Inicialmente, cumpre mencionar que, já há alguns anos, tem se verificado o crescimento da realização de atos de concentração empresarial, ou seja, atos destinados a aumentar o poderio econômico das empresas que atuam em dado mercado relevante.[1]
Apesar de o termo “concentração”, geralmente, no campo do antitruste, estar associado a situações em que os partícipes (ou um deles) perdem sua autonomia (como ocorre nas fusões[2] e incorporações[3]) ou constituem uma nova sociedade ou grupo econômico, cujo poder de controle será compartilhado, também pode haver concentração quando uma empresa adquire ativos ou parcela do patrimônio de outra.
É importante aduzir que vários objetivos são os visados pelas concentrações empresariais[4], como por exemplo, a neutralização da concorrência entre os agentes econômicos, viabilização de economias de escala e o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, recuperação econômica de empresas deficitárias, o fortalecimento da cadeia produtiva de ambas ou de uma delas, o melhor acesso ao mercado distribuidor, o melhor acesso a insumos, dentre tantas outras motivações.
Feitos estes comentários iniciais, cabe lembrar que, consoante se pode inferir dos princípios emanados da Ordem Econômica de nossa Constituição e de acordo com o até aqui exposto, a livre iniciativa não é um direito ilimitado[5] conferido ao agente econômico. Muito pelo contrário, na verdade se trata de um direito a ser exercido em harmonia com tantos outros, dentre os quais destacou o próprio legislador constituinte, a manutenção da concorrência no mercado brasileiro.
Diante de tal situação, cabe indagar se as concentrações são uma afronta ao princípio da livre concorrência ou não?
Pode-se dizer, primeiramente, que duas são as principais implicações desta pergunta. A primeira é que o processo de concentração de empresas pode levar a um progresso inviável, no caso de uma economia pulverizada, ou seja, distribuída nas mãos de vários agentes econômicos. Em outras palavras, é possível dizer que a concentração pode levar a um maior grau de eficiência, propiciando, inclusive o desenvolvimento tecnológico e o benefício para o consumidor.
Paula A. Forgioni elenca algumas vantagens da concentração econômica: “a) No que tange à organização interna do agente econômico: a.1) há o incremento do maquinário e do progresso técnico; a.2) a organização reduz os gastos gerais e os custos fixos; a.3) diminuem consideravelmente as possibilidades de perdas no processo de produção; a.4) diminui o risco, com a obtenção de capitais líquidos. b) No que tange à posição da empresa no mercado: b.1) em casos de concentrações horizontais, o agente econômico se fortalece no relacionamento com seus fornecedores; é facilitado seu crédito no mercado de capitais; é atraída mão-de-obra mais qualificada; haverá maiores possibilidades de conhecimento da procura futura, investimentos em publicidade, aumento da dimensão comercial da empresa etc.; b.2) em casos de concentrações verticais, aumenta-se a segurança de escoamento da produção, controle das fontes de matéria-prima e possibilidade de prática de preço final inferior. c) Intensifica-se o poder da empresa em relação ao Estado.”[6]
De outra banda, é certo que o processo de concentração pode levar ao comprometimento do funcionamento normal do mercado, em razão do agrupamento do poderio econômico nas mãos de poucas empresas. Isto é, corporificando-se o poder econômico privado em poucas empresas, estas têm mais condições de influir nos resultados econômicos do mercado, de tal forma a dele retirar vantagens que as coloque em posição de superioridade perante as demais e em posição de domínio sobre os trabalhadores e consumidores.
Corroborando o afirmado, Pedro Dutra assenta que “Ordinariamente conquista o poder a empresa que cresce por seus próprios meios, licitamente disputando com as demais; ou seja, por meio do crescimento interno da empresa – internal growth – forma consagrada de celebração dos efeitos salutares da livre concorrência, pois traduz a justa retribuição a uma empresa competitiva, atuante em um mercado aberto. Ao contrário, o crescimento extraordinário. Nesse, em razão de ato jurídico de integração – aquisição, fusão, cisão, joint-ventures, contratos de fornecimento, de prestação de serviços de longa duração, ou por qualquer outra forma – o poder econômico de uma empresa à outra se transfere. Numa palavra, centros de poder econômico, antes independentes, por força de um ato jurídico de integração empresarial, concentram-se, formando um único, em mãos de uma determinada empresa. Não resultando do livre jogo da concorrência, o poder econômico conquistado por meio de ato jurídico de integração empresarial em princípio refoge à ordem concorrencial, e por essa razão que a Lei examinar-lhe os efeitos.”[7]
Ainda criticando o processo de concentração, Paula Forgioni esclarece que “a concentração do poder […] colocava em risco a estabilidade do sistema, e o meio encontrado para eliminar os efeitos “autodestrutíveis” dessa mesma concentração foi (i) combater o formação de grandes núcleos de poder econômico, ao mesmo tempo em que (ii) se procurava controlar o exercício desse poder. Como conseqüência dessa postura, na opinião de Fox e Sullivan, durante os governos americanos de Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford e Carter, o seguinte entendimento orientava a política das concentrações: “que grandes concentrações levaram à inércia, produziram inúmeras ineficiências e, assim, causaram custos mais elevados, reduziram a inovação e a capacidade de responder rápida e flexivelmente a mudanças de mercado e a aumento de preços.”[8]
Como visto, há teóricos tanto para sustentar uma quanto outra posição e, por isso mesmo, a matéria antitruste sempre lidará com o dilema dos mercados pulverizados ou concentrados.
Sem embargo, é deveras importante afirmar que o artigo 54, caput, da Lei n. 8.884/94 prevê que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE faça o controle dos atos de concentração[9]: “os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE[10].”
Acertadamente, ignorou o legislador a forma do ato jurídico que reveste a integração do poder econômico, diferentemente do que ocorre em outros ordenamentos, que procuram classificar as práticas dos agentes econômicos em acordos, abusos de posição dominante e concentrações. Isto é, nossa lei antitruste destina-se aos efeitos a resultar da integração, irradiados do ato jurídico e projetados sobre o mercado relevante em causa. Estes efeitos farão o objeto da análise do órgão de defesa da concorrência, para o fim de verificar se poderão eles “limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes.”[11]
De tal modo, a forma do ato jurídico de que trata o artigo 54, caput, não interessa, portanto, à prevenção do abuso do poder econômico. Apesar disso, o § 3º[12] do citado artigo traz alguns exemplos de atos de concentração, preconizando que “incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em vinte por cento de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais).[13]”
De maneira objetiva, Paula A. Forgioni sintetiza de que maneira o artigo 54 da Lei n. 8.884/94 deve ser interpretado: “(i) Todos os atos restritivos da concorrência (i.e., que impliquem prejuízo à livre iniciativa ou à livre concorrência ou ao domínio de mercado) devem ser submetidos ao CADE, sejam eles acordos entre empresas ou concentrações econômicas. Nessa linha, as multas serão aplicadas pelo descumprimento dos prazos para submissão à apreciação do CADE de todos os atos que “possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços” (e não apenas as concentrações relacionadas no § 3.º); (ii) Quanto aos atos de concentração econômica (tais como fusões, aquisições, constituições de empresa comum etc.), a Lei presume sejam eles restritivos da concorrência sempre que envolvam mais de 20% do mercado relevante ou que os partícipes possuam faturamento bruto anual superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); presentes um desses parâmetros, há a obrigatoriedade de submissão do ato de concentração às autoridades antitruste; (iii) Ainda que determinada concentração econômica possa ser entendida como não restritiva da concorrência, deverá ser submetida às autoridades competentes quando atingido o gabarito do § 3.º do art. 54; isso porque a lei presume seja tal operação restritiva da concorrência e obrigatória sua apresentação ao CADE.[14]”
É importante mencionar que o CADE poderá autorizar os atos de concentração, desde que atendam às disposições previstas no artigo 54, § 1º, da Lei n. 8.884/94, a saber: “I – tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; II – os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro; III – não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços; IV – sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.”[15]
É a consagração, em nosso ordenamento jurídico, do compromisso de desempenho[16] como instrumento de que dispõe a Administração para garantir que a concentração submetida à apreciação do CADE venha a atingir as eficiências elencadas no artigo acima.
Como se pode constatar, na realidade, há uma necessidade de harmonização o interesse geral esculpido nos Títulos I e II da Lei Maior, mas em suma, refletidos nos dois princípios constitucionais já referidos supra, o primeiro previsto nos artigos 1º, inciso IV, e 170 caput, e o outro com previsão no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal, cuja eficácia harmônica é um dos grandes alvos de estudo do direito da concorrência. Logicamente, sem menosprezar a importância, e a preocupação do direito antitruste, em relação aos princípios e garantias atinentes à defesa do consumidor, à busca do pleno emprego, meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, dentre outros.
Considerando tudo o que foi esposado, pode-se concluir, afirmando que os atos de concentração, per se, não levam, necessariamente, a não competição entre rivais no mercado. Isto é, as operações de concentração deverão ser analisadas caso a caso e terão sua licitude vinculada aos efeitos que produzirão (ou poderão produzir) ao mercado. Com isso, caso estejam presentes as condições dispostas no artigo 54 da Lei 8.884/94, poderá o CADE autorizar o ato. No entanto, não verificadas as citadas condições, este órgão deve estabelecer restrições (ou mesmo reprovar o ato), de forma a garantir a eficiência do mercado.
Advogado no Acre. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Acre. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP. Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade da Amazônia
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