Estudei, quando pequeno, num colégio de irmãos maristas. Era o menorzinho da turma. Às vezes queria entrar no banheiro e os maiores não deixavam. Um belo dia perdi a paciência. Um grandão da minha classe, parecido com o Colin Powell (daí a lembrança do episódio), me obrigou a tirar os sapatos no recreio e caminhar sobre uns pedregulhos extremamente dolorosos. O colégio todo caiu na risada. Eu ali, descalço, o dedão do pé esquerdo aparecendo no furo da meia e Colin (hoje feio, velho e barrigudo) com um pé do meu sapato na mão, exibindo-o para aquele universo particular. Davi contra Golias, eis a questão. Powell não acreditou no aconteceu: dei-lhe um murro na barriga. Doeu pouco, mas a meninada, depois, me aplaudiu como herói, embora, nos anos seguintes, eu tenha pago com juros a ofensa. Colin nunca mais me deixou em paz.
A cena volta agora à memória quando me conscientizo da enormidade da ofensa feita ao país. Insisto: não a Celso Lafer, a quem conheço como excelente jurista plasmado nos vetustos corredores da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Os intelectuais costumam ser humildes ou tímidos, reagindo tardiamente às provocações. Militares são diferentes. Agridem, gritam, ordenam enfim. Então, não se entenda que a reação do Ministro signifique um ato de covardia, mas sim, uma quase paralisia gerada pela enormidade da provocação. Pense-se, paralelamente, no fato de Celso Lafer ter ido aos Estados Unidos buscar dinheiro, isso em sentido lato (qualquer coisa ligada a subsídios para aço brasileiro). Tinha um encontro com o rei (Bush). Não se sabe se devolveram ou não os sapatos de Lafer mas, queiram os fados, tenha deixado um deles na Corte, como Cinderela. O acidente foi uma vergonha para o Brasil. Se fosse comigo, faria como nos tempos de criança: um soco na barriga do Colin e não aquele aperto de mão mostrado em todos os jornais do mundo. Esse negócio de diplomacia é muito hipócrita. Por menos do que isso (por um botão de rosa), houve uma guerra que durou cem anos. No fim das contas, foram-se os sapatos e não veio dinheiro. Ficou nosso ministro, no meio de tudo, manquitolando no aeroporto. Fernando, no entremeio, recebe homenagens na Eslováquia. Se passar por Miami, é bom amarrar bem o cordão dos calçados, pois pode ficar sem eles também.
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.
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