Resumo: O presente trabalho visa tecer comentários sobre as alterações trazidas pela Lei n.º 12.736/12, a qual inseriu o § 2º no artigo 387 do Código de Processo Penal, determinando que o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, seja computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.
Palavras Chave: Lei n.º 12.736/12. Detração. Prisão provisória. Prisão administrativa. Internação. Regime.
A Lei n.º 12.736/12 alterou o artigo 387 do Código de Processo Penal e trouxe importante inovação em relação à prolação da sentença condenatória, determinando que o magistrado, ao estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, compute o tempo de prisão provisória, de prisão administração ou de internação do réu. Vejamos:
“Art. 387. […]
§ 1º O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.
§ 2o O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. (grifo nosso) (Lei n. 12.736, de 30 de novembro de 2012. Dá nova redação ao art. 387 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, para a detração ser considerada pelo juiz que proferir sentença condenatória. Brasília. 2012.” Acedido em 27 de janeiro, 2014, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12736.htm)
No entanto, o emprego da mencionada alteração tem gerado muitas dúvidas, não havendo consenso sobre a matéria. A jurisprudência ainda não se consolidou sobre o tema, o qual ainda não tem sido objeto de sistemáticos recursos aos Tribunais Superiores. Seria a intenção do legislador criar apenas um novo critério de fixação do regime prisional ou teria ele a intenção de permitir que o juiz do processo de conhecimento aplique a detração e concretize benefícios da execução? Parece-nos que a primeira opção se mostra mais acertada.
A ementa e o artigo primeiro da Lei n.º 12.736/12 preceituam que a nova redação do artigo 387 do Decreto-Lei n.º 3.689 se dará para que a detração seja considerada pelo juiz que proferir sentença condenatória. Em ambas as redações, há menção expressa ao termo detração.
Imperioso, entretanto, tecermos algumas considerações. Da leitura do § 2º do artigo 387 do Código de Processo Penal, verifica-se que a sua inserção no ordenamento jurídico vigente não traz nenhuma modificação ao critério de fixação do quantum da pena privativa de liberdade.
Ao contrário do que se pode querer argumentar, referido artigo não inseriu nova minorante a ser observada na fase de fixação da pena, reduzindo esta e interferindo diretamente na concessão de benefícios. Mencionada conclusão se extrai da própria redação do dispositivo legal, no qual há menção expressa de que o lapso temporal da prisão provisória somente será utilizado para fins de determinação do regime inicial, e tão somente isso, não inserindo nenhuma nova norma de quantificação da pena.
Feito tal apontamento, podemos deduzir que o momento adequado para a aplicação da mencionada detração será depois de concretizada a dosimetria da pena e antes do estabelecimento do regime inicial de seu cumprimento, não havendo qualquer interferência na análise da concessão de benefícios como a substituição da pena corporal por sanções restritivas de direito ou a suspensão condicional da reprimenda.
De igual forma, o tempo de prisão provisória também não deverá ser considerado quando da apreciação da ocorrência da prescrição, a qual continuará sendo analisada à luz do disposto no artigo 110 do Código Penal, o qual permanece em vigor e preceitua que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a prescrição se regula pela pena aplicada.
Há que se ressaltar, ainda, que, em que pese a nova norma ter feito uso da expressão detração em dois momentos, a sua aplicação deve ser feita com ressalvas pelo juiz do processo de conhecimento, eis que não foi a intenção do legislador retirar do juiz da execução a competência para apreciar a matéria, conforme determina o artigo 66, inciso III, alínea “c”, da Lei de Execução Penal, o qual não sofreu qualquer alteração.
Verifica-se, desse modo, que a detração a que alude o § 2º do artigo 387 do Código de Processo Penal diverge daquela prevista no artigo 42 do Código Penal, cuja aplicação compete somente ao juiz da execução (artigo 66, inciso III, alínea “c” da Lei de Execução Penal), sendo claro que aquela se refere a uma das etapas de individualização da pena (artigo 59, inciso III, do Código Penal), enquanto esta é instituto da própria execução da pena, tal como a progressão de regime.
Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. DISPAROS DE ARMA DE FOGO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. LEGÍTIMA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE. DETRAÇÃO. TEMPO DE PRISÃO PROVISÓRIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. 01. Havendo comprovação da materialidade e da autoria do crime de disparo de arma de fogo, previsto na Lei n.° 10.826/2003, não há como acolher a pretensão defensiva de absolvição do agente por insuficiência de provas. 02. A legítima defesa é uma exceção e incumbe a quem a alega comprová-la em todos os seus elementos, sob pena de não ser admitida. 3. O § 2º do artigo 387, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei 12.736/12, é claro ao estabelecer que o tempo de prisão provisória será computado para fins de determinação do regime prisional, sendo descabida a pretensão de consideração deste tempo para redução do quantum de pena, pois a detração deverá ser feita pela juízo da execução, nos termos do artigo 66, inc. III, "c", da LEP.” (TJMG. Apelação Criminal n.º 1.0236.09.018886-3/001, 3ª Câmara Criminal, Desembargadora Relatora Maria Luíza de Marilac, Belo Horizonte, 15/10/2013, Dje, 22.10.2013 – grifo nosso)
Nestes termos, no momento da prolação da sentença, o juiz, após concretizar a pena final do acusado, deverá considerar o período em que este ficou preso provisoriamente e, se for o caso, modificar o regime inicial da pena, sem analisar, entretanto, benefícios da execução, como a progressão de regime, o trabalho externo, as saídas temporárias, o livramento condicional, entre outros, matérias de competência exclusiva do juízo da execução, nos termos do artigo 66, inciso III, da Lei de Execução Penal.
Também não podemos nos olvidar da possibilidade do surgimento de situações excepcionais, nas quais a aplicação da detração, mesmo para o fim específico de estabelecimento do regime prisional, se mostrará temerária, como por exemplo, quando o acusado tiver diversas prisões cautelares decretas contra si e ostentar condenações definitivas, não sendo possível precisar se ao longo do feito ele estava cumprindo prisão provisória ou definitiva. Nessa hipótese, deve-se deixar a cargo do juiz da execução a sua análise.
Nesse sentido, o julgamento da apelação criminal n.º 1.0024.12.295597-4/001, proferido pelo Tribunal de Justiça Mineiro, o qual invocou o princípio da segurança jurídica e citou os ensinamentos de Renato Brasileiro de Lima:
"Explica-se: se a regra, doravante, é que a detração seja feita na própria sentença condenatória (CPP, art. 387, § 2º), não se pode olvidar que, em certas situações, é praticamente inviável exigir-se do juiz sentenciante tamanho grau de aprofundamento em relação à situação prisional do condenado. Basta supor hipótese de acusado que tenha contra si diversas prisões cautelares decretadas por juízes diversos, além de inúmeras execuções penais resultantes de sentenças condenatórias com trânsito em julgado. Nesse caso, até mesmo como forma de não se transformar o juiz do processo de conhecimento em verdadeiro juízo da execução, o que poderia vir de encontro ao princípio da celeridade e à própria garantia da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), haja vista a evidente demora que a análise da detração causaria para a prolação da sentença condenatória na audiência uma de instrução e julgamento, é possível que o juiz sentenciante se abstenha de fazer a detração naquele momento, o que, evidentemente, não causará maiores prejuízos ao acusado, já que tal benefício será, posteriormente, analisado pelo juízo da execução. Para tanto, deverá o juiz do processo de conhecimento apontar, fundamentadamente, os motivos que inviabilizam a realização da detração na sentença condenatória." (in Curso de processo penal. Niterói, RJ: Impetus, 2013; p. 1525/1527)
Conclui-se, portanto, que a nova legislação somente deve ser aplicada pelo Magistrado, ao proferir sentença condenatória, se o tempo de prisão provisória, prisão administrativa ou internação interferir na fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, resguardando, ao juiz da execução, a competência para aplicar a detração e os demais benefícios da execução penal.
Graduada em Direito pela Universidade Fumec. Analista do Ministério Público de Minas Gerais
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