Resumo: O presente trabalho tem como objetivo discutir as Prisões Civis enquanto Elemento Constitutivo admitido no atual Ordenamento Jurídico. Percebe-se que até pouco tempo, não havia dúvida acerca dessa espécie de prisão, em especial no tocante à questão do Depositário Infiel. No entanto, relevando-se a Tratadística Internacional, passou a haver muito dissenso acerca da sua possibilidade, o que só foi resolvido por intermédio do reconhecimento dos Valores que estão contidos nos Tratados dos quais o Brasil é signatário. Isso auxiliou no reconhecimento de que a Prisão Civil possui características próprias, que devem ser reconhecidas. Além disso, impende reforçar que tais prisões emergiram apenas com o desenvolvimento do Mundo liberal, em substituição à punição infligida diretamente no Corpo dos Indivíduos. Essa posição deriva dos ditames associados às Liberdades e Garantias Fundamentais que foram expressas em uma Legislação de norte Liberal.
Palavras-chave: Prisão Civil, Ordenamento Jurídico, Tratados Internacionais, Direito, STF
Sumário: 1. Introdução; 2. A Confirmação Histórica das Prisões: Notas sobre sua Ascensão; 3. A Prisão Civil e o seu Conteúdo Compulsório; 4. Considerações Finais; 5. Referências
1. Introdução
O presente artigo busca discutir a interpretação da Prisão Civil no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Nesse sentido, o tema de pesquisa é analisado considerando-se também o teor contido nos elementos da Tratadística Internacional aos quais o Brasil tenha aderido, que se referem à Liberdade Pessoal e envolvam a discussão acerca da Prisão Cível. No entanto, não se descuida de reconhecer o papel que as prisões possuem na atualidade.
Considerando-se essa posição, no primeiro item do desenvolvimento do presente artigo, observam-se as prisões, considerando-se seus conteúdos mais gerais. Nesse sentido, são apresentados alguns dos conceitos mais relevantes acerca do seu conteúdo. Atendendo a essa designação, elas são discutidas considerando-se o seu Conteúdo Socio-filosófico, que fixaram sua importância e o seu uso enquanto Elemento Jurídico admissível.
Em um segundo momento, discute-se a Prisão Civil propriamente dita. O foco é no tratamento dado à questão na atualidade. Porém, não se descuida a Construção Histórica da questão, no Julgamento dos Tribunais Superiores. Para tanto, analisam-se os elementos que levaram à ascensão da postura atual, bem como aqueles que suportavam a perspectiva anterior, especialmente no caso do Depositário Infiel.
Essa discussão busca tratar do maior número de elementos jurídicos possível, sem descuidar dos argumentos e noções sociológicas e históricas. Essa preocupação permite fornecer à questão um tratamento que privilegie sua explicação, bem como, que contextualize os aspectos mais relevantes.
2. A Confirmação Histórica das Prisões: Notas sobre sua Ascensão
No presente item, discute-se a prisão em seu sentido mais amplo. Observando-se o seu sentido no contexto seu atual, busca-se relevar as questões Históricas e Sociológicas mais relevantes. Trata-se de uma postura essencial para a análise do tema, uma vez que pela falta de base, os Pensadores Jurídicos não conseguem analisar as Implicações Sociais (e Sociológicas) das Prisões. Por sua vez, os Pensadores da Sociologia não conseguem observar os Aspectos Legais, que influenciam a sua adoção. De todo modo, efetivar uma análise ampla desses elementos auxilia na explicação do Objeto.
Preliminarmente, deve-se observar uma definição enciclopédica. Nessa versão simplificada do termo, aponta-se que “Prisão. Do latim “prehension, onis = ação de segurar, agarrar com a mão, do verbo “pre(ae)hendere. É a privação da liberdade, em recinto confinado, resultante da aplicação de uma pena.”[1] Desse modo, resta claro que a Prisão expressa um quantum de cerceamento da Liberdade Pessoal.
Essa definição, embora não possua conteúdo Sociológico, já ressalta que a prisão ascende enquanto elemento de suporte a uma Sociedade tipicamente Liberal. Nesta senda, expressa Montesquieu que “A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder.”[2] Observa-se que qualquer óbice à Liberdade representaria um óbice à própria possibilidade de Convívio Social. No entanto, deve-se reconhecer que impor àquele que perpetra óbice à Liberdade de Outrem, uma punição adequada é questão importante para a continuidade da Sociedade.
Reforça esse sentido a perspectiva indicada por Michel Foucault. Este analisa o papel das prisões, atribuindo-lhe o conteúdo de “equalizar as perdas” de cada Indivíduo. O autor reflete que
“Como não seria a prisão a pena por excelência numa sociedade em que a liberdade é um bem que pertence a todos da mesma maneira e ao qual cada um está ligado por um sentimento universal e constante. Sua perda tem, portanto, o mesmo preço para todos”;[3]
O teor de tal “equalização” se revela à medida que, em uma Sociedade de Classes, despindo-se o Indivíduo dos seus Pertences e Valores Monetários, só há uma coisa que é comum a todos. E esse elemento é a Liberdade, segundo o que refletem as palavras de Foucault. A Liberdade é uma condição comum, que deve funcionar enquanto única Determinante Lógica das punições a serem infligidas aos Indivíduos que cometam Infrações e geram Danos a outrem.
Dessa forma, relevando-se as aspirações contidas nos enunciados das Revoluções Liberais Europeias, a Prisão passou a ser entendida enquanto Elemento Punitivo Padrão. Antes desse Momento Histórico, nas palavras de Roberto Lyra,
“[…] a prisão destinava-se a animais. Não se distinguia, porém, entre irracionais e racionais “inferiores”. Prendiam-se homens pelos pés, pelas mãos, pelo pescoço etc., conforme o medo ou a cólera. Homens e animais foram amarrados, acorrentados, calcetados, grilhetados, manietados etc. Das nascentes zoológicas é que vem o uso de “prender”, da canga às algemas. O número crescente de presos foi pretexto para murá-los e ainda emparedá-los, engradá-los, aferrolhá-los, sem prejuízo dos guardas e soldados armados como para a guerra. Cavernas, naturais ou não, subterrâneos, túmulos, fossas, torres, tudo servia para prender. Prendia-se para não deixar fugir ou para obrigar a trabalhar.”[4]
O Sistema de Custódia de Indivíduos, enquanto radical do Sistema Prisional, só passou a ser relevante a partir do séc. XVII a. C. Observe-se, no entanto, que àquela época ele servia apenas para a custódia daqueles Escravos pertencentes aos Homens Livres do Egito. Apenas no séc. VI a C., as Prisões passaram a ser utilizadas ostensivamente. E, naquela época,
“[…] os lavradores eram requisitados para construir as obras públicas e cultivar as terras do faraó, proprietário de toda a terra do Egito e toda a riqueza, repousava no trabalho dos lavradores. Quem não conseguisse pagar os impostos ao faraó, em troca de construção de obras de irrigação e armazenamento de cereais, se tornava escravo.
Assim como no Egito, a Grécia, a Pérsia, a Babilônia, o ato de encarcerar, tinha como finalidade conter, manter sob custódia e tortura os que cometiam faltas, ou praticavam o que para a antiga civilização, fosse considerado delito ou crime.”[5]
Deve-se reconhecer que as Prisões não surgiram como elemento natural da Resolução de Conflitos. A Reconstrução Histórica realizada por Antônio Cintra, Ada Grinover e Candido Dinamarco[6] demonstra que os Conflitos Sociais eram resolvidos por intermédio da Autotutela, da Autocomposição e da Arbitragem Arcaica. Reforçando essa idéia, Cezar Bitencourt reputa que “[…] a antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente considerada como sanção penal.”[7] A Prisão era um ambiente de espera, já que a Pena em si, era infligida diretamente no Corpo do Condenado, como indica Elizabeth Misciasci[8].
Essa posição só foi alterada quando o Estado ascendeu. Reconhecendo Elementos das Teses Liberias, abandonou-se maciçamente a Punição Corporal, bem como as Sentenças Condenatórias à Morte[9].
“[…] isso ocorre uma vez que a satisfação momentânea e imediata, produzida no âmbito da vingança privada é suprimida. Impende referir que essa supressão ocorre em três momentos temporais: passado (no qual os fatos são desligados da prestação jurisdicional), presente (no qual a vingança privada é suprimida) e futuro (no qual o violador pode ser perdoado). De todo modo, em qualquer dos âmbitos temporais que se analise, a intervenção estatal, através do processo, revela a introdução de uma nova lógica na operacionalização da solução dos conflitos”.[10]
A partir desse momento, houve uma Revolução Copernicana, no que se refere à Restituição do Direito Violado. Isso levou à vendetta, que era pautada na base da restituição elaborada na Lex Tallionis, a ser substituída pela lógica da Prisão, segundo Aguiar e Duarte[11]. Essa substituição operacionalizou o padrão pautado pela Flagelação e pela Amputação, que possuíam Efeitos Permanentes. Na Pena de Prisão, a restituição ocorre considerando-se que
“Retirando tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a idéia de que a infração lesou, mais além da vítima, a sociedade inteira. Obviedade economicomoral de uma penalidade que contabiliza os castigos em dias, em meses, em anos e estabelece equivalências quantitativas delitosduracão.”[12]
A importância da Lei é extremada, uma vez que é por meio dela que se dimensiona o Lapso Prisional. E, para que o Estado possa controlar esse lapso, “[…] necessita de um direito cujo funcionamento seja previsível de forma semelhante ao de uma máquina”[13], o que se constitui no Direito Positivo. Conforme Cesare Beccaria, as Leis constituem-se em um “[…] instrumento das paixões da minoria, ou fruto do acaso e do momento, e nunca a obra de um prudente observador da natureza humana, que tenha sabido orientar todas as ações da sociedade com esta finalidade única: todo o bem-estar possível para a maioria.”[14]
Isso faz com que o Estado seja apenas um Instrumento Classista de Dominação, dentro da Lógica Marxista. Como assevera Lênin, “O Estado é o produto e a manifestação do fato que as contradições de classes são inconciliáveis. […] a existência do Estado prova que as contradições de classes são inconciliáveis.”[15] Toda e qualquer Ação Estatal, nessa concepção, serviria como condição de possibilidade para o Controle Social, ressaltando-se os aspectos de uma Lógica Liberal.
Outra Instituição importante para a Ascensão Histórica do Modelo Prisional de Encarceramento é a Igreja. Observa-se que as Prisões se revelam enquanto uma evolução daquela forma de Punição surgida nos Mosteiros da Idade Média. Uma “[…] punição imposta aos monges ou clérigos faltosos, fazendo com que se recolhessem às suas celas para se dedicarem, em silêncio, à meditação e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se com Deus.”[16] Elas encerrariam o seu sentido, à medida que se concretizasse o Arrependimento do faltoso, por meio da Contrição.
No dizer de Georg Rusche e Otto Kirchheimer, “[…] penitência e perdão representavam a readmissão na comunidade, que era tanto uma morada espiritual quanto um lugar de trabalho.”[17] Isso difere de seu sentido original, uma vez que a Prisão “[…] foi firmemente utilizada com cunho meramente processual, ou seja, era onde os acusados aguardavam por outra qualidade de punição, que não o cárcere, que viria com a condenação.”[18] Tratava-se de um “Depósito Temporário” para aqueles que seriam efetivamente punidos, em um momento posterior.
De todo modo, como bem observa Loïc Wacquant, na atualidade “[…] a prisão é portanto um domínio no qual os negros gozam de fato de uma promoção diferencial”[19], em função da sua Condição Étnica e Social. Nesse sentido, o encarceramento “[…] tornouse, portanto, progressivamente restrito a uma minoria da população”[20], apenas reproduzindo as Desigualdades vigentes na Sociedade. Trata-se de um sistema que Estigmatiza, reinserindo no seu seio os mesmos Indivíduos.
No que se refere à Estigmatização, constata Erving Goffmann, que
“A estigmatização daqueles que têm maus antecedentes morais pode, nitidamente, funcionar como um meio de controle social formal; a estigmatização de membros de certos grupos raciais, religiosos ou étnicos tem funcionado, aparentemente, como um meio de afastar essas minorias.”[21]
Havendo o Cumprimento de uma Pena, não ocorre efetivamente a Reintegração Social. Além disso, apesar do compromisso do Estado com um sistema de encarceramento, inicialmente “[…] não havia qualquer tipo de preocupação com os presos, aos quais não se destinavam cuidados básicos com saúde e alimentação – que eram providenciados pelos familiares ou por religiosos”[22]. Não se reconhecia a necessidade da Efetivação dos Direitos Básicos do Indivíduo ao Preso. Para que se tenha uma ideia, durante a Revolução Francesa, ainda persistia o uso de Celas Gerais.
Foi o modelo de Encarceramento Individual, adotado pela Igreja, que
“[…] inspirou a construção da primeira prisão destinada ao recolhimento de criminosos, a House of Correction, construída em Londres entre 1550 e 1552, difundindo-se de modo marcante no Século XVIII.
Porém, a privação da liberdade, como pena, no Direito leigo, iniciou-se na Holanda, a partir do século XVI, quando em 1595 foi construído Rasphuis de Amsterdã.”[23]
Tem-se que a “[…] prisão era uma espécie de antesala de suplícios”[24], o que se modificou considerando-se o seu uso pelo Estado. No Ordenamento Jurídico vigente, há dois ramos de Prisão: uma que se associa à Atribuição de uma Pena ao Indivíduo e outra, que possui Cunho Compulsório. Esta última, denominada Prisão Civil, passa a ser analisada no próximo item.
3. A Prisão Civil e o seu Conteúdo Compulsório
No item anterior foi feita uma descrição mais geral acerca do tema das Prisões, de modo que se observa que, no início, elas eram apenas elementos acessórios, prévios à Aplicação das Penas, servindo unicamente para a Contenção do Corpo do Infrator. No curso do Processo de Evolução das Medidas Punitivas, a prisão se tornou um Elemento Padronizado para a Aplicação das Penas.
No presente item, busca-se discutir a Prisão Civil. Ela é uma das mais importantes espécies de Prisões admitias no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Ressalta-se que, para essa análise, importante é referir o papel da Moderna Constitucionalização, que se revela como um importante fator, na Alteração das Perspectivas até então vigentes.
De plano, impende referir que a Prisão no Brasil está delimitada pela sua Constitucionalidade. Assim, são incabíveis quaisquer casos que não estejam por ela Amparados ou que por ela não sejam Admitidos. Considerando-se essa Perspectiva, importante é a determinação do inciso LVII do art. 5º da Constituição. Por intermédio dele se prevê que “LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”[25]. Trata-se de uma Garantia Fundamental de Liberdade, vista como essencial para a Sociedade. Esta Salvaguarda Constitucional tem gerado amplas discussões, acerca da Prisão Civil.
Considerada essa condicionante, a Legislação Brasileira, admite o uso de uma Medida Prisional como Decorrência Lógica de uma Sentença Transitada em Julgado, de teor Condenatório. Porém, essa configuração estrutural é válida apenas no Âmbito Penal. No caso Cível, porém, essa condição é distinta, vez que a Prisão Civil possui sentido e conteúdo distintos daquela.
E isso fica claro quando se analisa o inciso LXVII do art. 5º da Constituição. Tal inciso informa que “LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”[26]. Segundo Matéria Constitucional, portanto, são admitidas na Legislação vigente apenas duas hipóteses de cabimento para a Prisão Civil: aquela imposta ao Depositário Infiel e aquela decorrente das Obrigações Alimentares.
Essa diferenciação é da essência do Tema. E, para que se possa resguardar o adequado tratamento deste é necessário definir o que realmente é a Prisão Civil. Importantes, nesse sentido, é atese defendida pela procuradora Ana Cristina Brenner, para quem:
“Chama-se prisão civil aquela que não decorre da prática de um ilícito definido na lei como delito. A locução constitucional “prisão civil” está colocada no texto com a finalidade de distingui-la da prisão penal. Aquela é meio compulsório de execução; esta resulta de uma infração penal.”[27]
Desse modo, fica evidente que a Prisão Civil se difere da Penal, no que se refere aos seus fundamentos. A Prisão Civil provém de uma situação na qual não se viola qualquer regra de Direito Penal. Ou seja, não houve a prática de qualquer Fato Típico. Ela provém de uma necessidade de estabelecer um meio de Coibir Desrespeitos às regras Cíveis. E, nesse sentido, trata-se de Meio Compulsório para a Execução de uma Obrigação Civil.
Levando esse fato em consideração, Chrystiane Maria Uhlmann expressa que “Em nosso ordenamento jurídico é clara a proibição à coação física, exceto em duas situações extremas, nas quais os valores envolvidos são tão relevantes que justificam a exceção à regra vedatória.”[28] Ou seja, a Prisão Civil é uma situação especial de Caráter Compulsório, na qual a Lei Civil autoriza o Magistrado a determinar que alguém seja preso, de modo a “forçar” a prática de determinado Ato. Não reflete, portanto, a Imposição de uma Pena.
Nesse sentido, importante ressalva é feita por Ana Cristina Brenner, quando comenta a posição adotada por Wolgran Junqueira Ferreira:
“Para Wolgran Junqueira Ferreira, a expressão “prisão civil” usada pela Carta Magna é inadequada. Deveria o texto constitucional, no seu entendimento, ter o seguinte enunciado: não haverá prisão por dívida civil. E isso justamente porque a intenção era de excluir da incidência penal as dívidas civis. A locução contida no item 30, do artigo 113 da Constituição de 1934 – assevera ele – era exata: “Não haverá prisão por dívidas, multas ou custas”.”[29]
Fica claro, segundo o autor, que não se trata realmente de uma Prisão de cunho Civil. Isso ocorre à medida que o Fundamento dessa Prisão é a existência de uma Obrigação Cível que não voluntariamente cumprida. Assim, para o autor, o correto seria o uso da expressão “Prisão por Dívida” ou ainda “Prisão por Dívida Civil”. De toda forma, importante é reconhecer que
“[…] ela não visa à aplicação de uma pena, mas tão-somente a sujeição do devedor a um meio extremamente violento de coerção, diante do qual, é de presumir, cedam as resistências do inadimplente. É por isso que, paga a pensão ou restituído o bem depositado, automaticamente cessa a prisão.[30]
Assim sendo, trata-se de uma forma de Compelir o Devedor ao cumprimento de sua Obrigação. Cumprida esta, cessa o motivo para a sua ocorrência. E, portanto, ela é uma Medida Extrema, em uma Sociedade pautada pela boa-fé, que visa garantir a existência da Segurança Jurídica. Para Almiro Couto e Silva, a Segurança Jurídica é
“[…] um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos[31]
Tal princípio se refere ao inciso XXXVI, do art. 5º da Constituição, segundo o qual “[…] a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”[32], o que aumenta a confiança no Estado. No que se refere à sua Natureza Subjetiva, ela “[…] concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimento e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação”[33]. Ela perpassa os Atos do Governo e as boas Relações Individuais, garantindo sustento e respeito ao juridicamente válido.
Assim, a Jurisprudência admite alguns casos de Prisão Civil, havendo Motivo Justo para isso. Sustentando essa possibilidade, está a Súmula 619 do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que constituiu o encargo, independentemente da propositura da ação de depósito.”[34], comprovando sua admissibilidade, no caso de um Depositário Infiel.
Em complemento, o art. 652 do Código Civil expressa que “Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.”[35] Isso corrobora a interpretação da admissão da Prisão Civil do Depositário. Tais regras apenas convalidam o entendimento do STF, segundo a qual “[…] a prisão de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito regulamentado pelo Código Civil quanto no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária”.[36]
Modelo Interpretativo similar foi utilizado pelo Tribunal Superior do Trabalho, que
“EMENTA: HABEAS CORPUS PREVENTIVO. DEPOSITÁRIO INFIEL. TERMO DE DEPÓSITO DEVIDAMENTE ASSINADO PELO PACIENTE. POSSIBILIDADE DA PRISÃO CIVIL. Efetivamente, o Paciente não honrou o compromisso assumido de fiel depositário do Juízo, frustrando a execução ao deixar de restituir, quando intimado a tanto, os bem que se encontravam sob sua guarda e responsabilidade, ostentando, assim, conduta incompatível com deveres próprios de quem assume tal encargo. Pelos elementos dos autos, é notório que o depositário, além de não ter tido a cautela de comunicar a proximidade do vencimento do suposto prazo de validade dos bens depositados para garantia do juízo ou as alegadas péssimas condições de armazenagens oferecidas pelo local em que estavam estocados, tão-somente levantou a questão após o não-cumprimento da ordem de entrega da penhora, sob pena de prisão. Desta forma, fica mantida a denegação da ordem de habeas corpus de Paciente que aceitou expressamente o encargo de depositário dos bens móveis discriminados no auto de penhora, na medida em que apôs sua assinatura no termo de depósito em relação à penhora efetuada nos autos da reclamação trabalhista originária que corre contra a empresa executada, da qual seus pais são sócios-proprietários. Recurso ordinário desprovido.”[37]
Ocorre que essas decisões vêm sendo crescentemente discutidas, considerando-se os Tratados Internacionais. Papel de destaque é dado ao Pacto de San José da Costa Rica. Inácio de Carvalho Neto expõe, sobre a Prisão Civil, que
“[…] há necessidade de previsão legal. Não é a Constituição Federal quem prevê a prisão do devedor; ela apenas permite que a lei preveja. É preciso lei para tanto; sem lei, não há prisão civil por dívida nem mesmo nestes dois casos.
Para o devedor de alimentos, como já vimos, há previsão normativa expressa. Para o depositário infiel, contudo, a lei que existia foi revogada pela Convenção Americana, pelo que, segundo entendemos, passou a não ser mais possível a prisão do depositário infiel.”[38]
No caso do Devedor de Obrigação Alimentar, a Lei n. 5.478, de 25 de Julho de 1968, que “Dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências.”, inclui expressamente em seu art. 19 a informação de que:
“Art. 19. O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias.
§ 1º O cumprimento integral da pena de prisão não eximirá o devedor do pagamento das prestações alimentícias, vincendas ou vencidas e não pagas.
§ 2º Da decisão que decretar a prisão do devedor, caberá agravo de instrumento.
§ 3º A interposição do agravo não suspende a execução da ordem de prisão.”[39]
Desse modo, considerando-se que o Pacto não se refere a alimentos, apenas busca “[…] consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais;”[40], em nada afeta a Prisão do Devedor de Obrigação Alimentar.
Desde a assinatura do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), de 1969, a situação do Depositário Infiel vem sendo questionada. Por meio do referido pacto institui-se, em seu art. 7º, 7., com referência ao Direito à Liberdade Pessoal, que “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”[41], configurando-se a sua Impossibilidade Lógica e Técnica.
Corroborando essa interpretação, é necessário o vislumbre de outro dispositivo, este, contido no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966. No seu art. 11 se estabelece que “Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”[42]. Pela lógica do Ordenamento Jurídico Brasileiro, o Depósito é um Contrato, não se admitindo Prisão Civil, como esclarece o artigo. Aliás, considerando-se a validade de tal regra, não deveria a Constituição prever essa espécie, em respeito ao tratado.
A partir de 1969, houve divergência acerca da aplicabilidade dos Pactos. Porém, outra leitura judiciária dessa contradição ganhou força com o Decreto Legislativo n. 27, de 25 de setembro de 1992, sancionado pelo Decreto Presidencial n. 678, de 06 de novembro de 1992. Ele agregou, em definitivo, o valor do Pacto, determinando a ilegalidade dessa Prisão.
Em julgamento que reformula os seus parâmetros decisórios, o STF entendeu que:
“EMENTA: “HABEAS CORPUS”. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO JUDICIAL. A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. A JURISPRUDÊNCIA CONSTITUCIONAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Não mais subsiste, no modelo normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Incabível, desse modo, no sistema constitucional vigente no Brasil, a decretação de prisão civil do depositário infiel Doutrina. Precedentes.”[43]
Considerando-se que o Pacto tem por objetivo Reforçar, as Liberdades Individuais, fica o ensinamento de que se mantém constitucional, na Esfera Civil, apenas a prisão referente à Obrigação Alimentícia. Essa interpretação é reforçada pela Súmula Vinculante 31 do STF, segundo a qual “31. É ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”[44]. Essa especificação, para Luiz Carlos Furquim Vieira Segundo[45], está sincronizada com a Constituição, apenas reforçando o teor do § 2º do art. 5º.
Nele se estabelece que “§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”[46] Isso apenas confirma a abertura do Ordenamento Jurídico Brasileiro aos teores contidos nos Tratados de Direito Internacional, prosperando apenas a Prisão Civil vinculada a Obrigações Civis Alimentares.
4. Considerações Finais
Segundo a discussão realizada, fica evidente que a punição era, inicialmente, apenas corporal. Seu quantum era estabelecido de modo autônomo pelos próprios envolvidos. Quando o Estado passou a dominar o Processamento de Indivíduos, ascendeu a ideia da Prisão. Porém, ela não era considerada como Elemento Punitivo, mas mero instrumento para a consolidação da Pena.
A ascensão da Doutrina Liberal alterou o papel das Prisões. Nesse sentido, ela surge como uma forma de punir sem flagelar, pois essa rotina impediria o uso do Corpo para o Trabalho. Além disso, a mutilação poderia estigmatizar o Indivíduo, impedindo a sua Reintegração na Sociedade.
No que se refere ao Âmbito Civil, deve-se reconhecer que há, considerando-se o entendimento atual do STF, apenas uma possibilidade de Prisão, referente às Obrigações Alimentar. Isso ocorre uma vez que o entendimento do STF acerca da constitucionalização do Pacto de San José da Costa Rica impõe óbice à efetivação das previsões constitucionais e civilistas.
Resta claro, considerada a discussão efetuada, que, com a evolução da Sociedade, as Prisões se tornaram um meio de repressão de comportamentos negativos. Elas são Elementos Jurídicos Decisivos, visando compelir determinado comportamento e restituindo o status quo. Essa é uma proteção necessária, visando garantir a persistência, tão-somente, de comportamentos que premiem Relações Sociais sadias, tão necessárias atualmente.
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com o trabalho intitulado “O Caráter da Súmula Vinculante no Contexto da Reforma Institucional do Poder Judiciário Brasileiro”; bacharel em Administração, Ciências Sociais e licenciado em Sociologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA); Advogado
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