Resumo: O presente artigo tem como objetivo explanar sobre a indiscutível colisão entre os princípios protecionistas do direito do trabalho e o princípio da autodeterminação coletiva. O trabalho científico em tela busca averiguar se a autodeterminação coletiva, exercida basicamente por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho, de fato se chocam diretamente com os princípios que buscam proteger o trabalhador, como é o caso, por exemplo, do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas adquiridos pelo trabalhador por força do princípio da proteção. Se faz necessária uma análise relacionada ao limite da autodeterminação coletiva, pois se trona clarividente, no caso de autodeterminação vim a flexionar algum direito, a existência de um confronto real com os princípios da dignidade da pessoa humana, o da proteção, o da norma mais favorável, e o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas.
Palavras-chave: Autonomia Coletiva. Direito do Trabalho. Flexibilização.. Limites a Negociação Coletiva. Princípios.
Sumário: 1 Introdução. 2 Conceituação geral de princípios. 3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana. 3.2 Princípio da proteção dos direitos trabalhistas. 3.3 A proibição de retrocesso social e o princípio da norma mais favorável. 3.4 Princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas adquiridos pelo trabalhador por força do princípio da proteção. 3.5 A autonomia coletiva exercida por meio de acordos e convenções coletivas 3.6 A força da negociação coletiva conforme o princípio da autodeterminação coletiva. 4 Conclusão.
1 Introdução
O presente artigo trata de um assunto atual, objeto de muita discussão entre profissionais da área jurídica, empregadores, sindicatos e trabalhadores, pois a nossa atual Constituição Federal, ao mesmo tempo que foi a Constituição defensora dos direitos fundamentais, tendo como fundamento chave o princípio da dignidade humana, veio permitir a flexibilização de alguns direitos trabalhistas, como, por exemplo, em seu art. 7º, incisos VI, XIII e XIV[*], ou seja, o salário em regra é irredutível, mas o inciso VI, faz ressalva ao previsto em acordo ou convenção coletiva.
Dessa forma, o objetivo geral do presente artigo científico será responder se existe ou não um confronto entre autodeterminação coletiva e os princípios protecionistas do Direito do Trabalho. Se faz necessária uma análise relacionado a existência de um confronto entre o princípio da autodeterminação coletiva com os princípios da dignidade da pessoa humana.
O presente estudo possui grande importância, não só para os admiradores do Direito do Trabalho, mas também pra a sociedade e para o conhecimento.
É importante para a sociedade, pois trata sobre um tema de grande relevância social, tendo em vista que serão discutidos problemas atuais e a necessidade de mudanças no direito trabalho, uma vez que existem dentre os próprios doutrinadores e juristas uma divisão de opiniões: alguns acham que a autodeterminação coletiva pode vim a flexibilizar direitos trabalhistas, e, já outros, acreditam que, para não haver conflito de princípios, a norma coletiva jamais poderia servir para flexibilizar a norma legislada.
Tal estudo também será útil para o conhecimento e para o direito em geral, tendo em vista que ela levará todos que a lerem a uma indagação e à busca de possíveis soluções ao problema traçado.
Para tanto, será feito um breve estudo sobre a conceituação geral dos princípios e da negociação coletiva, bem como estudar individualmente os princípios da autodeterminação coletiva e os princípios protecionistas do direito do trabalho.
É reconhecido que o trabalhador está em estrita conexão com seu grupo através do princípio da autonomia coletiva. O inciso XXVI do art. 7º[†], da CF de 1988, e os arts. 619[‡] e 620[§] da CLT são exemplos nítidos da força normativa das convenções e acordos coletivos. Através deste princípio, se reconhece que há, em muitos casos, uma submissão do interesse individual ao interesse coletivo. Mas ocorre que, se a autodeterminação coletiva for voltada não a beneficiar o trabalhador, mas sim para flexibilizar a norma legislada, há vários princípios que protegem as garantias trabalhistas, ocorrendo assim, um choque entre princípios, pois como pode o trabalhador abrir mão de uma parcela trabalhista por meio da autonomia coletiva se existe, por exemplo, o princípio da proibição de retrocesso social, e o princípio da norma mais favorável.
No desenvolvimento do presente artigo, far-se-á uso do método histórico, tendo em vista que será necessário resgatar a evolução da flexibilização exercida pela autodeterminação coletiva, bem como dos demais princípios protecionistas, para que assim, se possa chegar às suas possíveis soluções. Além do método de procedimento acima, serão usados como métodos de abordagem o método hermenêutico, vista a necessidade de descobrir um conhecimento, ou seja, uma solução para o problema apontado, bem como a necessidade de interpretar os textos pesquisados, assim como, o método dialético, pois tratar-se-á de contradições presentes nos artigos de lei e nos princípios a serem tratados, buscando compreender e solucionar essa realidade contraditória e em constante transformação.
2. Conceituação geral de princípios
Princípios são fontes de direito, e como não poderia deixar de ser são grandes norteadores do direito. Desse modo, a palavra princípio possui vários sentidos, sendo um deles a ideia de começo, início. Porém, a concepção que importa aqui é a noção de mandamento nuclear de um sistema.
Assim, “os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais”. (SILVA J.A. 2003, p. 92, grifos do autor)
Como ensina Ipojucan Demétrius Vecchi:
“Os Princípios jurídicos são o fundamento sobre o qual se ergue o ordenamento jurídico, informando o seu nascimento, interpretação, integração e controlando o exercício dos Direitos. São fontes diretas de direitos e obrigações, como mandados de otimização, incorporando valores fundamentais de um dado sistema. Apresentam-se como diretrizes supremas, portanto não só fundamento como também ápice do sistema, que comandam todo o processo de criação e aplicação do direito”. (2007, p.219)
Contudo, alguns princípios se traduzem textualmente na Constituição ou com ela se relacionam. Esses são chamados de princípios constitucionais, e encontram-se elencados ao longo da Carta Magna, garantindo prerrogativas individuais. Desse ponto de vista constitucional, os princípios garantem os direitos fundamentais e de cidadania.
Assim, os princípios relacionados a presente pesquisa jurídica são: o da dignidade da pessoa humana, o da proteção, o da norma mais favorável, o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, e o da autodeterminação coletiva, sendo eles analisados doravante.
3. Princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana encontra-se calcado no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal[**], servindo de fundamento para a formação da República Federativa do Brasil.
Também conhecido como princípio do valor humano, “baseia-se na humanização do trabalho, em considerar o trabalhador como um ser humano, e não como mercadoria ou elemento da produção”. (RUPRETCH, 1995, p. 104)
A dignidade humana é um princípio fundamental, não só para o direito do trabalho, mas também para o direito como um todo, pois serve de base para muitos outros princípios ao definir que o sistema jurídico deve ter como base a pessoa humana, assim é possível dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana serve de base para os próprios direitos fundamentais das pessoas.
Tal postulado “estabelece um grau de proteção e autonomia da pessoa humana perante o Estado e as demais pessoas […], além de impor a satisfação mínima de existência capazes de tornar capaz ao ser humano realmente viver, não só sobreviver” (VECCHI, 2007, p.244), ou seja, pelo princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser proporcionado a todos certo grau de proteção, bem como condições de ter uma vida digna, com acesso aos bens fundamentais que tornam possível sua vida em sociedade.
Lembra Rodrigo Goldschimidt:
“que a dignidade da pessoa humana, contemplada na Constituição de 1988, a par de ser o princípio jurídico de mais alta relevância no ordenamento jurídico pátrio, constitui um meta-princípio, capaz de auxiliar o intérprete e o aplicador do direito a superar conflitos aparentes entre princípios (ou valores) jurídicos”. (2003, p. 127)
Com isso, entende-se que é o princípio da dignidade humana que dita a interação, a interpretação e a aplicação dos demais princípios, visto que é o princípio de mais alta relevância no ordenamento jurídico vigente, possuindo um caráter de meta-princípio, hierarquizando os outros princípios.
Porém, deve-se compreender que essa dignidade não pode ser pensada apenas individualmente, visto que cada indivíduo faz parte de um complexo maior: a sociedade. Portanto, a dignidade de é um direito individual de cada pessoa, mas o ser humano é um ser social.
Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser posto constantemente em prática pelo legislador, visto que precisa fazer parte de toda e qualquer manifestação jurídica.
No que diz respeito à interpretação das leis trabalhistas relacionadas ao princípio da dignidade humana, percebe-se que o intérprete deve, necessariamente, buscar solucionar os conflitos trabalhistas de forma que seja preservada a dignidade do trabalhador. (GOLDSCHIMIDT, 2003, p. 134)
Assim, relacionando tal princípio ao direito do trabalho, pode-se concluir que cabe ao Estado criar condições mínimas para que o trabalhador possa viver de forma digna, bem como aos empregadores, que em plena democracia pertence ao capital privado os meios de produção, aplicar e respeitar os direitos dos trabalhadores, pois sem o trabalho não haveria o capital e o lucro. Assim, tal respeito ao trabalhador deve ser tanto com relação à sua remuneração, quanto às suas condições de trabalho. Porém, deve-se ter evidenciado que cabe ao intérprete dar efetividade ao princípio da dignidade humana, resguardando ao trabalhador todos os seus direitos já conquistados, os quais não podem ser objetos de negociação, visto que o trabalhador, se seu sindicato aceitar, abre mão de um direito conquistado. Porém, esta questão será abordada com maior cautela no capítulo seguinte.
3.1 Princípio da proteção dos direitos trabalhistas
O princípio da proteção, o qual é norteador de vários outros princípios, é baseado no fato de que numa relação sempre há um elo mais fraco, o qual precisa ser protegido, pois para se buscar a igualdade, deve-se tratar desigualmente os desiguais. Assim é no direito do trabalho, onde o trabalhador está em uma posição mais frágil na relação de trabalho, necessitando de uma proteção maior por parte do legislador. Ou seja, como o trabalhador, na maioria dos casos depende do seu trabalho para garantir o seu alimento, e é economicamente o pólo mais fraco do contrato de trabalho, mostra-se necessário protegê-lo como uma forma de diminuir tal dependência, buscando-se alcançar a igualdade dessa relação desigual.
Tal princípio busca equilibrar essa desigualdade existente, o que “implica uma violação do tradicional princípio de igualdade jurídica das partes, inclinando-se a favor de uma delas para compensas certas desvantagens”. (RUPRECHT, 1995, p. 9)
Conforme referido, do princípio protetor decorrem vários outros, como o princípio do in dúbio pro operário, o princípio da norma mais favorável, o princípio da condição mais benéfica, o princípio da primazia da realidade, e o princípio da integralidade e da intangibilidade do salário, todos visando proteger a condição hipossuficiente do trabalhador. (SÜSSEKIND, 1997, p. 154)
Pode-se assinalar como fundamentos básicos do princípio protetor: a grande quantidade de leis destinadas a proteger o trabalhador e a unidade fundamental do direito do trabalho, que reúne todas as normas em um sistema próprio. (RUPRECHT, 1995, p. 10)
Apesar de não ser unanimamente aceito, visto que autores como Arion Sayão Romita consideram que “não é função do direito do trabalho proteger o empregado […] mas regular as relações entre empregado e empregador” (2002, p.15), o princípio da proteção possui papel fundamental no direito do trabalho, uma vez que busca trazer à relação de trabalho uma igualdade formal que torne justa a relação de trabalho.
Porém, na atualidade, o princípio da proteção está sendo amplamente atacado pelo fenômeno da flexibilização dos direitos trabalhistas, o qual tem retirado do trabalhador determinados direito que ele já havia conquistado, o que claramente demonstra a afronta ao princípio em questão (VECCHI, 2007, p. 274), porém, tal problemática será melhor discutida no decorrer do presente trabalho cientifico.
O princípio da proteção subdivide-se em outros três, sendo eles: o in dúbio pro operário, o da prevalência da norma mais favorável, e o da preservação da condição mais benéfica ao trabalhador. O primeiro trata da interpretação, visto que diz que frente a um texto jurídico dúbio, deve-se dar a interpretação mais favorável ao trabalhador. O segundo trata da hierarquia da aplicação, dizendo que sempre que houver duas ou mais normas para o mesmo caso, deve ser aplicada a que for mais benéfica ao trabalhador. Já o terceiro, trata da preservação da condição de trabalho que mais beneficie o trabalhador no caso de nova norma que modifique ou suprima direitos do trabalhador. (NASCIMENTO, 2004, p. 149)
3.2 A proibição de retrocesso social e o princípio da norma mais favorável
Um dos princípios que serve de base para a regulação das relações de trabalho é o princípio da norma mais favorável, o qual está relacionado ao princípio da proibição de retrocesso social. Encontra base teórica no caput do artigo 7°[††] da Constituição Federal, o qual refere-se à necessidade de se buscar sempre a melhoria da condição do trabalhador, estabelecendo que os direitos só poderão ser aumentados, e nunca reduzidos. Tal princípio deriva do princípio da proteção do trabalhador.
O princípio da norma mais favorável deve ser aplicado sempre que houver diversas normas para resolver uma mesma situação, devendo nesse caso, ser aplicada a mais favorável ao trabalhador. Assim, possui fundamento no fato de que no direito do trabalho, como em outros ramos do direito, pode existir mais do que uma norma para a mesma questão jurídica, podendo causar um problema, ao ponto que tais normas podem ser conflitantes. Quando ocorre tal choque, tradicionalmente a norma de caráter superior deve prevalecer em relação à de caráter inferior, formando uma hierarquia. Porém, no direito do trabalho, tal subordinação não é tão rígida, visto que a norma a ser aplicada é a mais benéfica ao trabalhador, ou seja, se uma lei ordinária ditar um direito de forma diferente da Constituição, versando a respeito da mesma matéria, deverá prevalecer a lei ordinária se essa for mais benéfica ao trabalhador, não importando aqui a questão hierárquica.
Nesse sentido, pelo princípio da norma mais favorável compreende-se que, em caso de pluralidade de normas aplica-se a mais favorável ao empregado, visto que as normas a serem produzidas não devem piorar as condições dos trabalhadores. (VECCHI, 2007, p.275) Nesse mesmo sentido, afirma Arnaldo Süssekind que o princípio da norma mais favorável é aquele “em virtude do qual, independentemente da sua colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, aplica-se, em cada caso, a que for mais favorável ao trabalhador”. (1997, p. 154)
Tal princípio “baseia-se em razões de proteção do hipossuficiente” (RUPRECHT,1995, p.21), ou seja, o elo mais fraco da relação de trabalho, no caso o empregado, deve ser protegido, e sendo assim, é necessário que se aplique, sempre que houver conflito de normas, a que for mais favorável ao trabalhador.
Ainda, conforme já referido, é demonstrada íntima ligação do princípio da norma mais favorável com o da proibição de retrocesso social. Sendo assim, o que entra em discussão no ordenamento jurídico é se de fato existiria uma autonomia coletiva de fato, visto que, teoricamente, em uma Convenção Coletiva ou em um Acordo Coletivo só poderiam criar vantagens ao trabalhador.
Segundo Vecchi, é importante a imposição da proibição de retrocesso social, principalmente para evitar que ele viole arbitrariamente as imposições ou programa constitucional. Diz ainda que, é cabível no sistema jurídico brasileiro a existência de uma proibição de retrocesso social, porém deve-se observar as especificidades do caso concreto, não podendo tal vedação assumir feições absolutas. Vecchi fala ainda que, entende que a Constituição tem também como tarefa proteger os direitos já conquistados. Finaliza afirmando que no ordenamento jurídico brasileiro a cláusula de proibição de retrocesso social possui plena vigência, restando a discussão de se, após ter sido conquistado determinado patamar, seria possível o legislador dar competência para que o poder negocial coletivo aniquilasse tais direitos. (2007, p. 106 – 109) Tal discussão novamente abrangida no de correr do presente artigo.
Porém, vista a importância da aplicação da norma mais favorável, cabe a indagação de qual seria ela, ou seja, tendo duas ou mais normas jurídicas cabíveis em determinado caso concreto, saber qual delas é considerada a mais benéfica ao trabalhador. Para auxiliar na solução de tal conflito, têm-se três teorias, tais quais: a) critério da acumulação, cúmulo ou soma; b) critério do conglobamento; c) critério da incindibilidade dos institutos jurídicos.
Pelo critério da acumulação, as vantagens de cada norma deverão ser somadas, tendo como resultado a soma do que há de mais vantajoso em cada norma. Tal critério não tem servido de base para a solução do presente conflito. Na teoria do conglobamento, aplica-se o texto que é melhor no seu conjunto, usando-se de uma ou de outra norma, desprezando-se a não utilizada. Mesmo sendo muito utilizado tal critério não é o melhor. Por fim, o critério da incindibilidade dos institutos jurídicos permite que os institutos sejam separados, ou seja, pode-se aplicar cumulativamente diversas fontes normativas. Assim, mostra-se como a melhor das teorias referentes à aplicação da norma mais favorável.
Conforme previsão do art. 7º da CF de 1998, as normas que venham a ser criadas, não podem remeter o trabalhador a retrocesso social, ou seja, um direito que é conquistado pelo trabalhador, o qual tem a sua condição melhorada, não pode, por uma norma posterior ser simplesmente aniquilado, ou diminuído. Ou seja, todo o trabalhador tem direito ao 13º salário, então, não podem nem o legislador e nem uma norma oriunda da negociação coletiva, vir a reduzir, ou até mesmo a retirar, este direito do trabalhador, pois isso seria um retrocesso social, o qual é expressamente proibido na forma do princípio em tela.
Visto isso, outra questão que há de ser salientada é que, mesmo sendo a Constituição Federal a norma jurídica de maior poder, a qual encontra-se no topo da pirâmide hierárquico-normativa do direito, no caso do direito do trabalho, deve ela permitir que normas de escalonamento inferior ao da Constituição Federal tenham aplicados direitos mais benéficos aos trabalhadores do que os previstos pela própria Carta Magna. Nesse sentido:
“a proteção ao assalariado nem sempre é total e satisfatoriamente dispensada pelo Estado. Às vezes, normas não estatais cumprem melhor esse fim. Por tal razão, o direito do trabalho não acolhe o sistema clássico, mas sim o princípio da hierarquia dinâmica das normas, consistente na aplicação prioritária de uma norma fundamental que sempre será a mais favorável ao trabalhador, salvo disposições estatais imperativas ou de ordem pública. Como corolário, segue-se que as condições mais benéficas ao trabalhados são sempre prioritárias. Assim, se a lei ordinária garante férias de 30 dias e a convenção coletiva assegura férias de 60 dias, esta será a norma fundamental aplicável. Se, de acordo com os usos e costumes, o aviso prévio é de 60 dias e a convenção coletiva fixar a duração do aviso prévio em 30 dias, prevalecem os usos e costumes, de caráter mais vantajoso. Se a Constituição dispõe que o repouso semanal remunerado será preferivelmente aos domingos e o regulamento da empresa dispuser que o repouso remunerado será aos sábados e domingos, esta ultima norma será a fundamental. Se o contrato individual garantir duas indenizações e a lei ordinária uma, o contrato individual terá plena aplicação”. (NASCIMENTO, 2004, p. 116 e 117)
Assim, independentemente do grau hierárquico da norma que se mostrar mais favorável ao trabalhador, de acordo com o princípio da norma mais favorável, deverá ela ter sua aplicação no caso concreto, mesmo que se trate de uma norma infraconstitucional que vá de encontro à própria Constituição. Deve-se sempre observar o que será mais benéfico ao trabalhador.
Portanto, além da necessidade de aplicar a norma mais favorável ao trabalhador, de acordo com o princípio analisado, há também outro princípio que merece igual estudo, sendo ele o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, princípio o qual vem para reforçar o da norma mais favorável.
Outro princípio que também pode ser considerado como protetor dos direitos dos trabalhadores, é o princípio da indisponibilidade, também chamado de princípio da irrenunciabilidade, o qual refere-se à impossibilidade de que os trabalhadores, voluntariamente e individualmente, renunciem aos seus direitos trabalhistas.
Segundo Alfredo J. Ruprecht, a irrenunciabilidade deve ser entendida em seu verdadeiro sentido, isto é, deve ser compreendida como a impossibilidade de se privar voluntariamente dos direitos concedidos pela legislação trabalhista. Porém, isso não implica uma eventualidade individual e concreta de transigir sobre os mesmos (RUPRECHT, 1995, p.31).
Assim, pode-se dizer que a renúncia é uma declaração unilateral, o direito é certo e o efeito é a extinção desse direito. Seu objeto deve ser direito patrimonial disponível, nas formas dos artigos 840[‡‡], 841[§§] e 843[***] do Código Civil, ou seja, seu objeto são os direitos patrimoniais (são os suscetíveis de serem avaliados em dinheiro) trabalhistas de caráter privado, seja antes da contratação, durante o contrato, ou após a sua extinção. Já a transação é bilateral e recai sobre direito duvidoso. Seu efeito é a extinção da obrigação, e ainda, pressupõe concessões recíprocas. Seu objeto também deve ser direito patrimonial disponível. (CASSAR, 2006, p. 408)
Porém, deve se compreender claramente que não se proíbe a renúncia, pois nada impede o trabalhador de renunciar a determinado direito, porém, será nulo o ato jurídico que envolver essa abdicação. Daí depreende-se que o efeito da violação do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas está intimamente vinculado à nulidade da cláusula afetada. Assim, deverá a cláusula nula ser substituída pela legítima em vigor, gerando obrigações para quem a violou (RUPRECHT, 1995, p.31 e 52).
Segundo Vecchi, tal princípio “consiste na vedação de que os empregados renunciem ou transacionem, individualmente, aos direitos a eles conferidos pelas normas trabalhistas, visto tais direitos serem considerados direitos mínimos”. (2007, p. 276) Para Américo Plá Rodriguez, a irrenunciabilidade trata-se da “impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens cedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio”. (2000, p. 142) Assim, tal princípio trata da proibição de renúncia, a qual representa um ato voluntário que traz a impossibilidade de se desligar dos direitos trabalhistas, não podendo abandonar um direito já reconhecido ao seu favor.
Portanto, visto que a maioria das normas trabalhistas são de ordem pública e interesse social, é necessária a indisponibilidade dos direitos conferidos, pois “de nada adiantaria a previsão de direitos mínimos se pudessem ser renunciados ou transacionados pelos trabalhadores”. (VECCHI, 2007, p. 276)
Aqui cabe mencionar que nesse aspecto há uma grande diferença entre o direito do trabalho e o direito comum. No direito comum vigora o princípio da renunciabilidade de direitos, enquanto que no direito do trabalho, contrariamente, vale o princípio da irrenunciabilidade dos direitos, onde não é permitido que se abra mão de direitos trabalhistas favoráveis a si.
Porém, ao falar em renúncia, cabe a indagação de quais direitos são irrenunciáveis. Assim, pode-se dizer que os direitos, para que possam ser considerados irrenunciáveis, devem ser: direitos legais, ou seja, direitos previstos em lei; certos; subjetivos; devem ser direitos que beneficiem o trabalhador.
Segundo Américo Plá Rodriguez, com relação ao fundamento do princípio da irrenunciabilidade, existem quatro formas de expô-lo, sendo que: alguns o baseiam no princípio da indisponibilidade; outros o relacionam com o caráter imperativo das normas trabalhistas, outros o vinculam a noção de ordem pública; outros ainda o apresentam como forma de limitação da autonomia da vontade. Para tal autor, essas posições possuem uma grande afinidade entre si, tanto que torna-se muito difícil distingui-las. Porém, há um tipo de fundamentação que difere das demais por não partir da índole das normas e nem da sua importância social, mas sim do aspecto psicológico das partes. Essa fundamentação é a que fundamenta a irrenunciabilidade nos vícios de consentimento presumidos ou reais que invalidariam a renúncia do trabalhador, visto que se considera que o trabalhador renunciaria a um direito por ignorância, motivo que vicia o ato. (2000, p. 144 – 161)
Com relação à sua finalidade, pode-se dizer que:
“o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas tem por finalidade fortalecer as conquistas conferidas pelo ordenamento jurídico diante da fragilidade do trabalhador, que poderia abrir mão destas, realçando a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, sem, contudo, recusar a possibilidade de transações”. (NASCIMENTO, 2004, p. 150)
Assim, mesmo a CLT não o prevendo diretamente no seu artigo 9º[†††], há a disposição de que será nulo o ato que se destinar a fraudar, desvirtuar ou impedir a aplicação da legislação trabalhista. No mesmo sentido cabe análise do artigo 468[‡‡‡] da CLT, o qual declara também nula a alteração das condições de trabalho sem o consentimento do empregado. O princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas também encontra escopo no artigo 444[§§§] da CLT, visto que é permitida a livre estipulação contratual das partes, desde que não contrarie as disposições de proteção ao trabalhador.
Com relação ao alcance da irrenunciabilidade, alguns autores como La Cueva sustentam que todas as normas trabalhistas são irrenunciáveis. A grande maioria dos doutrinadores, porém, sustenta que são irrenunciáveis a maior parte das normas trabalhistas, sem referirem-se à totalidade.
Aqui cabe o questionamento de quais normas trabalhistas são realmente irrenunciáveis. Em resposta a tal questionamento, pode-se dizer que, ás vezes, percebe-se a irrenunciabilidade no próprio conteúdo da norma, seja de forma explícita (quando está expressamente referida) ou implícita (deriva inequivocadamente do próprio conteúdo da norma). Porém, a irrenunciabilidade pode resultar também da própria ratio legis, não precisando, nesse caso, estar explícita nem implicitamente na lei, visto que deve-se analisar cada norma, buscando compreender seu objetivo, a sua razão de ser, pois se aquela norma foi criada com a índole de proteger o trabalhador, está justificada então a proibição do trabalhador, por si só abrir mão do benefício nela descrito.
De tal análise pode-se depurar que não é necessária uma referência expressa do direito positivo para que uma norma trabalhista seja irrenunciável, visto que muitas vezes esse caráter irrenunciável deriva do próprio conteúdo da norma ou de sua finalidade. (RODRIGUEZ, 2000, p. 171)
Caso o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas seja violado, serão produzidos alguns efeitos. Segundo Américo Plá Rodriguez, o primeiro deles é a nulidade da cláusula. Tal nulidade deve ser declarada de pleno direito. Porém refere-se à nulidade da cláusula, e não a todo o contrato. O segundo efeito é que a cláusula anulada será automaticamente substituída pela norma que foi renunciada, vista a ilicitude da sua violação. Em terceiro lugar, cabe referir que os serviços prestados em virtude de um contrato nulo não carecem de valor, sendo assim, devem eles ser retribuídos. Finalmente, também poderá ter como efeito, em situações extremadas, a responsabilização penal, quando houve ação dolosa por parte do empregador. (2000, p. 190 – 193)
Assim, resumidamente, pelo princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas não cabe ao trabalhador abrir mão de direitos já conquistados ao longo da história, sendo vedado que o obreiro, individualmente, renuncie a direitos já positivados.
Porém, em alguns casos, o princípio da indisponibilidade pode sofrer restrições por acordo ou convenção coletiva de trabalho, situação essa que tornou-se objeto de discussão por ter sido ocasionada pela atual flexibilização que o direito do trabalho tem passado. Tal problemática passa a ser estudada no item seguinte do presente trabalho.
3.5A autonomia coletiva exercida por meio de acordos e convenções coletivas
A flexibilização do direito do trabalho, conforme já referido, pode se dar pela autonomia coletiva, ou seja, por acordos e convenções coletivos de trabalho, ou pelo próprio legislador, ao confeccionar ou alterar normas, flexibilizando as regras das relações de trabalho. Sendo assim, mostra-se pertinente um estudo acerca dos acordos e das convenções coletivos, para haver uma melhor compreensão acerca do tema principal do presente trabalho de pesquisa.
Dentre as fontes autônomas de direito do trabalho estão as convenções coletivas e os acordos coletivos, os quais são consideradas fontes criadoras de normas. Ambos são criados pela livre pactuação dos sindicatos, das empresas ou de grupos de trabalhadores. Tal contratação nem sempre cria regras que regem os fatos concretos da prestação de trabalho, pois muitas vezes criam normas abstratas e gerais, as quais subordinam trabalhadores e empresários na celebração dos contratos individuais de trabalho, bem como as categorias econômicas e profissionais. (RUSSOMANO, 2001, p. 50)
Não se possui elementos certos e determinados como sujeitos das relações coletivas. O sujeito dessa relação é o grupo, ou seja, é toda aquela categoria de trabalhadores que busca certa negociação. Porém, pode ser composto por trabalhadores de uma empresa, não abrangendo unicamente uma categoria. Assim, quanto aos sujeitos integrantes das convenções coletivas, têm-se os sindicatos, tanto os que representam os empregados quanto os de empregadores. Sua regulação está tipificada no artigo 611, parágrafo segundo da CLT[****].
Pode-se dizer ainda que a união coletiva pode ser permanente, caso em que juridicamente ter-se-á (na maioria das vezes) um sindicato, mas poderá também ser temporária, sendo essa união não contínua, visto que será desfeita após a realização do evento a que se destinou. Nessa segunda situação será chamada de coalizão.
Em análise aos instrumentos da negociação coletiva, conforme já referido, tem-se a convenção coletiva, a qual está prevista no artigo 611 da CLT[††††], sendo por tal dispositivo definida como o acordo com caráter normativo, através do qual, dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estabelecem condições de trabalho no âmbito das respectivas representações, alcançando as relações individuais de trabalho. Assim, percebe-se que a convenção coletiva de trabalho consiste na lei das partes componentes da relação de trabalho, visto que é fortalecida pela representação sindical. Ela possui também previsão constitucional, sendo reconhecida pelo artigo 7º, inciso XXVI da Carta Magna[‡‡‡‡].
Tal possibilidade de negociação busca democratizar o direito, pois permite a união dos trabalhadores de uma mesma classe para que juntos busquem determinados direitos trabalhistas. Assim, “a razão de ser das relações coletivas está na necessidade de união de trabalhadores para que possam defender, em conjunto, as suas reivindicações perante o poder econômico”. (NASCIMENTO, 2004, p. 543) Facilmente percebe-se que a negociação em conjunto possui mais força que a individual, visto que o poder de várias pessoas é muito maior que o de apenas uma. Também se deve acentuar que, por ser o trabalhador o elo mais fraco da relação de trabalho, necessita de um amparo quando precisar negociar seus direitos e interesses.
Porém, vale lembrar que a convenção coletiva “não cria relação de empregos; nela apenas se estipulam condições de trabalho que se inserem, obrigatoriamente, em todos os contratos individuais, existentes ou que venham a ser firmados durante sua vigência”. (ANDRADE, 2001, p. 39)
Com relação à celebração das convenções coletivas de trabalho, Orlando Gomes e Elson Gottschalk afirmam que:
“A celebração da convenção coletiva depende, por lei, da deliberação da assembléia geral do sindicato, dependendo a validade da mesma, do comparecimento e votação em primeira convocação de dois terços dos associados, se se tratar de convenção, e dos interessados, no caos de acordo, e, em segunda, de um terço dos mesmos. Em segunda votação, o quorum será de um oitavo dos associados, se o sindicato contar mais de cinco mil associados. Por meio de deliberação da assembléia autorizando a discussão e o debate dos termos da convenção coletiva com o sindicato patronal ou com as empresas opera-se a transmissão da vontade coletiva ao representante sindical delegado à celebração. Esta assembléia sindical deve ser reunida para aprovar, também, a denúncia, a revogação e a prorrogação da convenção coletiva.” (1997, p.611, grifo do autor)
Tanto as convenções quanto os acordos coletivos devem ser celebrados por escrito, não sendo permitida qualquer tipo de rasura ou complementação. Após escrita deverá ser registrada, sendo assim considerada um documento formal, o qual não existe se não respeitar a forma estipulada. Contrariamente, a publicidade de tais convenções não apresenta formalidade, devendo apenas ser promovido o envio de uma cópia ao Ministério do Trabalho para que se faça o seu conhecimento, registro e arquivamento, não necessitando de homologação para que sua eficácia seja reconhecida.
A convenção coletiva possui limite máximo estabelecido em lei, no parágrafo terceiro do artigo 614 da CLT[§§§§], sendo esse fixado em dois anos. Porém, na prática, eles têm duração inferior, sendo geralmente de um ano. As cláusulas presentes na convenção coletiva não podem ser derrogadas por contratos individuais de trabalho, conforme estipula o artigo 623 da CLT[*****]. Com relação a sua extensão, pode-se dizer que a da convenção está restrita aos associados pertencentes ao sindicato contratante, visto que para que a eficácia alcance os não sindicalizados deverá haver intervenção estatal. (GOMES E GOTTSCHALK, 1997, p. 614 e 615)
Com relação à natureza jurídica da convenção coletiva, existem três diferentes teorias: primeiramente têm-se as Teorias Contratualistas ou Civilistas, as quais explanam que a convenção coletiva advém da vontade das partes, sendo as decisões aplicadas apenas às partes participantes, tendo se originado da Teoria do contrato, do mandato, etc.; as Teorias Regulamentares ou Publicistas consideram a convenção coletiva de trabalho como uma convenção-lei, visto que não objetivam criar situações subjetivas, e sim criar modelos que servirão de norma na estipulação de contratos individuais de trabalho; já as Teorias mistas consideram a convenção como sendo de natureza contratual, pois provém de um acordo de vontades. Com relação ao seu conteúdo e efeitos assemelha-se à norma jurídica, tendo em vista que alcança seus signatários e outras pessoas. Tal teoria é a adotada pelo Brasil. (ANDRADE, 2001, p. 40)
Ainda cabe referir que a convenção coletiva de trabalho possui certa importância no direito brasileiro, visto que previne possíveis desentendimentos que poderiam acarretar prejuízos à produção, e serve “como meio de experimentação de providências e medidas que, mais tarde, poderão ser adotadas através de leis e decretos”. (VIANNA, 1981, p.1057)
Passando ao estudo do acordo coletivo de trabalho, mostra-se pertinente breve diferenciação entre ele e a convenção coletiva. A convenção nada mais é do que um acordo, com peso normativo, entre sindicatos, sendo permitido também que seja feito pela Federação e pela Confederação. Já o acordo coletivo é um acordo entre sindicato e empresa(s), tendo sua aplicação no âmbito desta(s) empresa(s). Percebe-se então, que a diferença entre esta espécie de negociação coletiva está embasada nas partes envolvidas.
Porém, também existem semelhanças entre essas duas fontes do direito do trabalho, podendo-se citar o efeito normativo de ambos, “já que neles são estipuladas condições de trabalho que serão aplicadas aos contratos individuais de trabalho”. (PASSAIA, 2007, p. 51) Possuem também mesma natureza jurídica.
Assim, nos dizeres de Dárcio Guimarães de Andrade, o acordo coletivo de trabalho trata-se do “acordo de caráter normativo celebrado por sindicato da categoria profissional com uma ou mais empresas da categoria econômica correspondente, estipulando condições de trabalho a serem aplicadas no âmbito da empresa acordante”. (2001, p. 37) Possui correspondência normativa no parágrafo primeiro do artigo 611 da CLT[†††††], o qual traz sua conceituação, devendo ser analisado também o artigo 8º, VI, da Constituição Federal[‡‡‡‡‡], visto que refere a obrigatoriedade da participação dos sindicatos dos trabalhadores nas negociações coletivas, ou seja, nos acordos coletivos, “já que a convenção coletiva pressupõe sindicatos de empregados e empregadores”. (PASSAIA, 2007, p.52)
O artigo 613 da CLT[§§§§§] trata das cláusulas que deverão estar presentes nos acordos e nas convenções coletivas. Assim, nenhum contrato individual de trabalho poderá contrariar as cláusulas estabelecidas nos acordos coletivos, visto que terá suas cláusulas conflitantes consideradas nulas. Porém, as disposições das convenções prevalecem sobre as constantes em acordos coletivos, mas desde que mais favoráveis.
Com relação à sua duração, conforme o parágrafo terceiro, do artigo 614 da CLT, o acordo coletivo de trabalho possui prazo máximo de 2 anos, não precisando ser homologado pela autoridade administrativa competente para ser válido. Porém, também é um ato formal, a exemplo das convenções coletivas de trabalho, devendo ser por escrito, não podendo ter rasuras ou emendas.
Superada a conceituação e utilidade das normas coletivas, passamos a estudar os limites da autodeterminação coletiva.
3.6 A força da negociação coletiva conforme o princípio da autodeterminação coletiva
Pode-se dizer que a autonomia privada coletiva é o ponto flexível da relação de trabalho, visto que há liberdade de estipulação entre as partes através da negociação coletiva. Tal negociação se faz principalmente através de acordos e convenções coletivos.
Porém, deve-se lembrar que a legislação trabalhista não traz todas as normas necessárias para a relação de trabalho, sendo imprescindível a produção de normas através da união de trabalhadores organizados. Esta união forma os chamados sindicatos de trabalhadores, os quais exercem a autonomia privada coletiva juntamente com os sindicatos patronais e empresas. Contudo, deve-se ter em mente que a autonomia coletiva estabelece apenas normas, e não leis, devendo, ainda, as partes negociadoras ficarem adstritas aos limites negociáveis impostos por lei.
Assim, cabe referir que negociações coletivas “são um procedimento desenvolvido entre os interessados, pelo qual discutem seus interesses visando a encontrar uma forma de composição destes”. (NASCIMENTO, 2004, p. 98) Quando os interessados chegam a uma conclusão, formulam um documento escrito, no qual estipulam as cláusulas acordadas. Tal documento, sendo em nível de categoria econômica ou profissional, receberá o nome de convenção coletiva de trabalho, encontrando base legal no artigo 611 da CLT. Porém, se tal negociação for em nível de empresa, receberá o nome de acordo coletivo (parágrafo 1º, artigo 611), sendo que se for em nível mais amplo, será um contrato coletivo, conforme a Lei n. 8.542/92.
Dessa forma, percebe-se que pela autodeterminação coletiva é possível criar normas para beneficiar os trabalhadores, ou acordar regras para situações em que não haja solução legislativa. Nesse sentido:
“a autonomia privada coletiva, direito de origem social característico dos sistemas pluralistas, destina-se à produção de normas estabelecidas pelas partes, fruto da negociação entre elas, que (1) possuam condições mais benéficas aos trabalhadores, acima dos patamares já estabelecidos pela autonomia estatal, ou (2) que estabeleçam regras não previstas na lei (sem colisão ou suplantação), atuando no vazio deixado por ela, como no caso de acordo ou convenção coletiva que estabelece cesta básica para toda a categoria”. (PASSAIA, 2007, p. 91) (grifo do autor)
Percebe-se então que na autodeterminação coletiva também está presente o princípio da proteção, pois é evidente que se o empregado encontra-se em posição de submissão com relação ao empregador, sendo o elo mais fraco da relação de trabalho, deve ter suas relações de trabalho protegidas, de modo que equilibre tal desvantagem, pois se não fosse desta maneira, como poderia haver negociação sendo que para isso deve-se ter uma igualdade? Caso contrário não seria negociação e sim imposição. Nesse sentido, Romita afirma que:
“para exercer sua função social, ao reconhecer a inicial posição de desvantagem em que se encontra o trabalhador quando celebra um contrato subordinativo, o direito do trabalho equilibra as posições econômicas dos respectivos sujeitos por meio da concessão de garantias ao mais fraco, com o intuito não de protegê-lo, mas de realizar o ideal de justiça. Repugna ao ideal de justiça a proteção de um dos sujeitos de certa relação social”. (2002, p. 15)
Visto isso, pode-se dizer que o princípio da autodeterminação coletiva fica evidenciado pela força normativa presente nas manifestações coletivas dos trabalhadores, sendo que da atuação dos sindicatos representantes de empregados e empregadores, decorre um direito positivo do trabalho. Assim, cabe referir que o direito do trabalho está diretamente ligado ao direito de grupos, tendo em vista que, certos direitos não podem ser discutidos individualmente, sendo permitida, porém, sua discussão por intermédio de grupos coletivos.
Conforme já referido, o trabalhador compõe o elo mais fraco da relação de trabalho por estar em posição de submissão em relação ao seu empregador. Sendo assim, precisa de certa proteção quando for discutir seus direitos. Por isso é que determinadas questões trabalhistas só podem ser discutidas através de atos coletivos, pois acredita-se que haverá maior equilíbrio se os acordos forem feitos coletivamente.
Por esse princípio “se reconhece que o indivíduo trabalhador está em estrita conexão com seu grupo, havendo, em muitos casos, uma submissão do interesse individual ao interesse coletivo”. (VECCHI, 2007, p.280) Isso porque podem ocorrer situações em que, por mais que o trabalhador queira uma coisa, terá que ceder ao seu desejo, tendo em vista que o que deve prevalecer é o interesse coletivo, a decisão coletiva.
Merece ainda salientar a existência de duas concepções para a autonomia coletiva dos particulares, uma restrita e outra ampla. Assim, para a primeira, a autonomia privada coletiva se corporifica por intermédio das convenções e acordos coletivos de trabalho, ou seja, ela possui um poder normativo. Pela segunda concepção, a autonomia privada coletiva é o princípio que fundamenta, tanto as negociações coletivas, quanto a liberdade sindical e a autotutela dos trabalhadores. (PASSAIA, 2007, p. 92 e 93)
Porém, resta lembrar que o que for decidido pela negociação coletiva, terá vigência no contrato individual de trabalho apenas enquanto também estiver em uso o contrato coletivo. Assim, os direitos conquistados através de acordos ou convenções coletivas de trabalho são indisponíveis individualmente pelo trabalhador, podendo, porém, ser negociados coletivamente.
4. Conclusão
Conforme já referido, a muito tempo existe, entre juristas e doutrinadores, uma discussão a respeito de se um acordo coletivo ou uma convenção coletiva de trabalho tem ou não a legitimidade de flexibilizar os direitos trabalhistas, tendo em vista que existe assim uma evidente colisão com os princípios que tutelam o direito do trabalho.
Ao estudar os princípios relativos à autonomia coletiva e à proteção ao trabalhador, verificou-se que os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção, da proibição de retrocesso social, e da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, devem prevalecer ao princípio da autodeterminação coletiva, pois, conclui-se que se fosse ao contrário, o direito do trabalho perderia a sua razão de ser, ou seja, regular as relações trabalhistas, protegendo o elo mais frágil da relação de trabalho.
Portanto, a resolução do problema é simples, ou seja, não há o que se falar em colisão de princípios, desde que a autonomia coletiva cumpra seu papel de buscar melhores condições para sua categoria, e, na falta de regulamentação legal de algumas atividades, criar normas específicas, desde que estas não venham a subtrair garantias legais mínimas já conquistadas pelo trabalhador.
Assim sendo, mesmo que com a chancela dos sindicatos e do próprio trabalhador, o não há o que se falar em livre negociação, estando o direito do trabalho apoiado pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção, da proibição de retrocesso social e da norma mais favorável.
Portanto, nas hipóteses que a própria Constituição Federal autoriza a flexibilização pela autonomia coletiva, deve-se atentar para o fato de que tais hipóteses são restritivas, não podendo, deste modo, serem alargadas a outros direitos.
Sendo assim, concluiu-se que, mesmo havendo hipóteses de flexibilização por normas coletivas autorizadas pela Constituição Federal, isto não significa a existência de uma carta em branco para aniquilar o direito legislado, pois, não há o que se falar em colisão de princípios caso a negociação coletiva realmente criar regras para individualizar sua categoria, mas sem existir a redução de direitos.
Advogado militante em Passo Fundo/RS. Supervisor JurÃdico da empresa Oniz Distribuidora Ltda Graduado em 2008 no Curso de Direito pela Universidade de Passo Fundo UPF PÃs Graduado em 2012 em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Meridional
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