O licenciamento ambiental ocorre, como regra geral, perante o órgão ambiental estadual. Já em situações de significativo impacto ambiental regional ou nacional o licenciamento se dá no nível federal pelo Ibama. Não há na lei 6.938/81 previsão para licenciamento municipal com se depreende do artigo 10 da citada lei:
“Art. 10 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
§ 1º Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação.
§ 2º Nos casos e prazos previstos em resolução do CONAMA, o licenciamento de que trata este artigo dependerá de homologação da SEMA[1]
§ 3º O órgão estadual do meio ambiente e a SEMA, esta em caráter supletivo, poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidades pecuniárias cabíveis, determinar a redução das atividades geradoras de poluição, para manter as emissões gasosas, os efluentes líquidos e os resíduos sólidos dentro das condições e limites estipulados no licenciamento concedido.
§ 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional [2].”
Em 1997 o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, regulamentou o licenciamento ambiental através da Resolução nº 237, definindo nos artigos 4º, 5º e 6º quais os empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental devem ser licenciandos a nível federal e estadual, criando o licenciamento municipal para os empreendimentos e atividades de impacto local, estabelecendo ainda em seu artigo 7º, que o licenciamento se dará em um único nível como veremos:
Art. 4º – Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:
I – localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União.
II – localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;
III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados;
IV – destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN;
V – bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.
§ 1º – O IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.
§ 2º – O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências.
Art. 5º – Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:
I – localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal;
II – localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais;
III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios;
IV – delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio.
Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.
Art. 6º – Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.
Art. 7º – Os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores.
A instituição do licenciamento municipal pela Resolução Conama 237/97 é polêmico e tem sido objeto de diversos questionamentos de natureza legal vez que a lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente e o licenciamento ambiental como um de seus instrumentos, não trás está previsão legal.
Por um lado existem doutrinadores que apontam a total inconstitucionalidade dos artigos 4º, 5º e 6º da Resolução Conama 237/97, por entenderem que legislação infraconstitucional alguma pode delimitar ou explicitar competências, bem como o CONAMA não tem competência para deliberar sobre essa questão constitucional. [3]
Por outro lado existem aqueles que entendem recepcionada pela Constituição Federal a lei 6.938/81, nos aspectos da repartição de competências e autonomia dos entes federados no licenciamento ambiental, sendo assim perfeitamente legal o licenciamento municipal previsto na Resolução Conama 237/97.
Acerca do Sistema Nacional de Meio Ambiente e do licenciamento ambiental, escreve Edis Milaré·[4]:
“Como se vê, versaram referidos diplomas sobre as normas federais básicas para a uniformização do licenciamento ambiental em todo o território nacional, referendando a descentralização de sua outorga, que ficou entregue fundamentalmente aos órgãos estaduais.
A seguir, a Constituição de 1988, recepcionando a Lei nº 6.938/81, deixou claro que os diversos entes da Federação devem partilhar as responsabilidades sobre a condução das questões ambientais, tanto no que tange à competência legislativa, quanto no que diz respeito à competência dita implementadora ou de execução.
Assim, integrando o licenciamento o âmbito da competência de implementação, os três níveis de governo estão habilitados a licenciar empreendimentos com impactos ambientais, cabendo, portanto, a cada um dos entes integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente promover a adequação de sua estrutura administrativa com o objetivo de cumprir essa função, que decorre, insista-se, diretamente da Constituição.”
Ainda que seja plenamente defensável que os municípios licenciarem os empreendimentos e atividades de impacto ambiental local, diante da previsão da competência comum de que tratam os incisos VI e VII do 23 Constituição Federal e da própria autonomia dos entes federados, também prevista na carta Magna, se faz mister uma alteração expressa na lei 6.938/81 para contemplar o licenciamento municipal, estando a resolução 237/97 fazendo previsão diversa do texto legal o que é vedado pela hierarquia de leis do sistema jurídico pátrio.
Salvo melhor entendimento, consideramos o caminho mais razoável para a definição das competências no licenciamento ambiental a edição de lei complementar regulamentadora do artigo 23 da Constituição Federal, explicitando entre outros pontos os critérios objetivos para definir se um empreendimento deve ser licenciado pelos órgãos federais, estaduais ou municipais.
Pelos mesmos motivos acima citados em especial diante da previsão da competência comum de que tratam os incisos VI e VII do artigo 23 da Constituição Federal e da autonomia dos entes federados nos parecer carecedor de legalidade o artigo 7º da resolução 237/97 do Conama, devendo também este assunto ser abordado por lei complementar que discipline a questão do licenciamento ambiental.
Ainda nestas notas cabe salientar a previsão imposta pelo Conama na resolução 237/97 de que os Estados e Municípios para exercerem suas competências no licenciamento ambiental deverão ter implantados seus respectivos conselhos com caráter deliberativo e participação social e, ainda, possuir em seus quadros ou a sua disposição profissionais legalmente habilitados. Deixando de lado a controvérsia legal cabe destacar o “mens legis” de organização e implantação efetiva do SISNAMA[5].
Outro aspecto relevante no processo de licenciamento ambiental e demonstrado na legislação incidente sobre o tema, e que a competência dos integrantes do SISNAMA para realizar o licenciamento ambiental tem como fundamento o “impacto ambiental” do empreendimento ou atividade e não a dominialidade do bem afetado.
No mesmo sentido manifesta-se Álvaro Mirra[6], quando trata da competência da Justiça Federal:
“Nessa linha entendimento, tem-se sustentado, com razão, que o fato de a degradação ambiental atingir bens de domínio da União, como o mar territorial, as praias, os rios interestaduais, as cavernas e sítios arqueológicos e pré-históricos, os recursos minerais (art. 20, III, VI, IX, X, da CF), os exemplares da fauna terrestre (art. 1°, caput, da Lei n. 5.197/67) e aquática (art. 3° do Decreto-lei n. 221/67) ou as áreas naturais abrangidas por unidades de conservação federais – Parques, Reservas, Estações Ecológicas etc. -, não é suficiente para caracterizar o interesse jurídico apto a viabilizar a intervenção da União no processo movido para a obtenção da responsabilização civil do degradador. Isso porque, como analisado anteriormente, o dano ambiental significa a lesão ao meio ambiente, como bem incorpóreo, qualificado juridicamente como bem de
use comum do povo (art. 225, caput, da CF), e aos elementos corpóreos e incorpóreos que o integram – os denominados bens ambientais -, os quais receberam tratamento legal especifico, devido a sua função ecológica e ambiental, como recursos ambientais (art. 3°, V, da Lei n. 6.938/8 1), sendo, em quaisquer dos casos, na sua dimensão coletiva, como interesses difusos, bens pertencentes a coletividade, independentemente da titularidade do domínio reconhecida sobre a elemento material especifico atingido.
Segue ainda o mesmo autor:
“Assim, nos exemplos acima apontados, se, por um lado, a agressão recai sobre bens corpóreos de domínio da União – o mar, as praias, os rios interestaduais, as cavernas, os exemplares da fauna, as unidades de conservação federal -, por outro lado, no âmbito da ação civil pública, a reparação de danos pretendida visa a recomposição do meio ambiente e dos bens ambientais na condição, respectivamente, de bem incorpóreo de uso comum do povo e de recursos ambientais, sempre como bens que pertencem a coletividade como um todo, que tem direito ou interesse a sua manutenção de forma equilibrada em termos ecológicos, direito como visto difuso e a todos pertencente; não como bens integrantes do patrimônio da União ou de entidades públicas federais.”
Portanto, o licenciamento ambiental dá-se em razão da abrangência do impacto ao meio ambiente e não em virtude da titularidade do bem atingido.
Evidente é que o tema merece ampla discussão visando eliminar as questões legais conflituosas ainda mais em função da eficácia do instrumento licenciamento ambiental para implementação da política nacional de meio ambiente e do desenvolvimento sustentável do País.
Advogado Especializado em Direito Ambiental, membro Conselheiro do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente – FNMA, do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro – CONEMA. Diretor do comitê de Bacia do Rio Guandu, Rio Guandu Mirim e da Guarda (Comitê Guandu).
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