Interessante
questão vem sendo discutida no STF, no bojo do RE nº 240.785, Rel. Min. Marco Aurélio.
Trata-se
de saber se o valor do ICMS pode integrar a base de cálculo da Cofins, ou se
deve ser excluído a exemplo do que ocorre com o IPI, nos termos da alínea ‘a’
do parágrafo único, do art. 2º da Lei complementar nº 70, de 30.12.1991.
Discutiu-se,
preliminarmente, a questão do cabimento do recurso extraordinário, qual seja,
se o vocábulo ‘faturamento’ empregado no inciso I, do art. 195 da CF, em sua
redação original, envolve conceito constitucional ou representa mero conceito
infraconstitucional.
Independentemente
do que está prescrito na art. 110 do CTN, pois não se pretende interpretar o
texto constitucional com base em norma infraconstitucional, parece lógico que,
quando a Constituição Federal adota um conceito consagrado na doutrina e na
jurisprudência, ou um instituto regulado pelo direito privado, para definir
competência tributária, aquele conceito ou aquele instituto de direito
privado passam a ser vinculantes dentro do Direito Tributário. Constitucionalizado o conceito ou instituto
de direito tributário, para efeito de definição da competência impositiva, a lei
infraconstitucional não mais poderá dar nova conceituação, sob pena de
tornar inócuo o princípio constitucional da discriminação de rendas
tributárias.
Por isso,
a Corte Suprema e com base em precedentes[1]
repeliu a preliminar de não conhecimento do recurso, por maioria expressiva de
votos e adentrou no exame no mérito, isto é, assentou a tese de que o termo
‘faturamento’ retro referido envolve conceito de natureza constitucional.
No
mérito, após calorosos debates, deram provimento ao recurso, para determinar a
exclusão do valor do ICMS da base de cálculo da Cofins, os Ministros Marco
Aurélio (Relator), Carmen Lúcia,
Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda
Pertence. O Ministro Eros Grau negou
provimento. O Min. Gilmar Mendes pediu
vista dos autos.
Quaisquer
que sejam os votos faltantes, já está assegurada a vitória da tese da
recorrente, no sentido de excluir o ICMS da base de cálculo da Cofins.
Ao que
percebi dos debates, a exclusão se impunha porque o valor do ICMS não é
abrangido pelo conceito de faturamento, pois nenhum agente econômico fatura o
imposto, mas apenas as mercadorias ou serviços para a venda. O valor do ICMS só configuraria uma entrada
de dinheiro e não receita da empresa, porque ele representa uma receita do
Estado, por isso, o valor do imposto é registrado em livros para fim
contábil-fiscal.
A afirmativa
de que o valor do ICMS não configura faturamento parece irrefutável, pois
ninguém fatura o imposto, ninguém comercializa o imposto.
Assim, o
valor do ICMS, destacado na nota fiscal, para simples registro contábil-fiscal,
não deve ser incluído na base de cálculo da Cofins.
Mas,
parece não ser esta a questão debatida no aludido recurso extraordinário.
Parece que a Corte Suprema está decidindo pela exclusão do valor do ICMS, que
compõe o preço da mercadoria.
Assim, teria que proceder ao cálculo por dentro para saber o
exato valor da mercadoria antes da incidência do imposto. A diferença entre o
valor da mercadoria assim encontrado e o valor da operação de circulação da
mercadoria representaria o valor a ser deduzido da base de cálculo da Cofins.
Na adoção
da regra de ‘tributação por dentro’, a alíquota do imposto é fixada a partir do
preço reajustado pelo montante do imposto, isto é, o imposto incide sobre si
próprio. Por isso, alíquota nominal de
18% equivalerá a uma alíquota real de 20,48%.
A
alíquota nominal de 25%, que incide sobre o consumo de energia elétrica,
equivale a uma alíquota real de 33,35%. Essa questão, foi levada aos tribunais
e a jurisprudência consagrou a constitucionalidade do imposto de ‘calculo por
dentro’, que não permite ao consumidor visualizar o preço de mercadoria antes
da incidência do imposto, a não ser no caso de tributação do consumo de energia
elétrica. Efetivamente, neste caso, a conta de energia elétrica apresenta de
forma discriminada o valor da energia consumida, a alíquota de 25% e o preço
final da energia consumida. Essa
transparência, fez com que os consumidores batessem à porta do judiciário,
alegando majoração da alíquota de 25% para 33,35%. Nas vendas de mercadorias não há essa transparência; o valor do
imposto acha-se embutido e enrustido no preço, por isso ninguém foi a juízo
alegando a majoração indevida da alíquota de 18% para 20,48%. A transparência
tem um preço e os governantes sabem disso!
Uma coisa
é o valor do ICMS destacado na nota fiscal, para fins de registro
contábil, com o objetivo de tornar efetivo o princípio da não cumulatividade do
imposto; outra coisa bem diversa é o valor do ICMS que integra o valor da
operação de circulação de mercadoria, vale dizer, o preço da mercadoria
no qual, obviamente, estão incluídos não apenas o valor do ICMS, mas também
outros encargos que compõe o custo da mercadoria.
Parece
que essa circunstância só ficou clara no voto do Min. Eros Grau, salvo engano.
Ao se
determinar a exclusão, não do ICMS destacado, mas do ICMS incluído no preço
estará a Corte Suprema sinalizando o fim da regra de tributação ‘por dentro’
como acontece com o ICMS e com a própria Cofins, que também incide sobre o
valor da própria contribuição social?
Uma coisa
é certa: a técnica da nebulosidade tributária, consistente em incluir na base
de cálculo do tributo ‘calculado por dentro’ o valor de outro tributo
igualmente ‘calculado por dentro’ eleva brutalmente a carga tributária real,
sem que o contribuinte consiga distinguir adequadamente a carga legal da carga real.
O
cálculo do PIS/COFINS-Importação, por exemplo é feito por dentro. Incide sobre
o valor aduaneiro, acrescido do valor do ICMS que incide sobre si próprio e
sobre o valor das contribuições, e sobre o valor das contribuições que incidem
sobre si próprias e sobre o valor do ICMS, originando efeito circular de
incidências em cascata. Um verdadeiro samba do crioulo doido!
A soma
das alíquotas nominais do ICMS (18%) e do PIS/COFINS-Importação (9,25%) perfaz 27,25%,
ao passo que, o seu cálculo por dentro, como determinado na legislação, eleva a
alíquota real para 37,46% representando uma diferença nominal de 10,21%
de conhecimento ignorado pelo grande público.
É preciso que essa forma perversa de calcular o
tributo ‘por dentro’ e incluí-lo na base de cálculo de outro tributo, que
obedece o mesmo regime de cálculo seja amplamente discutida e debatida pela
sociedade para que o consumidor possa ter uma
noção exata do valor do tributo que onera a mercadoria ou serviço.
[1] RE 357.950, Rel. Min. Marco
Aurélio; RE 351.717, Rel. Min. Carlos Velloso.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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