Resumo: As normas de direito fundamentais elencadas na Constituição Federal possuem forte conteúdo axiológico e são de grande importância dentro do ordenamento jurídico brasileiro, por essa razão possuem natureza de princípios. Atualmente os princípios são o centro do Direito Constitucional em sua fase pós-positivista. São, portanto, norma jurídica, mas diferenciam-se das regras, por serem mais abrangentes. Bastante comum num estado democrático de direito é ocorrer o choque entre direitos fundamentais, esses choques são solucionados através das técnicas de ponderação, que se operacionaliza através do princípio da proporcionalidade.
Palavras-chave: Direitos fundamentais – norma jurídica – ponderação –proporcionalidade.
Abstract: The fundamental law norms listed in the Federal Constitution hold a strong axiological content and are of great importance within the Brazilian juridical ordainment, for this reason they have a nature of principles. Currently, principles are the center of Constitutional Law, in its post- positivist phase. They are, therefore, juridical norm, but they are different from rules, since they are more comprehensive. Very common in a Democratic Law State is the occurrence of conflicts between fundamental rights, these conflicts are solved through the pondering technique, that is carried out through the proportionality principle.
Keywords: Fundamental rights – juridical norm – pondering – proportionality.
Sumário: 1 Introdução. 2 Teoria dos direitos fundamentais. 3 Os novos paradigmas da dogmática principiológica. 4 Colisão entre direitos fundamentais. 5 Solução de colisão entre direitos fundamentais pelo STF. 6 Conclusões. 7 Referências bibliográficas.
1 Introdução
Existem diversas situações onde somos colocados a decidir o que é mais importante o direito de determinada pessoa ou o direito de outra, na ciência jurídica as lides envolvendo essas circunstancias é sua própria essência. Comuns também são as situações onde se precisa decidir entre a prevalência de determinado direito fundamental sobre o outro, tendo em vista a diversidade de direitos fundamentais protegidos pela nossa Constituição.
Como exemplo pode-se citar o choque entre o direito a transmissão de informação de determinada empresa jornalística e o direito a privacidade e a intimidade de certo político renomado.
Partindo desse ponto, verifica-se a necessidade de se conhecer as técnicas utilizadas para se solucionar os conflitos envolvendo direitos fundamentais. A jurisprudência nacional entra comumente em contato com circunstâncias dessa natureza, busca-se nesse ensaio conhecer o trabalho realizado em alguns julgados do STF que se utilizaram da técnica da ponderação de princípios para decidir qual princípio prevalece sobre o outro em casos concretos.
Inicialmente, torna-se imprescindível conhecer os direitos fundamentais, sua classificação, gerações, para posteriormente chegarmos a conclusão de que os direitos fundamentais possuem natureza de princípios. Por terem natureza principiológica os direitos fundamentais possuem forte conteúdo axiológico, ou seja, são carregados de valores dentro do ordenamento jurídico nacional.
Os princípios por sua vez, não são vistos mais atualmente como eram no positivismo, como valores éticos a serem seguidos pela sociedade, atualmente os princípios são carregados de normatividade, o que os faz um tipo de norma, assim como as regras. Os princípios constitucionais são normas que sustentam e sevem de fundamento jurídico para o ordenamento constitucional, são os valores primordiais e as bases do sistema normativo da sociedade. Não são considerados apenas meros programas ou sugestões para ações da iniciativa privada ou do Poder Público, eles dão a direção para as atividades pois possuem verdadeira força vinculante.
Indispensável se faz a diferenciação de normas e princípios para que se entenda como são resolvidos os choques entre as regras e as colisões entre princípios.
Para a discussão da presente temática parece sumamente relevante analisar casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal acerca da solução de colisão entre direitos fundamentais como forma de se conhecer como a ponderação entre princípios é utilizada no judiciário brasileiro.
Na produção do trabalho em foco foi realizada vasta pesquisa acerca do assunto, a doutrina especializada foi consultada, bem como artigos científicos publicados em meio digital. Não se pode deixar de mencionar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que serviu de base para a análise principal do estudo. Foi consultada, ainda, a legislação pertinente ao tema.
2 Teoria dos direitos fundamentais
2.1 Conceito de direitos fundamentais
A presente obra busca analisar a colisão dos direitos fundamentais na perspectiva do Supremo Tribunal Federal, dessa forma é imprescindível determinar o que vem a ser direitos fundamentais. Tal tarefa é difícil pois existe uma vasta terminologia para o tema, até mesmo na própria Constituição Federal de 1988, vejamos: direitos humanos, direitos e garantia fundamentais, direitos e liberdades constitucionais e direitos e garantias individuais.
Alexy apud Carvalho (2009, p. 16) entende por direitos fundamentais aqueles constitucionalmente válidos.
Pode-se dizer que houve uma evolução na visão constitucionalista ao perceber atualmente os direitos fundamentais não apenas na sua perspectiva subjetiva, passando a ser considerados como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação dos Poderes Público e não apenas garantias negativas dos interesses individuais.
Importante se ressaltar que os direitos fundamentais não constituem apenas aqueles que se encontram no texto da Carta Política, mas também os que não foram expressamente previstos, que implicitamente podem ser deduzidos. Tendo em vista a existência de direitos apenas materialmente fundamentais e não formal e materialmente fundamentais, considerando os ensinamentos de Carvalho (2009, p. 16).
2.2 Distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais
Dentro do tema direitos fundamentais, comumente se discute a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais.
Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 35 e 36) confere ao aspecto espacial da norma o primeiro fator preponderante de distinção:
“o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional.”
Diante do exposto, resta esclarecido que trata-se de uma diferença conceitual, na qual direitos humanos se referem a direitos internacionalmente considerados, enquanto direitos fundamentais são os previstos como tal na Constituição de determinado estado.
2.3 Classificação dos direitos fundamentais
De acordo com Carvalho (2009, p. 25) quanto a classificação dos direitos fundamentais se faz extremante necessária o conhecimento acerca da Teoria do status de Jellinek, pois através dela será possível se compreender a posição jurídica das dimensões de direitos fundamentais.
Essa teoria diz que os direitos fundamentais garantem aos indivíduos várias posições jurídicas em relação ao Estado. Nessa teoria os direitos fundamentais são divididos em três grupos: os direitos de defesa, direitos prestacionais e direitos de participação.
Como mostra Novelino (2008, p. 223):
“os direitos de defesa caracterizam-se por exigir do Estado, preponderantemente, um dever de abstenção, caráter negativo, no sentido de impedir a ingerência na autonomia dos indivíduos. São direitos que limitam o poder estatal com o intuito de preservar as liberdades individuais, impondo-lhe o dever de não interferir, não intrometer, não reprimir e não censurar.”
O mesmo autor profere lição acerca dos direitos prestacionais, afirmando que eles:
“Possuem um caráter essencialmente positivo, impondo ao Estado o dever de agir. Objetivam a realização de condutas ativas por parte dos poderes públicos, seja para a proteção de certos bens jurídicos contra terceiros, seja para a promoção ou garantia das condições de fruição desses bens. Englobam o direito a prestação materiais e jurídicas”. (NOVELINO, 2008, p. 223)
Já os direitos de participação pretendem garantir a participação de cada cidadão na formação da vontade política da comunidade.
2.4 Aplicabilidade dos direitos fundamentais
A própria Constituição Federal em seu art. 5º parágrafo 1º estabelece que as normas definidoras de direitos fundamentais têm aplicação imediata.
Entretanto, para Novelino (2008, p. 224), a eficácia e aplicabilidade das normas definidoras de direitos fundamentais dependem consideravelmente de seu enunciado e seu objeto. Em muitas situações precisarão de uma lei regulamentando a matéria para terem eficácia.
Os direitos a prestação, por seu turno, para que possam desenvolver plenamente seus efeitos, em diversas situações dependerão de outra vontade integradora dos comandos, ou seja, precisarão de um complemento legal.
2.5 Dimensão dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais formam a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito (CARVALHO, 2009, p. 26), esses direitos são normalmente divididos pela doutrina em dimensões[1].
Desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituições, os direitos fundamentais passaram por diversas mudanças, tanto no que se refere ao seu conteúdo, quanto no que concerne a sua titularidade, eficácia e efetivação. De acordo com Sarlet (2001, p. 49), costuma-se, neste contexto marcado pela autentica mutação histórica experimentada pelos direitos fundamentais, falar da existência de três gerações (dimensão) de direitos fundamentais, há quem defenda ainda uma quarta geração (dimensão).
Os direitos de primeira dimensão, para Carvalho (2009, p. 26) , tem como princípios cardeais os consagrados na Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade. Tais direitos se identificam com os primeiros – a liberdade.
Já os direitos de segunda dimensão, conforme ensina Pedro Lenza (2006, p. 526), privilegiam os direitos sociais, culturais e econômicos, correspondendo aos direitos da igualdade.
Como ensina Marcelo Novelino (2008, p. 229) os direitos fundamentais de terceira dimensão, são aqueles ligados a fraternidade, a solidariedade, e surgiram para tentar atenuar as diferenças entre as nações desenvolvidas e as subdesenvolvidas, por meio da colaboração dos países ricos com os países pobres.
Como exemplos dos direitos de terceira dimensão podem ser citados os relacionados ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como o direito a propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.
Os direitos fundamentais de quarta geração, ainda na lição de Novelino (2008, p. 229):
“foram introduzidos no âmbito jurídico pela globalização política, compreendem o direito a democracia, informação e pluralismo. Os direitos fundamentais de quarta dimensão compendiam o futuro da cidadania e correspondem a derradeira fase da institucionalização do Estado social imprescindíveis para a realização e legitimidade da globalização política.”
2.6 Dignidade da pessoa humana como direito fundamental
Nas palavras de Novelino (2008, p. 248), “a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado brasileiro, constitui-se no valor constitucional supremo em torno do qual gravitam os direitos fundamentais”. Dessa forma, torna-se evidente a importância desse princípio no estudo dos Direitos Fundamentais.
Não há como definir um conceito para a Dignidade da Pessoa Humana, pois esse é um valor, faz parte de uma categoria axiologicamente aberta, como ensina Canotilho citado por Carvalho (2009, p. 33). Entretanto, pode-se ter uma noção do que seja tal princípio através da lição de Edilsom de Farias (2000, p. 63):
“O principio da dignidade da pessoa humana refere-se ás exigências básicas do ser humano no sentido de que ao homem concreto sejam oferecido os recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma existência digna, bem como propiciadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas potencialidades. Assim, o principio em causa protege várias dimensões da realidade humana, seja material ou espiritual”.
Dessa forma, pode-se entender o direito a dignidade da pessoa humana como um princípio norteador da aplicação e restrição de todos os direitos fundamentais. É, como entende, Farias (2000, p. 66), “a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais, o princípio que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais”.
Sendo como um instituto norteador em caso de colisão entre os direitos fundamentais, a busca da aplicação daquele que melhor promove a dignidade da pessoa humana é o que serve de instrumento do jurista na solução do caso concreto.
2.7 Relatividade dos direitos fundamentais
Uma das principais características dos direitos fundamentais, enquanto princípios que são, é a sua relatividade, ou seja, por se tratarem de princípios constitucionalmente previstos, os direitos fundamentais não se revestem de caráter absoluto, em caso de tensão entre eles cabe o sopesamento de um sobre o outro para que se decida daquele mais adequado.
Em um estado democrático de direito a Constituição Federal reflete inúmeras ideologias, por conseqüência dessa infinidade de assuntos e pensamentos presentes na lei maior, comumente acontece o choque entre os princípios neles expostos.
Pode-se citar como exemplo o conflito que surge quando determinada empresa jornalística pretende veicular matéria sobre a vida de um cantor famoso, entretanto, ao exercer o direito a liberdade de informação ou liberdade jornalística estaria entrando em choque com o direito a privacidade do citado cantor, no caso concreto, o juiz analisaria qual princípio deve prevalecer.
No exemplo citado, por não existirem princípios superiores a outros, apenas a análise pelo juiz no caso concreto é que decidiria o mais adequadamente aplicado.
Marmelstein (2008, p. 368) afirma que o STF, assinalando a possibilidade de limitação dos direitos fundamentais, decidiu que não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto.
Para Alexandre de Morais (2003, p. 61), “os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela carta Magna (princípio da relatividade)”.
Diante da visão dos renomados autores, conclui-se que o caráter de relatividade do qual são revestidos os princípios torna possível que, em caso de choque entre eles, haja a ponderação entre eles e decida-se pela aplicação do principio mais adequado ao caso concreto.
Considerar os direitos fundamentais como princípios significa, portanto, aceitar que não há direitos com caráter absoluto, já que eles são passíveis de restrições recíprocas.
Conclui-se que os direitos fundamentais são disciplinados por normas do tipo principiológicos, pois possuem características próprias de princípios, sendo a principal delas a sua relatividade.
2.8 Natureza principiológica dos direitos fundamentais
As normas de diretos fundamentais possuem uma estrutura flexível e complexa, e sua qualificação como regras e princípios é uma questão de interpretação.
Entretanto, como ensina Vale (2009, p. 129), “o forte conteúdo axiológico das normas de direitos fundamentais e sua elevada posição hierárquica no ordenamento jurídico fazem com que, na maioria das vezes, elas sejam interpretadas como princípios”.
3 Os novos paradigmas da dogmática principiológica
A partir da idéia de que os direitos fundamentais são representados por normas de caráter principiológico, e esses, eventualmente, entram em choque, é preciso analisar como são entendidos os princípios dentro do Direito Constitucional Contemporâneo, pois, como ensina Paulo Bonavides (1998, p. 231), “sem aprofundar a investigação acerca da função dos princípios nos ordenamentos jurídicos não é possível compreender a natureza, a essência e os rumos do constitucionalismo contemporâneo”.
Também é de extrema importância desvendar a diferença existente entre o que sejam regras e princípios, para, posteriormente, entender como se solucionam os choques entre eles.
Como ensina Barroso (2003, p. 29), que há de novidade na moderna fase do Direito Constitucional não é, na verdade, a existência de princípios no texto constitucional, o “que há de singular na dogmática jurídica da quadra histórica atual é o reconhecimento de sua normatividade” e consequentemente de sua força normativa imediata. Aqui, torna-se imprescindível, buscar compreender como esta força se desenvolve, para que seja aplicada da maneira correta.
Hoje os princípios são o centro do Direito Constitucional, conquistaram “o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata” (BARROSO, 2003, P. 337)
Os princípios também são vistos como fonte de atualização das constituições por serem constituídas de normas de caráter aberto.
No pós-positivismo, as Constituições, grandes repositórios da pauta axiológica consagrada nos Princípios de Direito, figurando como fonte conceitual-normativa suprema, se transportam para a posição central no ordenamento jurídico de onde emanam valores humanísticos basilares da estrutura e forma do Direito contemporâneo, e, em conseqüência, a dogmática principiológica ganha forma, promovendo uma nova retomada na compreensão e interpretação do Direito.
Neste aspecto, a indiscutível relevância que os princípios adquirem nos ordenamentos jurídicos se torna cada vez mais clara, principalmente se for observada a função e presença no corpo das Constituições contemporâneas, onde surgem como os pontos axiológicos de mais significativo destaque e prestígio (BONAVIDES, 1998, p. 260). Além disso, a gênese e a forma como os princípios são positivados nos textos constitucionais demonstram que estes possuem, da mesma maneira, uma importante dimensão institucional, como fatores de criação e sustentação da unidade política.
Como princípios são normas jurídicas, é indispensável distingui-los das regras, o que se fará no tópico que segue.
3.1 Normas constitucionais: diferença entre princípios e regras
Nas palavras de Barroso (2003, p. 337), a “dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os princípios e as regras”.
O renomado autor ensina que:
“Normalmente, as regras contêm relato mais objetivo, com incidência restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre uma pluralidade de situações. Inexiste hierarquia entre ambas as categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição”. (BARROSO, 2003, p. 338).
Paulo Bonavides (1998, p. 260) acrescenta que os princípios tidos como “valores fundamentais, governam a Constituição, a ordem jurídica. Não são, apenas lei, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude e abrangência”, são compreendidos “normativamente, ou seja, tem alcance de norma e se traduzem por uma dimensão valorativa”.
Portanto, sendo a Constituição um conjunto sistemático de regras e princípios, tendo como ancora o consenso social sobre os valores básicos, vislumbra-se que os princípios estão no ápice da pirâmide normativa, são norma normarum ou norma das normas, fonte das fontes, resumindo Paulo Bonavides (1998, p.265), “são qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma constituição”.
Portanto, os princípios suscitam problemas de validade e de peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são corretas devem ser alteradas).
Importante ressaltar que foi devido aos acréscimos teórico-analíticos de Dworkin e Alexy, que se pacificou a distinção entre regras e princípios como espécies do gênero norma de direito, posto, merece destaque a visão dos citados autores.
3.1.1 Diferença entre princípios e regras para Dwornkin
Afirma Ávila (2004, p. 28) que Ronald Dworkin realizou um “ataque geral contra o positivismo”, pois, em sua visão, os positivistas consideram, de maneira equivocada, o direito como um sistema composto exclusivamente de regras, ignorando os princípios.
Para Dworkin, nos ensinamentos de Ávila (2004, p. 28), as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada, no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a conseqüência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. “Havendo colisão entre as regras, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios.”
Desse ponto evidencia-se que os princípios, contrariando as regras, possuem uma dimensão de peso, verificável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade.
Nesse sentido, a diferenciação realizada por Dworkin não consiste numa distinção de grau, e sim numa diferenciação em relação a estrutura lógica, embasada em critérios classificatórios, e não comparativos.
A diferenciação por Dworkin proposta difere das outras porque tem base, mais fortemente, na forma de aplicação e no relacionamento normativo, estremando as duas espécies normativas, conforme ensinamento de Ávila (2004, p. 29).
3.1.2 Diferença entre princípios e regras para Alexy
Robert Alexy, partindo das considerações de Dworkin, torna ainda mais preciso o conceito de princípios.
Para Alexy (2007, p. 64) os princípios jurídicos são uma espécie de norma jurídica, através deles são estabelecidos deveres de otimização, estes são aplicáveis em diversos graus.
Dessa forma, o renomado autor ensina que os princípios, possuem apenas uma dimensão de peso e não determinam as conseqüências normativas de forma direta, ao contrário das regras. Somente com a aplicação dos princípios nos casos concretos que se torna possível sua concretização, tendo em vista as regras de colisão, ou seja, os conflitos se resolvem mediante a criação de regras de prevalência, através da ponderação dos princípios conflitantes.
Desse ponto, fica esclarecido a noção de princípios como deveres de otimização aplicáveis em diversos graus de acordo com as possibilidades normativas e fáticas. Já com as regras é diferente, quando ela é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos.
3.2 Conflito entre regras jurídicas e colisão entre princípios
Como ficou demonstrado, é indiscutível a importância da distinção entre princípios e regras, principalmente para se chegar ao entendimento de como se soluciona o conflito entre regras e a colisão entre princípios.
Na visão de Alexy apresentada no tópico acima podemos compreender como se entende hoje a solução de conflitos entre regras e colisão entre princípios.
Recapitulado, o conflito entre regras se resolve no campo da validade, pois se uma regra é válida ela deve ser aplicada ao caso concreto, valendo, dessa forma, também suas conseqüências jurídicas, pois estão contidas dentro do ordenamento jurídico.
Entretanto se ambas as regras forem válidas, a aplicação dos dois diferentes dispositivos jurídicos, conduzem a resultados incompatíveis entre si.
Segundo Robert Alex (1993, p. 88), pode-se afirmar que um conflito entre regras somente pode ser resolvido se for introduzida uma cláusula de exceção em uma das regras conflitantes, na intenção de remover o conflito.
“Se a aplicação de duas regras juridicamente válidas conduz a juízos concretos de dever-ser reciprocamente contraditórios, não restando possível a eliminação do conflito pela introdução de uma cláusula de exceção, pelo menos uma das regras deverá ser declarada inválida e expurgada do sistema normativo, como meio de preservação do ordenamento”. (CRISTOVAM, 2010, p. 09)
Em certos casos pode-se aplicar, no caso de antinomias entre regras jurídicas, critérios para sua solução, são eles: critério hierárquico, pelo qual a regra hierarquicamente superior derroga a inferior, existe também o critério cronológico, pelo qual a regra posterior prevalece sobre a anterior, e ainda, o critério da especialidade, de acordo com o qual a regra especial supera a geral.
A colisão entre princípios será analisada em um capitulo próprio.
4 Colisão entre direitos fundamentais
Anteriormente restou esclarecido que direitos fundamentais possuem natureza principiológica, dessa forma ao estudar a colisão entre princípios nos referiremos à colisão entre direitos fundamentais.
Em um Estado Democrático de Direito a Constituição Federal reflete inúmeras ideologias diferentes. Essas ideologias, por diversas vezes acabam chocando-se entre si.
Como afirma Marmelstein (2008, P. 365):
“as normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado democrático de Direito. Não é de se estranhar, dessa forma, que elas freqüentemente, no momento aplicativo, entrem em rota de colisão.”
Existem muitos casos clássicos de colisão de direitos fundamentais, como por exemplo, o direito a informação que entra comumente em conflito com o direito a intimidade; a liberdade de imprensa com o direito a privacidade, uma faceta dos direitos da personalidade, entre outros.
Os conflitos surgem em razão dos direcionamentos opostos de cada um desses princípios, uma vez que o direito a informação, a liberdade de expressão seguem o caminho da transparência, da livre circulação de informação, já os direitos da personalidade, orientam-se no caminho da tranqüilidade, do sigilo, da não exposição.
Independente da solução a ser adotada nesses conflitos sempre existirá a restrição, por vezes total, de um ou dois valores. Posto que, todas as circunstancias envolvendo colisão de direitos fundamentais são de complexa solução, dependendo para se determinar o rumo a ser seguido das informações do caso concreto e dos argumentos fornecidos pelas partes envolvidas. Dessa forma, evidencia-se a necessidade de se ponderar para se chegar a solução do conflito.
Como ficou demonstrado, os direitos fundamentais não possuem natureza absoluta, portanto, em caso de conflito, não existe prevalência inata de um sobre o outro, mais uma razão para se realizar a ponderação.
Na lição de Sarmento (2006, p. 293):
“apesar da relevância ímpar que desempenham nas ordens jurídicas democráticas, os direitos fundamentais não são absolutos. A necessidade de proteção de outros bens jurídicos diversos, também revestidos de envergadura constitucional, pode justificar restrições aos direitos fundamentais.”
No mesmo sentido, Barroso (2009, p. 329) afirma que “não existe hierarquia em abstrato entre princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso concreto”.
Dessa forma, conclui-se que os direitos fundamentais não são absolutos e, como conseqüência, seu exercício está sujeito a limites, e, por serem geralmente estruturados como princípios, os direitos fundamentais, em inúmeras situações, são aplicados mediante ponderação.
Para, Marmelstein (2008, p. 368), deve-se buscar a máxima otimização da norma, o agente concretizador deve efetivá-la até onde for possível atingir ao máximo a vontade constitucional sem sacrificar outros direitos igualmente protegidos.
Barroso (2009, p. 332) ensina que:
“Os limites dos direitos constitucionais, quando não constarem diretamente da Constituição, são demarcados em abstrato pelo legislador ou em concreto pelo juiz constitucional. Dái existir a necessidade de protegê-los contra a abusividade de leis restritivas, bem como de fornecer parâmetros ao interprete judicial.”
Pois, afirmar que os direitos fundamentais não são absolutos, que toda norma de direito fundamental é relativa pode levar a uma falsa noção de que as proteções constitucionais são frágeis e que podem ceder sempre que assim ditar o interesse público, expressão, por demais, vaga. Deve ficar claro que a regra é a observância dos direitos fundamentais e não sua restrição, na lição de Marmelstein (2008, 369).
Todas as limitações a direitos fundamentais devem ser consideradas possivelmente irregulares e, por essa razão, devem sofrer um exame constitucional mais rigoroso, cabendo ao Judiciário exigir a demonstração de que a limitação se justifica diante de um interesse mais importante. Destaque-se que somente será legítima a restrição ao direito se for atendido o princípio da proporcionalidade, pois a ponderação entre princípios se operacionaliza através desse princípio.
4.1 Princípio da proporcionalidade
“A essência e a destinação do princípio da proporcionalidade é a preservação dos direitos fundamentais”, afirma Guerra Filho (2006, p. 103). Diante dessas palavras, busca-se demonstrar a finalidade do princípio da proporcionalidade na ponderação entre direitos fundamentais.
Entende-se que por não possuírem caráter absoluto, como demonstrado anteriormente, os direitos fundamentais podem ser restringidos, desde que a limitação seja para proteger ou preservar outro valor constitucional.
A doutrina de Marmelstein (2008, p. 372) ensina que “para se verificar se a lei que limita determinado direito fundamental é válida ou não, deve-se fazer uso do princípio da proporcionalidade”.
Dessa forma, o principio da proporcionalidade funciona como instrumento indispensável para aferir a legitimidade de leis e atos administrativos que restringem direitos fundamentais, nas palavras de Sarmento (2002, p. 77), “é uma poderosa ferramenta para aferição da conformidade das leis e dos atos administrativos como os ditames da razão e da justiça”. Por essa razão, o princípio é chamado de limite dos limites.
A teoria da proporcionalidade é o instrumento através do qual se operacionaliza o método da ponderação entre os princípios que objetiva solucionar as colisões entre princípios.
Atualmente, o princípio da proporcionalidade ocupa uma posição destacada no direito Constitucional, posto que, tornou-se, dentro do assunto direito fundamental, principalmente, nas situações de restrições legislativas, a caracterização de limites que precisam ser respeitados, e em havendo colisão, o parâmetro a ser observado.
O principio da proporcionalidade não se confunde com o principio da razoabilidade, nem tampouco com o principio da vedação ao excesso.
Antunes (2006, p. 17) ensina que “o principio da proporcionalidade possui uma maior abstração do que o princípio da razoabilidade, ainda, vislumbra-se que a razoabilidade possui uma função negativa, enquanto que a proporcionalidade uma função positiva”.
Na visão da doutrina majoritária a proporcionalidade surgiu na Idade moderna juntamente com o surgimento do Estado de Direito.
Araújo citado por Antunes (2006, p. 11) ensina que:
“O conceito de proporcionalidade como termo técnico jurídico no Direito Alemão foi utilizado pela primeira vez em 1802, por Von Berg, cujas idéias só bem mais tarde, cerca de um século depois, foram impostas de forma efetiva no campo do Direito de Polícia, por obra do superior tribunal administrativo da Prússia. Cumpre ressaltar acerca da jurisprudência constitucional da Alemanha, onde muito cedo, sedimentou-se o entendimento de que a proporcionalidade consubstancia relevante meio de controle estatal, visando à observância e concretização dos direitos fundamentais do cidadão.”
Essa idéia desenvolvida na Alemanha foi a que se propagou pelo mundo, onde vários estados a incluíram em seus textos constitucionais.
No Brasil, a proporcionalidade é tida como um princípio e tem aplicação considerável no judiciário para se garantir a efetividade dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos no Texto Maior.
Marmelstein (2008, p. 385) afirma que:
“o princípio da proporcionalidade não é útil apenas para verificar a validade material de atos do Poder Legislativo ou do Poder Executivo que limitem direitos fundamentais, mas também para, reflexivamente, verificar a própria legitimidade da decisão judicial, servindo, nesse ponto, como verdadeiro limite da atividade jurisdicional. O juiz, ao concretizar um direito fundamental, também deve estar ciente de que sua ordem deve ser adequada, necessária (não excessiva e suficiente) e proporcional em sentido estrito.”
O renomado autor informa que a doutrina, inspirada em decisões da Corte Constitucional Alemã, tem adotado três dimensões desse princípio: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Será possível uma limitação a um direito fundamental se estiveram presentes na medida correta todos esses aspectos. (MARMELSTEIN, 2008, p. 374).
Por adequação pode-se entender que devem ser utilizadas medidas apropriadas ao alcance da finalidade prevista no mandamento que pretende cumprir, conforme lição de Cristóvam (2010, p.07). Deve ser respondido o seguinte questionamento: o meio escolhido foi o adequado e pertinente para atingir o resultado almejado? Se não, desrespeitou-se o principio da proporcionalidade, então a medida deve ser anulada pelo poder judiciário.
“O subprincípio da necessidade exige que o poder Judiciário apure a medida ou a decisão tomada, dentre as aptas a consecução do fim pretendido, é a que produz menor prejuízo aos cidadãos envolvidos ou a coletividade”, nas palavras de Cristóvam (2010, p. 07). Tem-se que a medida deve ser estritamente necessária, não podendo ser excessiva nem tampouco insuficiente.
A proporcionalidade em sentido estrito é aquela ligada a ponderação. Pois a proporcionalidade exige uma análise das vantagens e desvantagens que a medida trará. Deve ser respondida a seguinte pergunta para verificar a presença da proporcionalidade em sentido estrito: o benefício alcançado com a adoção da medida sacrificou direitos fundamentais mais importantes do que os que a medida buscou preservar?
Essa pergunta será solucionada realizando-se um exercício de balanceamento ou de ponderação, através do qual o jurista deverá levar em consideração todos os interesses em questão com o objetivo de encontrar uma solução constitucionalmente adequada, embasada em uma argumentação firme, coerente a convincente.
A técnica da ponderação é o instrumento indispensável para verificar a existência da proporcionalidade em sentido estrito no caso concreto, posto que se esta for inexistente o judiciário deverá anulá-la.
Para a realização da ponderação de interesses constitucionais, é indispensável a utilização do principio da proporcionalidade, pois o raciocínio próprio deste, com seus três subprincípios, é exatamente o que deve ser utilizado na ponderação. Nas palavras de Sarmento (2002, p. 96), “a ponderação de interesses não representa uma forma de decisionismo judicial disfarçado, já que seu método pauta-se pelo princípio da proporcionalidade, cujos critérios podem ser aferidos com certa objetividade”.
4.2 A técnica da ponderação
Visando solucionar as colisões entre princípios, utiliza-se o método de ponderação de bens, que se operacionaliza mediante a teoria da proporcionalidade, conforme visto anteriormente.
Existem situações em que as técnicas de interpretação tradicionais não são suficientes para solucionar conflitos envolvendo direitos fundamentais e os valores que eles representam. Conforme demonstra Marmelstein (2008, p. 386):
“A ponderação é uma técnica de decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver uma antinomia de valores.”
Na opinião de Barroso (2009, p. 334), a ponderação é uma “técnica de decisão jurídica, aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente”.
Importante informação é apresentada por Antunes (2006, p. 08):
“O método da ponderação de bens foi utilizado pela primeira vez no Tribunal Constitucional Federal Alemão na sentença Lüth em quinze de janeiro de 1958, na qual analisou-se e decidiu-se sobre a constitucionalidade de restrição a direito fundamental. O TCF decidiu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria prevalecer, uma vez que não afetava interesses de terceiros dignos de proteção. Aludida preferência resultou em função das circunstâncias do caso concreto.”
A partir do caso Lüth, o método da ponderação de bens foi fortemente desenvolvido e consolidado na Alemanha e em outros países.
Em se tratando de um caso concreto havendo uma colisão de direitos fundamentais, sendo essas normas de mesma hierarquia, ambas válidas, a decisão normativa, legislativa ou judicial final, deverá observar o imperativo da otimização e da harmonização dos direitos que elas conferem, devem atender ainda aos postulados da unidade da Constituição e da concordância prática.
Ensina Marmelstein (2008, p. 387) que na técnica da ponderação, o jurista deverá, primeiramente, tentar conciliar ou harmonizar os interesses em jogo, pelo princípio da concordância prática. Somente depois, caso não seja possível a conciliação, é que se deve partir para o sopesamento ou para a ponderação propriamente dita.
Na visão de Morais (2003, p. 61):
“quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar ou combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios) sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.”
Existem casos, entretanto que essa harmonização revela-se impossível, como explica Marmelstein (2008, p. 394):
“é nessas situações em que a harmonização se mostra inviável que o sopesamento/ ponderação é, portanto, uma atividade intelectual que, diante de valores colidentes, escolherá qual deve prevalecer e qual deve ceder. E talvez seja justamente aí que reside o grande problema da ponderação: inevitavelmente, haverá descumprimento parcial ou total de alguma norma constitucional. Quando duas normas constitucionais colidem fatalmente o juiz decidirá qual a que “vale menos” para ser sacrificada naquele caso concreto.”
Dessa forma, fica claro que antes de se utilizar a ponderação, fazendo prevalecer um princípio sobre o outro, deve-se tentar solucionar o caso de colisão através da harmonização entre os princípios envolvidos. Deve-se “proceder a interpretação dos cânones envolvidos, para verificar se eles efetivamente se confrontam na resolução do caso, ou se, ao contrário, é possível harmonizá-los”, conforme explana Sarmento (2002, p. 99).
Importante frisar que antes de solucionar o conflito, em se tratando de direitos fundamentais é necessário realizar a identificação dos “limites imanentes” de cada direito. Para Sarmento (2002, p. 100) , limites imanentes “representam a fronteira externa dos direitos fundamentais”.
A fixação dos limites imanentes é anterior à resolução dos conflitos, pois só se caracterizará o conflito se a situação concreta se contiver no interior dos limites imanentes de mais de uma norma constitucional.
A observação dos limites do princípio para constatar se existe conflito realmente ou não é tarefa bastante árdua, pois é extremamente difícil delimitar um princípio, por essa razão, é indispensável que essa verificação se dê a partir de um determinado caso concreto.
Após constatar que existe de fato um conflito é possível iniciar a ponderação propriamente dita dos interesses envolvidos em disputa. Nessa fase ocorrerá o sopesamento de valores envolvidos no conflito.
Após a atribuição de pesos, será necessário decidir qual intensidade com que esse grupo de normas deve prevalecer no caso concreto. “Todo esse processo intelectual tem como fio condutor o princípio da proporcionalidade”, como ensina Barroso (2009, p. 335).
Sarmento (2002, p. 104) fala da necessidade do julgador encontrar o peso genérico que a ordem constitucional confere a determinados princípios e ao peso específico atribuído no caso concreto, afirma que o nível de restrição de cada interesse será inversamente proporcional ao peso que representar.
O mesmo autor reafirma a importância do princípio da proporcionalidade, ao dizer que “as restrições devem ser arbitradas mediante o emprego do princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão- adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”. (SARMENTO, 2002, p. 104).
Uma decorrência lógica da atribuição de pesos, do processo de ponderação, é a Argumentação Jurídica, através dela os interesses contrapostos serão defendidos, para que se possa finalmente chegar à solução da colisão entre direitos, decidindo-se pela aplicação do princípio prevalente ao caso concreto e o seu grau de intensidade. Através da argumentação jurídica é possível se aproximar do controle da racionalidade das decisões judiciais.
Barroso (2009, p. 338) afirma que “nas hipóteses em que a solução produzida não decorre de uma lógica subsuntiva, o ônus argumentativo se potencializa, devendo o interprete demonstrar, analiticamente, a construção do seu raciocínio”.
A utilização da técnica da ponderação dos princípios pode acarretar o risco de se servir a subjetivismos exacerbado. Envolvendo avaliações de caráter subjetivo, que poderão variar em função das circunstâncias pessoais do intérprete e de outras tantas influências. Por essa razão, é preciso ter em mente alguns limites que devem ser respeitados na utilização da ponderação.
5 Solução de colisão entre direitos fundamentais pelo STF
Conforme visto nos capítulos anteriores, ao ocorrer a tensão entre dois princípios reconhecidos pelo ordenamento constitucional em vigor, o de menor peso, de acordo com as circunstâncias e condições inerentes ao caso concreto, abdica do seu lugar ao de maior valor, em uma “relação de precedência condicionada”. É diferente do que ocorre com os conflitos entre regras, não são estipuladas cláusulas de exceção, pois, senão, estar-se-ia limitando o princípio constitucional para situações futuras, quando poderá preceder frente a outros valores com os quais entre em colisão. Busca-se, pelo princípio da ponderação, decidir, ante as condições do caso, qual valor possui maior peso, devendo prevalecer na situação.
A ponderação entre princípios constitucionais é tarefa das mais complexas e importantes para a manutenção da ordem constitucional coesa. Por essa razão é enorme a responsabilidade do Poder Judiciário, principalmente das Cortes Supremas dos Estados, quando do controle da constitucionalidade de leis restritivas de direitos, bem como da solução de tensões entre direitos fundamentais amparados pela Constituição, colidentes no caso concreto.
Há na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal alguns famosos casos onde foi utilizada a ponderação entre princípios fundamentais, alguns dos quais serão analisados nesse ponto do presente trabalho.
5.1 Exame de sangue forçado em investigação de paternidade. Integridade física versus direito ao conhecimento da paternidade.
Famoso caso presente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no qual se utilizou a ponderação entre princípios diz respeito a uma ação declaratória, de rito ordinário, nele uma criança investigava a paternidade de seu suposto pai. O Juízo da Segunda Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre determinou a realização de exame de ADN (ácido desoxirribonucléico), com o objetivo de resolver a controvérsia. No entanto, o suposto pai se negou à colheita de sangue, sendo determinada, por essa razão, a execução forçada da ordem judicial, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. (STF, 2010).
Após essa decisão, em razão do suposto pai estar na iminência de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por decisão do Tribunal de Justiça Riograndense, foi impetrado o pedido de “Habeas Corpus” ao Supremo Tribunal Federal, onde a questão foi analisada. Por uma maioria de seis votos contra quatro, o Plenário do STF concedeu o habeas corpus, após tormentosos debates.
A corrente não prevalente sustentou que o direito ao conhecimento da real paternidade da criança deveria sobrepor-se ao da integridade física do pai, como informa Mendes (2008, p. 287).
A corrente vitoriosa, liderada pelo voto do ministro Marco Aurélio entendeu, porém, que o direito à intangibilidade do corpo humano não deveria ceder, na espécie, para possibilitar a feitura de prova em juízo. Fica claro que, no caso em analise, o que se ponderou não foi o direito da criança em conhecer a identidade paterna versus a intangibilidade do corpo humano, o que se julgou foi a necessidade de forçar um ser humano a dispor da integridade do seu corpo para que se pudesse fazer prova em um processo judicial.
Para alguns a decisão do Supremo não parece ser a mais acertada ao conceder habeas corpus para o pai não fazer o exame de forma forçada, alguns entendem que o direito do filho em conhecer sua verdadeira paternidade deveria prevalecer sobre o direito a integridade física, que seria ferida de maneira mínima ao se realizar o exame de sangue.
De acordo com Cristóvam (2010, p.14), nesse caso o STF teve uma decisão equivocada, pois o sacrifício imposto ao suposto pai é ínfimo frente ao direito da criança em conhecer a sua verdadeira origem genética, tal direito seria “própria extensão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, inscrito no artigo 1º , inciso III da Constituição da República”.
Entretanto, deve-se ficar claro, que o que se ponderou não foi o direito do filho em conhecer a paternidade, e sim a obtenção de uma prova judicial de maneira forçada ao direito do pai de manter a sua integridade física, posto que se poderia obter a prova judicial de diversas outras maneiras.
Portanto, parece acertada a decisão do Supremo em decidir pela não imposição de realização do exame de DNA de maneira forçada nesse caso, em razão da prevalência da integridade física sobre a necessidade de realização de prova judicial.
5.2 Caso Glória Trévi. Direito à intimidade versus direito a honra
Outro caso que tomou enormes proporções pela divulgação na mídia nacional e internacional é o suposto “estupro carcerário” sofrido pela cantora mexicana Gloria Trevi. A cantora estava sendo investigada em seu país por envolvimento em rumoroso escândalo sexual envolvendo abuso de crianças e adolescentes, em razão disso fugiu para o Brasil, sendo presa em seguida. (STF, 2010).
Para surpresa geral, a cantora apareceu grávida quando estava sob custódia da policia federal brasileira. Segundo a versão da suposta vítima, a gravidez foi decorrente de um estupro praticado por policiais federais responsáveis por sua guarda. Os mesmos policiais negaram enfaticamente sua participação no crime.
O caso em tela colocava em risco a reputação das instituições brasileira, considerando a possibilidade de agentes da Polícia Federal terem cometido tão absurdo atentado, um crime hediondo como o estupro.
Como informa Lane (2004, p. 14), a vítima, na ocasião, não representou os supostos autores criminalmente, não podendo o Estado promover ação penal contra eventuais agressores da extraditanda. Ainda assim, os propensos criminosos poderiam vir a sofrer sanções administrativas.
Conforme informa Marmelstein (2008, p. 398), com o objetivo de esclarecer a questão, os policiais federais requisitaram ao Poder Judiciário brasileiro autorização para a coleta de material genético da placenta da cantora mexicana, no memento do parto, para a realização de exame de DNA com a finalidade de instruir o inquérito policial aberto para apurar das acusações de estupro feitas pela extraditanda.
Tal autorização foi deferida pela Justiça Federal brasileira, entretanto a cantora ingressou com reclamação frente ao STF. A extraditanda era definitivamente contrária à coleta de qualquer material a ser recolhido em seu parto. O supremo foi, em parte, favorável à cantora por entender que a autorização só poderia ser concedida por aquele Tribunal, em razão da extraditanda estar sob custódia, aguardando o trâmite do seu processo de extradição.
Apesar de haver acolhido a reclamação por usurpação de competência, no mérito, o Supremo deferiu a realização do exame de DNA com a utilização do material biológico da placenta retirada da cantora mexicana, utilizando a técnica da ponderação dos valores constitucionais em colisão.
A extraditanda utilizou precedentes a seu favor, afirmando que a Corte Brasileira considera a realização do exame como uma lesão à intimidade e à intangibilidade corporal, além de ser uma grave afronta à dignidade da pessoa humana.
Como argumentos apresentados a favor da cantora, pode-se afirmar que a “extraditanda goza, enquanto pessoa humana e mãe, do direito exclusivo de autorizar ou não a realização do exame material genético dela e de seu filho”. Considera-se ainda que a apreensão de material à sua revelia é uma extrema invasão na sua intimidade e vida privada, direitos estes protegidos pela Constituição Federal em seus artigo 5º, incisos X e XLIX. Argumentos utilizados pelos advogados da autora na citada reclamação, e reproduzidos por Lane (2004, p. 17).
Em relação aos argumentos contrários a pretensão da autora da reclamação de não se realizar o exame de DNA pode-se citar:
“o exame de DNA seria o único meio de esclarecer as circunstâncias da gravidez e com isso apurar as responsabilidades administrativas e penais; considera-se importante que os policiais federais que se encontravam trabalhando e na custódia comprometeram-se espontaneamente a fornecer material genético; a mídia deu contornos nacionais ao caso questionando instituições brasileiras; há o interesse do outro país, México; estão envolvidos 50 policias e 11 detentos e ex-detentos com o interesse de buscar a verdade real em favor da defesa da honra e dignidade; o direito à intimidade da extraditanda é numérica e substancialmente inferior dos 61 injustiçados e da criança acerca de sua paternidade; não há qualquer procedimento invasivo na coleta da placenta, considerada como “lixo biológico”. (LANE, 2004, p. 17)
A partir da análise dos argumentos, decidiu-se pela realização do exame de DNA para se confirmar ou excluir a paternidade da criança pelos acusados, em conseqüência apurar a ocorrência do suposto estupro, ao final, realizou-se o exame e concluiu-se pela negativa da paternidade pelos policiais federais que custodiavam a extraditanda, restabelecendo-se a honra desses cidadãos, concluiu-se que o verdadeiro pai da criança era o namorado da cantora, muito embora a forma como se deu concepção permaneça um mistério, conforme salienta Marmelstein (2008, p. 399).
6 Conclusões
No presente trabalho buscou-se entender o que são os direitos fundamentais, sua importância dentro do ordenamento constitucional contemporâneo, para que a partir desse ponto fosse possível desvendar como se solucionam os conflitos envolvendo esses direitos.
Destaque-se que existe uma diferença entre os termos direitos fundamentais e direitos humanos, na qual os últimos se referem a direitos internacionalmente considerados, enquanto que àqueles são os direitos previstos como tal na Constituição de determinado estado.
Tratou-se também da classificação dos direitos fundamentais, os quais foram divididos em três grupos: os direitos de defesa, direitos prestacionais e direitos de participação.
Sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais ficou estabelecido que a própria Constituição Federal confere aplicabilidade imediata aos mesmos. Em relação aos direitos fundamentais, é indiscutível a importância do Principio da Dignidade da Pessoa Humana, este visto como valor supremo a servir de base para todos os direitos fundamentais.
Uma das mais relevantes características dos direitos em análise é a sua relatividade, ou seja, os direitos fundamentais não são revestidos de caráter absoluto, em caso de conflitos entres eles, deve-se ponderar para que prevaleça o mais adequado ao caso concreto. Considerar os direitos fundamentais como princípios significa, portanto, aceitar que não há direitos com caráter absoluto, já que eles são passíveis de restrições recíprocas.
A partir do pós-positivismo, os direitos fundamentais adquirem caráter de norma jurídica, assim como as regras, ou seja, sua aplicabilidade não é mais pretendida e sim obrigatória, possuem normatividade.
Os princípios se diferenciam das regras, em geral, as regras possuem caráter considerado mais objetivo, com aplicação restrita às situações especificas que regulamentam. Já em relação aos princípios, estes possuem mais conteúdo abstrato e incidem sobre inúmeras situações. Não existe hierarquia entre ambas as categorias, em razão do princípio unidade da Constituição Federal.
No texto foi posta em foco a diferença entre princípios e regras na visão de Ronald Dworkin, destacou-se ainda a visão de Robert Alexy.
Os conflitos entre regras jurídicas se resolvem no campo da validade. Já os princípios, esses são atemporais, não perdem a validade, a solução no caso de conflitos é resolvida através da valoração de cada diante do caso concreto através da técnica de ponderação.
Os conflitos entre Direitos Fundamentais surgem por vivermos em um Estado Democrático de Direito, e como tal a nossa Constituição Federal reflete inúmeras ideologias diferentes através dos direitos fundamentais positivados. Essas ideologias, por diversas vezes acabam chocando-se entre si.
O princípio da proporcionalidade é o meio através do qual se operacionaliza o método da ponderação entre direitos fundamentais para se solucionar as colisões.
Objetivando resolver as colisões entre princípios, utiliza-se o método de ponderação entre princípios constitucionais. Após concluir pela necessidade da ponderação, deve-se buscar no caso concreto, os limites imanentes dos princípios envolvidos para se ter certeza da existência real do conflito entre eles. Passada essa etapa realiza-se o sopesamento entre os valores em questão, solucionando-se o conflito, isso ocorre através da Argumentação Jurídica, conforme explicado ao longo do texto.
Para não se correr o risco de se cometer equívocos na utilização da técnica da ponderação, existem limites para sua utilização. Entre esses limites está a preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Ainda como limite à atividade da ponderação está a Dignidade da Pessoa Humana, que afirma-se como o principal critério substantivo na direção da ponderação entre princípios constitucionais.
A ponderação entre princípios constitucionais é tarefa das mais complexas e importantes para a manutenção da ordem constitucional coesa. Sendo assim, foram analisados casos em que o Supremo Tribunal Federal utilizou a técnica da ponderação entre princípios para solucionar conflitos.
Buscou-se dessa forma reunir as informações pertinentes sobre o tema direitos fundamentais e a ponderação entre direitos fundamentais, através da análise de casos existentes na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Mestra em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2015). Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduada em Direito pela Universidade Estadual do Piauí (2007). Analista Judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.
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