Combate às Decisões Interlocutórias Por Meio de Agravo de Instrumento: Interpretação Extensiva ou Taxativa ao Rol de Hipóteses do Artigo 1015 do Código de Processo Civil

Nome da autora: Thabata Marques Oliveira, Acadêmico de direito no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Unisal – Campus Liceu. E-mail: thabatamarques@gmail.com

Nome do orientador: Hugo Lourenço Santos formado em ciências jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Mestre pela Universidade Metodista de Piracicaba. E-mail: prfhugolourenco@gmail.com

Resumo: O presente artigo traz um estudo aprofundado sobre o rol de hipóteses de cabimento inserido na legislação processual pelo artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, especialmente no tocante à interpretação do dispositivo estudado. Para a discussão do tema, foi eleita a decisão do Recurso Especial nº 1.696.396, tratada como recurso paradigma a fim de ilustrar os efeitos decorrentes de uma interpretação extensiva do rol de hipóteses contidas no dispositivo legal analisado, demonstrando ao final, qual seria a melhor interpretação a ser dada ao dispositivo, se taxativa ou extensiva. Ainda, abordam-se aspectos legais e constitucionais, dados oficiais, informações estatísticas pertinentes à discussão e um estudo sobre as discussões que permearam a reforma da legislação processual no ano de 2015, e em vigor desde o ano de 2016. O artigo tem como objetivo demonstrar a aplicabilidade do dispositivo e sua efetividade no combate às decisões interlocutórias, passando por conceitos como celeridade, efetividade e preclusão.

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Palavras-chave: Decisão interlocutória. Agravo de Instrumento. Recursos. Interpretação.

 

Abstract: This article brings an in-depth study on the list of hypotheses fit as per procedural legislation by article 1015 of the Code of Civil Procedural Code (CPC) of 2015, particularly concerning the interpretation of the provisions of the law. For the discussion of the theme, we selected the decision of the Special Appeal No. 1,696,396, now treated as a “paradigm source”, in order to illustrate the effects resulting from an extensive interpretation of the list of hypotheses contained in the analyzed legal provision, demonstrating at the end, what would be the best interpretation to be given to the provisions of the law, whether limited or extensive, in addition, analysis of the legal and constitutional aspects, official data, statistical information relating to the topic and a study on the debates that permeated the reform of procedural legislation in 2015, and in force since 2016. The thesis aims to demonstrate the applicability of the legal provisions and its effectiveness in defending interlocutory decisions, including concepts such as swiftness, effectiveness, and estoppel.

Keywords: Interlocutory decision. Appeal. Resources. Interpretation.

 

Sumário: Introdução. 1. Apresentação dos argumentos que sustentam a crítica à interpretação restritiva do rol de hipóteses de cabimento contido no artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015. 1.1. Ofensa ao devido processo legal e à razoável duração do processo. 1.2. Restrição ao direito de defesa. 1.3. A de existência de lacuna axiológica no artigo 1015 do Código de Processo Civil como pano de fundo das discussões. 2. Análise dos argumentos na defesa da taxatividade do rol de hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento presente no artigo 1015 do Código de Processo Civil. 2.1. Os efeitos provocados por uma interpretação não taxativa à segurança jurídica. 2.1.1. Os efeitos provocados por uma interpretação não taxativa à preclusão. 2.1.1.1. Os efeitos do aumento do número de agravos no judiciário. 2.2. A evolução histórica do recurso de agravo de instrumento. 2.3. A separação dos poderes e a invasão da competência legislativa por parte do judiciário. 3. As mudanças introduzidas pela reforma do código de processo civil. 3.1. O anteprojeto que deu origem ao código de processo civil atualmente vigente. 3.2. O viés político do processo legislativo, a separação dos poderes e a repartição de competências constitucionalmente prevista. 3.3. A efetivação da celeridade processual através das mudanças do código de processo civil de 2015 em relação ao Código de Processo Civil de 1973. 3.3.1. A simplificação das defesas. 3.3.2. Possibilidades de recursos reduzidas. 3.3.2.1. limitações às hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Este artigo aborda a polêmica questão gerada a partir das modificações do Código de Processo Civil introduzidas pela Lei 13.105/2015 que alterou, entre outros, o artigo 1015 que apresenta um rol de hipóteses para o combate imediato às decisões interlocutórias através do recurso de Agravo de Instrumento.

É apresentado ao leitor um recorte sobre as possíveis interpretações dadas ao artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) para a admissão do recurso, analisando-se, para isso, a doutrina e o resultado do julgamento do Recurso Especial nº 1.696.396, tratado como recurso paradigma.

Inicialmente é tecida uma contextualização histórica do recurso de Agravo de instrumento, desde o seu surgimento, passando por todas as suas principais fases evolutivas, até a atualidade demonstrando sua correlação com a natureza jurídica do rol contido no artigo 1015 do atual Código de Processo Civil.

É apresentado o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, através do acórdão paradigma, fazendo uma exposição dos argumentos utilizados pelos ministros no debate sobre a interpretação que deve ser feita ao rol do artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC), se taxativa ou extensiva.

São abordados temas como a efetividade da prestação jurisdicional, a duração razoável do processo e a celeridade processual, contraditório e ampla defesa, a divisão de poderes, competência legislativa e a função do Superior Tribunal de Justiça (STJ), analisando-os à luz de pesquisas de estatísticas oficiais divulgadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano de 2018, que apontam para um congestionamento do judiciário da ordem de 79% em 1ª instância e de 44% em 2º instância para o estado de São Paulo, além de uma revisão da doutrina e jurisprudência.

Considerando-se a cultura demandista e litigiosa da advocacia brasileira baseada em moldes conservadores contenciosos, que passam à sociedade a sensação de uma justiça baseada na morosidade, ineficiência, e falta de credibilidade, distanciando a prestação jurisdicional e os jurisdicionados, dificultando a conciliação, o bom andamento processual e da pacificação social. Através de uma análise sistemática são feitas proposições que pretendem apontar qual a melhor interpretação a se dar ao dispositivo comentado, capaz de tornar a prestação jurisdicional mais célere, efetiva e harmônica com os princípios processuais e constitucionais atuais, haja vista as dificuldades encontradas pelos operadores do direito quanto à aplicabilidade do Recurso de Agravo de Instrumento.

Pouco mais de 3 anos da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, tais questionamentos já chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, nas poucas decisões já proferidas sobre o assunto, vem demonstrando uma divisão de entendimento quanto à correta aplicação do dispositivo.

A interpretação taxativa do rol de cabimento do artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC), contudo, vem recebendo duras críticas por parte dos operadores do direito, que em termos práticos, enxergam na limitação um verdadeiro prejuízo ao bom andamento do processo e à ampla defesa.

O debate é ainda precoce e, embora nenhuma posição tenha sido consolidada, já motivou alguns Recursos Especiais com o intuito de desconstituir decisões denegatórias de Agravos de Instrumento e definir a natureza jurídica do rol delimitado no artigo de uma maneira mais abrangente.

 

  1. Apresentação dos argumentos que sustentam a crítica à interpretação restritiva do rol de hipóteses de cabimento contido no artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015

Antes de adentrar os argumentos para a defesa dos novos moldes de aplicabilidade do referido recurso, faz-se necessária uma apresentação mais detalhada dos argumentos que vêm sendo utilizados na tentativa de flexibilizar a interpretação do mencionado artigo para torná-la extensiva, analógica ou exemplificativa.

Em análise feita ao Recurso Especial nº 1.696.396 – MT, que teve como objeto o declínio de competência em razão de existência de vara especializada na localidade e a rejeição à impugnação ao valor da causa nota-se que as razões recursais estão fundadas no argumento de que, embora tais hipóteses não estejam expressamente previstas, elas seriam atingidas de forma reflexa, conforme se extrai do trecho que se transcreve a seguir:

“Recurso Especial: alega-se contrariedade ao artigo 1.015, II, co CPC/15, art 258 do CPC/73 e art. 14 da Lei nº 11.340/2006, bem como dissídio jurisprudencial com acórdãos proferidos pelo tribunal de justiça de Minas Gerais.(fls. 133/142, e –STJ), sob os seguintes fundamentos: (i) que as decisões que versão sobre competência e valor da causa se referem ao mérito do litígio, consistindo em questões interlocutórias prejudiciais de mérito que são, portanto, defensáveis pelo agravo de instrumento, por analogia ao disposto no artigo 1.015, II, do CPC/15, que pode ser interpretado extensivamente; (ii) que não se pode examinar essas questões somente como preliminar de apelação, pois a ação nesse momento já teria sido julgada com vícios que a anulariam desde a sua propositura.” (ANDRIGUI, 2017)

Como se percebe, o inconformismo sustenta-se essencialmente em quatro pilares que fundamentam a teoria de que se deve fazer a interpretação do artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 de maneira extensiva.

As razões recursais do Recurso Especial paradigma levaram à apreciação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) o argumento de que, embora tais hipóteses não estejam expressamente previstas, elas seriam atingidas de forma reflexa, o que instou a corte a se manifestar sobre a possibilidade de ampliação interpretativa do mencionado dispositivo.

Foi reconhecida a afetação do processo ao rito dos recursos repetitivos sem, contudo, que houvesse a suspensão dos Recursos de Agravo de Instrumento versando sobre matéria idêntica em trâmite.

Dada a importância e o potencial de afetação reconhecido ao Recurso paradigma, o Ministério Público opinou pela intimação do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), a Advocacia Geral da união, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Defensoria Pública como Amicus Curiae.

Além das entidades apontadas pelo Ministério Público, também se manifestaram espontaneamente a Associação Norte Nordeste dos professores de processo para também figurar como Amicus Curiae; a Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO); e a Confederação Nacional das Empresas de seguros gerais, previdência privada e vida, saúde suplementar e capitalização (CNSEG).

Em síntese, foi apresentado pelas entidades argumentação muito semelhante, alegando que haveria por parte destas, interesse institucional e capacidade para contribuição com as discussões acerca do tema, tendo sido inadmitido apenas o ingresso da Confederação Nacional das Empresas de seguros gerais, previdência privada e vida, saúde suplementar e capitalização (CNSEG).

Na qualidade de Amicus Curiae, a Advocacia Geral da União, o Ministério Público e o Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO) opinaram pela possibilidade de se dar uma interpretação extensiva ao rol de hipóteses de cabimento disposto no artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC).

A Associação Norte Nordeste dos professores de processo e o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), entretanto, em uma posição menos explícita, limitaram-se apenas a fazer uma exposição de motivos favoráveis e contrários às duas interpretações, enquanto que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se manifestou acerca do tema.

O julgamento do Recurso Especial paradigma foi presidido pela Ministra Laurita Vaz e teve como Relatora a Ministra Nancy Andrighi que apresentou relatório acompanhado por 6 dos ministros participantes, totalizando o resultado de sete votos contra cinco para conhecer e dar provimento ao Recurso Especial e flexibilizar o cabimento do recurso de Agravo de Instrumento, nos seguintes termos: “O rol do art. 1015 do Código de Processo Civil (CPC) é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.” (ANDRIGHI, 2017, f)

A asserção de que a discussão de certas matérias em preliminar de Recurso de Apelação não seria adequada, pois todo o julgamento estaria corrompido por vício insanável, o que acabaria por reverberar no abalo ao interesse recursal da parte, culminando na inutilidade do futuro recurso.

Como desdobramento do primeiro motivo, haveria ainda uma consequente ofensa ao devido processo legal e à razoável duração do processo, vez que o prosseguimento de nulidades previsíveis, impossibilitaria uma entrega jurisdicional que obedecesse aos constitucionalmente estabelecidos, assim a interpretação restritiva do artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) imporia uma restrição ao direito de defesa.

Argumenta-se ainda que matérias importantes, tais como: o indeferimento de pedido de provas ou o indeferimento de pedido de segredo se justiça, por exemplo, teriam escapado ao olhar do legislador, criando uma lacuna axiológica, o que justificaria a aplicação de uma interpretação extensiva a fim de ampliar a recorribilidade das decisões interlocutórias.

Diante da delimitação das críticas levadas à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, passa-se a abordar separadamente cada um dos temas.

 

1.1. Ofensa ao devido processo legal e à razoável duração do processo

Como base para a argumentação contrária à taxatividade aplicada ao cabimento recursal das decisões interlocutórias, o Recurso Especial estudado considera a tese do professor José Rogério Cruz e Tucci que afirma:

“Necessitam obrigatoriamente ser examinadas de imediato, especialmente as questões de ordem pública, as nulidades absolutas e aquelas que conduzem à extinção do processo, sob pena de ofensa ao princípio da razoável duração do processo e ao devido processo legal.” CRUZ (2017, apud TUCCI)

Frise-se que o princípio em destaque se encontra previsto constitucionalmente. Assim, são abordados os princípios do devido processo legal e da razoável duração do processo, presentes nos incisos LIV e LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal de 88, para garantir a celeridade aos processos em trâmite e, de forma reflexa, garantir que os processos alcancem o propósito de se fazer a entrega do bem jurídico, qual seja: a entrega de uma prestação jurisdicional adequada e eficaz.

Para fins de estudo, a doutrina subdivide o referido princípio em devido processo legal material e devido processo legal substancial, sendo este último o de maior destaque dentro do enfoque desta monografia.

Sua importância se deve ao fato de que este dá origem a outros dois princípios, quais sejam: razoabilidade e proporcionalidade, que, segundo Lenza devem ser estudados sobre três óticas, com destaque especial à necessidade, também conhecida como exigibilidade: “necessidade: por alguns denominada de exigibilidade, a adoção da medida que possa restringir o direito só se legitima se indispensável para o caso concreto”. (LENZA, 2019, a, p. 1274).

É nesse ponto que o princípio se relaciona à crítica, pois, para os críticos, revelaria uma restrição geral ao direito da parte imposta pela norma processual, quando na realidade, uma restrição de tamanha severidade somente seria admitida pontualmente.

Complementarmente, destaca-se o aspecto processual do princípio do devido processo legal, previsto no inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, especificamente relacionado à capacidade que deveria ser garantida à parte em defender amplamente seus interesses, antagônica à irrecorribilidade imediata de todas decisões interlocutórias, corroborando com a tese dos críticos da aplicação da taxatividade ao artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC).

Para os críticos da interpretação taxativa, a perpetuação de nulidade implícita ao recurso em momento posterior comprometeria não apenas a utilidade recursal, bem como também seria capaz de comprometer o devido processo legal e sua duração razoável como um todo.

O argumento induz à conclusão de que ao aplicar uma interpretação restritiva ao artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) os princípios anteriormente elencados estariam sendo desrespeitados, o que encontra amparo na lição de Didier Júnior, que afirma: O “direito à resposta do Estado-Juiz, que deve ser qualificado pelos atributos do devido processo legal… O recurso prolonga o estado da litispendência” (DIDIER, 2018, a, p.112).

 

1.2. Restrição ao direito de defesa

No que tange a afronta ao direito de defesa dos litigantes, sustenta crítica à irrecorribilidade imediata da totalidade das decisões interlocutórias afronta o direito de defesa com base na doutrina que assim disserta sobre o tema:

Relativamente ao direito de defesa, o Professor Lucas Caluri menciona que: “Os recursos são considerados como uma extensão do próprio direito de ação… o que existe é um prolongamento do direito de ação já exercido, por meio de uma nova fase processual.” (CALURI, 2016, p. 25).

Assim sendo, defende Nery Júnior que: “Todo expediente destinado a impedir ou dificultar sobremodo a ação ou a defesa no processo civil… constitui ofensa ao princípio constitucional do direito de ação” (NERY JÚNIOR, 2018, a, p. 206).

O artigo 5º, XXXV, enuncia o direito subjetivo de recorrer consubstanciado na inafastabilidade da jurisdição, e o que é o direito de defesa, senão um desdobramento do direito de ação?

Esta é a conclusão que se chega através dos ensinamentos de Fredie Didier júnior, ora transcritos: “O direito de recorrer é conteúdo do direito de ação (e também do direito de exceção), e seu exercício revela-se como desenvolvimento do direito de acesso aos tribunais.” (DIDIER, 2018, b, p.112), ideia também defendida por Luiz Rodrigues Wambier, no trecho em destaque:

“O recurso é sempre resultado de uma manifestação voluntária de um jurisdicionado (uma das partes, um terceiro, o Ministério Público…).

Nesse sentido, pode ser considerado como uma extensão do exercício do próprio direito de ação ou de defesa.” (WAMBIER, 2016, p. 469)

 

1.3. A de existência de lacuna axiológica no artigo 1015 do Código de Processo Civil como pano de fundo das discussões

Para elucidar a discussão sobre a existência de lacuna axiológica, serão abordados os elementos históricos que permeiam as diversas fases pelas quais o recurso de Agravo de instrumento passou ao longo da história do Código de Processo Civil Brasileiro, a exemplo do que fez a Ministra Nancy Andrighi, Relatora no Recurso Especial analisado, no intuito de contextualizar seu posicionamento, contudo, concentrando maior atenção às fases mais atuais do Recurso.

Em sua explanação do tema, a Ministra demonstra que o Agravo, em alguns momentos, teve cabimento amplo, dando destaque ao Código de Processo Civil de 1973, bem como, em outros momentos, de forma semelhante, porém, não idêntica à atual, se restringiu o cabimento recursal contra decisões interlocutórias, a exemplo do Código de Processo Civil de 1939.

Percebe-se que, embora as situações sejam apenas semelhantes, as críticas se concentram no mesmo sentido, tanto em relação à legislação processual de 1939, quanto na legislação de 2015.

O Código de Processo Civil (CPC) de 2015, bem como os registros das discussões que permearam a reforma não deixam dúvidas quanto à intenção do legislador de 2015, o que também é confirmado por Nery Junior, no fragmento a seguir:

“O intuito foi, mesmo, de restringir, donde a conclusão de que o rol do Código de Processo Civil (CPC) 1015 é taxativo e não exemplificativo.

Fosse exemplificativo, nada teria mudado relativamente ao sistema do Código de Processo Civil (CPC) de 1973” (NERY JUNIOR, 2018, b, p. 2330).

Em ambos os casos as preocupações voltam-se para questões importantes e até mesmo prejudiciais não contempladas, o que culmina nas oscilações de posicionamento em cada reforma processual, aspecto evidenciado pela fala reproduzida a seguir:

“De outro lado, verificou-se também que uma série de questões que poderiam causar prejuízos às partes ou comprometer o adequado exame de mérito da controvérsia não seriam recorríveis de imediato, na medida em que não se enquadravam nas hipóteses de cabimento do agravo de petição ou do agravo de instrumento, ficando relegadas somente ao agravo somente no auto do processo ou, até mesmo, à própria irrecorribilidade.” (ANDRIGHI, 2017, g)

Assim, embora não tenha abordado explicitamente a questão da existência de uma lacuna axiológica, a Ministra sugere que é este o aspecto crítico mais importante, capaz de suscitar repercussão tal que pudesse ensejar a necessidade de que a aplicabilidade do artigo 1015 fosse interpretada pela corte da qual é parte.

Induzindo assim à necessidade interpretativa a fim de dar à norma aplicabilidade prática e não somente interpretá-la quanto à intenção legislativa, desprezando-se assim, sua utilidade.

 

  1. Análise dos argumentos na defesa da taxatividade do rol de hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento presente no artigo 1015 do Código de Processo Civil

Embora as 13 hipóteses de cabimento para a interposição do Recurso de Agravo de Instrumento contidas no Código de Processo Civil (CPC) de 2015 tenha recebido muitas críticas e ensejando a manifestação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como do caso do recurso paradigma, os novos moldes do Código de Processo Civil (CPC) também têm apoiadores que veem grande evolução com as alterações legislativas, principalmente no tocante ao Agravo de Instrumento.

Destaca-se, porém, que esta não foi a posição prevalente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o recurso paradigma, que decidiu por sete votos a cinco que o artigo 1015 deveria ter a taxatividade mitigada para admitir a interposição de Agravo de Instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

Ainda na mesma decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) optou pela modulação dos efeitos, a fim de evitar insegurança jurídica, determinando a afetação apenas das decisões interlocutórias proferidas após o acórdão analisado.

 

2.1. Os efeitos provocados por uma interpretação não taxativa à segurança jurídica

Inicialmente destaca-se que o processo tem como principal objetivo a entrega da melhor prestação jurisdicional possível àqueles que a ele estão submetidos.

Nesse sentido nos ensina Moreira:

“O processo, conquanto instrumento, apresenta face de garantia das partes contra o arbítrio jurisdicional, enquanto representativo do devido processo legal (artigo 5.º, inciso LIV, da CF/1988 – eficácia vertical dos direitos fundamentais). Não se pode diminuir o papel do processo à uma mera técnica de obtenção de resultados, uma vez que sua estruturação serve igualmente ao penhor da segurança jurídica, no que instrumentaliza, controla e direciona o poder estatal, afastando a possibilidade de desmedida sujeição das partes ao poder estatal.” (MOREIRA, 2004. p. 5)

A segurança jurídica, que, atualmente é entendida como uma das faces do denominado direito constitucional, ao lado de princípios como a celeridade e o devido processo legal, devendo todo o sistema normativo ser analisado desta ótica.

Ao dissertar sobre a Teoria Geral do processo, Jobim aponta esse conjunto de princípios como sendo de vital importância para o alcance da melhor prestação jurisdicional, conforme o trecho que se destaca a seguir:

“Na realidade, entende-se que tanto o princípio da efetividade processual, como o da duração razoável do processo, o da segurança jurídica e aqueles outros que fazem parte do denominado direito processual constitucional, fazem parte sim de um todo, anteriormente denominado de devido processo legal, mais atualmente sendo modificada sua nomenclatura para processo justo, sob outros enfoques. (…) o princípio que realmente rege o processo civil atualmente é o do processo justo.

Não pode ele ser entendido como um único princípio qualquer, mas como uma soma de vários. Assim, torna-se o direito fundamental à razoável duração do processo um princípio processual constitucional de equivalente importância e autônomo a qualquer outro princípio processual, apenas perdendo força perante o processo justo, que nada mais é do que um conceito que agrega diversos outros princípios.” (JOBIM, FELIX, 2012. p. 107)

Tais princípios são basilares ao direito, afetando diretamente a relação do poder judiciário com a sociedade e com os operadores do direito, que permite aos primeiros ter confiança no sistema judiciário e nas decisões por ele emanadas, já aos operadores do direito, além dessa confiança, lhes permite desenvolver sua atividade de maneira técnica e assertiva de modo a desenvolver plenamente o múnus público que é o exercício da advocacia, seja pública ou privada.

Na mesma linha de pensamento a Ministra Maria Tereza de Assis Moura:

“O novo Código prestigia o princípio da segurança jurídica, obviamente de índole constitucional, pois que se hospeda nas dobras do Estado Democrático de Direito e visa a proteger e a preservar as justas expectativas das pessoas.

Todas as normas jurídicas devem tender a dar efetividade às garantias constitucionais, tornando “segura” a vida dos jurisdicionados, de modo a que estes sejam poupados de “surpresas”, podendo sempre prever, em alto grau, as consequências jurídicas de sua conduta.” (MOURA, 2017, a)

Ao verificar recurso paradigma, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou o argumento de que o adiamento do combate às decisões interlocutórias não contempladas no artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) para preliminar do Recurso de Apelação seria capaz de afetar o interesse recursal de tais matérias, que não sendo combatidas de maneira imediata através do Recurso de Agravo de Instrumento, atrairiam os efeitos da preclusão pela perda do interesse recursal evidenciado por sua inutilidade no momento de sua interposição.

“Não obstante o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 não deixe dúvidas quanto às hipóteses de combate às decisões interlocutórias e os momentos em que isso é possível, não se pode perder de vista a importância da hermenêutica para que haja uma eficiente aplicação do direito, de modo que ‘Não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada.” LENZA (2019, b, Apud FRIEDRICH, p. 293).

Como se vê, a interpretação das normas é de enorme importância para uma aplicação justa e eficiente do direito, o que fica evidenciado em grande parte da literatura jurídica contemporânea.

No que tange à parte geral dos recursos, mais especificamente quanto à abordagem dos aspectos inerentes ao interesse recursal, a doutrina impõe que, “para que um recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático” (DIDIER, 2018, c, p. 142).

Em uma primeira análise dos artigos 1015 e 1009 § 1º, todos do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 o interesse recursal não é imediatamente afastado, tendo em vista que a legislação processual civil traz expressamente a possibilidade de recurso e, portanto, a possibilidade da modificação da decisão interlocutória, apenas retardando-a para um momento que o legislador entendeu ser mais oportuno.

Analisando as questões que permeiam a aplicabilidade de uma interpretação extensiva ao artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC), os Ministros João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria Tereza de Assis Moura, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques, defensores da taxatividade das hipóteses de cabimento do Recurso de Agravo de instrumento, entretanto, demonstraram especial preocupação quanto ao possível abalo à segurança jurídica que uma interpretação extensiva ao dispositivo legal poderia gerar.

Em seu voto, o Ministro Og Fernandes destaca que:

“A insegurança jurídica também é notória quando se visualiza o tema sob o viés da parte favorecida pela decisão interlocutória.

Caso haja o enquadramento literal em uma das hipóteses do art. 1.015, a parte saberá que a preclusão se consumará, em caso de não interposição de agravo.

Porém, se não houver o enquadramento literal no rol do art. 1.015, a parte não terá qualquer segurança quanto à preclusão, pois como dito, ficará nas mãos da parte prejudicada pela decisão interlocutória a escolha de alegar urgência (interpondo agravo de instrumento), ou impugnar o decisum apenas no momento do apelo.” (FERNANDES, 2017, a)

 

2.1.1. Os efeitos provocados por uma interpretação não taxativa à preclusão

As ponderações feitas sobre a segurança jurídica ainda se estendem quanto à preclusão, que, transversalmente dialoga com a segurança jurídica, afetando-a diretamente.

Quanto à preclusão, a tese adotada pela Relatora, Ministra Nancy Andrigui e acompanhada pela maioria dos demais Ministros votantes é de que, caso a parte não interpusesse Agravo de Instrumento alegando urgência no combate de decisão interlocutória com conteúdo não contemplado pelo rol estabelecido no artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC), poderia fazê-lo muito bem em sede de apelação.

Ou seja, haveria aí dois momentos preclusivos para a mesma questão.

Para o Ministro Og Fernandes, a tese majoritária esbarra também nesse ponto, conforme trecho que se destaca de seu voto:

“A despeito do brilhantismo da tese desenvolvida pela eminente Relatora com relação à preclusão, entendemos que ela apresenta um problema fundamental e inescapável, qual seja, todo o regime de preclusão das interlocutórias, caso adotada essa proposta, ficará ao inteiro alvedrio da parte.” (FERNANDES, 2017, b)

O Ministro mais uma vez demonstra que a tese defensora da taxatividade mitigada desprestigia importantes institutos processuais, sendo capaz de criar incertezas para os litigantes e para os operadores de direito, tumultuando os processos e prejudicando a entrega da prestação jurisdicional. Tal preocupação ainda fica evidente em outro trecho de seu voto que ora se destaca:

“Imagine se, por exemplo, o caso de decisão que indefere o pedido de decretação do segredo de justiça, ou mesmo a decisão que decide sobre a competência para o exame do feito. Qual o regime de preclusão para essas decisões? Ou, indo além, qual o recurso cabível contra tais decisões? Segundo a tese proposta pela Relatora se houver a dupla conformidade da parte e do tribunal quanto à existência da urgência, o recurso cabível é o Agravo de Instrumento, e a preclusão não terá ocorrido… Pensemos em outra hipótese, em que não haja a interposição de agravo pela parte, e o tribunal entenda, no momento do exame da questão impugnada como preliminar de apelação ou em contrarrazões, que se tratava de questão urgente ( a exemplo do pleito de decretação do segredo de justiça ou da decisão sobre a competência). Poderá o tribunal, nesse caso, decidir que a urgência efetivamente existia e que, portanto, a preclusão ocorreu diante da não interposição de agravo?” (FERNANDES, 2017, c)

Deste modo, a posição dominante dentro da corte parece querer fazer crer que haveria certa “elasticidade de oportunidades preclusivas” para um mesmo ato o que foi fortemente combatido pelos Ministros defensores da taxatividade do rol de hipóteses de cabimento do Recurso de Agravo de Instrumento.

Destaque-se que, dentro dessa linha de pensamento, estaríamos diante de uma situação em que os litigantes ficariam sujeitos à interpretação quanto à urgência daquela questão, de modo que, matéria ventilada apenas em sede de preliminar de apelação, poderia ser considerada urgente e, como não alegada em Agravo de Instrumento, preclusa.

Assim, a conclusão lógica a que se pode chegar através dos argumentos apresentados até o presente momento é a de que, caso venha a ser consolidada a posição que predominou no julgamento do recurso paradigma, a negação da taxatividade do dispositivo processual questionado será capaz de obrigar os operadores do direito a Agravarem de todas as decisões interlocutórias para a defesa dos interesses dos litigantes, sob pena de não fazendo, verem a preclusão se consumar por decisões subjetivas em sede de preliminar de apelação.

Quanto ao regime preclusivo infere-se que a atual legislação se incumbiu de maneira brilhante em assegurar o exato momento preclusivo no tocante ao combate às decisões interlocutórias, o que se verifica da combinação da leitura dos artigos 1015 e 1009, § 1º, ambos do Código de Processo Civil vigente.

 

2.1.1.1. Os efeitos do aumento do número de agravos no judiciário

A reboque dos problemas relacionados à preclusão e à segurança jurídica encontram-se dois efeitos capazes de atingir todos os processos em curso e, por consequência, afetar a vida dos litigantes, sendo que estes para os Ministros vencidos são ainda mais perversos que os primeiros mencionados.

Trata-se do intumescimento do volume de recursos a serem analisados pelos tribunais e do seu consequente reflexo no tempo de análise dos processos que, por fim, conduziria a inutilidade da decisão final e da entrega da prestação jurisdicional como um todo, neste sentido se manifestou o Ministro João Otávio de Noronha:

“Ainda salientou que o legislador não retirou a recorribilidade das decisões interlocutórias de forma geral, mas optou por postergar seu exame, preferindo fazer prevalecer o princípio da duração razoável do processo, posição com a qual concordo…

A questão da morosidade inclui vários outros fatores e está bem longe de ser resolvida, mas certamente o excessivo número de recurso estava entre eles.” (NORONHA, 2017, a)

Corroborando com a tese do Ministro Noronha, os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça utilizados na justificativa da pertinência da presente monografia:

Gráfico 1 – Taxa de congestionamento total e líquida, por tribunal em 2017.

Fonte: Justiça em Números (2018, p. 93)

Frise-se que a reforma do Código de Processo Civil ocorrida em 2015, pretendia trazer ao processo novas perspectivas que, entre outros, tinha como objetivo dar efetividade ao princípio da celeridade processual.

 

2.2. A evolução histórica do recurso de agravo de instrumento

Outro importante aspecto que se destaca na defesa da taxatividade é a evolução histórica por que passou o Recurso do Agravo de Instrumento. Tal aspecto inclusive evidencia-se até mesmo nas falas defensoras de uma interpretação extensiva.

Na argumentação dos votos de todos os ministros o aspecto histórico foi amplamente explorado, tendo sido a base do voto da Ministra Relatora.

Antes de iniciar seu voto a Ministra contextualizou a questão apresentando um panorama histórico completo, demonstrando haver registro de toda a intenção legislativa que permeou a reforma, afirmando categoricamente que a intenção do legislador era de estabelecer um rol taxativo de hipóteses de cabimento, contudo, sua discordância manifesta-se em seu exercício interpretativo.:

“Não há que se falar, destaque-se em desrespeito a consciente escolha político-legislativa de restringir o cabimento do agravo de instrumento, mas sim de interpretar o dispositivo” (ANDRIGHI, 2017, a)

Quando do código de 1939 o Recurso de agravo de Instrumento tinha interposição restrita às hipóteses delimitadas legislativamente, o que, na ocasião, foi fortemente criticado, pois as demais decisões interlocutórias tornavam-se irrecorríveis.

Ao reformar a lei processual civil em 1973, o legislador, no afã de corrigir qualquer equívoco anterior, tratou de permitir que todas as decisões interlocutórias fossem agraváveis, o que tornou o processo moroso. Permitindo a sua utilização como ardil por aqueles que pretendiam ludibriar a justiça adiando uma final decisão, como enfatizou o Ministro João Otávio de Noronha:

“A liberação da recorribilidade ampla das decisões interlocutórias com o código de 1973, o que teve consequências não desejadas, tais como o abarrotamento dos tribunais, de forma que a restrição foi sendo introduzida por leis que iam modificando o CPC até que, com o novo CPC, optou-se novamente pela taxatividade.” (NORONHA, 2017, b)

Anteriormente, quando da vigência do Código de Processo Civil de 1973 o combate às decisões interlocutórias se dava por meio do recurso de agravo que poderia ser interposto na forma retida ou através de instrumento.

Ao analisar a redação dos artigos 522 a 529, 557 e 558 do Código de Processo Civil de 1973, observa-se que a escolha do recurso estava ao encargo da parte que tinha certa liberdade para manejar o combate às decisões interlocutórias conforme a sua conveniência.

Assim, caso escolhesse a forma retida, o recurso seria apreciado em preliminar de apelação, ao passo que se escolhesse a forma de instrumento, o recurso seria submetido à apreciação imediata do tribunal, não havendo qualquer delimitação do conteúdo decisório impugnável.

Durante a vigência do Código e Processo Civil de 1973 a insegurança jurídica se manifestava justamente na possibilidade de escolha pela via recursal dada à parte.

A possibilidade de escolha entre a forma recursal retida ou por instrumento não concretizava o momento preclusivo, divergindo e muito da interpretação expressada pelo Superior Tribunal de Justiça através do recurso paradigma, uma vez que, mitigar a taxatividade com base nos critérios de urgência, atrai a mesma insegurança ao sistema preclusivo que se procurou eliminar com a modificação do recurso de Agravo de Instrumento na legislação processual civil atual.

Além disso, havia também na legislação de 1973 um rol taxativo reservado às hipóteses em que seria conferido o efeito suspensivo ao feito para a apreciação recursal, ensejando o sucessivo manejo de Mandado de Segurança, remédio constitucional excepcional, conforme se depreende dos trechos extraídos da explanação da Ministra Relatora no julgamento do Recurso Especial paradigma:

“O fato de o agravo ainda ser interposto em 1º grau, com a formação do instrumento sob a responsabilidade do ofício judicial, aliado aos fatos de o contraditório se estabelecer também em 1º grau, de haver a possibilidade de retratação do juízo e de existir a concessão de efeito suspensivo apenas nas hipóteses taxativamente arroladas no art. 558 (prisão de depositário infiel, adjudicação, remição de bens e levantamento de dinheiro sem caução), deu significativa sobrevida ao mandado de segurança contra ato judicial, embora, desta feita, dirigido à concessão de efeito suspensivo ao recurso fora das hipóteses legais ou no lapso temporal entre a interposição do recurso e o seu efetivo exame em 2º grau de jurisdição.” (ANDRIGHI, 2017, b)

Mesmo antes do código de 1973, sob a égide do Código de Processo Civil de 1939, o legislador já testemunhava o uso indiscriminado e de caráter protelatório dos recursos por parte dos operadores do direito, ou seja, já havia uma má utilização do direito à defesa para a postergação das decisões meritórias, tornando a prestação jurisdicional passível de inutilidade.

“Aqui devem ser feitas algumas distinções que não são necessárias quando a decisão diz respeito à simples determinação dos fatos. A primeira distinção é entre as falhas de processo que afetam materialmente os direitos das partes, isto é, que pela sua natureza haja influído realmente no julgamento proferido, e aquelas que são de uma natureza menos importante ou puramente técnica, as quais, ainda que admitidas como erros, não dão motivos razoáveis para se acreditar que tenham impedido a parte agravada de apresentar inteiramente o seu interesse ou que tenham influído sobre o juiz, ou o juri, no proferir suas decisões.

Manifestamente, nos argumentos em favor da permissão de uma reforma da decisão, no caso de erros da primeira categoria, são mais fortes que no caso dos da segunda. Permitir os recursos em todos os casos em que se alegue estar errado o julgamento com relação à aplicação de regras, sejam ou não tais erros de natureza a se supôr que tenham afetado o julgamento, acarretará males desproporcionados aos benefícios que se podem verificar em casos relativamente raros. Abre a porta ao uso do direito de recorrer simplesmente com propósitos protelatórios, e aumenta as despesas do pleito, o que tudo trabalha em desfavor da parte fraca.” (ANDRIGHI, 2017, c)

Conforme se depreende da leitura do artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, o legislador da reforma, ao tratar da matéria limitou a possibilidade de revisão imediata pelo tribunal das decisões interlocutórias ao rol de doze hipóteses fechadas, complementadas por um parágrafo único que carrega uma hipótese aberta, porém condicionada à legalidade.

Nesse aspecto em particular, o código de 2015 assemelha-se ao Código de Processo Civil de 1939, uma vez que, para as duas legislações, as hipóteses de cabimento do recurso estudado foram concebidas para uma aplicação taxativa.

Contudo, há substanciais diferenças entre a legislação processual de 1939 e de 2015, residindo principalmente no fato que, sob a égide do código de 1939, os critérios para a interposição recursal de combate às decisões interlocutórias comportavam hipóteses dedicadas ao emprego de Agravo de Instrumento e ao emprego do Agravo de Petição, relegando as decisões não contempladas em seu dispositivo, à irrecorribilidade.

Aí, inclusive a maior crítica ao Recurso estudado à época.

Já em 2015 o legislador, ao modificar a legislação processual trouxe para o mundo jurídico um híbrido entre os dois códigos anteriores, alterando o artigo 1015 do CPC, o legislador, consciente e declaradamente, delimitou as hipóteses de cabimento para se recorrer das decisões interlocutórias, sem, contudo, relegar as demais decisões à irrecorribilidade, aparelhando os operadores do direito com a possibilidade de manifestar sua irresignação a tais decisões na preliminar de Apelação contida no § 1º do artigo 1009 do Código de Processo Civil (CPC) de maneira semelhante ao agravo retido, mas a necessidade da interposição de recurso específico.

Importante saber que durante a tramitação do projeto de lei ocorreram tentativas de alteração para extensão ou redução do rol do art. 1.015, e que após considerar todas as hipóteses, a redação final do dispositivo terminou com doze incisos.

 

2.3. A separação dos poderes e a invasão da competência legislativa por parte do judiciário

De plano, consigne-se que o Superior Tribunal de Justiça é órgão integrante do poder judiciário, conforme delimitação estabelecida constitucionalmente no Título IV a Organização dos Poderes, dos quais faz parte o Judiciário, conforme delimita o Capítulo III do mesmo título, que, por fim, em sua Seção III aloca o Superior Tribunal de Justiça (STJ) como sua parte integrante, para as quais ainda estabelece atribuições e limites.

Conforme resta evidenciado, a intenção legislativa era mesmo a de estabelecer um rol exaustivo quando da redação final do artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) reformado.

Até mesmo chegou a haver um veto presidencial com relação ao conteúdo de um do inciso XII que dispunha sobre a recorribilidade imediata da decisão interlocutória que dispusesse sobre a conversão da ação individual em coletiva, ou seja, a possibilidade de haver um rol meramente exemplificativo fazia sim parte das discussões antecedentes à redação final, tendo sido, porém, exauridas e a possibilidade afastada.

Mesmo sendo suficientes os argumentos anteriormente apresentados, para os Ministros defensores da taxatividade do rol previsto no artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) o aspecto mais grave que afeta o voto vencedor é, na verdade, a invasão de competência pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Assim expressaram suas preocupações a Ministra Maria Tereza de Assis Moura:

“Em que pese a percepção de que a prestação jurisdicional seria mais efetiva se algumas hipóteses não previstas no rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil comportassem a impugnação na via do agravo de instrumento, não vejo como possível que o Poder Judiciário possa assumir a tarefa de criar novas hipóteses ao rol de decisões interlocutórias agraváveis, notadamente porque foi evidente a escolha do Poder Legislativo pelo numerus clausus.” (MOURA, 2017, b)

O Ministro João Otávio de Noronha:

“Data Vênia dos respeitados posicionamentos, a ampliação do que é taxativamente enumerado significa excedê-lo e o que se diz taxativo não contempla ampliação de conceitos, pois isso significaria uma quebra dos limites estabelecidos dentro do que se pretendeu delimitar.

Admitir a necessidade de se atender aos fins sociais e exigências do bem comum nesse caso específico é confundir interpretação extensiva com analogia, o que não á cabível ante a falta de lacuna da lei.” (NORONHA, 2017, c)

E o Ministro Og Fernandes:

“Se a prática demonstrar que o sistema erigido pelo legislador de 2015 é insatisfatório, caberá aos representantes do povo no Poder Legislativo propor a modificação do sistema.

Não é papel do Poder Judiciário substituir o Poder Legislativo escolhendo um sistema, que sob alegação de ser melhor, não seja o idealizado por quem tem a função de legislar.” (FERNANDES, 2017, f)

Permeando todos os votos encontram-se as mesmas preocupações e a constatação de que a intenção legislativa era mesmo de estabelecer um rol exaustivo, como também se percebe através do recorte a seguir extraído do voto da Ministra Maria Tereza de Assis Moura, abaixo destacado:

“Como é cediço, o Novo Código de Processo Civil, objetivando maior celeridade na fase de conhecimento, optou por elencar as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias, postergando para o julgamento da apelação, em preliminar, a recorribilidade das situações não expressamente previstas, sendo o agravo retido abolido do sistema processual.” (MOURA, 2017, c)

Através do Voto da Ministra Relatora, ficou evidente que a admissão e julgamento do recurso paradigma se deu por ocasião não de uma lacuna legislativa, mas sim por uma iniciativa de conceder à legislação uma visão pretensamente mais adequada à correta aplicação do direito, o que, em outras palavras, corresponde a legislar.

Entretanto, a Constituição Federal tratou de delimitar em minúcias quais seriam os órgãos integrantes de cada poder, quais as suas competências, determinando até mesmo competências que seriam privativas ou comuns e, legislar em matéria processual, compete privativamente à União legislar através do poder legislativo, excluindo-se, portanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) de tal atribuição.

 

  1. As mudanças introduzidas pela reforma do Código de Processo Civil

A Reforma do Código de Processo Civil ocorrida em 2015 reaparelhou o processo, introduzindo a sistemática de observância obrigatória à Constituição Federal, atribuindo a seus dispositivos um caráter prático, ligado à celeridade e utilidade do processo.

A redação do primeiro artigo no novo código, que não encontra correspondência legislativa no código de 1973, expressa uma vontade legislativa de aderir ao movimento de constitucionalização mais compatível com as estruturas fundamentais da sociedade, sobre esse aspecto, a doutrina se manifesta:

“Antes do processo civil ser ordenado pelo texto normativo do CPC, como preconiza o texto comentado, o processo deve subordinar-se a valores e princípios constitucionais , como aqueles que fundamentam a República (soberania, cidadania, segurança jurídica, estado democrático de direito, dignidade da pessoa humana, valores do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político), confirmam a democracia e resguardam os direitos fundamentais dos cidadãos e de toda pessoa (CF, 5º), e permitem a existência da sociedade civil livre e organizada.

Isso porque, sendo a CF ordem fundamental que dá a direção do ordenamento jurídico, nada mais natural que o processo civil se submeta a todas as determinações dela emanadas.” (NERY, 2018,c, p.203)

Dentro desse viés de constitucionalização do direito, o artigo 4º do novo Código de Processo Civil carrega a garantia constitucionalmente prevista de uma razoável duração do processo, tal qual insculpido no artigo 5º, LXXVIII da CF/88, sendo que tal garantia, por ser definidora de direitos fundamentais, é considerada norma de eficácia plena, com aplicação imediata, o que também encontra previsão na Constituição federal, artigo 5º, §1º.

Importante destacar que o dispositivo encontra correspondência apenas parcial com o Código de Processo Civil (CPC) de 1973, que, trazia no artigo 125 II com a seguinte redação:

“Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

II – velar pela rápida solução do litígio.” (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 1973)

Como se percebe ao analisar as diferenças das redações de ambos dispositivos, a solução rápida do litígio que antes era de responsabilidade do juiz e não previa um maior detalhamento de como se daria tal prestação jurisdicional, passa a alçar o status de garantia da parte de forma muito mais ampla.

A nova redação relaciona a obtenção do resultado do processo em prazo razoável com uma resolução de mérito, incluída a atividade satisfativa, o que demonstra, que o legislador de 2015 tinha o intuito de garantir juntamente com a celeridade, uma maior qualidade na prestação jurisdicional.

Para dar efetividade à garantia constitucional suscitada através do artigo 4º do Código de Processo Civil (CPC), foram feitas mudanças substanciais em relação aos procedimentos previstos no código de 1973, às quais importa destacar a simplificação da defesa, a simplificação recursal, inclusive com a supressão e limitação de recursos e a integração das fases processuais através de um processo chamado sincrético pela doutrina moderna.

Em incremento às mudanças procedimentais, o processo passou a ser sincrético, de modo que o antigo processo de conhecimento e de execução, passaram compor fases processuais complementares, dando maior fluidez ao processo.

Ainda, o novo processo, revestiu-se de um caráter conciliador, em que a excessiva litigância passa a dar lugar às figuras da mediação e conciliação, sendo que tais mudanças podem ser observadas em outras áreas especializadas, como por exemplo a legislação trabalhista, revelando assim uma tendência.

 

3.1. O anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil atualmente vigente

Mesmo antes da concretização da nova lei processual, houve uma pequena reforma legislativa através da qual se pretendeu sanar as insuficiências do código processual anterior com intuito de alcançar celeridade através de hipóteses de impugnação claras e momentos preclusivos pré-fixados, conforme o trecho da justificativa do Projeto de Lei nº 4.727-A de 2004, que deu origem à Lei nº 11.187/2005:

“Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa.” (PL nº 4.727-A, 2004)

Frise-se que tais informações foram amplamente exploradas na explanação da Ministra relatora do recurso paradigma, embora ao final, tenha se decidido a favor da conferir ao rol de hipóteses constante do artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 uma interpretação extensiva, fazendo assim um juízo político, o que lhe é vedado.

Tal juízo político mostrou-se tanto à intenção legislativa que deu causa ao Projeto de Lei 4.727-A, quanto à intenção legislativa ensejadora do Projeto de Lei do Senado 166/2010 que, em seu texto final, deu origem ao Código de Processo Civil vigente.

Inspirado na comissão de juristas reunida em 2004, quando da elaboração do Projeto de Lei 4.727-A, o legislador de 2010 tinha objetivo de simplificar e dar maior rendimento à legislação processual, sem, contudo, restringir às partes o direito de defesa.

Tais ideais foram efetivados por meio da alteração do regime de preclusões, o que se pode concluir da simples leitura dos artigos 1015 e 1009, parágrafo primeiro Código de Processo Civil (CPC) de 2015 de maneira sistemática, bem como da própria exposição de motivos da nova legislação.

Apoiado pelos pareceres técnicos mencionados, o Senado chegou a manifestar-se politicamente através do parecer emitido pelo então Senador Vital do Rêgo, através do qual reafirmou os ideais de simplificação e desestímulo aos recursos protelatórios e o comportamento puramente litigante.

“O projeto de Novo Código de Processo Civil segue o caminho da simplificação recursal e do desestímulo ao destaque de questões incidentais para discussões em vias recursais antes da sentença, especialmente quando, ao final do procedimento, esses temas poderão ser discutidos em recurso de apelação. Por essa razão, no PLS, não se exacerbou na previsão de hipóteses de cabimento de agravo de instrumento.

Essa espécie recursal ficou restrita a situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação. Nesse sentido, o PLS flexibilizou o regime de preclusão quanto às decisões interlocutórias para permitir, se necessário for, a sua impugnação em futuro recurso posterior a sentença. Uma das espinhas dorsais do sistema recursal do projeto de Novo Código é o prestígio ao recurso único. Acontece que, no SCD (leia-se, PLC 8.046/2010), essa diretriz foi parcialmente arranhada, com o acréscimo de diversas hipóteses novas de agravo de instrumento, o que merece ser rejeitado na presente etapa legislativa.” (ANDRIGHI, 2017, d)

Ainda sobre as discussões prévias ao texto final da legislação processual de 2015, é essencial destacar que o afastamento da taxatividade do rol de hipóteses constantes no artigo 1015 especificamente foi objeto de deliberações e rejeitada, conforme a emenda 92 proposta pelo Senador então Aloysio Nunes Ferreira.

Emblemática, nesse sentido, foi a rejeição à Emenda nº 92, proposta pelo Senador Aloysio Nunes Ferreira, em que o relator do Parecer nº 956/2010 afirmou, textualmente, que:

“O objetivo desses ajustes seria afastar o regime da taxatividade das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, a fim de garantir que qualquer decisão interlocutória desafie esse recurso. Alega-se que há várias hipóteses de decisões interlocutórias que não foram contempladas e que mereciam ser impugnáveis desde logo, a exemplo da decisão sobre “a obrigação de depósito dos honorários periciais, ou seja, da decisão que determina quem deve custear a prova”. Outro caso que merecia ser recorrível é a decisão sobre “pedido ligado ao estabelecimento da ordem cronológica de prolação de decisões judiciais. Óbice regimental opõe-se à supracitada emenda. A taxatividade das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento foi aprovada pelo Senado Federal na forma do art. 969 do PLS. A Câmara dos Deputados apenas acresceu novas hipóteses e ajustou a redação de outras previstas pelo Senado Federal, mediante ajustes constantes do art. 1.028 do SCD. Suprimir a taxatividade do cabimento do agravo de instrumento é incorrer em inovação legislativa não autorizada nessa etapa derradeira do processo legislativo.” (ANDRIGHI, 2017,e) grifo nosso.

 

3.2. O viés político do processo legislativo, a separação dos poderes e a repartição de competências constitucionalmente prevista

Por força do artigo 2º da Constituição federal de 1988 os poderes da união dividem-se em 3, tendo como uma de suas principais características a independência entre eles. Assim, a Constituição Federal “visando estabelecer um federalismo de equilíbrio trouxe a partilha de poderes entre os entes de forma racional e equilibrada.” (MASSON, 2013, pp. 453).

Importante também destacar que a separação dos poderes tem como função a preservação do Estado enquanto povo de poderes absolutistas, conforme explana Pedro Lenza em tradução livre à obra do Professor Dimitri Dimoulis:

“Dimitri, com precisão, observa que “seu objetivo fundamental é preservar a liberdade individual, combatendo a concentração de poder, isto é, a tendência “absolutista” do exercício do poder político pela mesma pessoa ou grupo de pessoas.

A distribuição do poder entre órgãos estatais dotados de independência é tida pelos partidários do liberalismo político como garantia de equilíbrio político que evita ou, pelo menos minimiza, os riscos do abuso de poder.

O Estado que estabelece a separação dos poderes evita o despotismo e assume feições liberais.

Do ponto de vista teórico, isso significa que na base da separação dos poderes encontra-se a tese da existência do nexo causal entre a divisão do poder e a liberdade individual.” (LENZA, 2019, e, p. 568)

Ao revisar o texto constitucional, especialmente os artigos 44, caput e seu parágrafo primeiro combinado com os artigos 48, caput e 22, inciso II (normas constitucionais de eficácia plena), fica evidente que a competência para legislar sobre matéria processual compete à união através do Congresso Nacional, do qual, não faz parte o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Aliás, legislar, neste sentido, corresponderia à criação de hipóteses de exceção, justamente contrariando a competência da corte que, em vez disso, deve criar segurança jurídica através da uniformização.

Conforme observa Pedro Lenza:

“A análise do Poder legislativo (ou, de modo mais técnico, órgão legislativo) deve ser empreendida levando em conta a forma de Estado introduzida no Brasil, verificando-se de que modo ocorre a sua manifestação em âmbito federal, estadual, distrital e municipal…

Pelo exposto, outra não poderia ser a redação do artigo 44 da CF/88, que diz: O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.” (LENZA, 2019, f, p. 575)

Destaque-se que ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) não cabe legislar, nesse sentido, nos ensina Pedro Lenza no trecho abaixo transcrito:

“Isso não significa, segundo já expusemos, o exercício de “… atividade jurisdicional fora dos limites da lei, tomada em sua acepção ampla.

A legalidade, deverá ser sempre observada, podendo o magistrado avançar até os limites tolerados pelo ordenamento jurídico, desde que mantenha inatingível a integridade do due processo of law.” (LENZA, 2019, g, p. 804)

Assim, pode se concluir, utilizando-se as palavras dos juristas Lenio Streck, Diego Souza e Roberto Gouveia que legislar sobre tal matéria não está no escopo das funções ocupadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

“O poder, quando atribuído a alguém, estabelece-se numa titularidade. Alguém passa a ter o poder, a titularizá-lo. E essa situação de titularidade é aquilo que, em Teoria Geral do Direito, se denomina de legitimidade.

Portanto, legitimado é aquele que, por titularizar determinada situação jurídica, pode exercê-la… É o que se dá entre competência e jurisdição. Esta não é feita daquela. A atribuição de competência supõe que o órgão seja dotado de jurisdição. O ter jurisdição é condição de possibilidade para o ter competência. Primeiro, pelas formas constitucionalmente estabelecidas, atribui-se a alguém jurisdição e, depois, delimita-se, pelas regras fixadoras de competência, o exercício dela. O artigo 102, CF, v.g., não trata da jurisdição do STF, apenas de sua competência. Ele tem jurisdição simplesmente por ser órgão do Poder Judiciário (artigo 92, CF)” (STRECK, SOUZA e GOUVEIA, 2018) 

Fica demonstrado, portanto, um descontentamento de alguns ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o conteúdo legislativo, uma vez que, estendendo as hipóteses de cabimento do Recurso de Agravo de Instrumento, estariam veladamente manifestando entendimento de que a opção legislativa de hipóteses é insuficiente para abarcar todas as hipóteses de casos urgentes, fato este observado pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em especial no trecho que segue:

“Destaque-se que, embora haja doutrinadores de fôlego sustentando esta tese, de que o rol é exemplificativo, ao argumento de que algumas situações não previstas na lei exigem análise imediata, penso que o fato de o caso não ser impugnável via agravo de instrumento em razão, talvez, de uma falha do legislador ao não vislumbrar aquela situação, não altera a natureza do rol.

Na verdade, o fundamento para esta corrente está relacionado ao como deveria ser a regra. Não como está posto na lei.” (MOURA, 2017, d)

Aborda-se o viés político e ideológico que fundamentou a elaboração do texto final da nova legislação processual, minudenciada ao longo da presente dissertação, não há possibilidade de se afastar da interpretação taxativa do rol de hipóteses de cabimento do Recurso de Agravo de Instrumento.

Analisando-se a argumentação doutrinária e jurisprudencial, conclui-se que, observada a constitucionalização sistemática das normas e sua adequada e atual interpretação segundo o texto constitucional, uma interpretação legislativa extensiva feriria, na sua essência, a separação dos poderes, vez que modificar a intenção legislativa em razão da discordância quanto ao seu conteúdo, trata-se de atividade legislativa.

 

3.3. A efetivação da celeridade processual através das mudanças do código de processo civil de 2015 em relação ao Código de Processo Civil de 1973

Como já mencionado anteriormente, a celeridade processual é garantia prevista constitucionalmente e, por sua vez, a constituição é fundamento da atividade legislativa ordinária.

Devido a esta ubiquidade da Constituição Federal, não resta ao legislador ordinário e ao intérprete constitucional, espaço para que seus atos sejam puramente discricionários e se afastem de tais preceitos, nas palavras de Pedro Lenza, “esses atos passam a ser encarados como instrumentos da realização da constituição.” (LENZA, 2019, h, p.98)

Ao elaborar o novo Código de Processo Civil, o legislador tinha em mente além do fundamento constitucional, uma cultura de litigância excessiva, reforçada por uma prática da advocacia baseada em moldes conservadores contenciosos, que tornavam a justiça brasileira morosa e desacreditada, razão pela qual a reforma apresentou modificações que continham a convicção de mudar esse cenário e alcançar a efetivação dos preceitos constitucionais através da norma processual civil, neste sentido a doutrina assim constata:

“A crescente litigiosidade e cultura demandista existente no Brasil fez com que a recorribilidade pelo agravo, no sistema do CPC/1973, atingisse proporções numéricas bastante significativas, quase que paralisando a atividade jurisdicional nos tribunais.

Essa é a razão pela qual o CPC prevê, agora, agravo de instrumento apenas em algumas hipóteses, taxativamente enumeradas no CPC 1015.” (NERY, 2018, d, p. 2329)

 

3.3.1. A simplificação das defesas

Comparando-se a legislação processual civil de 1973 com a de 2015, percebe-se que houve uma significativa simplificação das possibilidades de defesa do réu, com a supressão das figuras das exceções e impugnação.

Tal simplificação, entretanto, não retirou do réu a possibilidade de defender-se nem em aspectos materiais nem em aspectos processuais.

Para melhor elucidar o tema, pode ser tomada como exemplo a impugnação ao valor da causa que, no antigo código de processo encontrava respaldo no artigo 261 que previa a criação de um incidente apenso para a solução da questão.

Deste modo, uma questão incidental processual não diretamente relacionada à lide propriamente dita assumia uma posição de protagonismo, atraindo para si a dilação probatória, além de contraditório e ampla defesa, bem como a preclusão, caso o incidente não fosse instaurado.

O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 não deixou de abordar a matéria, porém, concentrando a defesa do réu na contestação.

Na nova legislação processual, a impugnação ao valor da causa foi absorvida pela contestação de forma preliminar, aproveitando assim a dilação probatória, contraditório, ampla defesa e prazo desta, acelerando o trâmite processual sem qualquer prejuízo às partes, uma vez que estas permanecem podendo discutir as mesmas questões, porém, de maneira muito mais eficiente e célere.

Do mesmo modo, também deixaram de existir as figuras das exceções, anteriormente previstas no artigo 112 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, bem como a Reconvenção deixou de ser peça apartada, passando a integrar a contestação.

 

3.3.2. Possibilidades de recursos reduzidas

O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao remodelar o processo para diminuir a quantidade de recursos existentes, deixando de existir a figura dos embargos infringentes que deu lugar ao prosseguimento do julgamento da Apelação em sessão a ser designada com a presença dos outros julgadores.

Neste ponto o novel legislador abreviou etapas recursais, economizando em prazos processuais para interposição e contrarrazões, dando assim, maior fluidez ao processo.

Destaque-se que o novo código processual, mesmo com a supressão de um recurso não desamparou as partes que, diante de uma decisão não unânime, passaram a ver garantido o seu direito ao reexame da questão, conforme observa Nelson Nery Jr:

“O mais interessante do procedimento do CPC 942 é o fato de que não é necessária provocação das partes para que a sessão seja instaurada; ela ocorre logo em sequência da constatação da divergência no julgamento da apelação.

Portanto, todos os casos de apelação com julgamento não unânime serão submetidos a esse procedimento.” (NERY, 2018, e, p. 2091)

No tocante aos recursos, a nova legislação processual ainda introduziu mudanças operacionais, limitando as hipóteses recursais diante de decisões interlocutórias.

 

3.3.2.1. limitações às hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento

Com a nova legislação processual o combate às decisões interlocutórias por meio do recurso de Agravo de Instrumento passou a limitar seu cabimento em um rol contendo 12 hipóteses fechadas e 1 hipótese aberta, sendo perceptível, portanto, que trazer um rol exaustivo foi uma opção legislativa que tinha como objetivo a harmonização sistemática do novo código de processo.

Embora haja duras críticas a esse modelo, a legislação processual de 2015 não atingiu o contraditório e a ampla defesa garantidos constitucionalmente às partes que litigam, uma vez que a reorganização do sistema recursal apenas diferiu o momento de impugnação das decisões interlocutórias, conforme constatado pela doutrina:

“No sistema do CPC/2015, toda decisão interlocutória é recorrível. Contudo, nem toda decisão interlocutória é recorrível imediatamente. Somente as interlocutórias arroladas taxativamente no CPC 1015 são impugnáveis imediatamente, por meio do recurso de agravo de instrumento.

As decisões interlocutórias que não se encontrarem no rol do dispositivo legal comentado são impugnáveis por ocasião das razões ou contrarrazões de apelação (CPC 1009, §1º).” (NERY, 2018, f, p. 2329)

Embora o recurso paradigma tenha caminhado noutro sentido, a doutrina, ao analisar o artigo 1015, é quase uníssona quanto à intenção legislativa expressa pelo mencionado dispositivo:

“O intuito foi, mesmo, de restringir, donde a conclusão de que o rol do CPC 1015 é taxativo e não exemplificativo. Fosse exemplificativo nada teria mudado relativamente ao sistema do CPC/1973, sob o qual toda e qualquer decisão interlocutória era impugnável por agravo: os “exemplos” do texto ora comentado indicariam a recorribilidade plena das interlocutórias.

Assim a conclusão não pode ser outra, que não a de que as hipóteses do CPC 1015 foram descritas em rol fechado.” (NERY, 2018, g, p. 2329)

No mesmo sentido:

“As decisões interlocutórias que não puderem ser impugnadas pelo recurso de agravo de instrumento não se tornam irrecorríveis, o que representaria nítida ofensa ao devido processo legal. Essas decisões não precluem imediatamente, devendo ser impugnadas em preliminar de apelação, ou nas contrarrazões desse recurso, nos termos do artigo 1009, §1º, do Novo CPC.

Ainda que a doutrina aponte que a novidade tem como fundamento o princípio da oralidade, a partir do aumento das hipóteses de irrecorribilidade de decisão interlocutória em separado, a preservação dos poderes de condução do processo do juiz de primeiro grau e a simplificação procedimental, entendo que a técnica legislativa utilizada não foi a mais adequada.” (NEVES, 2016, p. 1687)

Percebe-se que, até mesmo a parte da doutrina que investiu declaradas críticas ao novo sistema, reconhece a mudança como sendo a intenção legislativa.

 

Conclusão

Assim, analisando-se os argumentos defensores da interpretação ampla em relação aos argumentos apresentados na defesa da interpretação taxativa ao artigo 1015 do Código de Processo Civil, tem-se que:

Foram levantadas questões, como por exemplo: afronta ao devido processo legal, à razoável duração do processo, ao direito de defesa e reflexamente ao direito de ação, bem como a existência de uma lacuna axiológica capaz de justificar a adoção de flexibilização que, com a devida vênia, mostra-se evidentemente contra legem.

Através da análise sistemática da legislação aplicada ao Código de Processo Civil (CPC) 2015, observou-se que, da combinação dos artigos 1009, § 1º e 1015, observa-se um diferimento quanto ao momento recursal, sem que haja qualquer hipótese que se encontre descoberta, seja pelo recurso de Agravo de Instrumento, seja pela Apelação, afastando, assim a hipótese de afronta à restrição ao direito de defesa e, por conseguinte o direito de ação, constitucionalmente previsto.

A partir do exame dos aspectos históricos, revisão dos textos de lei e exposição de motivos do legislador, foi possível ainda, afastar a ofensa ao devido processo legal, à razoável duração do processo e a existência de lacuna axiológica, conforme se detalha ao longo dos capítulos dois e três.

Quanto ao aspecto da necessidade, componente do princípio do devido processo legal, contrariando a respeitável explanação da Ministra Relatora do julgado paradigma, notória a evolução legislativa, uma vez que, com o deslocamento do momento recursal para as decisões interlocutórias não contempladas pelo artigo 1015, o processo torna-se mais dinâmico, ao passo que resguarda a recorribilidade de todas as decisões interlocutórias às partes, havendo assim, a expectativa de um verdadeiro ganho de efetividade processual.

É verdade porém, que tal ganho somente poderá ser constatado ao longo dos anos da aplicabilidade da nova legislação, aplicando a ela a interpretação taxativa ao rol do artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 almejada pelo legislador, sendo certo que, decisões que contrariam tal aplicação impedem inclusive que se faça a correta observação e estudos necessários ao legislador do futuro, quando se pretender tratar do assunto.

A decisão paradigma e outras tantas no mesmo sentido, revelam verdadeira resistência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em permitir a evolução legislativa, denotando uma posição de caráter político que dá continuidade a um à visão processual baseada em princípios que não apoiam a efetividade, celeridade e acirra a litigiosidade.

Conclui-se que o panorama histórico que permeou as alterações legislativas processuais, em especial no que diz respeito aos recursos que se prestaram, à impugnação das decisões interlocutórias, a intenção legislativa era de efetivamente elaborar um rol numerus clausus.

Desde a legislação processual de 1939 foram feitas diversas tentativas de harmonizar o regime preclusivo com o célere andamento processual, culminando na redação atual do artigo 1015 do Código de Processo Civil (CPC).

Através de todos os aspectos analisados, demonstrou-se que não se trata da existência de lacuna de nenhuma espécie.

Assim, embora a matéria ainda não tenha encontrado pacificação, há indícios de que o caminho mais adequado a se seguir é atribuição de uma interpretação taxativa ao rol de hipóteses de cabimento ao combate às decisões interlocutórias, a fim de preservar, sobretudo, o regime preclusivo e a segurança jurídica.

Além do mais, ao decidir sobre a matéria conferindo ao artigo uma interpretação extensiva, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) legislou, o que não se confere ao poder judiciário, não havendo previsão para tal comportamento, nem mesmo em sua função atípica de legislar, consubstanciada através do artigo 96, I, “a” da Constituição Federal de 1988, sendo certo afirmar que, caso houvesse uma falha legislativa na elaboração da redação do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, somente seria possível o seu combate através de controle de constitucionalidade.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de processo civil: Lei n. 13.105, de março de 2015. Disponível em < http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/507525> Acesso em 01 de maio de 2020

 

BRASIL. Código de processo civil: LEI N 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973.. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869impressao.htm>. Acesso em 01 de maio de 2020

 

BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso

em: 01 de maio de 2020

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.696.396 – MT. Recorrente: Ivone da Silva. Recorrido: Alberto Zuzza. Mato Grosso. 19 de dezembro de 2018

 

CALURI, Lucas Naif. Recursos no Novo Código de Processo Civil. 2ª Ed. São Paulo Ed. RT, 2016

 

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 1, p. 142

 

JOBIM, Marco Félix. O direito à duração razoável do processo: responsabilidade civil do Estado em decorrência da intempestividade processual. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 107

 

CNJ, Justiça em Números 2018: ano-base 2017/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2018.

 

Lenza Pedro, Direito Constitucional Esquematizado/ Pedro Lenza – 23 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019

 

NERY Junior, Nelson, Código de Processo Civil Comentado/ Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery – 17 ed. Rev., atual e ampl – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018

 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Novo Código de Processo Civil Comentado – Salvador – Juspodvm, 2016

 

STRECK, Lenio Luiz. Por que o STJ deve rever a decisão sobre a taxatividade do artigo 1015. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2018-ago-13/stj-rever-decisao-taxatividade-11015> Acesso em 11 de abril de 2020

 

WAMBIER, L. R. Curso avançado de processo civil. 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. vol. 1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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