Andressa Marta Gomes Ferreira e Igor de Andrade Barbosa
RESUMO: O presente artigo aborda a temática do instituto da colaboração premiada, especificamente no âmbito de sua aplicabilidade na Operação Lava Jato. Portanto, é feito um breve resumido acerca do conceito, característica, origens e evolução na legislação brasileira, acerca do instituto da colaboração premiada, hoje disciplinada na Lei 12.850/2013. São apontadas, análises críticas sobre a aplicabilidade do instituto na operação lava jato, feitas por doutrinadores brasileiros, visando o aspecto ética, moral e legal. É perspectivo a violação dos requisitos legais previsto na lei, tanto para conseguir a colaboração do acusado, quanto para a homologação do acordo. Por fim, após análises a questões práticas feitas no âmbito dos acordos de colaboração premiada na operação lava jato é possível concluirmos a falta de observância a garantia constitucional do acusado e ao processo penal brasileiro.
Palavras-Chaves: Colaboração Premiada – Operação Lava Jato – Lei 12.850/2013- Garantias Constitucionais – Processo Penal
ABSTRACT: This article deals with the theme of the awarded collaboration institute, specifically within the scope of its applicability in Operation Lava Jet. Therefore, a brief summary of the concept, characteristic, origins and evolution in Brazilian legislation is made, about the institute of the awarded collaboration, now disciplined in Law 12.850 / 2013. Critical analyzes on the applicability of the institute in the Operation Lava Jet, made by Brazilian indoctrinators, aiming at the ethical, moral and legal aspects are pointed out. It is foreseeable to violate the legal requirements foreseen in the law, both to achieve the cooperation of the accused, and to ratify the agreement. Finally, after analysis of practical issues made under the agreements of collaboration awarded in the operation of the jet was possible to conclude the lack of compliance with the constitutional guarantee of the accused and the Brazilian criminal proceedings.
Keywords: Award Winning Collaboration – Operation Lava Jet – Law 12.850/2013 – Constitutional Guarantees – Criminal proceedings
SUMÁRIO: Introdução; 1 O instituto da colaboração premiada; 2 A aplicabilidade do instituto da colaboração premiada na operação lava jato como meio de obtenção de provas; 3 Análise crítica sobre a aplicabilidade do instituto da colaboração premiada na operação lava jato; Conclusão; Referências Bibliográficas.
O presente artigo disserta sobre a aplicabilidade do instituto da colaboração premiada na operação lava jato. O objetivo do estudo é abranger o contexto da colaboração premiada, destacando-se conceitos, características e pensamento doutrinários sobre o instituto, tendo como finalidade as aplicações do instituto na operação lava jato.
O texto foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo a autora explica sobre o instituto da colaboração premiada. Utilizando-se da Lei n° 12.850/2013, artigo 4° ao 7°, que disciplina a colaboração premiada nas investigações criminais, como meio de obtenção de provas, e tendo como pesquisa bibliográfica os conceitos do instituto à luz dos entendimentos dos doutrinadores, são eles: Eduardo Araújo Silva, Guilherme de Sousa Nucci, César Bittencourt e Paulo César Busato. Nota-se a relevância do estudo sobre tal instituto, uma vez que a cada dia vem sendo utilizado para desvendar organizações criminosas e infrações penais, no âmbito do processo penal brasileiro.
No segundo capítulo o texto é contextualizado em uma breve síntese sobre a maior operação de lavagem de dinheiro da história do Brasil, nomeada pelo nome de Operação Lava Jato. Destaca-se os números de prisões preventivas, prisões temporárias, acordos de colaboração premiada, e bilhões de dinheiro desviados da Empresa Pública, Petrobras, conforme os dados fornecidos pelo Ministério Público Federal, que tem como alvo de investigações: empreiteiros, agentes políticos, doleiros e funcionários da Petrobras, em três capitais brasileira.
Por fim, trataremos de uma análise crítica sobre a inobservância dos preceitos disciplinados pela Lei n° 12.850/2013, e de como deveria ser o modo da aplicabilidade do instituto da colaboração premiada, ressaltando como o instituto vem sendo aplicado na operação lava jato, em determinados casos. Ferindo os princípios constitucionais disciplinados pela Constituição da República Federativa do Brasil/1988.
De modo geral, utilizou-se do método indutivo e metodologia de pesquisa documental e bibliográfica, e fez-se uma vasta interpretação por dispositivos legais e artigos científicos. O texto buscou introduzir com fontes colhidas e concluiu com uma análise crítica dos temas estudados.
O instituto da colaboração premiada está previsto na legislação desde o século XVII, nas Ordenações Filipinas no Código Filipino Título IV que tratava sobre as pessoas que benzessem cães ou bichos, sem autoridade do rei ou prelados, e o Título CXVI estabelecia expressamente o seguinte, cito: “como se perdoará aos malfeitores, que deram outros a prisão”. Outro benefício da colaboração previsto no século XVII eram os crimes de majestade, conhecido como crimes de traição contra sua majestade e/ou violação a dignidade de um soberano reinante ou contra o seu Estado, era concedido como recompensa para as pessoas que deletassem tais crimes praticados, o perdão.
O Código Imperial de 1830 revogou o Código Filipino, retornando à colaboração premiada apenas no século XX, previsto na Lei 8.072/90, art.8°, dispõe sobre os crimes hediondos nos termos do art. 5°, inciso XLIII, da CRFB/88. Cito:
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.
Por ter previsão da colaboração e seus benefícios elencados em vários outros artigos de leis, atualmente no Brasil, o instituto da colaboração está disposto na Lei n°12.850 de 02 de agosto de 2013, art.4°, que versa especificamente sobre a colaboração premiada como meio de obtenção de provas na persecução penal.
A colaboração premiada é um instituto que versa sobre meios de obtenção da prova durante o procedimento da investigação criminal, com o auxílio da confissão do réu e delação dos coautores ou partícipes, de forma efetiva e voluntária. Em contrapartida considerando a relevância da colaboração prestada, poderá o juiz, homologar o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos.
Em análise ao instituto, Eduardo Araújo Silva (2015, p.53), conceitua:
A colaboração premiada, também denominada de cooperação processual (processo cooperativo) ocorre quando o acusado, ainda na fase de investigação processual, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que outras infracções venham a se consumar (colaboração preventiva) assim como auxilia concretamente a polícia na sua atividade de recolher provas contra os demais coautores, possibilitando as suas prisões (colaboração repressiva).
Em poucas palavras, podemos conceituar o instituto como uma justiça negocial, em que o Estado assegura ao réu benefícios, bem como concessão de perdão judicial, atenuante da pena em até dois terços ou substituição de pena (Lei n° 12.850/13, art.4°), em contraprestação o réu terá que colaborar com a investigação criminal, indicando coautores ou partícipes e auxiliando no desembaraço da organização criminosa.
Respeitados os princípios constitucionais, expressos na CRFB/88, em benefício ao réu, de acordo com a Lei n°12.850/13, art. 4°, §16: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.”2
Á luz da legislação federal do Brasil verificamos diversos modos em que o instituto da colaboração premiada foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro, mencionando aqui em um breve resumo, citando-os:
O procedimento completo só foi previsto com a criação da Lei da Organização Criminosa (Lei n°12.850/13, art. 4° ao 6°), que tem como objetivo o combate a organização criminosa e prevê o instituto em análise, de acordo com o art. 3°, inciso I, da Lei da Organização Criminosa, como meios de obtenção de provas:
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:3
I – colaboração premiada;
O acordo da colaboração premiada poderá ser homologado pelo juiz, em qualquer fase da persecução penal, tanto na fase do inquérito policial quanto posterior a sentença. A propositura pode ser disciplina em três distintos modos, sendo o primeiro por meio do requerimento das partes (art.4°), do Ministério Público ou do delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público (art. 4°, §2°).
Como um dos requisitos da homologação do benefício, a legislação prevê que se obtenha um dos seguintes resultados: a identificação dos coautores e partícipes e a estrutura da organização criminosa, a prevenção das infrações decorrentes das atividades ilícitas, recuperação total ou parcial do produto ou proveitos decorrentes das infrações, e a localização da vítima com plena saúde física.
De acordo com a Lei n° 12.850/13, art. 4°, caput, §1, §2 e §5, disciplina as considerações elencadas no parágrafo anterior, cita:
Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Em decorrência dos requisitos é de relevante salientar que o juiz poderá recursar o requerimento de acordo de colaboração premiada que não atendam aos requisitos legais, uma vez que o interesse da justiça é o desvendamento da organização criminosa, sendo qualquer outro interesse irrelevante.
A despeito disso, César Robert Bittencourt e Paulo César Busato (2014, p. 115), afirma que:
A colaboração premiada, ou colaboração processual ou, ainda, delação premiada (os primeiros termos eufemísticos, vieram disfarçar certa conotação antiética que a conduta em questão possui) consiste na redução da pena (podendo chegar, em algumas hipóteses, até mesmo à total isenção de pena, para o delinquente que delatar seus comparsas, concedida pelo juiz na sentença, desde que sejam satisfeitos os requisitos que a lei estabelece.
Em meio aos requisitos temos o que versa sobre a imparcialidade do juiz, do qual o mesmo não poderá participar das negociações do acordo que será realizada apenas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração.
A lei prevê um prazo de suspensão de seis meses, prorrogáveis por igual período, para o oferecimento de denúncia ou o processo, relativo ao colaborador, até que sejam cumpridas as respectivas medidas de colaboração (art.4°, §3). Sendo que nas mesmas hipóteses o Ministério poderá deixar de oferecer a denúncia, se for cumprido dois requisitos, quais sejam: não for o investigado o líder da organização e se tiver sido o primeiro a prestar de forma efetiva e voluntária colaboração (art.4°, §4).
O réu de um certo modo é equiparado a uma testemunha, em razão da renúncia ao seu direito de silêncio, sendo uma das condições da obtenção dos benefícios, e se sujeitar ao compromisso legal de dizer a verdade, apesar de ser garantido a não incriminação por falso testemunho, neste caso. Se por um acaso o réu ficar calado, ele poderá perder os benefícios.
Há previsão na Lei sobre os direitos inerentes ao colaborador, são eles: usufruir de medidas protetivas, previstas em legislação específica, ter suas informações pessoais em sigilo, e não ter contato visual com os outros acusados, tanto em juízo, audiência ou em cumprimento da pena (art.5°).
O art. 6° e 7° da Lei n° 12.850/13, disciplina sobre as condições do termo de acordo da colaboração premiada, o pedido de homologação do acordo, a distribuição do processo, a restrição aos autos, e o sigilo do acordo.
Em compreensão do instituto objeto do estudo, vale citar o conceito do instituto segundo o doutrinador Guilherme de Sousa Nucci (2015, p. 40), assim definindo:
O instituto, tal como disposto em lei, não se destina a qualquer espécie de cooperação de investigado ou acusado, mas àquela na qual se descobrem dados desconhecidos quanto à autoria ou materialidade da infração penal. Por isso, trata-se de autêntica delação, no perfeito sentido de acusar ou denunciar alguém – vulgarmente, o dedurismo.
Resumidamente, todo acordo de colaboração premiada é regido por regras e requisitos legais, necessários para sua concessão. Nenhum benefício pode ser concedido sem a observância dos princípios constitucionais, direitos fundamentais resguardados a todos, principalmente aos acusados. Os depoimentos recolhidos têm que ter comprovações de sua veracidade e prova material, haja vista que o indivíduo que está sendo denunciado é um infrator a legislação penal, e consequentemente o que ele mais deseja é o perdão judicial ou outro benefício que possa de alguma forma minimizar o peso de uma ação penal, e mera palavra não é suficiente para incriminar alguém.
A imparcialidade do julgador, do juiz, deve ser preservada. O sigilo das informações prestadas pelo colaborador e seu objeto, tem que ser resguardadas de forma inviolável.
Ressaltando-se que toda pena aplicada tem que ser verificada a proporcionalidade, e também todo benefício concedido pelo acordo tem que haver sido preenchidos os requisitos sobre a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade, e em principal, a repercussão social do fato criminoso praticado e a eficácia da colaboração. Sendo tais requisitos estudados no capítulo a seguir.
A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro do Brasil. Iniciada em março de 2014, perante a Justiça Federal em Curitiba, são investigadas organizações criminosas, da qual resulta a prática de desvio ilícito de recursos financeiros da maior estatal do país, empresa pública, Petrobras. A consequência de tais desvios ilícitos têm como resultado em números, aproximadamente em um bilhão de reais, desviados. Segundo o Ministério Público Federal (online):
A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que envolve a companhia.
No primeiro momento da investigação, desenvolvido a partir de março de 2014, perante a Justiça Federal em Curitiba, foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, que são operadores do mercado paralelo de câmbio. Depois, o Ministério Público Federal recolheu provas de um imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras.
Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos […]
O conceito do instituto da colaboração premiada antes da operação lava jato era pouco utilizada e manifesta. Mesmo tendo previsão legal em diversos crimes, como um benefício dado pela justiça ao acusado, mas seu conceito alastrou-se com a operação lava jato, por ser uma operação que tem uma repercussão mediática elevada e dentre os investigados possuir pessoas do mais alto escalão, são eles: empreiteiros, funcionários da Petrobras, operadores financeiros, e agente políticos.
Para termos consciência da abrangência da operação, ela está investigando os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro que envolve três estados no país: Paraná, Rio de Janeiro e Distrito Federal. O Ministério Público Federal aponta em seus dados: 953 mandados de busca e apreensão, 227 mandados de conduções coercitivas, 103 de prisão preventiva, 118 de prisão temporária, e 06 de prisão em flagrante, atualizado até 04 de abril de 2018. O valor de onze e meio bilhões de reais são alvos de restituição aos cofres públicos através do acordo de colaboração (online).
Os crimes praticados pelas organizações criminosas são crimes complexos, exigindo assim uma investigação interna, com uma maior magnitude. Tendo em vista que a lavagem de dinheiro é justamente para impedir que seja descoberto sua origem ilícita, por seguinte, a corrupção, na qual necessita de ser realizada às cegas e um pacto de silêncio entre as partes, e a organização criminosa que fica com a atividade de ameaçar testemunhas e destruir provas materiais, com a finalidade de dificultar o desvendamento e recolhimento de provas materiais dos crimes.
A operação Lava Jato faz uso comumente dos acordos de colaboração premiada. Haja vista que os crimes praticados envolvem todo um planejamento das atividades desenvolvidas e de pessoas com prerrogativa de função, tendo como consequência uma maior dificuldade e cautela no desembraço da investigação. A lei n° 12.850/2013 traz normas gerais aplicáveis a tal instituto da colaboração premiada, sendo utilizada voluntariamente e efetivamente pelos acusados no caso Lava Jato. Conforme o Ministério Público Federal do Paraná, até 04 de abril de 2018, foram 163 acordos de colaboração premiada firmados com pessoas física5. Sendo que 121 acordos, foram submetidos para o Supremo Tribunal Federal, por ser de agentes públicos com prerrogativa de função (online).
No dia 27 de agosto de 2014, por iniciativa própria, o primeiro que fez jus a colaboração premiada foi o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, que prestou voluntariamente, colaboração de caráter relevante e efetivo ao auxílio das investigações em troca de benefícios. Cumprindo os requisitos estabelecidos na Lei n°12.850/13, art. 4°, indicando os envolvidos na prática ilícita, restituição do valor recebido ilicitamente e os crimes cometidos. Em seguida, foi a vez do doleiro, Alberto Youssef, com o mesmo objetivo do ex-diretor, no qual teve seu acordo homologado. Vale salientar que o doleiro já havia sido protagonista no primeiro acordo escrito, clausulado e assinado entre Ministério Público e acusado, no Brasil, sendo uma das cláusulas em que se comprometia não cometer mais crimes e colaborar com as investigações, no caso Banestado, em 2003. Sucessivamente vários outros acordos foram firmados com investigados. Em consequência, foram recuperados aproximadamente cerca de meio bilhão de reais. Possibilitando assim o reconhecimento positivo dos acordos homologados, pois não é admissível “meias-verdades” em suas colaborações. Nessa linha, Eduardo Araújo da Silva (2009, p. 83) discorre sobre o pensamento aqui citado:
Admitir que o imputado colaborador possa receber o benefício legal sem que seja, previamente, verificada a verossimilhança de suas declarações, significaria estimular o surgimento daqueles indivíduos que os italianos denominaram de “professioniti del pentitismo” (profissionais do arrependimento), ou seja, de pessoas que comercializam meias-verdades em troca de vantagens indevidas.
Assim como diversos acordo de colaboração que foram homologados, há também os acordos que foram recusados, tendo como justificativa dos poderes responsáveis, a insuficiências de provas, cito como exemplo, a proposta de acordo de colaboração do acusado Eike Batista que foi negado pela Procuradoria Geral da República.
Como já demonstrado no capítulo anterior, para ser concedido os benefícios, o resultado da colaboração tem que ser efetivo e voluntário, não podendo o colaborador se utilizar de uma falsa imputação a alguém, objetivando apenas a concessão dos benefícios.
Em consonância ao raciocínio de Thiago Bottino (online) em seu senso crítico, cita:
Nesse cenário, o risco que se apresenta é o de que o criminoso colaborador busque incriminar outras pessoas (inocentes ou com participação de menor importância) a fim de maximizar seus benefícios. Essa hipótese ganha maior força nos casos em que o acusado se vê diante de penas potenciais altíssimos e os benefícios concedidos são muito atrativos (como aqueles que constam dos acordos de colaboração examinados).
Afinal, o custo de acrescentar mais alguns anos em sua pena pode ser ínfimo, uma vez que isso aumentará pouco ou mesmo nada no tempo total que permanecerá preso, seja em razão do limite máximo previsto no CP (LGL\1940\2)/1940, seja porque mesmo se computando o acréscimo de pena para a contagem de benefícios na execução penal, os efeitos serão, em regra, muito pequenos.
Por ser os benefícios vantajosos para os acusados, requerem uma rigorosidade para ser concedido, requisitos esses já previstos em lei. Podemos afirmar que os acordos de colaboração firmados entre o Ministério Público e os acusados, foram de suma importância no desembaraço das atividades ilícitas, proporcionando um maior alcance e expansão da investigação mediante a colaboração efetiva e voluntária dos acusados, e tendo como resultado um considerável número em espécie de dinheiro restituído ao erário.
Mas o instituto da colaboração, não é só positividades na operação Lava Jato, acerca que se difundiu de uma forma tão célere, pelos agentes públicos que são alvos de investigações, que por implicação se tornou um caso midiático muito requisitado. Sendo alvo de crítica por vários juristas, quando se tornou evidente a inobservância dos limites da aplicabilidade dos benefícios que versa o instituto em prol da aclamação por punição a qualquer custo, buscando as autoridades resultados para mostrar a sociedade que a justiça está sendo eficiente no combate a corrupção e os envolvidos estão sendo punidos.
Antes de qualquer conduta praticada, sendo ela lícita ou ilícita, os investigados têm direitos fundamentais, assim como também têm que responderem pelos seus delitos, mas tudo com observância ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade. E o Ministério Público deve respeitar a disponibilidade de benefícios que podem ser concedidos e clausulados pelos acordos.
Acerca das prisões com pena privativa de liberdade, podemos afirmar com êxito, que os acordos assinados foram todos realmente de forma voluntária e efetiva, ou que a coação da prisão ajudou de forma significativa aos acusados colaborar com as investigações em contrapartida da concessão dos benefícios?
Renato De Mello Jorge Silveira (online), ao iniciar a operação, indagou, cito:
O que não parece minimante aceitável, é que o instituto da colaboração premiada ganhe a dimensão que está a tomar sem regras claras, sem que se diga os limites de pressão que venham a ser impostos aos acusados. Não se pode concordar que a aplicação do chamado dilema do prisioneiro sirva para tudo, sempre, mesmo em absoluta violação dos mais inalienáveis direitos do homem. A pressão assim posta não difere, muito, de um ato de pressão tantas vezes visto em prisões arbitrárias. Incomoda, ainda mais, que o instituto da colaboração venha a se mostrar como a institucionalização de um arbítrio, que antes caminhava apenas pelas sombras.
A forma voluntária não abrange coação de privação de liberdade, pois quebra a necessária voluntariedade. A maneira que estão sendo concedidos benefícios não estão sendo respeitados os limites estabelecidos na Lei n° 12.850/2013, uma vez que há limitações, e sendo tais desrespeitados estaremos diante de uma violação ao direito penal e o processo penal, de todo o sistema.
O caso lava jato é contemplado de inobservância quando se trata de limites cominados nas cláusulas dos acordos de colaboração e das lacunas existentes na Lei 12.850/13, da qual decorre uma elasticidade absurda por parte das autoridades interessadas nos acordos de colaboração premiada pelos acusados. Diante da questão prejudicial que se faz presente das reiteradas homologações do instituto na operação lava jato, são relevantes os estudos da análise crítica que serão estudadas no capítulo seguinte.
O alvo de crítica não é o instituto da colaboração, mas sim a sua aplicabilidade e a forma de coerção que estão ferindo garantias individuais e a presunção de inocência dos investigados na operação Lava Jato.
O incentivo ao acordo de colaboração premiada é bastante tentador para quem está em uma situação não tão favorável com a justiça. Consequentemente essa mesma pessoa se encontra em um estado de vulnerabilidade, e quando se depara com benefícios que podem ser concedidos para si e sua família, como por exemplo, o perdão judicial, a redução da pena de dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por pena restritiva de direito, resolve assim colaborar com as investigações, voluntariamente e efetivamente, preenchendo os requisitos da Lei. Temos que concordar que a Lei n° 12.850/13 que regulamenta os limites para concessão dos benefícios do acordo, possui lacunas, e consequentemente observamos o efeito delas e a aplicação absurda mediante a forma de sua aplicação em que o Ministério Público extrapola a lei, na homologação de acordos nas investigações da operação Lava Jato.
Em seu texto sobre os limites da delação premiada, o jurista Afrânio Silva Jardim (online), cita:
Destarte, o Poder Judiciário não deve homologar acordos de cooperação que consagrem “prêmios” não autorizados na lei cogente e, com mais razão, que contrariem a lei. Não devem ser homologadas “delações premiadas” que prevejam cumprimento de penas altas em regimes não permitidos pela lei penal ou de execução penal, prisão domiciliar para penas de dez anos, bem como não deve ser homologada suspensão de processos penais para não aumentar penas já aplicadas, renúncias prévias do Ministério Público a eventuais e futuros recursos ou renúncia a propositura de futuras ações penais ou cíveis, etc.
Ao contrário do que temos observados das sentenças em que condenados com mais de 100 anos de pena, iniciando suas penas em regime aberto ou até mesmo em prisão domiciliar.
Houve um fato em que o Poder Judiciário ao se deparar com um investigado que não tinha sido ainda sentenciado, estava tentando saber se um investigado que estava em prisão, irei fazer jus aos benefícios da colaboração premiada. Em ciência desse fato, o Poder Judiciário requereu que o juiz expedisse um mandado de prisão preventiva, utilizando-se do argumento que tal ato configuraria obstrução de justiça. Assim fica evidente que a justiça faz de tudo para obter uma colaboração premiada e tonar ilegal qualquer ato que tente impedir de um investigado de colaborar.
A lei é clara quando se fala em voluntariedade do acusado em negociar um acordo, mas a finalidade das prisões preventivas e temporárias é exatamente ao contrário. Com elas se almeja um acordo tecnicamente ilegal, pois o poder judiciário se vale da privação da liberdade do indivíduo como forma de coerção, considerada ilegal, quebrando a necessária voluntariedade. E agora pelo visto o Poder Judiciário quer criminalizar todo e qualquer forma de ato que tente anteparar um acordo.
Sendo a opção de não fazer um acordo, um tiro no seu próprio pé, porque a autoridade irá fazer de tudo para aplicar uma pena maior ou início do cumprimento da pena em um regime fechado, para que o acusado seja coagido em firmar um acordo.
Outro ponto relevante de crítica é sobre o acordo feito em 2003, no caso Banestado, com o doleiro Alberto Youssef, na qual uma das cláusulas seria que ele se comprometeria em não praticar mais crimes. Quando se passou 06 anos do acordo homologado, ele voltou a lavar dinheiro sujo para políticos, vindo a ser descoberto em 2014 pela operação Lava Jato. Fica então um questionamento, por qual motivo o acordo feito em 2003 não foi rescindindo, por falta de inadimplência de uma das partes? Vindo a ter outro acordo de colaboração em 2014 pela operação Lava Jato, só pelas partes interessadas no acordo ter uma consequente uma extensão nas investigações? Deveríamos dar crédito as palavras de um sujeito que já esquivou da justiça? Porque o que temos observado é a justiça sentenciado acusados em meras palavras de outros acusados. E aonde fica a observância ao artigo art. 4°, §16, da Lei 12.850/13: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.”
E o acordo da colaboração da JBS, em que o Ministério Público extrapolou os limites da lei, concedendo imunidade penal para os empresários. E em toda delação deles entravam em divergência, procurando sempre pessoas para denunciar em troca dos benéficos, até quando foi descoberta informações que foram omitidas, rescindido o poder judiciário o acordo, outro exemplo que temos da falta da prudência do Poder Judiciário em analisar as cláusulas que estão sendo pactuadas entre as partes.
De acordo com o jurista Gustavo Henrique Badaró (2015, p. 460): “a lei não define a natureza do meio de prova do qual advirão os elementos de corroboração do conteúdo da delação”. Mas em consonância com a finalidade do instituto, tem que ser aceitas meios de provas que auxiliam de forma efetiva nas investigações, estando a conduta do Poder Judiciário contrário, haja vista que estão aceitando denúncias apenas com base nas denúncias feitas pelos investigados.
Munhoz Conde (2003, p. 83, 84), cita que dar valor probatório a declaração do corréu implica abrir a porta para a violação do direito fundamental a presunção de inocência e a práticas que podem converter o processo penal em uma autêntica frente de chantagens, acordos interessados entre alguns acusados, entre a Polícia e o Ministério Público, com a consequente retirada das acusações contra uns, para conseguir a condenação de outros.
Assim estaríamos diante da teoria dos jogos. Segundo Alexandre Morais da Rosa (2015, p. 33), o jogo mais clássico que exprime a teoria dos jogos é o Dilema do Prisioneiro, cuja situação que se propõe é a de dois prisioneiros, A e B, suspeitos de cometer um crime, em celas separadas e incomunicáveis um com o outro, que são oferecidos o mesmo acordo pela polícia: se um dos prisioneiros confessar o crime e testemunhar contra o outro e este outro permanecer em silêncio, o que delatou sairá livre enquanto o que se quedou inerte cumprirá 12 anos na cadeia. Por outro lado, se ambos ficarem em silêncio, a polícia apenas terá provas suficientes para condená-los a 2 anos de cadeia cada um. Ainda, se ambos decidirem por delatar seu companheiro, cada um ficará preso por 10 anos. Dadas essas informações para ambos os presos, como eles reagirão? Qual será a melhor estratégia a se empreender? Fica aqui uma reflexão.
Entre vários acordos ilegais, já citados, é de suma importância abordar sobre o vazamento ilegal dos processos de acordos da lava jato através da mídia. A inversão do ônus que se causa nesses vazamentos. Por exemplo, uma pessoa que é considerada “suspeita” em uma determinada investigação, mas que ainda nem foi intimada para prestar esclarecimentos e não tem nenhum tipo de prova contra ela, apenas mera suspeita, e de alguma forma vaza tal informação e começa a circular na mídia, a pessoa fica sabendo e desesperada, ao invés da polícia provar a acusação que é totalmente futura e incerta ou inexistente, é a pessoa que vai atrás da autoridade para provar algo, causando assim uma inversão do ônus da prova.
Vídeos que são gravados de dentro da sala de audiência e são transmitidos em tempo real para um site, entre outros, na presença do juiz, e esse nada se faz. Ferindo os direitos do colaborador e pondo em risco sua família. A lei é existente para ser cumprida e não para que haja como se ela não existisse, utilizando dela apenas os dispositivos que lhe favorecem e deixam de observar o restante.
A imparcialidade do juiz pela CRFB/88 prevê garantias, e preceitua vedações ao magistrado. Mas também confere o direito de ampla defesa e contraditório a pessoa que esteja sendo parte em um processo. Nos processos sentenciados que dos quais têm sidos observados, o juiz deseja tanto o fim do processo que acaba atropelando as garantias constitucionais dos investigados, um exemplo evidente, são dos investigados da Operação Lava Jato. De um lado um promotor que quer fazer de tudo para acusar e do outro um juiz quer o quanto antes o fim do processo, enquanto a parte ré do processo fica sem um porto para se segurar ou questionar.
Mediante tantos benefícios, principalmente do início de cumprimento de pena que contraria nosso Direito Penal e Processo Penal Brasileiro, parece realmente que modificaram o nosso sistema. Assim indaga Aury Lopes Júnior e Alexandre Morais da Rosa (online) cito:
Mas o que é esse “outro”? A serviço de quê(m) ele está? Quais seus limites de incidência? Por mais que se admita que o acordo sobre a pena seja uma tendência mundial e inafastável, (mais) uma questão que preocupa muito é: onde estão essas regras e limites na lei? Onde está o princípio da legalidade? Reserva de lei? Será que não estamos indo no sentido negociação, mas abrindo mão de regras legais claras, para cair no erro do decisionismo e na ampliação dos espaços indevidos da discricionariedade judicial? Ou ainda, na ampliação dos espaços discricionários impróprios do Ministério Público? Fico preocupado, não apenas com banalização da delação premiada, mas com a ausência de limites claros e precisos acerca da negociação. É evidente que a Lei 12.850/13 não tem suficiência regradora e estamos longe de uma definição clara e precisa acerca dos limites negociais.
Os juristas citados na citação anterior, usam uma expressão que identifica a atual aplicação do acordo da colaboração premiada, sendo ela “A barganha e a justiça criminal negocial”. Significando um negócio conseguido por meio fraudulento, por meio de mentiras, falsas imputações. E temos que concordar, haja vista que em meios tantas ilegalidades nos acordos firmados, os pontos positivos e relevantes na qual conseguiram alavancar as investigações ficam camuflados.
Nosso Código Penal e o Processo Penal Brasileiro devem ser respeitados. Os limites das leis têm que ser mais claros e precisos. Senão estaremos colocando em risco todo nosso sistema de garantias constitucionais, ao entrar em um rumo sem sentido.
CONCLUSÃO
Concluindo, a colaboração premiada é um instituto que versa sobre meios de obtenção da prova durante o procedimento da investigação criminal, com o auxílio da confissão do réu e delação dos coautores ou partícipes, de forma efetiva e voluntária, em contrapartida considerando a relevância da colaboração prestada, poderá o juiz homologar benefícios disciplinados na Lei nº 12.850/2013, por exemplo, o perdão judicial.
Todavia, percebeu-se que o instituto não vem sendo aplicado de forma coerente nos procedimentos investigativos resultantes da operação lava jato, uma vez que falta observância dos requisitos dispostos na Lei para a concessão de tais benefícios, com tal ato, fere-se os preceitos constitucionais do investigado quanto do processo penal em um todo.
A obstrução da lei nos traz inúmeras consequências e reflexões, como por exemplo, como pode uma pessoa que foi sentenciada por anos de prisões, por roubar milhões do Poder Público, começar a cumprir sua pena em prisão domiciliar em suas mansões compradas com dinheiro “sujo”? Como apresentado, essa pergunta ficará sem resposta, uma vez que a lei dispõe de uma forma e a autoridade aplica de outra.
Em suma, é perspectivo o reconhecimento das vantagens da colaboração premiada, pois com ela vem sendo desvendados diversas organizações criminosas. Porém temos que repudiar a maneira como ela vem sendo aplicada pelas autoridades competentes no âmbito da operação lava jato. Uma vez que, a autoridade está tendo como finalidade a busca de resultados para demonstrar a sociedade que a justiça está sendo feita, mesmo que por meios de inobservâncias das garantias constitucionais do acusado.
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