Algumas preciosas lições devem ser
extraídas da atuação das instituições ligadas à Justiça nos últimos anos.
A primeira delas diz respeito ao
salutar movimento para redimir nosso passado marcado pela impunidade das
elites. Uma nódoa em nossa história. Tradicionalmente, para os membros
das elites o perdão, a complacência, a tolerância, para os demais, o rigor da
lei ou o castigo mesmo contra a lei.
A reação está sendo empreendida pelas
autoridades responsáveis, impulsionadas pela vontade e pela grita de setores
sociais, com a concreta participação da imprensa e da parte sadia da
classe política.
A segunda lição decorre da primeira. Ou
melhor, é a antítese da anterior. Aplausos para a luta contra a impunidade.
Protestos e veemente reação contra os exageros, que estão transformando esse
necessário e justo movimento em um verdadeiro marcartismo
cabloco. A passagem da impunidade para a fúria
acusatória, fazendo de nossa época uma permanente estação de caça às bruxas é,
também, de grande nocividade. As duas situações conduzem à insegurança
jurídica, ao desrespeito à lei, e à violação da dignidade pessoal.
Há princípios a serem observados na
apuração da responsabilidade penal, bem como os direitos individuais devem ser
observados. A dialética processual é fundamental, pois nos mostra que a verdade
não pertence com exclusividade nem à acusação e nem à defesa. E, permitam-me,
nem à imprensa.
Infelizmente, parte dos veículos de
comunicação, tem transformado suas investigações e
denúncias em instrumento de constante busca do sensacionalismo, do negativo, do
destrutivo, sem nenhum compromisso com a ética jornalística, com a
verdade e com o respeito pelo próximo.
Ao encestarem as suas baterias –
máquinas e câmeras – contra alguém, desejam condená-lo sem processo e sem
defesa. Lançam fatos aparentemente desabonadores, sob o sigilo da fonte, que
passam a constituir verdades. Ao contrário do que ocorre na Justiça os fatos
não precisam ser provados. O tratamento dado à matéria não é imparcial.
Noticia-se apenas o negativo. Prevalece uma abominável posição maniqueísta,
onde o bom, o positivo, o edificante são esquecidos.
Infelizmente tal imprensa não se limita
a informar, acusa. Não admite defesa, condena. Não quer processo, deseja
punição.
Por outro lado, segmentos responsáveis
pela aplicação da lei e até pela sua correta divulgação, visando a compreensão do povo, estão desviando suas condutas dos
compromissos inerentes às suas respectivas funções.
Alguns dirigentes da Ordem dos
Advogados conduzem a entidade a posições parciais, olvidando-se que em todo
conflito existem advogados exercendo o seu mister e que as suas prerrogativas
devem ser respeitadas e defendidas pela entidade. O açodamento desses mesmos dirigentes,
na tomada de posições – aliás, sempre em consonância com o alarido da imprensa
– representa a própria negação dos princípios pelos quais temos a obrigação
indeclinável de pugnar: presunção de inocência; contraditório; devido processo
legal e o sagrado direito de defesa.
Membros do Ministério Público –
felizmente uma minoria – assumem o papel de acusadores obstinados,
sistemáticos, presos ao inexistente compromisso de perseguir a condenação seja
lá em face de que situação probatória for: com provas, sem provas, contra as
provas.
Promotores, pressurosos em mostrar
diligência muitas vezes exigida pela imprensa, adotam providências, requerem
medidas e dão declarações ainda não adequadas às circunstâncias do caso, muitas
vezes nem sequer apuradas e desprovidas de amparo legal.
Juízes, por seu turno, embora em
pequeno número, rendem-se às pressões da mídia. Não agem com autonomia
decisória. Aceitam as postulações do acusador. Estas, em não poucas vezes,
constituem caixa de ressonância da imprensa.
Assim, forma-se uma corrente
indestrutível, uma barreira intransponível, que inevitavelmente conduz o
pretenso autor de um crime à previa condenação,
ausentes a acusação formal, o processo, a defesa e a sentença judicial.
A sociedade, por outro lado, constitui
terreno fértil para que germine o escândalo, a maledicência, a acusação leviana
e a execração. Perdeu o poder de crítica e aceita o que lhe é transmitido,
especialmente se coincidir com os seus anseios de encontrar culpados para
castigar.
Ademais, desconhece por completo os
princípios que norteiam a administração da justiça penal, a ponto de ser
indiferente, melhor dizendo, avessa ao direito de defesa. Confunde a figura do
advogado com a do acusado, vendo naquele o defensor do crime e não o porta voz dos
direitos deste. Diga-se: direitos comuns a todos os cidadãos, que se forem
violados no caso concreto, poderão sê-lo de forma genérica, independente de atingir culpados ou inocentes. Aliás, inocentes todos o são,
até que a justiça declare o contrário.
Todas essas reflexões deveriam ser
assimiladas e difundidas pela imprensa, bem como por aqueles que em
razão de suas funções possuem inarredável compromisso com o direito
e com a justiça. Não se deve esquecer que jornalistas advogados, juízes e
promotores, vez ou outra também são levados às barras dos Tribunais. Nesta hora
clamam pela observância daqueles mesmos postulados, que nem sempre fazem
valer quando se trata de terceiros…
Advogado Criminalista, Ex-Presidente da OAB/SP,
Ex-Secretário de Segurança Pública e de Justiça de São Paulo
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