estudo de método hipotético-dedutivo, com o objetivo principal de refletir sobre a aplicação das cláusulas exorbitantes atualmente e o cabimento do ‘poder-dever’ da Administração de agir com poder de império, em relação vertical e superior à do contratado, fundamentando esta conduta na supremacia e indisponibilidade do interesse público.
2 VISÃO GERAL DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Carvalho Filho[1] acentua que “toda vez que o Estado-Administração firma compromissos recíprocos com terceiros, celebra um contrato. São esses contratos que se convencionou denominar de contratos da Administração, caracterizados pelo fato de que a Administração Pública figura num dos polos da relação contratual”. Sendo gênero, os contratos da Administração ramificam-se em contratos privados, regulados pelo Direito Civil, e contratos administrativos, os quais sofrem incidência de normas de Direito Público, só aplicando-lhes, supletivamente, as normas privadas. Na hipótese de contratação pela regência do Direito Privado, a Administração situa-se no mesmo plano jurídico da outra parte contratante, não possuindo prerrogativas ou vantagens especiais, de modo geral. Carvalho Filho destaca que “é o regime jurídico que marca a diferença entre os contratos administrativos e os contratos privados da Administração”.
Sobre o assunto, Hely Lopes Meirelles[2] disserta que
“A instituição do contrato é típica do Direito Privado, baseada na autonomia da vontade e na igualdade jurídica dos contratantes, mas é utilizada pela Administração Pública, na sua pureza originária (contratos privados realizados pela Administração) ou com as adaptações necessárias aos negócios públicos (contratos administrativos propriamente ditos). Daí porque os princípios gerais dos contratos tanto se aplicam aos contratos privados (civis e comerciais) quanto aos contratos públicos, dos quais são espécies os contratos administrativos, os convênios e os consórcios executivos e os acordos internacionais.”
Mauro Hiane de Moura[3], por sua vez, expõe sua visão sobre contratos administrativos:
“Um contrato administrativo é uma modalidade de ação administrativa. Toda a ação administrativa está vinculada pela Constituição: notadamente, pelos princípios do artigo 37 e pelos direitos fundamentais. O conjunto de vinculações constitucionais aplicáveis à Administração Pública faz com que seja impossível pensar que a Administração possa ter a seu dispor uma área onde ela poderia “agir como se um particular fosse”. Toda a ação da Administração é ação pública – em nenhuma instância de atuação ela pode deixar de ter em mente o quadro de vinculações constitucionais aplicáveis a ela. Isso se aplica tanto aos “contratos de direito privado da Administração” quanto aos “contratos administrativos”. […] Ambos são modalidades de ação pública, e por isso estão submetidos a um conjunto comum de vinculações. Dentro desse contexto, as prerrogativas exorbitantes, usualmente tidas pela doutrina como traço diferencial (e, portanto, essencial), devem ser vistas como um acessório: uma modalidade especial de ação disponível à Administração em alguns dos contratos que firma”.
Celso Antônio Bandeira de Mello[4], ao definir contrato administrativo, dispõe que
“É um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas sujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado.”
Carvalho Filho[5], ao explicar as nuances dos contratos da Administração:
“É de toda a conveniência observar que nem o aspecto subjetivo nem o objetivo servem como elemento diferencial. Significa que só o fato de ser o Estado sujeito na relação contratual não serve, isoladamente, para caracterizar o contrato como administrativo. O mesmo se diga quanto ao objeto: é que não só os contratos administrativos como os contratos privados da Administração hão de ter, fatalmente, um objetivo que traduza interesse público. Assim, tais elementos têm que ser sempre conjugados com o regime jurídico, este sim o elemento marcante e diferencial dos contratos administrativos.”
Conclui o professor que “pode-se conceituar o contrato administrativo como o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público”.
Caio Tácito[6] sobre o conceito de contrato administrativo afirmara que “a tônica do contrato se desloca da simples harmonia de interesses para a consecução de um fim de interesse público”.
Destaca o professor Hely[7] que a teoria geral dos contratos é a mesma para todos os tipos contratuais, no entanto, os contratos administrativos regem-se por normas próprias e se sujeitam a quesitos específicos. Sendo assim, o Direito Privado continua supletivo ao uso do Direito Público, mas nunca o sub-roga ou o substitui. Dessa forma, conceitua o contrato administrativo como sendo “o ajuste que a Administração Pública, nessa qualidade, firma com o particular ou com outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições desejadas pela própria Administração”.
O contrato administrativo, como não deixa de ser contrato, é bilateral (porque não imposto pela Administração; o ato jurídico é bilateral, dependendo da concordância do contratado); é formal, porque por escrito se celebra; é oneroso, porque se remunera da forma que foi convencionada; é comutativo, porque estabelece obrigações para ambas as partes; e é intuitu personae, porque a Administração exige a execução por aquele com quem contratou[8].
Todavia, Meirelles esclarece que o que difere o contrato administrativo do contrato privado é “a participação da Administração na relação jurídica bilateral com supremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste. […] O que o qualifica como contrato público é a presença da Administração com privilégio administrativo na relação contratual”. E nesta seara, é que se encontram as cláusulas chamadas ‘exorbitantes’, e dentre elas está, por exemplo, a faculdade de alterar, unilateralmente, o contrato. O professor[9] faz uma ressalva ao afirmar que
“Não é o objeto, nem a finalidade ou o interesse público que caracterizam o contrato administrativo, pois o objeto é normalmente idêntico ao do Direito Privado (obras, serviço, compra, alienação, locação) e a finalidade e o interesse público estão sempre presentes em quaisquer contratos da Administração, sejam públicos ou privados, como pressupostos necessários de toda atuação administrativa”.
A diferença crucial seria que nos contratos regidos pelo Direito Privado existe certa horizontalidade na relação contratual, ao passo que nos contratos administrativos aparece uma relação verticalizada entre o Poder Público e o contratante privado, em virtude de esses últimos serem regidos integralmente pelo Direito Público[10]. Importante observar que até mesmo nos contratos privados, pode haver derrogação de suas normas para que normas de Direito Público a componham. A intenção do legislador foi submeter ao Direito Público todos os contratos firmados pela Administração. Não à toa tal disposição está presente na Lei de Licitações:
“Art. 62. […]
§ 3o Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:
I – aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado; (grifei)
II – aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público.”
Mauro Hiane de Moura[11], sobre o mencionado parágrafo 3º, comenta:
“Há aqui dois problemas. O primeiro está em que, ao afirmar que aos contratos regidos “preponderantemente” pelo direito privado aplica-se o disposto no artigo 58 da Lei 8666/93, onde estão reunidos os poderes exorbitantes que são considerados como marca distintiva dos contratos administrativos, o artigo parece automaticamente destruir a categoria que pretende regular: se os contratos regidos preponderantemente pelo direito privado possuem os elementos que diferenciam os contratos administrativos do restante dos contratos, então parece necessário concluir que estes contratos regulados pelo artigo 62 parágrafo 3º também são administrativos. O segundo, mais sério e talvez menos evidente, decorre do fato de que, ao falar em “contratos regidos preponderantemente pelo direito privado”, o artigo parece pressupor “contratos firmados com base em um espaço de autonomia privada” – contratos que a Administração pode firmar independentemente de autorização legislativa prévia, quanto mais uma autorização legislativa contendo standards que devam guiar a sua atuação.”
Lucas Rocha Furtado[12] também critica o parágrafo 3º:
“Ora, se os tradicionalmente denominados contratos de Direito privado, tais como seguro, financiamento, locação, etc., celebrados pela Administração estão subordinados aos artigos mencionados (art. 55 e 58 a 61), eles deixam de ser contratos de Direito privado e passam a apresentar a principal característica dos contratos administrativos: a presença de cláusulas exorbitantes. Nesses termos, se durante a execução ou formalização dos contratos indicados houver qualquer dúvida entre a aplicação das normas, regras ou dos princípios do Direito privado ou do Direito administrativo, deverão ser aplicados esses últimos, e somente em caráter supletivo, serão aplicadas as regras e princípios do Direito privado.”
Estabelece a Lei de Licitações em seu artigo 54:
“Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.”
Mauro Hiane de Moura[13], sobre o mencionado artigo 54, tece comentários:
“Aqui nós temos duas alternativas: ou entendemos que a aplicação supletiva do Direito Civil deve ser feita apenas para permitir a interpretação das cláusulas contratuais elaboradas pelo Poder Público, ou podemos pretender que essa aplicação supletiva abra ao Estado um campo de autonomia contratual semelhante à dos agentes privados – e que ele poderá usar para estabelecer, nos contratos que firmar, cláusulas complementares àquelas que são requeridas pela lei.”
Todavia, após estes comentários, cruciais à crítica levantada, o autor ressalta que
“Nenhuma dessas duas possibilidades – seja a autonomia dos “contratos de direito privado” do artigo 62 parágrafo 3º, seja a autonomia “privada” complementar do artigo 54 – é aceitável diante do modelo de ampla reserva legal e submissão do Executivo ao Legislativo.”
Hiane de Moura[14] alerta que o país encontra-se em um “arcabouço constitucional que exige prévia autorização legal […] para permitir a ação pública” e leciona que a base constitucional brasileira submete o Poder Executivo ao Poder Legislativo de forma bastante restrita e interligada, situação em que o Executivo só age quando existente lei que o autorize a tanto.
Já Justen Filho[15], sobre a dificuldade de estabelecer uma diferenciação entre contratos administrativos e privados:
“É extremamente problemático estabelecer um critério diferencial entre os contratos privados praticados pela Administração e os contratos administrativos propriamente ditos. A diferenciação não pode fundar-se no grau de vinculação entre a avença e a promoção dos direitos fundamentais, pois o contrato de direito privado também é uma via para tanto. A melhor solução é reconhecer a impossibilidade de submissão integral de certos segmentos do mercado às regras de direito público. A questão reside não na natureza ou no objeto do contrato propriamente dito, mas no setor da iniciativa privada a que a contratação se relaciona. O fundamental não é o contrato isoladamente considerado, mas as atividades e as empresas que praticam essa contratação. As características da estruturação empresarial geram a impossibilidade de aplicar o regime de direito público, porque isso acarretaria a supressão do regime de mercado que dá identidade à contratação ou o desequilíbrio econômico que inviabilizaria a empresa privada”.
Edmir Netto de Araújo[16] – e na mesma linha Di Pietro[17] – escreve que, ao passo que os contratos privados caracterizam-se pela horizontalidade da relação jurídica, ou “posição jurídica em nível de igualdade”, o mesmo não ocorre com o ramo do Direito Público. Este é caracterizado, por sua vez, pela verticalidade; nesse ínterim, a parte privada contratante não pode alterar os termos do contrato administrativo pactuado, enquanto o contrário é válido. E ressalta o autor que, “o que funda essa prerrogativa é o preceito central informativo de toda a estrutura do direito administrativo, que é a prevalência do interesse público sobre o interesse privado”.
Segundo explica a professora Di Pietro[18], os contratos da Administração compreendem os contratos celebrados pela Administração Pública, sob regime de direito público ou sob regime de direito privado. Já os contratos administrativos são “ajustes que a Administração celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público”. Deste modo, os contratos os quais a Administração Pública é parte podem estar submetidos ao regime de direito público (contratos administrativos) ou regime de direito privado (contratos civis ou de direito privado).
Já para Odete Medauar[19]:
“O módulo contratual da Administração desdobra-se em alguns tipos, que podem ser enfeixados do seguinte modo: a) contratos administrativos clássicos, regidos pelo direito público, como o contrato de obras, o de compras, as concessões; b) contratos regidos parcialmente pelo direito privado, também denominados contratos semipúblicos, como a locação, em que o poder público é o locatário; c) figuras contratuais recentes, regidas precipuamente pelo direito público, como os convênios, contratos de gestão, consórcios públicos”.
No que tange aos contratos administrativos clássicos – objeto deste tópico –, a professora Odete[20] enfatiza que, “constituem objeto de tais contratos as obras, compras, serviços, alienações, concessões, permissões e locações, segundo vem indicado no artigo 2º, caput, da Lei 8.666/93”. E deve-se atentar, ainda, para seu parágrafo único, conforme grifado abaixo. Colaciona-se o artigo em sua íntegra[21]:
“Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.” (grifei)
Realça Medauar[22] que sendo uma das partes contratantes um ente público, disposições igualitárias não poderiam prevalecer, eis que os contratos administrativos visam interesses públicos. Daí extrai a autora que “inaplicável aos contratos firmados por órgãos estatais a plena igualdade entre as partes e a imutabilidade do que foi inicialmente pactuado”. Dentro deste contexto, tem-se que a Administração Pública detém prerrogativas quando se faz presente em uma relação contratual, sem sacrificar, contudo, os direitos do contratado.
Leciona Giacomuzzi[23]:
“O que distingue os contratos públicos dos contratos privados é precisamente o caráter exorbitante de algumas normas relativas aos contratos administrativos. Nesse sentido, a exorbitância é a razão de ser do direito dos contratos administrativos, isto é, a exorbitância é a razão pela qual um contrato público deve (ou não) ser considerado diferente de um contrato privado. Daí que investigar os fundamentos da exorbitância é investigar o coração, a essência do direito dos contratos administrativos. Noutras palavras, a exorbitância constitui o direito dos contratos administrativos.”
Giacomuzzi[24] lembra que há muito se afirma que o direito público brasileiro baseia-se no princípio da supremacia do interesse público, decorrente da dicotomia direito público versus direito privado, mas que esta estrutura vem sendo questionada ao longo dos anos, sugerindo mudanças de paradigma. Entretanto, a posição prevalente na doutrina e na jurisprudência ainda é no sentido de que “o princípio da supremacia do interesse público domina as relações de direito público-administrativo” e a exorbitância do contrato administrativo nasce dessa supremacia do interesse público citada.
3 CLÁUSULAS EXORBITANTES
3.1 O FENÔMENO DA “EXORBITÂNCIA”
Como explica o professor Giacomuzzi[25], “exorbitância” é a prerrogativa especial que enseja tratamento diferenciado ao Estado em seus contratos administrativos realizados com entidades privadas; tratamento este inexistente entre relações privadas. Essa diferenciação é percebida nas teorias de responsabilização do Estado, durante a execução de contratos administrativos e no poder que a Administração tem de rescindi-los unilateralmente. O Estado tem, indiscutivelmente, “privilégios”, segundo Giacomuzzi[26], os quais se afastam nitidamente do direito privado. Tais são privilégios “exorbitantes”, “excepcionais” e esta exorbitância “é causada pela presença do Estado na relação contratual”. Ainda afirma em sua obra que “a exorbitância vai da formação do contrato administrativo até sua execução. Se comparado ao contrato de direito privado, o Estado, na fase de formação do contrato administrativo, tem deveres e obrigações adicionais”.
Bandeira de Mello[27] leciona que tais prerrogativas favoráveis à Administração Pública são “instrumentais à realização da finalidade pública e na medida em que o sejam, do mesmo passo em que lhe irrogam sujeições típicas, umas e outras armadas ao propósito de acautelar o interesse público”.
Cretella Jr.[28], em sua doutrina, afirma que a Administração é “um gigante, em ‘posição vertical’, com privilégios quando comparada ao particular; por outro lado, se identifica a um ‘anão algemado’, adstrito a sujeições, que lhe limitam a iniciativa”. Mas assinala que, ao mesmo tempo, o princípio da supremacia do interesse público não estaria restrito somente ao direito administrativo, mas “comum a todo o direito público, em seus diferentes desdobramentos” [29].
José Guilherme Giacomuzzi[30] assevera: “Seja nos Estados Unidos, seja na França ou no Brasil, o Estado é tratado diferentemente quando contrata com partes privadas – isso é um fato”. O autor continua a explanação lecionando que nesses três sistemas jurídicos, tidos como exemplo, o Estado tem poder de, unilateralmente, alterar o contrato administrativo e ressalta que o ente público “tem o poder de supervisionar a execução do contrato e de aplicar sanções ao contratado sem recorrer ao Poder Judiciário”. Outro exemplo se dá quando a Administração age com “poder soberano” e desobriga-se de algumas responsabilidades, ao passo que o ente privado não estaria desobrigado na mesma situação. Ressalta que, no tocante às razões da exorbitância, Brasil e França muito se assemelham, porque nosso país seguiu a estrutura francesa da dicotomia ‘direito público versus direito privado’, importando da França a estrutura de nosso direito administrativo.
Assinala o doutrinador que os contratos administrativos obedecem a normas exorbitantes não em razão de excepcionais circunstâncias, mas porque toda a estrutura jurídica desenvolveu-se ‘exorbitando’ das normas jusprivadas. Continua o autor no sentido de que “a Administração sempre ‘precisou’ de normas especiais a fim de exercer seu poder, um poder que era, de certa forma, requerido e em larga medida aceito pela sociedade”.
Tais normas exorbitantes formam um sistema que hoje chamamos de direito administrativo, sendo este parte do direito público; tal direito administrativo, em sua essência, já é exorbitante por si só, porque dispõe de mecanismos e princípios diferentes daqueles aplicados ao direito privado. Na França, assim como no Brasil, a ideia é que o interesse público, representado pelo Estado, ente público, prevalece sobre interesses individuais, privados. O Estado, soberano em seu poder ‘vertical’, é detentor de normas especiais a fim de cumprir com esse papel de promover o interesse de todos, porque se estivesse em pé de igualdade com o particular, assim não o faria, dado que é em nome do interesse geral que sempre atua. E é nesse cenário que a questão da exorbitância se enquadra, a relação é desigual entre as partes porque é da natureza do próprio direito administrativo, inerente a ele, desde sua origem. Historicamente, a exorbitância do sistema constitui-se a partir desta premissa maior: do direito público[31]. Giacomuzzi[32] ressalta que “a força do princípio da supremacia do interesse público, permanece clara, seja em nível doutrinário, seja em nível jurisprudencial”.
Odete Medauar[33] assinala que:
“Tendo em vista a presença da Administração, percebeu-se que nem todos os preceitos da teoria do contrato privado aplicavam-se ao contrato administrativo. Os aspectos que fugiam daquela teoria foram então denominados de ‘cláusulas derrogatórias e exorbitantes’ do direito comum. […] No ordenamento jurídico pátrio, tais cláusulas permeiam o tratamento legal dos contratos administrativos, sendo arroladas no artigo 58 da lei 8.666/93 como prerrogativas da Administração”.
Cretella Júnior[34] define as cláusulas exorbitantes como sendo aquelas que permitem à Administração uma inegável posição de supremacia, de ‘desnível’, de modo que ‘verticaliza’ a relação existente, pois ao contratar, a Administração – quando o contrato é regido pelas normas de Direito Público – não se nivela ao particular, não abdica de sua “potestade pública”, mas pelo contrário, ela “dirige, fiscaliza” o particular, aplicando-se-lhe, inclusive, penalidades no caso de descumprimento contratual, sempre fundando seus atos no interesse público.
Celso Bandeira de Mello[35] disserta que as cláusulas exorbitantes podem ser encontradas tanto nos textos legislativos sobre os contratos administrativos, como também podem ser deduzidas dos princípios que são extraídos de determinadas atividades públicas. Ou seja, podem aparecer implícita ou explicitamente. Tal supremacia da Administração expressa-se basicamente em: presunção de legitimidade de seus atos, controle e fiscalização do contrato administrativo, possibilidade de aplicação de sanções ao contratante, etc. Além disso, essa supremacia impede, ainda, que o particular invoque a cláusula exceptio non adimpleti contractus.
Maria Sylvia Di Pietro[36] traz à baila uma característica muito importante presente nos contratos administrativos: a ‘mutabilidade’. Tal traço “decorre de determinadas cláusulas exorbitantes, as quais conferem à Administração o poder de, unilateralmente, alterar as cláusulas regulamentares ou rescindir o contrato antes do prazo estabelecido, por motivo de interesse público”.
Márcia Batista dos Santos[37], por sua vez, ressalta que os contratos administrativos são ‘especiais’, pois detêm características que lhes são próprias, peculiares, sendo o traço mais marcante o “desnivelamento entre as partes”, visto que a presença de “cláusulas exorbitantes favoráveis à Administração” causa a ‘verticalidade’ da relação contratual. A autora destaca que “as cláusulas exorbitantes garantem a satisfação das necessidades públicas e a elas o contratado está submetido”. As cláusulas exorbitantes existem em decorrência do princípio da supremacia da Administração (e, consequentemente, do interesse público) sobre o particular, a coisa privada, e também, do dever que o gestor público tem de promover o bem comum, o interesse geral, não podendo dele dispor livremente, visto que deve respeitar outro princípio: da indisponibilidade do interesse público. Acentua que, “em decorrência de sua supremacia nos contratos administrativos de que participa como contratante, a Administração pode estabelecer, unilateralmente, cláusulas exorbitantes ou de ‘privilégio’ ” [38].
3.2 ASPECTOS RELEVANTES
As cláusulas exorbitantes não seriam lícitas no contrato privado, elucida Hely Lopes Meirelles, porque deixariam as partes em uma relação contratual desigual; todavia, no contrato administrativo são perfeitamente admissíveis, uma vez que decorrem da lei (de forma explícita) ou dos princípios administrativos (de forma implícita). Tais cláusulas visam a estabelecer prerrogativas e consignar vantagens ao Poder Público, sempre tendo em vista a consecução do interesse público como fim. As cláusulas exorbitantes de destaque e discussão neste trabalho são: possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato; equilíbrio econômico-financeiro; inoponibilidade da exceção de contrato não cumprido; controle do contrato e aplicação de penalidades contratuais pela Administração.
3.2.1 Alteração e rescisão unilateral do contrato
A doutrina administrativista majoritária[39] confirma a faculdade que o Poder Público tem em alterar ou rescindir o contrato administrativo, mesmo que tal cláusula não venha expressamente prevista na avença original. Contudo, tal poder de alteração só pode abranger as cláusulas chamadas regulamentares – aquelas que dispõem sobre o objeto e a execução contratual, dado que a Administração tem o dever de estar atenta às alterações necessárias sempre visando o bem comum da sociedade. Desse modo, não cabe aqui, a avocação, pelo contratado, de direito adquirido à execução do contrato como avençado inicialmente, porque isso acabaria submetendo o interesse público ao interesse particular.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro[40] explana bem a diferença entre cláusulas regulamentares e cláusulas econômico-financeiras, senão vejamos:
“Todos os contratos administrativos contém dois tipos de cláusulas: as cláusulas regulamentares, que dizem respeito à forma de execução do contrato, abrangendo as pertinentes ao objeto, regime de execução, forma de fornecimento, direitos e responsabilidades das partes, penalidades cabíveis, dentre tantas outras indicadas no artigo 55 da lei 8.666/93; e as cláusulas financeiras, que dizem respeito ao equilíbrio econômico-financeiro, ou seja, à relação entre o encargo assumido pelo contratado e o preço estipulado no contrato.”
Márcia Batista dos Santos[41] salienta que as cláusulas regulamentares ou de serviço “sempre poderão ser alteradas unilateralmente. Não há necessidade da ‘concordância’ do contratado. Todavia, se interferirem na equação econômico-financeira do ajuste, dever-se-á recompor os preços pactuados”, por isso a expressão no final do artigo 58, inciso I, da lei 8.666/93[42]: “respeitados os direitos do contratado”. Se assim não se entendesse, ressalta a autora que “qualquer discordância do contratado em relação à alteração unilateral das cláusulas regulamentares, alegando não estarem sendo respeitados os seus direitos, anularia por completo a própria teoria da mutabilidade dos contratos administrativos”. Convém mencionar que os direitos do contratado se limitam à garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato; pois os direitos do particular “não podem afrontar a própria prerrogativa do Poder Público de exercitar a mutabilidade unilateral dos contratos”.
Interessante dizer que nas cláusulas regulamentares, a Administração detém poder de império e não precisa da ‘autorização’ ou ‘concordância’ do contratado, até porque se o fizesse a Administração deixaria de ter um poder unilateral, ‘exorbitante’, e o contrato passaria a viger com alterações “de comum acordo”. Todavia, lembra a professora Márcia que, “em razão do princípio da transparência dos atos administrativos, seria conveniente e aconselhável notificar previamente a outra parte das alterações a serem procedidas nas cláusulas de serviço” [43].
Hely Lopes Meirelles[44], citando Jèze e Bonnard[45], explica que “o poder de modificação unilateral do contrato administrativo constitui preceito de ordem pública e, como tal, a Administração não pode renunciar previamente à faculdade de exercê-lo”. Nesse sentido, enquanto em um contrato regido pelo Direito Privado aplicar-se-ia o princípio do pacta sunt servanda, nos contratos administrativos há o jus variandi em favor da Administração, o que autoriza a alteração do contrato sempre que o interesse público exigir. Mas essa alteração também tem limites, alerta Caio Tácito[46]:
“O princípio básico do poder de alteração unilateral do contrato pela Administração é o de que toda modificação que agrave os encargos do contratado obriga a mesma Administração a compensar economicamente os novos encargos, a fim de restabelecer o equilíbrio financeiro inicial”.
Toshio Mukai[47] esclarece que
“Esse poder de alteração unilateral do contrato, reconhecido à Administração, repousa no princípio da continuidade do serviço público. Para o atendimento deste, de forma continuada, e para a plena satisfação do interesse público é que a Administração, independentemente de anuência do particular contratado, goza daquele privilégio de modificar o contrato.”
Prevê a Lei de Licitações sobre o tema:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; […]
§ 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.” (grifei)
O artigo 65 da Lei de Licitações[48] trata das hipóteses de cláusulas regulamentares que podem ser alteradas de forma unilateral pela Administração Pública – mesmo que não estejam expressamente relacionadas no contrato. Isto se justifica em decorrência do seu poder de império e do jus variandi que detém; ao contratado só resta aceitá-las:
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I – unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; […]
§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.
§ 2o Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:
I – (VETADO)
II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.[…]
§ 5o Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.
§ 6o Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.” (grifei)
O inciso II do artigo 58 (rescindir o contrato de forma unilateral) e o inciso I do artigo 65 (alterar unilateralmente o contrato de forma qualitativa ou quantitativa) demonstram hipóteses de exorbitância “interna” mais radicais existentes.
Quanto ao inciso I, do artigo 65, da lei de Licitações e Contratos Administrativos, o qual prevê a possibilidade de alteração quantitativa e qualitativa do objeto do contrato, a professora Vera Lúcia D´Ávila[49] leciona que
“A lei concede à Administração o poder de compelir o contratado a suportar alterações quantitativas e qualitativas do objeto, dentro dos parâmetros impostos na própria regra jurídica. Além desses parâmetros, mesmo com a concordância do contratado, não poderá ser alterado o objeto licitado, sob pena de nulidade do novo ajuste, pois haverá, no caso, o descumprimento das regras impositivas do procedimento de competição, que deve reger a atividade do órgão público quando este pretender contratar obras, serviços, compras e alienar seus bens, tendo por parceiro contratual o particular.”
A hipótese de alteração qualitativa do objeto, ressalta Vera Lúcia Machado D´Ávila[50], encontra limite na própria legislação, pois impede-se que a alteração do inciso I, “a”, seja válida se “evidenciado que a modificação unilateral, a ser introduzida pela Administração, transfigura o objeto contratado, a ponto de desnaturá-lo”. Já Hely Lopes[51] frisa que “nada impede, contudo, alterações quanto ao modo de execução desse objeto, variações de técnica e de forma desde que previsíveis em face do interesse público e acessíveis ao particular contratado”.
Marçal Justen Filho[52] disciplina que, a hipótese de alteração qualitativa, compreende situações em que se constata “a inadequação da concepção original, em que se fundara a contratação”. O autor exemplifica com um caso de descoberta científica, no qual “evidencia-se a necessidade de inovações para ampliar ou assegurar a utilidade inicialmente cogitada pela Administração”. Justen Filho também menciona que
“Deve-se considerar que a hipótese também abrange os casos de inovações tecnológicas que apresentem soluções de qualidade superior àquela considerada por ocasião da licitação. […] A Administração terá o dever de promover alterações para assegurar a obtenção de objetos adequados e satisfatórios, evitando o recebimento de prestação obsoleta”.
Sobre a limitação quantitativa, Vera Lúcia D´Ávila salienta que esta visa impedir a formação de um ato que tenha “o fim de incluir, na obrigação a ser cumprida, obras, serviços ou compras que não fizeram parte do objeto contido no procedimento licitatório que deu azo ao ajuste”. Como bem dispôs o legislador na Lei de Licitações, em seu artigo 65, parágrafos 1º e 2º:
“§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.
§ 2o Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:
I – (VETADO)
II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.”
Assim, conclui-se que, os limites de acréscimos e supressões só se aplicam ao aspecto quantitativo do objeto (e nos acréscimos não se pode extrapolar a legislação, nem com celebração de acordo entre as partes) e não ao seu aspecto qualitativo.
Destaca Hely Lopes Meirelles[53] que esse poder de alteração unilateral é inerente à Administração, pois “imobilizar as cláusulas regulamentares ou de serviço importaria impedir a Administração de acompanhar as inovações tecnológicas, que também atingem as atividades do Poder Público e reclamam sua adequação às necessidades dos administrados”. Nessa seara, a doutrina conclui que, até nas hipóteses em que inexiste qualquer cláusula prévia expressa nesse sentido é possível a alteração, “já que contemplada tal possibilidade dentre as ‘cláusulas regulamentares’, ou seja, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução”[54].
Complementa Vera D´Ávila que “a presença das cláusulas regulamentares se justifica por ser a Administração Pública uma das partes no contrato e estar vinculada ao princípio do interesse público”. Tais cláusulas já são fixadas no edital de licitação, de forma unilateral, pela Administração e celebrado o contrato, ainda podem ser alteradas unilateralmente por ela. Isto porque o artigo 58, inciso I, da lei 8.666/93 consagra, entre outras prerrogativas favoráveis à Administração, o poder de modificar os contratos “para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado” [55]. Dado seu poder de império e a relação de ‘verticalidade’ aqui já discutida, não tem o contratado direito adquirido à manutenção do contrato tal como celebrado inicialmente; se o interesse público clama pela alteração, o contratado não pode opor-se a ela.
A única exceção ao poder de império da Administração são as cláusulas econômico-financeiras, que não podem ser alteradas sem prévia ciência e concordância do particular (art. 65, parágrafo 6º e art. 58, inciso I, parte final e parágrafos 1º e 2º).
Justen Filho[56] esclarece que a Administração Pública não pode alterar, de forma discricionária e unilateral, o contrato administrativo celebrado através de processo licitatório regular, porque a ele também está vinculada, através do princípio da vinculação ao instrumento convocatório e da adjudicação do objeto ao licitante vencedor; também não pode alterá-lo sem que tenham ocorrido circunstâncias supervenientes e com possíveis prejuízos ao Poder Público. Leciona que a modificação unilateral do contrato “pressupõe eventos ocorridos ou apenas conhecidos após a contratação. […] Deverá ter ocorrido uma modificação das circunstâncias de fato ou de direito, motivando a necessidade ou a conveniência de alterar o contrato”. Conclui, por fim, que “há uma força vinculante do contrato administrativo mesmo para a Administração Pública”.
Nesse sentido, artigo 41 da Lei 8.666/93:
“Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada”.
Marçal Justen Filho[57] faz importantes observações no trecho abaixo, de transcrição obrigatória para a melhor compreensão do tema:
“A Administração tem o dever de motivar sua decisão de modificar o contrato administrativo. Assim se impõe tendo em vista os princípios norteadores da atividade administrativa e, especialmente, da licitação. Sem motivação, será inválida a unilateral alteração do contrato administrativo. Porém, a motivação não poderá consistir na simples invocação da necessidade ou de algum ‘interesse público’, de conteúdo material indeterminado. A Administração deverá indicar o motivo concreto, real e definido que impõe a modificação. Ademais, deverá demonstrar que esse motivo não existia ao tempo da contratação. Também é inegável que a modificação introduzida no contrato deverá guardar proporcionalidade com a modificação verificada nas circunstâncias subjacentes.”
Cabe lembrar que, por apresentar prerrogativas especiais, a Administração Pública pode ainda, independentemente da concordância do contratado, rescindir, unilateralmente, o contrato celebrado, antes de seu termo, seja por razões de interesse público, seja por descumprimento de cláusulas contratuais por parte do particular. Importante salientar que tal rescisão deve ser motivada pela Administração, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa. Giacomuzzi[58] alerta que “a rescisão unilateral do contrato é uma prerrogativa da Administração e que se dá ‘por razões de interesse do serviço público’, sendo o contratado ‘um real colaborador do serviço público’”.
É o que prevê a legislação[59]:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; (grifei)
Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: […]
XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato; (grifei)
Parágrafo único. Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.
Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser:
I – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;” (grifei)
Lembra Hely Lopes Meirelles[60] que “o poder de rescisão unilateral do contrato administrativo é preceito de ordem pública, decorrente do princípio da continuidade do serviço público, que à Administração compete assegurar”.
Nessa linha, o autor disserta que
“A rescisão unilateral ou administrativa pode ocorrer tanto por inadimplência do contratado como por interesse público na cessação da normal execução do contrato, mas em ambos os casos se exige justa causa para o rompimento do ajuste, pois não é ato discricionário, mas vinculado aos motivos que a norma legal ou as cláusulas contratuais consignam como ensejadores desse excepcional distrato.”
Giacomuzzi[61] destaca que as expressões “alta relevância” e “amplo conhecimento” atrelados à expressão “interesse público” não significam que o Direito Administrativo Brasileiro será menos exorbitante que outrora, ou mais favorável aos interesses privados, e também não indica que o poder do Estado sobre a alteração ou extinção de contratos administrativos tenha diminuído ou até mesmo se esgotado.
Justen Filho[62] comenta o inciso XII do artigo 78, mencionando que “a lei procurou reduzir o âmbito de liberdade da Administração Pública para extinguir o contrato mediante a mera invocação de um ‘interesse público’, abstrato e desconhecido”. Dispõe que “é inviável a Administração desfazer, mediante a simples invocação ao ‘interesse público’, o vínculo jurídico mantido com um terceiro”. Importante frisar que a revogação de atos administrativos encontram limites, dentre eles, o respeito ao direito adquirido de terceiros, conforme Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal[63]:
“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
Nessa seara, Justen Filho explica:
“O contrato administrativo produz direitos adquiridos, que devem ser respeitados inclusive pela lei nova (CF, artigo 5º, inciso XXXVI: ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’). Logo, não se admite revogação imotivada do contrato administrativo. Pode ocorrer, porém, a alteração radical das circunstâncias, tornando necessária a modificação do conteúdo do contrato ou mesmo sua extinção. Assegura-se à Administração a faculdade de modificar unilateralmente o contrato administrativo. Não se pode negar que a Administração também promova a extinção da contratação, quando essa for a solução adequada para assegurar a realização das funções impostas ao Estado.”
Justen Filho[64] ainda posiciona-se no sentido de que a Administração, quando motiva a possível rescisão unilateral de um contrato administrativo no “interesse público”, a mesma “está obrigada a demonstrar que a manutenção do contrato acarretará lesões sérias a interesses cuja relevância não é a usual. […] Isso envolve danos irreparáveis, tendo em vista a natureza da prestação ou do objeto executado” e arremata o autor:
“Não se admite a invocação a razões imprecisas e indeterminadas, de cunho duvidoso ou meramente opinativa. Há necessidade de extinguir-se o contrato porque sua manutenção será causa de consequências lesivas. Ademais, essa situação deverá ser de amplo conhecimento, o que indica a ausência de dúvida acerca do risco existente. O contratado tem direito de ser ouvido e manifestar-se acerca da questão. Não estará presente o requisito legal se nem o contratado tiver conhecimento da situação e do risco invocado pela Administração.”
Hely Lopes Meirelles[65] disciplina que:
“A rescisão administrativa não é discricionária, mas vinculada aos motivos que a norma legal ou o contrato consignam como ensejadores desse excepcional distrato. Ocorrendo a justa causa, pela incidência do contratado na falta permissiva da rescisão, ou sobrevindo razões de interesse público para que cesse a execução do contrato, é lícito à Administração rescindi-lo unilateralmente, por ato próprio, independentemente de decisão judicial, mas o contratado que se sentir prejudicado em seus direitos pode usar das vias judiciais comuns ou especiais cabíveis para defendê-los.”
Carvalho Filho[66] sobre o tema:
“O escopo da norma foi o de admitir que o advento de novos fatos administrativos possa permitir alguma flexibilização na relação contratual – a qual, todavia, sempre há de sujeitar-se a alguns limites, bem como há de atender ao interesse público indicado pela Administração para proceder à alteração unilateral. Por conseguinte, sempre será sindicável, administrativa ou judicialmente, o motivo pelo qual se considerou necessária a alteração”.
Por fim, da doutrina de Gustavo Santanna[67], tem-se que, na hipótese de rescisão unilateral por interesse público, o particular terá direito ao ressarcimento dos prejuízos que, eventualmente, houver sofrido; à devolução da garantia prestada; aos pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão e ao pagamento do custo da desmobilização, conforme se extrai do artigo 79, da Lei federal 8.666/93[68]:
“Art. 79 […]
§ 1o A rescisão administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente.
§ 2o Quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII do artigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a:
I – devolução de garantia;
II – pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão;
III – pagamento do custo da desmobilização.”
Dessa forma, vê-se que a alteração ou rescisão unilateral do contrato administrativo se dão em virtude da variação do interesse público; sendo assim, o direito do contratado restringe-se à manutenção das cláusulas financeiras e à remuneração dos novos encargos que tenha vindo a sofrer, em caso de alteração ou, à composição dos danos, em caso de rescisão.
3.2.2 Equilíbrio econômico-financeiro
Como já antes mencionado, em todo contrato administrativo existem dois tipos de cláusulas: as regulamentares ou de serviço e as financeiras. As regulamentares são alteráveis unilateralmente segundo as exigências do interesse público, as quais são variáveis no tempo; as financeiras, no entanto, são inalteráveis porque fixam a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração e estabelecem as condições financeiro-econômicas que devem ser respeitadas durante a execução contratual[69].
Caio Tácito[70] disciplina que “essa garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo – que tem outras implicações – preserva a sua natureza comutativa (equivalência intrínseca entre as prestações) e sinalagmática (reciprocidade das obrigações)”.
Sendo assim, a Administração Pública, agindo com seu ‘poder de império’, numa relação como dita alhures, ‘verticalizada’, detém o poder de jus variandi, ou seja, de forma unilateral ela pode alterar o contrato administrativo, mas apenas no que tange às cláusulas regulamentares da relação contratual; ela nunca poderá, portanto, alterar unilateralmente as cláusulas econômico-financeiras, sob pena de desrespeitar os direitos do contratado. A própria lei federal ao dispor de tais dispositivos limita o poder da Administração no que tange às cláusulas financeiras, de modo que ela não poderá atuar ilimitadamente[71].
A professora Di Pietro[72] acompanha este entendimento, no sentido de que o princípio da mutabilidade dos contratos administrativos não se aplica às cláusulas financeiras presentes. Reforça que “enquanto as cláusulas regulamentares decorrem do poder regulamentar da Administração Pública […], as cláusulas financeiras têm natureza tipicamente contratual, porque elas que estabelecem o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”. Completa sua doutrina justificando que “nenhuma empresa que exerça atividade econômica de fins lucrativos teria interesse em contratar com a Administração Pública se não fosse protegida por cláusulas tipicamente contratuais, imutáveis por decisão unilateral”.
A equação financeira é, nas palavras do doutrinador Hely Lopes Meirelles, “a relação que as partes estabelecem inicialmente, no ajuste, entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou do fornecimento”. Tal correlação deve ser observada durante toda a execução do contrato, mesmo que alteradas as cláusulas regulamentares, a fim de manter a equação financeira ajustada[73].
Sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, disserta Di Pietro[74]:
“Define-se no momento da lavratura do contrato e define-se por acordo entre as partes. A quebra neste equilíbrio deve ser demonstrada pela parte prejudicada. Se a Administração entende que, em decorrência de algum plano econômico rompeu-se o equilíbrio, a ela cabe fazer essa demonstração em cada caso concreto e tentar um acordo com o contratado para restabelecê-lo. […] Não pode a lei presumir que houve o desequilíbrio; o equilíbrio econômico é estabelecido em cada contrato, em razão do objeto e demais condições definidas no próprio edital de licitação; se ocorrer o rompimento, ele tem que ser apurado e demonstrado em cada caso concreto, em razão das circunstâncias específicas que levaram a este rompimento”.
Carvalho Filho [75] leciona que:
“Se a alteração provoca ônus para o contratado, a equação econômico-financeira do contrato sofre maior ou menor rompimento à medida que maior ou menor seja o encargo oriundo da alteração. E o mecanismo próprio para restaurar o equilíbrio rompido é a revisão do preço, de modo a que este passe a refletir agora a relação de adequação que consubstancia a garantia da equação”.
Celso Antônio Bandeira de Mello[76] expõe que “equilíbrio econômico-financeiro é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste, e de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá”. Menciona o artigo 58, parágrafo 1º da Lei de Licitações[77] o qual diz que alterar cláusula econômica que reflita no equilíbrio econômico-financeiro do contrato só é possível com prévia concordância do contratado:
“Art. 58. […]
§ 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.”
Sobre o tema transcreve-se, abaixo, trechos de julgados do STJ:
“Mesmo nos contratos administrativos, ao poder de alteração unilateral do Poder Público contrapõe-se o direito que tem o particular de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, considerando-se o encargo assumido e a contraprestação pecuniária garantida pela administração.[78]
A equação econômico-financeira é um direito constitucionalmente garantido ao contratante particular (CF, art. 37, inciso XXI). Se as características do contrato não fossem asseguradas, permitindo ao Poder Público poderes ilimitados para alterar cláusula contratual, o particular não teria interesse em negociar com a Administração.”[79]
A proteção ao equilíbrio financeiro foi erigida a nível constitucional[80] em 1988, conforme se extrai do artigo 37, inciso XXI, abaixo transcrito:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. (grifei)
O administrativista Hely Lopes Meirelles[81] esclarece que
“O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas por parte do contratado objetiva um lucro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste, durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo que a Administração se veja compelida a modificar o projeto, ou o modo e forma da prestação contratual, para melhor adequação às exigências do serviço público”.
Superficialmente, a Administração possui poderes exorbitantes na execução do contrato administrativo, o que pode, certas vezes, parecer privilegiá-la frente ao contratante. No entanto, em contrapartida, é pacífico o entendimento de que é irretocável a cláusula econômico-financeira do contrato, eis que é proteção excepcional em proveito do particular que celebrou avença com a Administração. Desse modo, vislumbra-se que, a desigualdade aparentemente gerada pela mutabilidade unilateral por parte da Administração Pública equilibra-se no tocante ao equilíbrio financeiro contratual. Nessa senda, Jean Rivero[82] dispõe que “o contratante, neste terreno, se beneficia de garantias que o Direito Privado ignora e que tendem a lhe assegurar de todo modo e qualquer que seja o uso feito pela Administração, de suas prerrogativas, uma remuneração conforme as previsões iniciais”.
Cabe salientar, por fim, que a manutenção da equação financeira do contrato não é privilégio de quem contrata com o Poder Público, mas uma compensação pelas alterações unilaterais que a Administração venha a exigir ao longo da execução do contrato. Assim, é direito do contratado, a fim de readequar o pactuado quanto aos encargos e os lucros que o contratado projetava para o empreendimento, e tal entendimento é majoritário na doutrina.
3.2.3 Exceção do contrato não cumprido
No que tange à execução do contrato administrativo, Odete Medauar[83] lembra que a cláusula exceptio non adimpleti contractus nele não pode ser aplicada, ou seja, “o contratado não poderia invocar o descumprimento, pela Administração, de cláusulas contratuais, para eximir-se do cumprimento de seus encargos”. Isto tem fulcro precipuamente, esclarece a autora, em virtude do princípio da continuidade, o qual “impede a interrupção do atendimento do interesse público – tendo em vista que o contrato administrativo é celebrado para atender ao interesse público, sua execução não pode ser interrompida”.
Com efeito, elucida o professor Hely Lopes[84], enquanto nos contratos regidos pelo Direito Privado é lícita a cessação da execução do avençado enquanto a outra parte não cumprir a respectiva parte na obrigação, no Direito Público não é possível invocar tal princípio contra a Administração. O doutrinador explica que “o princípio maior da continuidade do serviço público impede que o particular paralise a execução do contrato diante da omissão ou atraso da Administração no cumprimento das prestações a seu cargo”. O contratado deverá manter a execução do serviço ou o fornecimento do material, e buscar indenização ou ressarcimento de eventuais prejuízos via judicial, pois mitigada está aqui tal cláusula, em virtude de um princípio maior prevalecer: o da continuidade do serviço público – o qual deve ser ininterrupto, eficiente, universal.
Há de se ressaltar que a impossibilidade de invocação deste princípio tem sido por vezes excepcionada, como no caso do artigo 78, inciso XV da Lei de Licitações[85], abaixo transcrito:
“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: […]
XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;” (grifei)
Nesta hipótese, é permitido ao contratado suspender as atividades até a normalização da situação, caso em que não é obrigado a comprometer-se com encargos extraordinários e por vezes até efetuar financiamentos para continuar a execução do serviço, o que não foi acordado no ajuste e seria um ônus demasiado a ser suportado pelo particular. Não obstante, relevante destacar que pequenos atrasos ou leves descumprimentos por parte da Administração Pública não ensejam o direito à invocação, pelo contratado, deste inciso, devendo este ser aplicado somente quando os casos são excepcionais e extremos e que a conduta do Poder Público está substancialmente prejudicando e acarretando ônus inadmissíveis e insuportáveis ao particular.
3.2.4 Controle e fiscalização do contrato
O poder de controle e fiscalização do avençado, mesmo que não tenha sido convencionado de forma expressa no contrato, é poder inequívoco da Administração. Nessa linha, compreende-se nesta prerrogativa o poder de “supervisionar, acompanhar, fiscalizar e intervir na execução do contrato, para assegurar a fiel observância de suas cláusulas e a perfeita realização de seu objeto, notadamente nos aspectos técnicos da obra ou do serviço”, observa Hely Lopes Meirelles[86]. Odete Medauar[87] esclarece que quando da execução do contrato administrativo pelo particular, é direito – e dever – da Administração fiscalizar o serviço/obra contratado.
É, nesse sentido, a Lei Federal 8.666/93[88]:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
III – fiscalizar-lhes a execução;”
Pode-se observar, no inciso mencionado, que o poder de fiscalização da execução do contrato administrativo é um benefício estabelecido em prol da Administração, dentre outros existentes, constantes neste artigo. Este poder, segundo Hely Lopes Meirelles[89], é entendido como intrínseco à Administração Pública e, portanto, implícito em todos os contratos administrativos.
Tal poder se justifica, pois, se a Administração tem a prerrogativa de alterar ou rescindir os contratos administrativos de forma unilateral, necessita, então, fiscalizar e controlar seus contratos, a fim de visualizar quais estão sendo bem executados e quais não estão atendendo a sociedade de forma satisfatória.
Deve-se atentar para a questão que, o controle exercido pela Administração de forma alguma deve interferir na autonomia de execução do contrato pelo particular. Do mesmo modo, a respectiva fiscalização não elide a responsabilidade técnica do contratado sobre o empreendimento; a Administração tem este poder como característico com o fim de observar possíveis variações contratuais que se façam necessárias a bem do interesse da coletividade, bem como observar a regularidade e a consistência dos trabalhos.
Dispõe o artigo 68 da Lei de Licitações:
“Art. 68. O contratado deverá manter preposto, aceito pela Administração, no local da obra ou serviço, para representá-lo na execução do contrato”.
O controle também se faz importante na hipótese de retardamento, paralisação ou inexecução total ou parcial da obra ou serviço pelo contratado, e, neste caso, faz-se necessária a intervenção do Poder Público por tal acontecimento eventualmente vir a prejudicar a coletividade. É o que dispõe o artigo 58, inciso V da Lei de Licitações e Contratos administrativos:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.”
Hely Lopes[90] alerta, com maestria, que “a intervenção justifica-se como medida de emergência, para assegurar a continuidade do serviço até que se restabeleça a normalidade nos trabalhos ou se rescinda o contrato, verificada a incapacidade do contratado para sua correta execução”.
3.2.5 Penalidades contratuais
Decorrente do controle do contrato, outra cláusula exorbitante relevante é a possibilidade de penalização contratual pela Administração Pública, prerrogativa esta inexistente nos contratos privados. Perder-se-ia o sentido fiscalizar e controlar o contrato administrativo se, ao vislumbrar descumprimentos por parte do contratado, o Poder Público nada pudesse fazer. Aqui se encontra um princípio administrativo de destaque: o da autoexecutoriedade dos atos administrativos, o que se dá independentemente de autorização de outros Poderes ou órgãos estatais.
O artigo 58 da lei de Licitações[91] dispõe:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;”
O inciso IV prevê que o Estado não está obrigado a receber obra ou serviço que não esteja em conformidade com o inicialmente contratado; neste caso, o Estado-Administração possui o direito de sancionar o contratado pela inexecução parcial ou total do contrato administrativo[92].
A fiscalização rotineira e eficaz, principalmente nas contratações de serviços contínuos, “é indispensável para que o fim público seja alcançado, pois possibilita o saneamento rápido de irregularidades que possam trazer prejuízos à Administração” [93].
Dentre os privilégios da Administração encontra-se o poder sancionatório, sem necessidade de pronunciamento ou autorização de outro órgão, em virtude do princípio – já mencionado – da autoexecutoriedade. Medauar[94] faz uma ressalva ao mencionar que “embora não esteja explícito, parece claro que somente poderão ser aplicadas as sanções previstas na lei e de modo proporcional à gravidade do fato”.
A Lei 8.666/93 prevê expressamente em seu artigo 66:
“Art. 66. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial”. (grifei)
A fiscalização do contrato e a aplicação de penalidades no caso de serem detectadas irregularidades então dentre as cláusulas exorbitantes. O artigo 67, por sua vez, estabelece:
“Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição”.
As sanções podem ser, conforme a Lei de Licitações: advertência; multa; suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração; e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração. Além destas sanções, pode-se acrescer “a rescisão unilateral pela Administração, com a consequente retomada de seu objeto e assunção da obra ou do serviço, sem prejuízo dos acertos de contas e das indenizações cabíveis posteriormente, por via administrativa ou judicial” [95].
Hely Lopes Meirelles[96] leciona que
“A aplicação de penalidades contratuais, garantidos a defesa prévia e o procedimento legal (Constituição Federal, artigo 5º, LV), é medida autoexecutória de que se vale a Administração quando verifica a inadimplência do contratado na realização do objeto do contrato, no atendimento dos prazos ou no cumprimento de qualquer outra obrigação a seu cargo.”
Carvalho Filho[97] observa que “a parte que dá causa à rescisão do contrato está sujeita a sofrer a aplicação de sanções, conforme o que foi pactuado pelos contratantes. Portanto, sanções pelo inadimplemento podem estar previstas no contrato, além das que a lei estabelece”. O autor refere que há divergência na doutrina acerca do efeito das sanções administrativas, se restritivo ou extensivo, a exemplo da suspensão temporária de participação em licitação. No sentido restritivo, entende-se que a suspensão limita-se apenas ao ente da Administração que aplicou tal penalidade; por outro lado, na esfera extensiva, entende-se que a penalidade deveria afetar outras entidades, diversas daquela que aplicou a sanção, uma vez que, se o contratado descumpriu obrigações naquele contrato em específico, também seria um risco para as outras entidades públicas contratar com ele e sofrer do mesmo agravo. Tal posicionamento é adotado por Carvalho Filho, o qual ainda estabelece que “a Administração é uma só, é una, é um todo, mesmo que, em razão de sua autonomia, cada pessoa federativa tenha sua própria estrutura” [98].
Conceitua-se como inexecução ou inadimplência apta a ensejar sanções administrativas aquela decorrente de culpa do contratado, seja por negligência, imperícia ou imprudência na observação das cláusulas contratuais. Tal inadimplência pode-se referir ao prazo, ao modo de realização bem como relativo à própria execução. A inexecução, seja ela total ou parcial, ensejará penalidades proporcionais à falta cometida pelo particular.
A rescisão unilateral gerada pela inadimplência culposa constitui uma sanção, quase sempre cumulada com a aplicação de outras penalidades, impingindo o contratado à reparação do dano e autorizando a Administração a utilizar as garantias dadas pelo particular quando do processo licitatório e a reter os créditos eventualmente devidos para compensar os prejuízos decorrentes da inexecução[99].
Para ocasionar a rescisão unilateral o ato faltoso deve ser considerado grave, considerando-se a proporcionalidade entre a conduta, seu resultado e a sanção aplicada. Nessa linha, a decisão administrativa de rescisão unilateral deve estar fundamentada em fatos graves, porém sempre se observando os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da boa-fé objetiva, além do direito ao contraditório e à ampla defesa, constitucionalmente assegurados em processos administrativos, sob pena de nulidade do processo respectivo. [100]
Diferente é a situação em que a inexecução se dá sem culpa do contratado, o que adentra no campo de álea extraordinária, ou seja, ocorrem fatos e acontecimentos estranhos ao que foi inicialmente previsto pelos contratantes, como força maior, caso fortuito, fato do príncipe, fato da administração ou outras interferências imprevisíveis, que possam a vir a retardar a consecução do objeto contratado. Nessas hipóteses, não haverá a responsabilização ou penalização do particular, porque tais eventos fogem da álea ordinária.
Considerável observação a ser feita é que, a omissão na aplicação das penalidades cabíveis acarretará uma possível responsabilização da autoridade omissa, pois ao tomar conhecimento da infração, tem o dever de agir[101].
3.3 CABIMENTO NOS DIAS ATUAIS
Muito se lê na doutrina e jurisprudência, como bem ressalta Giacomuzzi[102], “que o Estado age em nome do ‘interesse público’, que é indisponível; e que o interesse público não é a soma dos interesses privados, sendo sempre superior ao interesse individual”. Deste pensamento, extrai-se o princípio da ‘supremacia do interesse público sobre o privado’, o qual deve guiar o administrador público por toda sua gestão. Consequentemente, o Direito Administrativo ganha contornos ‘exorbitantes’, porque a Administração Pública sempre visará agir em nome de um interesse público superior, que beneficie a todos, e não a determinados grupos.
Para Franco Sobrinho[103], os contratos públicos devem guiar-se por normas diferentes daquelas que regem os contratos privados, vez que os contratos públicos têm por objetivo promover o interesse público. Menciona que nos contratos públicos há “razão de utilidade pública”, e a interpretação desses contratos deveria levar em consideração “o interesse público como motivo e o serviço público como fim”.
Celso Antônio Bandeira de Mello[104] afirma que, no regime jurídico administrativo, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, “proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último”. O professor refere em sua obra a presença relevante de algumas características no que tange à Administração Pública, quais sejam: posição privilegiada do órgão encarregado de zelar pelo interesse público e de exprimi-lo nas relações com os particulares; e posição de supremacia do órgão nas mesmas relações. Leciona o autor:
“Esta posição privilegiada encarna os benefícios que a ordem jurídica confere a fim de assegurar conveniente proteção aos interesses públicos instrumentando os órgãos que os representam para um bom, fácil, expedito e resguardado desempenho de sua missão. Traduz-se em privilégios que lhes são atribuídos.”
Contudo, alguns doutrinadores criticam esta visão, posicionando-se diferentemente acerca do tema. Humberto Ávila é um destes autores, e conforme se extrai de seu artigo[105], o autor entende que não se pode privilegiar o interesse público de forma abstrata e incondicional, sem fazer referência a uma situação concreta. Segundo ele, deve-se fazer uma ponderação sobre quais são os bens jurídicos envolvidos e as normas aplicáveis ao caso, primeiramente; e não direcionar, desde logo, a interpretação em favor do interesse público. Antes de feita tal ponderação, Ávila afirma que não há cogitar sobre a referida supremacia do interesse público sobre o particular e, portanto, um eventual favorecimento ao interesse público só seria possível após análise pormenorizada do princípio da proporcionalidade. Sua crítica, assim, baseia-se em uma suposta incompatibilidade entre a supremacia do interesse público sobre o privado com o princípio da proporcionalidade, uma vez que, ao estabelecer uma prioridade, prima facie, do interesse público, restaria suprimida a possibilidade de ponderação.
Na discussão levantada pelo autor, dentre os vários argumentos apresentados, tem-se como principal a primazia, in abstrato, em qualquer caso, que detém o interesse público frente o particular, principalmente quando posto diante dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal. O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, segundo Ávila, afasta a necessidade de ponderação: sua ascendência restaria evidente em todos os casos, visto que impossível a sua concretização gradual. Diante de tamanha proteção da esfera individual pela Constituição de 1988, consolidado estaria um ônus argumentativo em favor do interesse particular, este sim, conforme o autor, digno de prioridade.
Importante salientar que a Administração Pública exerce a ‘função administrativa’, vez que tem o dever de satisfazer interesses públicos, necessitando, para isso, dispor de mecanismos para a obtenção da guarda do bem público. Os poderes que a Administração detém, portanto, são ‘instrumentais’, pois sem eles ela não conseguiria desempenhar as finalidades que a lei lhe impõe em prol da sociedade. A posição de supremacia expressa-se através da ‘verticalidade’ – já debatida neste trabalho – presente nas relações contratuais entre a Administração e particulares. Encontra-se tal característica no contrato administrativo quando o Poder Público está em situação de comando, condição esta indispensável à gerência dos interesses públicos a serem concretizados.
Bandeira de Mello[106] apresenta uma visão clara sobre o tema:
“Quem exerce “função administrativa” está adstrito a satisfazer interesses públicos, ou seja, interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso das prerrogativas da Administração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento dos interesses públicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados Democráticos o poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido”.
Segue Celso Bandeira de Mello[107] afirmando que
“A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que também é um dever.”
O interesse público, do qual a Administração é guardião, reclama por flexibilidade em sua execução, pois está sujeito a diversas variações de muitas ordens. Em contrapartida, o contratante particular postula uma legítima pretensão ao lucro, segundo os termos assim convencionados. Daí se conclui que o Poder Público conserva prerrogativas suficientes e necessárias ao bom andamento e execução da coisa pública, “de sorte que pode adotar as providências requeridas para tanto, ainda que impliquem alterações no ajuste inicial”. [108]
Marçal Justen Filho[109] atenta para o fato de que
“Não existe, num Estado Democrático de Direito, prerrogativas nem privilégios […]. Trata-se de competências subordinadas ao Direito e cuja atribuição deriva da concepção instrumental da Administração Pública. Presume-se que as finalidades buscadas pela atividade administrativa do Estado não poderiam ser satisfatoriamente atingidas se houvesse a aplicação do regime jurídico de Direito Privado. Portanto, o Direito atribui competências anômalas à Administração Pública. Por meio delas, o Estado pode cumprir os deveres a si impostos.”
Dessa forma, os contratos administrativos visam assegurar a efetividade do pactuado frente à coletividade e, ao mesmo tempo, devem resguardar os direitos dos administrados. Também buscam assegurar transparência, de modo que o regime jurídico-administrativo manifesta-se pela supremacia do interesse público sobre o particular e pela indisponibilidade do interesse público, os quais devem coexistir no ordenamento jurídico pátrio de forma compatível.
Hely Lopes Meirelles[110] destaca que o direito administrativo brasileiro conceitua-se como “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”. Leciona o autor que o Direito Administrativo disciplina as atividades e os órgãos estatais para o funcionamento da Administração Pública com a devida eficiência, pois tal ramo do direito público “interessa-se pelo Estado”.
Meirelles indica que o Direito Administrativo deve ser interpretado a partir de três premissas: 1) a desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados; 2) a presunção de legitimidade dos atos administrativos; 3) a necessidade de poderes discricionários para a Administração atender ao interesse público. Crucial a transcrição deste trecho de sua obra[111]:
“Com efeito, enquanto o Direito Privado repousa sobre a igualdade das partes na relação jurídica, o Direito Público assenta em princípio inverso, qual seja, o da supremacia do Poder Público sobre os cidadãos, dada a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais. Dessa desigualdade originária entre a Administração e os particulares resultam inegáveis privilégios e prerrogativas para o Poder Público, privilégios e prerrogativas que não podem ser desconhecidos nem desconsiderados pelo intérprete ou aplicador das regras e princípios desse ramo do Direito. Sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de prevalecer este, uma vez que o objetivo primacial da Administração é o bem comum. As leis administrativas visam, geralmente, a assegurar essa supremacia do Poder Público sobre os indivíduos, enquanto necessária à consecução dos fins da Administração. Ao aplicador da lei compete interpretá-la de modo a estabelecer o equilíbrio entre os privilégios estatais e os direitos individuais, sem perder de vista aquela supremacia.”
Nesse sentido, vê-se que as prerrogativas da Administração Pública nos contratos administrativos são salutares; todavia, isso não pode ser subterfúgio para a Administração prevalecer-se sobre o particular, pois “imprescindível harmonizar, compatibilizar necessidades, manter o equilíbrio e a justiça contratual, por não ser razoável utilizar as cláusulas exorbitantes para criar relações jurídicas descompassadas, abusivas e que criem vantagens exageradas para a Administração” [112]. Com efeito, os contratados, de um modo geral, não podem ser prejudicados com a possibilidade de mutabilidade do contrato pois a existência de cláusulas exorbitantes não afasta o dever de reequilíbrio financeiro do contrato, dado que a discricionariedade da Administração não pode ser confundida jamais com arbitrariedade ou abuso de direito.
Afirma Daniele Dias[113]:
“O contratado, por sua vez, é titular dos direitos que lhes são garantidos constitucionalmente, dentre os quais o direito ao devido processo legal, à ampla defesa e contraditório, bem como à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Direitos estes que deverão ser respeitados pela Administração.”
Além das prerrogativas enumeradas pelo artigo 58 da Lei 8.666/93, há outras cláusulas exorbitantes dispersas na referida Lei, como “a possibilidade de retomar o objeto do contrato, a restrição ao uso da exceção do contrato não cumprido, a possibilidade de reter créditos e exigir garantia, bem como o poder-dever de anular o contrato se verificada a ocorrência de ilegalidade”.
Aparentemente, as cláusulas exorbitantes poderiam ser consideradas ‘leoninas’ em um contrato de direito privado, no entanto, no regime jurídico-administrativo tais vantagens são lícitas, previstas em lei, e tem como força motriz o interesse público. Acaso entenda que, através do contrato administrativo a Administração se prevalece da sua posição superior e que, desse modo, tal conduta o prejudica, o particular deve abster-se de contratar com o Poder Público, pois, “ainda que tais cláusulas não estejam expressas no edital licitatório e no contrato elas poderão ser aplicadas, vez que decorrentes de lei e do princípio da supremacia do interesse público” [114].
O uso de tais privilégios, portanto, justifica-se como meio instrumental para a satisfação dos interesses públicos, os quais, por sua vez, prevalecem sobre os interesses particulares.
4 CONCLUSÃO
Por fim, com o presente artigo não se pretende esgotar o tema, todavia, procurou-se tecer algumas considerações sobre os contratos administrativos e suas cláusulas exorbitantes, e entender ser plausível sua aplicação e a harmônica coexistência no ordenamento jurídico. Além disto, procurou-se compreender que seu cabimento se dá em virtude da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, incumbindo à Administração lançar mão delas como meios instrumentais à consecução de políticas públicas, bem como usá-las em situações visando o bem da coletividade e da sociedade.
Vislumbra-se que a possibilidade de alteração contratual, de forma unilateral, pela Administração é privilégio legal, observado o princípio da legalidade estrita, bem como a existência de motivos justificadores para tanto. Frise-se que é constitucionalmente assegurado ao particular, conforme artigo 5º, CF/1988: o direito ao contraditório e à ampla defesa, em processo judicial ou administrativo; respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada; e o direito à aplicação do princípio da inafastabilidade jurisdicional, o qual reza que ‘a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’.
O particular conserva o direito ao equilíbrio econômico-financeiro durante toda a execução do contrato; contudo, há a contrapartida de anuir e acatar as alterações unilaterais sempre que estas forem impostas pela Administração e convenientes para a coletividade, sob pena de caracterizar descumprimento da avença. Caso o particular comprove que as alterações pretendidas causarão impacto no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, haverá obrigação da Administração de recompor os custos decorrentes da alteração do objeto contratado.
Nesse diapasão, as cláusulas exorbitantes estabelecidas nos contratos administrativos não podem promover lesão ou prejuízo, tanto sob a perspectiva de causar desproporção nas obrigações contratuais, bem como de ocasionar ônus demasiados e imprevisíveis ao contratado. Não pode haver desequilíbrio ou descompasso na sua aplicação.
Levando-se em consideração, portanto, os argumentos neste trabalho ora destacados, vê-se que os contratos administrativos contêm cláusulas, chamadas de ‘exorbitantes’, que não seriam admissíveis em uma relação contratual de Direito Privado e que colocam a Administração em posição privilegiada em relação ao particular. Entretanto, quando uma das partes é a Administração, tais cláusulas são permitidas, isto para garantir que o interesse público seja plenamente atendido, o qual se sobrepõe ao interesse do particular. De outra forma não poderia ser, tendo em vista que ao Poder Público compete a realização e a defesa dos interesses da coletividade, desempenhando um papel de gestor, de curador da coisa pública, não dispondo da coisa em si – daí porque a indisponibilidade do interesse público. O exercício deste encargo está em suas mãos e deve ser buscado em cada ato e em cada contrato firmado pelo Estado-Administração, pois o administrador é apenas um executor da consecução da coisa pública, em prol do bem de todos; quem detém a titularidade é o povo, a coletividade. Dado isso, tem-se aqui um ‘poder-dever’ de exercer tal incumbência sempre que conveniente e oportuno ao interesse público, bem como sempre que forem necessárias à defesa do erário e dos interesses da coletividade.
Advogada. Graduada em Direito pela PUC-RS. Pós-graduanda em Direito Público pelo IDC
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