Resumo:Este artigo busca tecer algumas considerações sobre o surgimento e desenvolvimento do conceito de saúde no tocante aos direitos sociais através da compreensão do significado da palavra saúde com o intuito de que a expressão “direito à saúde”tenha um sentido comum para todas aspessoas e especialmente para os operadores do Direito esclarecendo que a eficácia social do “direito à saúde” está profundamenteatrelada aos múltiplos sentidos da palavra Direito.[1]
Palavras-chave: Direito a Saúde, Direitos Fundamentais, Conceito de Saúde e Garantias fundamentais.
Abstract: This article attempts to develop some considerations about the appearance and development of the concept of health in relation to social rights by understanding the meaning of health in order that the expression “right to health” has a common meaningfor all people and especially for operators of law stating that the effectiveness in social of the “right to health” is deeply linked to the multiple meanings of the word law.
Keywords: Right to Health, Fundamental Rights, Health Concept and the fundamental guarantees.
Sumário: 1. Introdução; 2. Conceitos de Saúde; 3. Saúde na história do Brasil; 4. OMS – Organização Mundial da Saúde; 5. Conferência de Alma-Ata; 6. Movimento Sanitário;7. Conclusão; 8. Referências bibliográficas; 9. Notas.
1. Introdução
A principal finalidade deste artigo é procurar entender a evolução do conceito de saúde, expondo um pouco da História, nos momentos em que se entrelaça com osdireitos sociais, objetivando também que a expressão “direito á saúde” seja do “senso comum, principalmente para os operadores do Direito”, pois um Estado Democrático de Direito prevê o desenvolvimento da sociedade e proteção à saúde de seus cidadãos, além de segurança e educação com liberdade e oportunidades iguais para todos, ainda que pese estar previsto no artigo 6º da Constituição Federal Republicana: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”[1].
2. Conceito de Saúde
No entanto o conceito de saúde, segundo o médico e professor Moacir Scliar, reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural. Ou seja: “saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. Dependerá da época, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais, dependerá de concepções científicas, religiosas, filosóficas”[2]. Também vale para as doenças, pois o que é considerado doença varia muito, “não é apenas ausência de saúde”.
De acordo com a professora Sueli Gandolfi Dallari, pesquisadora do CEPEDISA/USP “Hipócrates, filósofo grego que viveu no século IV a.C. e que traz o conceito da influência da comunidade e do tipo de vida de seus habitantes sobre a saúde e afirma que o médico não cometerá erros ao tratar as doenças de determinada localidade quando tiver compreendido adequadamente tais influências”.
Scliar ainda nos ensina que Hipócrates observou a existência de quatro fluidos também chamados humores no corpo humano: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue. Para Hipócrates, o sujeito saudável era o que tinha o equilíbrio desses elementos. “Ele via o homem como uma unidade organizada e entendia a doença como uma desorganização desse estado”.
Do mesmo modo, Paracelso, conta a professora Dallari, médico e alquimista suíço alemão do século XVI, tornou bem visível que a “importância do mundo exterior (leis físicas da natureza e fenômenos biológicos) para a compreensão do organismo humano. Devido à sua experiência como mineiro, pôde mostrar a relação de certas doenças com o ambiente de trabalho”.
Engels, filósofo alemão do século XIX, pensando as condições de vida de trabalhadores na Inglaterra, nos limiares da Revolução Industrial, concluiu que a cidade, o tipo de vida de seus habitantes e seus ambientes de trabalho são responsáveis pelo estado de saúde das populações.
Por outro lado, outra corrente evoluiu no sentido de conceituar a saúde como sendo a ausência de doenças. Hoje a Organização Mundial de Saúde – OMS conceitua “Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.
A origem de tal corrente encontra-se nos trabalhos do filósofo francês Descartes, do início do século XVII, que segundo a professora Dallari[3], que, ao comparar o corpo humano tal qual uma máquina, acreditou poder descobrir a “causa da conservação da saúde”. Com efeito, o século XIX ressaltou o estilo mecanicista da doença. Sob a dominação da máquina, Pasteur e Koch (in Dallari, 1988), na sociedade industrial, definem “doença” como sendo o “defeito na linha de montagem humana”.
A partir da Revolução Industrial, a produção teve imensa relação com o consumo e consequentemente surgiram os riscos ambientais e, sobretudo os riscos à saúde.
O ambiente social do fim do século XIX e primeira metade do século XX, auge da Revolução Industrial, propiciaram o debate entre as duas grandes correntes que buscaram conceituar a saúde, levando em conta o “Mens Sana In Corpore Sano” dosantigos gregos, observando-se, então, “o reconhecimento da essencialidade do equilíbrio interno e do homem com o ambiente (bem-estar físico, mental e social) para a conceituação da saúde, recuperando os trabalhos de Hipócrates, Paracelso e Engels[4].
3. Saúde na história do Brasil
No Brasil, era colonial, “…a ação do Estado no setor saúde era insignificante. As ações de saúde eram desenvolvidas pelos chamados exercentes (cirurgiões-barbeiros, barbeiros, boticários, etc.) e pelas Santas Casas de Misericórdia, que também, inicialmente, atendiam aos enfermos com infusões de ervas, frutas cítricas, raízes e outros produtos trazidos pelos índios”.[5]
As chamadas Santas Casas de Misericórdias criadas em Portugal por volta de 1498, e chegando ao Brasil criaram um Hospital em Santos, e depois em Vitória no Espírito Santo, em seguida Olinda, Ilhéus e Rio de Janeiro que conforme relata PEREIRA, por quatro séculos, eram as entidades responsáveis pela garantia da oferta de ações e serviços de saúde, além de outros serviços de natureza pública, ocupando um papel do Estado.
A vinda da família real ao Brasil repercutiu na criação de uma estrutura sanitária básica, capaz de dar apoio ao poder que se instalava na cidade do Rio de Janeiro. Observa-se que havia um interesse primordial e limitado ao estabelecimento de um controle sanitário mínimo da capital do império, estranha disposição que se alongou por quase um século.
Por não haver uma política de assistência médica organizada, de acordo com SALLES,[6]o que determinou o fato de que se proliferassem pelo país os chamados Boticários, uma espécie de farmacêuticos, na verdade manipuladores das fórmulas prescritas pelos médicos, ou até mesmo eles próprios, os farmacêuticos, tomavam a iniciativa de indicá-los, fato corriqueiro nos dias atuais.
Não obstante, Segundo SCLIAR (2007)[7], a história da organização de ações e serviços públicos de saúde no Brasil é muito recente. Até o final do século XIX, o Brasil não tinha uma preocupação formal de atuação sobre a saúde da população; apenas, e de forma ocasional, atuava em situações de surtos de determinadas moléstias que ocorriam nos portos de Santos e Rio de Janeiro. A economia era essencialmente agrícola e as riquezas necessárias para o crescimento do país eram oriundas principalmente da exportação agrícola.
Ainda esclarece o professor Moacir Scliar que o primeiro ato concreto da atuação do governo Federal na área da saúde deu-se somente em 1923 com a criação pelo Presidente Rodrigues Alves, do Departamento Nacional de Saúde Pública onde foram definidas as áreas de atuação do governo na saúde: o saneamento urbano e rural, a propaganda sanitária, a higiene infantil, industrial e profissional, as atividades de supervisão e fiscalização, a saúde dos portos e combate às endemias rurais, sob a direção de Oswaldo Cruz.
Conforme aponta o professor e médico José Marcio Soares Leite citando o professor e historiador Leonardo Pereira quando trata do episódio que passou à história como a Revolta da Vacina, onde grande parte da população carioca saiu às ruas para protestar contra o projeto de lei de autoria de Oswaldo Cruz que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola.
Dentre as Constituições Brasileiras, podemos constatar que somente a partir da na Constituição de 1934, século passado, é que encontramosalgumas preocupações com a saúde pública enquanto objeto da Lei Maior do país.
Na época de Getúlio Vargas o Ministério da Saúde e Educação recém-criado adotou algumas poucas medidas relacionadas à saúde, como a criação de órgãos de combate a endemias e normativos para ações sanitaristas, todavia, o modelo de ministério adotado priorizou a educação, mais uma vem em detrimento da saúde, que contava com investimentos ainda insignificantes ante ao problema a ser resolvido, e o conceito de saúde se resumia em “Ações educativas restritas a programas e serviços destinados à margem do jogo político, priorizando o combate a doenças infectocontagiosas” (VASCONCELOS, 2001). Nesse instante de nossa história a Seguridade Social começa a despontar com a criação das Caixas e dos Institutos de Aposentadorias e Pensões através da Lei Elói Chaves.
Mesmo assim a assistência médica era oferecida somente aos segurados das Caixas e dos Institutos de Aposentadorias e Pensões era custeada mediante a contribuição suplementar do segurado, do empregador, e apenas uma parcela caberia á União, sujeita ao mesmo regime de fixação e de arrecadação da contribuição ordinária. Os Institutos proporcionavam aos segurados ativos e inativos, bem como aos respectivos dependentes inscritos, a assistência médica (clínica, cirúrgica, hospitalar e senatorial); a assistência farmacêutica; e, a assistência odontológica e a população que não tinham a referida cobertura? Simples, buscavam as Santas Casas, as fundações e os serviços médicos universitários.
4. OMS – Organização Mundial da Saúde
Em 1946, a da Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como “o completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doenças ou agravos”, e ainda reconhece a saúde como um dos direitos fundamentais de todo ser humano, independente de sua condição social e econômica ou sua crença religiosa ou política, afirmando a importância de uma política sanitária.
Os Ministérios da Saúde e Educação só seriam desmembrados em Ministério da Educação e Cultura – MEC e Ministério da Saúde em 1953, com através da Lei nº. 1.920/53[8], sem que, contudo, tivessem ocorrido grandes mudanças no conceito de educação sanitária, no entanto cabe ressaltar que mais de 60% da população brasileira na ocasião eram analfabetos.
No ano de 1958, a Assembleia Mundial da Saúde, reunida em Genebra, reafirmou a importância da educação sanitária e, em 1962, o então Diretor Geral da Organização Mundial de Saúde, o Médico brasileiro Doutor Marcolino Gomes Candau apontou a importância de uma nova ordem sanitária e incentivou a implantação de um conceito de saúde que promovesse o bem estar físico mental e social, porém no Brasil as atividades de educação em saúde eram feitas por órgãos ou pessoas isoladas sem maiores recursos (VASCONCELOS, 2001).
Com o advento do golpe militar em 1964, a repressão à organização da sociedade civil, tornou impossível os debates sobre a saúde ou qualquer outro assunto e com isso somente a igreja católica conseguia o acesso e fomentar um trabalho dedicado ao conceito de saúde.
Nessa ocasião o regime militar criou uma nova estrutura para a Previdência Social, representando de forma clara e inconfundível, a vinculação com interesses de capital nacional e estrangeiro. O Estado, tendo aumentado seu poder centralizador em duas grandes frentes: econômicas e política, passou a ser o grande gerenciador do sistema de seguro social.
Na frente política, conseguiu seu objetivo quando extinguiu a participação do cidadão na gestão da previdência social, aumentando mais ainda o controle sobre o sistema.
Entendendo que o conceito de saúde constituía um fator de produtividade, de desenvolvimento e de investimento econômico, o Ministério da Saúde, na ocasião, privilegiava a saúde como elemento individual e não como fenômeno coletivo. E isso alterou profundamente sua linha de atuação, pois foi nesse instante de sua história que surgiu esse modelo que até os dias atuais permanece no Brasil, ou seja, privilegia-se a forma conveniada em detrimento da manutenção e otimização dos próprios serviços públicos, o chamado auto sucateamento.
Como sequela da ditadura militar, a burocracia estatal foi sobrepujada pelos tecnocratas civis e militares, “responsáveis em boa parte pelo ‘milagre econômico’ que marcou o país entre 1968 e 1974. Essa elevação do Produto Interno Bruto (PIB) foi resultado da modernização da estrutura produtiva nacional, mas também, em grande parte, da política que inibiu as conquistas salariais obtidas na década de 50. Criava-se assim uma falsa ilusão de desenvolvimento nacional, já que o poder de compra do salário mínimo foi sensivelmente reduzido, tornando ainda mais difícil a vida das famílias trabalhadoras. E esta situação se refletiu no crescimento da mortalidade e da morbidade. E quando ocorreram as grandes epidemias de poliomielite e de meningite, sendo que as notícias sobre estas últimas epidemias sempre eram censuradas nos meios de comunicação, em 1974”, (Bertolli Filho, 2004)[9].
Para Bertolli Filho o período de 1968 a 1975, e a ocorrência da elevação da demanda social por consultas médicas como resposta às graves condições de saúde; o enaltecimento da medicina eletiva como sinônimo de cura e de restabelecimento da saúde individual e coletiva; a construção ou reforma de inúmeras clínicas e hospitais privados, com financiamento por intermédio de empréstimos internacionais, como Estados Unidos da América e Inglaterra em nome da Previdência Social; a multiplicação de faculdades particulares de medicina por todo o país; a organização e complementação da política de convênios entre o INPS e os hospitais particulares, clínicas e empresas de prestação de serviços médicos, em detrimento dos recursos, já minimamente reduzidos, destinados aos serviços públicos de saúde, faziam parte das orientações principais da política sanitária da conjuntura do ‘milagre brasileiro‘.
O Sistema Nacional de Saúde que surgiu em 1975, através de lei, apesar de conter ideias inovadoras, porem continha em seu bojo a dualidade do setor saúde dando ao Ministério da Saúde caráter apenas normativo e ações na área eram de interesse coletivo e ao Ministério da Previdência a responsabilidade pelo atendimento individualizado.
Paralelamente a história, conta Bertolli Filho, “alguns grupos isolados continuavam a disseminar o conceito de saúde incentivado pela Organização Mundial de Saúde, através da chamada medicina comunitária, com apoio da Organização Pan-americana de Saúde – OPAS”. A medicina comunitária propunha técnicas de medicina simplificada, a utilização de mão de obra local (os agentes de saúde) e a participação da comunidade inspirados na Conferência Internacional sobre cuidados primários de saúde realizada na cidade de Alma-Ata na extinta URSS, em setembro de 1978. Entre os trabalhos que buscaram a participação da comunidade na área de saúde, havia os ligados à igreja católica como o projeto de Nova Iguaçu e o de Goiás Velho, os projetos ligados às universidades, financiados por órgãos externos, tais como a UNESCO.
5. Conferência de Alma-Ata
Na Conferência de Alma-Ata, onde foram representados por delegações de 134 países e 67 organismos internacionais que se comprometeram com uma grande meta: garantir saúde para todos até o ano 2000. Um desafio ainda maior quando a conferência, organizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo UNICEF, considerou saúde não apenas a ausência de enfermidades, mas como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social – e também um direito humano fundamental”, expressando a necessidade de ação urgente dos governos para promover a saúde de todos os povos do mundo:
“A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, reunida em Alma-Ata aos doze dias do mês de setembro de mil novecentos e setenta e oito, expressando a necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham nos campos da saúde e do desenvolvimento e da comunidade mundial para promover a saúde de todos os povos do mundo, formulou a seguinte declaração:
I) A Conferência enfatiza que a saúde – estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade – é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde.
II) A chocante desigualdade existente no estado de saúde dos povos, particularmente entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como dentro dos países, é política, social e economicamente inaceitável e constitui, por isso, objeto da preocupação comum de todos os países.
III) O desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem econômica internacional é de importância fundamental para a mais plena realização da meta de Saúde para Todos no Ano 2000 e para a redução da lacuna existente entre o estado de saúde dos países em desenvolvimento e o dos desenvolvidos. A promoção e proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial. (…)” (DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA, 1978).
No entanto no Brasil, segundo BERTOLLI FILHO, por conta do aumento de gastos e da maneira como se dava o contrato com a rede médica privada, possibilitando fraudes e a inexistência de fiscalização dos serviços executados pela rede privada, sem contar com aumento da demanda, o INPS enfrentou grave crise financeira, o que levou o governo a promover uma reestruturação e a criação do SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, em 1978, numa nova tentativa de racionalização da previdência.
A saúde brasileira, como a economia e outros segmentos sociais iniciam os anos 80 de forma insólita e perdidamente pelo descontrole inflacionário. A sociedade, timidamente, voltava-se a mobilizar em busca de liberdade e democracia e eleições diretas.
Na ocasião reinava o último General Presidente João Figueiredo que acelerou o retorno do país a democracia com a lenta e gradual abertura política extinguindo o bipartidarismo e afrouxando as garras da censura á imprensa e os movimentos sindicais retomavam as cidades com todas as greves possíveis.
6. Movimento Sanitário
Ainda no da referida década, começara a surgir, ainda fora do contexto oficial, uma corrente contra hegemônica formadas por segmentos organizados da sociedade que preconizava a melhoria da assistência médica no país através da “descentralização, articulada à regionalização e à hierarquização dos serviços de saúde e à democratização do sistema, através da extensão de cobertura a setores até então descobertos, como os trabalhadores rurais”. Era o movimento sanitário que criticava o modelo hospitalocêntrico e propunha a ênfase em cuidados primários e a prioridade do setor público.
O movimento Sanitário tentava oficializar um novo conceito de saúde para o país através da quebra do modelo antiquado e sem cunho social dominante, uma vez que o setor privado era responsável pelo aumento e pela maior parte das despesas na saúde. De outro lado, mostravam a possibilidade de uma maior democratização do atendimento médico, estendendo-o à população marginalizada que não contribuía diretamente com a Previdência Social[10]. Este é um momento tumultuado na saúde, tendo em vista a quebra de hegemonia do modelo anterior.
Considerada também como um marco revolucionário na história da saúde no Brasil, a VIII Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986 no Distrito Federal, contou com ampla participação de trabalhadores, governo, segmentos organizados da sociedade que militam na área da saúde, conselhos das mais variadas profissões, usuários e parte dos prestadores de serviços de saúde.
Para Cunha & Cunha (1998), a VIII CNS “constituiu um marco na formulação das propostas de mudança do setor saúde, consolidadas na Reforma Sanitária brasileira, em consonância com a Conferencia de Alma -Ata. Seu documento final sistematiza o processo de construção de um modelo reformador para a saúde, que é definida como resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. E assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida.”
Este documento serviria de base para as negociações na Assembléia Nacional Constituinte, que se reuniria em 1988, onde pela primeira vez numa Constituição Brasileira, aprovou-se uma seção sobre a Saúde que incorporou, em grande parte, os conceitos e propostas da VIII Conferência Nacional de Saúde, podendo-se dizer que na essência, a Constituição adotou a proposta da Reforma Sanitária e do SUS.
Para Rodrigues Neto, essa foi uma grande vitória, que coloca a Constituição brasileira entre as mais avançadas do mundo no campo do direito à saúde. Mas não foi tudo tão fácil, pois existiam vários grupos contrario as mudanças e que ainda queriam que a saúde permanecesse atrelada a diversos grupos mantenedores de hospitais particulares. Enquanto resultante dos embates e das diferentes propostas em relação ao setor saúde presentes na Assembléia Nacional Constituinte, a Constituição Federal de 1988 aprovou a criação do Sistema Único de Saúde, reconhecendo a “saúde como um direito a ser assegurado pelo Estado e pautado pelos princípios de universalidade, equidade, integralidade e organizado de maneira descentralizada, hierarquizada e com participação da população.” (RODRIGUEZ NETO, 1994).
Conforme Rodrigues Neto, O SUS não podia ser implantado “da noite para o dia”, pois as inovações que ele traz são muitas e complexas; assim como os interesses que ele questiona em razão da profunda mudança em diversos paradigmas, inclusive em questões cruciais que implica no domínio de oligarquias que sentirão os efeitos dessa transição. Assim concebido, o SUS, como parte da Reforma Sanitária “é um processo que estará sempre em aperfeiçoamento e adaptação.” (Rodriguez Neto, 1994)
7. Conclusão
Chegamos então a um ponto conclusivo, ou melhor, não tão conclusivo deste texto, uma vez que, nossa Constituição Federal de 1988 no artigo 196, evita discutir o conceito de saúde, mas diz que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”. Na verdade este é um dos princípios básico do Sistema Único de Saúde. E é o princípio com o qual se espera desenvolver a dignidade aos brasileiros, como cidadãos e como seres humanos.
Da maneira como a conjuntura atual se vislumbra, podemos acertadamente afirmar que o conceito de saúde para os dias atuais é um direito fundamental do cidadão, que engendra a responsabilidade para com o outro, em suma para a coletividade onde vive, mediante obrigações e deveres de participação. E também, a perspectiva de uma busca deste cidadão para que possa ter direito a uma vida saudável, através da construção de uma qualidade de vida, priorizando a democracia, igualdade, respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, dessa forma, proporcionar acesso ao desenvolvimento global do bem estar físico, mental e social, livrando o homem de seus males e proporcionando-lhe benefícios, para si e para a construção de uma sociedade justa com oportunidades iguais para todos.
Estudante de Direito.
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