Resumo: O trabalho aborda o instituto da concessão de serviços públicos e sua relação com o paradigma de Estado, na dimensão internacional, bem como no plano interno. Retrata-se, ainda, a evolução do quadro institucional e das demandas por serviços públicos e a configuração do novo contrato de concessão. O questionamento que orienta a análise refere-se à administração do risco e a compatibilização entre o regime jurídico dos serviços públicos e os anseios da iniciativa privada concessionária.[1]
Palavras-chave: Concessão de serviço público. Estado Subisidiário. Contrato administrativo. Riscos.
Sumário: Introdução. 1. Contexto histórico-político. 1.1. Do Estado Liberal ao Estado Subsidiário. 1.2. Dimensão nacional. 2. Nova concessão no contexto brasileiro. 2.1. Peculiaridades e legislação. 2.2. Administração do risco. Conclusão. Bibliografia
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende abordar o contrato de concessão como instrumento de prestação de serviços de interesse público. Para tanto, apresenta-se o contexto histórico-político dos paradigmas de Estado e de como neles se inserem a questão da prestação de serviços públicos.
Relata-se, ainda, como o tema foi tratado no cenário nacional e a relevância assumida pela concessão de serviço público na atual dimensão, como forma de diminuição do tamanho do Estado e de busca por eficiência na prestação dos serviços públicos.
A compatibilização da continuidade do serviço público adequado e a perspectiva de lucro do poder concedente motiva o desenvolvimento de teorias acerca do equilíbrio econômico e financeiro. O panorama de evolução tecnológica, alterações normativas, mudanças sócio-políticas e de complexidade das demandas de serviços públicos aponta para a necessidade de revisitar a teoria tradicional que lida com a garantia da equação econômico-finceira do contrato de concessão.
Nesse contexto, por fim, retratam-se os instrumentos que devem ser aprimorados e considerados para permitir a estabilidade contratual e o alcance de proveitos recíprocos legítimos pelas partes contratuais.
Não obstante as discussões acerca da natureza da concessão, considera-se, para fins deste artigo, a sua configuração contratual, conforme restou contemplado na Lei n. 8.987/95.
1. CONTEXTO HISÓRICO-POLÍTICO
Com vistas a entender o instituto da concessão e sua relação com o atendimento dos serviços públicos, faz-se necessário pincelar o seu conceito e a sua configuração nos diferentes momentos históricos. As demandas da sociedade e a capacidade de o Estado atendê-las demarcam diversas mudanças na relação entre o setor público e o setor privado, com especial interferência nas concessões. A figura da concessão, nessa esteira, não permite se chegar a uma definição imutável, estática, senão se sujeita à relatividade histórica[2] e deve ser, através dela, apreendida.
As discussões inaugurais sobre o contrato administrativo são devidas ao surgimento das primeiras manifestações da prestação de serviços por particulares na França, no século XVIII, e à criação do Conselho de Estado Francês[3], em cuja seara foram dirimidas as controvérsias decorrentes da execução de referidos ajustes[4]. O interesse público inserido nesses contratos de prestação de serviços passa a dar a tônica da sua disciplina e a partir de então são desenvolvidas as teorias concernentes ao contrato administrativo.
1.1. Do Estado Liberal ao Estado Subsidiário
O Estado Liberal firmou-se como concepção de Estado no período posterior à Revolução Francesa e foi marcado pelo absenteísmo do Poder Público. Ou seja, o Estado somente atuava nas situações em que sua presença fosse fundamental para assegurar os direitos afirmados na Revolução Francesa, o que se percebia notadamente em atos impositivos para garantir o direito de liberdade e de propriedade[5]. Naturalmente, o período não foi fértil em discussões acerca de concessão de serviços de interesse público. A época foi marcada pela regulamentação desconcentrada a nível operacional e normativo[6].
A busca pela proteção da liberdade e da igualdade que norteou o Estado Liberal, contudo, não foi suficiente para aplacar as profundas desigualdades sociais e econômicas agravadas no período[7]. A consolidação de monopólios e a marginalização do proletariado demonstraram a inadequação do modelo estatal para lidar com as questões latentes de interesse da sociedade[8]. A eclosão da Segunda Guerra Mundial e a percepção da vulnerabilidade dos serviços de interesse público deixados ao alvedrio da iniciativa privada também contribuíram para a evolução do modelo do Estado.
Consolidou-se, assim, o Estado Social de Direito (Welfare State), concepção na qual o Estado tem atuação ativa na garantia da justiça social e, conseqüentemente, centraliza a prestação de serviços de interesse público e até de interesse econômico[9]. O Estado passou a adotar modelos e instituições típicas do direito privado, no que ganhou relevo a utilização do contrato como meio de atuação estatal[10].
A execução direta dos serviços públicos e de algumas atividades de cunho econômico realizou-se à custa do crescimento da estrutura administrativa e inchaço do tamanho e das atribuições do Estado. Essa configuração acabou por acarretar o aumento da burocracia, as excessivas regulações, o estabelecimento de monopólios estatais e a participação estatal no capital de empresas industriais e comerciais[11]. Referido desenho revelou a ineficiência do Estado e a sua incapacidade econômica e de expertise de atender às demandas da sociedade[12].
A crise econômica dos anos 70 agravou a situação e impulsionou o estabelecimento de um novo paradigma estatal[13].
Desenvolve-se, então, a concepção da necessidade de desburocratizar o Estado e enxugar a estrutura administrativa com a devolução ao setor privado de tarefas de caráter econômico e da prestação de serviços de atendimento às demandas sociais[14]. No entanto, esse retorno do pêndulo não é mera reprodução do modelo estatal adotado quando do Estado Liberal. Agregam-se mecanismos de gestão, de controle, acompanhamento e de regulação do Estado, com vistas a que os serviços e atividades sejam prestadas de forma a contemplar a justiça social e integração de todas as camadas da sociedade[15]. Passa-se, pois, ao modelo do Estado Subsidiário[16].
O novo paradigma estatal assenta suas origens no princípio da subsidiariedade[17], formulado no final do século XIX e consolidado no século XX na Doutrina Social da Igreja[18]. Referido princípio limita a intervenção estatal na medida em que atribui à sociedade, através dos indivíduos e de suas associações, o exercício de atividades que visem à realização dos direitos individuais[19]. Ao Estado cabe fomentar, fiscalizar, regular essas tarefas e só lhe é dado executá-las diretamente quando a iniciativa privada for deficiente.
O novo modelo impulsionou a diminuição do tamanho do Estado, tanto no plano financeiro, com redução dos custos, como também de estrutura, com contenção da burocracia administrativa. Isso foi almejado através da privatização das atividades econômicas e fim dos monopólios nesse setor e da desregulamentação dos serviços públicos no plano operacional. Ou seja, o Estado passou a delegar a prestação desses serviços. Para balizar o novo desenho, foi aprimorado o arcabouço jurídico, com o desenvolvimento de novos instrumentos ou a remodelação das normas de gestão administrativa[20]. Nesse contexto, procedeu-se a assimilação pelo Estado de instrumentos próprios da iniciativa privada[21], tal qual o contrato.
Ademais, fortaleceu-se o papel estatal de fomento de atividades de interesse público conduzidas pela iniciativa privada. Passou-se a exigir uma maior participação da sociedade e seu envolvimento na busca de efetivar direitos fundamentais[22]. Ressaltou-se o que alguns doutrinadores denominaram de direito de parceria[23], no sentido de que a concretização dos interesses públicos primários somente seria alcançado pelo esforço e participação conjuntos do Estado, do mercado e dos cidadãos.
1.2 Dimensão Nacional
Os serviços públicos no histórico brasileiro são marcados por duas molduras paradigmáticas. Alguns serviços foram prestados, desde a época monárquica e os primeiros anos da República, exclusiva e diretamente pelo Estado, sem que houvesse qualquer discussão no sentido da inadequação desse arranjo[24]. Enquadram-se nessa situação os serviços de estrutura portuária, saneamento e iluminação pública.
Outros serviços, contudo, eram prestados pelo setor privado sem qualquer regulamentação, seja operacional ou normativa, pelo Estado. Paulatinamente, verificou-se a relevância de haver uma regulação sobre os serviços de interesse estatal e de segurança nacional. A assunção pelo Estado da titularidade, mas não da execução direta, de alguns serviços estratégicos também resultou do nacionalismo que marcou a década de 30[25]. O Código das Águas (Decreto n. 24.643, de 10 de julho de 1934) foi o primeiro instrumento regulador para as atividades que eram prestadas pela iniciativa privada.
A partir de 1939, robusteceu-se o papel do Estado nas atividades de desenvolvimento econômico e também naquelas de atendimento de interesse público. Verificou-se o inchamento da Administração, com a criação de diversas empresas públicas e sociedades de economia mista para atuar em atividades econômicas[26]. Também foram multiplicadas as estruturas desconcentrada e descentralizada da Administração com a criação de órgãos, autarquias e fundações[27].
Constata-se, nesses termos, que o plano nacional internalizou os paradigmas estatais da dimensão internacional. Registra-se, contudo, que o Welfare State no Brasil, em razão do governo ditatorial, baseou-se na intervenção estatal na economia sem lograr implementar políticas públicas sociais que efetivamente se destinassem a reverter o quadro de pobreza e desigualdades sociais[28].
A ineficiência e o peso da estrutura do Estado, a déficit financeiro, os altos índices inflacionários revelaram a premente necessidade de se revisar o modelo até então adotado. Inaugurou-se o período da reforma administrativa, marcado pelas ideias do Estado subsidiário e seus impactos nos campos político, técnico e jurídico[29].
No Brasil, ascendeu-se o conceito de administração pública gerencial, o qual consagrou a participação, exclusiva ou em parceria, da sociedade na gestão da coisa pública, com transparência e controle por parte do poder público. O novo modelo, no entender daqueles que o defendem, deve privilegiar a consensualidade e, através dela, o alcance da melhoria na governabilidade, o fortalecimento dos instrumentos de controle contra abusos e da democracia, a participação e responsabilidade social e a ordem[30].
O Programa Nacional de Desestatização[31] foi editado com o objetivo de reduzir o tamanho do Estado através da privatização de empresas públicas e sociedade de economia mista anteriormente criadas para exercer atividades econômicas e de prestação de serviços públicos.
O advento da Lei das Concessões[32], a criação das agências reguladoras[33], a inclusão do viés ambiental nos instrumentos de controle, a proliferação de ajustes com Organizações Sociais (OS)[34] e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)[35], a edição da Lei de Parcerias Público-Privadas[36] demonstram que o modelo do Estado Subsidiário e a administração pública gerencial não foram abandonados no Brasil, senão se reforçam como concepção de gestão.
2. NOVA CONCESSÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO
O instituto da concessão remonta ao século XVII na França e ainda muito se discute acerca de sua natureza[37]. A corrente unilateralista entende a concessão como um ato unilateral em que o Estado, por seu poder soberano, atribui ao particular a execução de um serviço público[38]. Referido posicionamento, defendido por Otto Mayer e Fritz Fleiner, afasta a configuração de um contrato, uma vez que o serviço público estaria fora do comércio[39].
Há ainda autores que vislumbram na concessão um ato misto, o qual contemplaria um ato administrativo unilateral e disposições tipicamente contratuais[40]. Léon Duguit, por sua vez, considera a concessão um ato complexo em que se inserem disposições regulamentares (convenções-lei) e cláusulas de natureza contratual[41]. Consagrou-se na doutrina pátria e internacional a concepção da concessão de serviços públicos como contrato administrativo, regido por normas específicas e que sofre influência do interesse público norteador do ajuste, com incidência de cláusulas exorbitantes[42]. Referido entendimento, corroborado pelas disposições da Lei n. 8.987/95, é encampado para os fins a que este trabalho se propõe.
A par das discussões doutrinárias acerca de sua natureza, fato é que a concessão figura como um relevante instrumento de descentralização da prestação de serviços públicos, como meio de viabilizar a diminuição do tamanho do Estado e a eficiência no atendimento das demandas de interesse público. Com a concessão, a titularidade do serviço público permanece com o Estado, ao passo que a execução da atividade é atribuída ao setor privado, mediante acompanhamento e controle da Administração Pública.
2.1 Peculiaridade e legislação
No âmbito do contrato da concessão se intenta compatibilizar duas posições aparentemente inconciliáveis: o serviço público, que deve funcionar no interesse geral e sob os auspícios do Poder Público, e a busca do lucro pelas empresas particulares[43]. A necessidade de equilibrar ambos os objetivos[44] faz do contrato de concessão um ajuste complexo e que merece especial atenção.
Nessa esteira, o regime jurídico da concessão deve balizar-se pela continuidade do serviço adequado, pela modicidade das tarifas, mutabilidade do serviço[45], universalidade na prestação e na possibilidade de intervenção do Poder Público[46]. Esses são os requisitos necessários para garantia do regime jurídico do serviço público.
Por outro lado, uma vez que o ajuste deve criar expectativas reais de ganhos econômicos para ser viável, contemplam-se cláusulas contratuais de índole financeira, dentre as quais se sobressai a que aborda o direito ao equilíbrio econômico-financeiro[47].
As cláusulas do serviço público e as cláusulas financeiras são auto-referentes, uma vez que a presença de uma é justificada pela necessidade da outra. A cláusula que resguardar o equilíbrio econômico-financeiro[48], cujo parâmetro é a equação inicial à época da contratação, está vinculada à continuidade do serviço público, no sentido de que o concessionário somente permanecerá na prestação do serviço se a remuneração correspondente for suficiente para fazer frente aos seus dispêndios. Por outro lado, somente se garante a prestação do serviço com qualidade e de forma contínua se forem invertidos recursos na manutenção e aprimoramento da prestação.
Inicialmente, o desenho contratual da concessão foi norteado por princípios importados do direito privado, notadamente os de pacta sunt servanda[49] e lex inter partes[50]. No entanto, a evolução do instituto forçou a que referidos princípios fossem flexibilizados[51], com vistas a garantir a continuidade e escorreita prestação do serviço, de relevância pública[52].
Na perspectiva do serviço público, portanto, a concessão precisou ser redesenhada para contemplar as suas particularidades e compatibilizar os pólos dos interesses do concessionário e do serviço.
Com o amadurecimento da questão, consagrou-se, na doutrina, na jurisprudência e também em nível normativo, o direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. No que toca ao ordenamento jurídico, a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro encontra respaldo em postulados[53] assegurados na Constituição[54].
A Lei n. 8.987/95 (Lei Geral de Concessões) conceituou a concessão de serviço público como “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado[55]”.
A referência normativa de que o serviço é prestado por conta e risco do concessionário balizou a extensão da cláusula de manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato e resultou no desenvolvimento da teoria das áleas[56]. A teoria norteia o alcance do direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, não obstante não haver condicionamento expresso no texto legal[57].
A quebra do equilíbrio quando motivada por causas previsíveis, a álea ordinária, é suportada pelo concessionário[58]. A razão da imputação remete à presumida capacidade empresarial do concessionário de previsão dos riscos e alterações e incorporação dessa vulnerabilidade na proposta ofertada.
No entanto, os fatos imprevisíveis ou fatos cujas conseqüências são inevitáveis e incalculáveis[59] (álea extraordinária) que rompem a equação inicialmente firmada dão ensejo ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro na proporção do impacto que tenham causado. O caso fortuito e a força maior e o fato do príncipe e fato da administração são apontados como exemplos da teoria da imprevisão e da álea administrativa contempladas na álea extraordinária[60].
Verifica-se, portanto, a singeleza da teoria das áleas para a garantia do equilíbrio econômico financeiro do contrato e também para promover a adequação e atualização dos serviços prestados. A vagueza dos termos impede, por vezes, a definição segura de um evento como inerente à álea ordinária ou como enquadrado na teoria da imprevisão ou da álea administrativa. O fator financeiro nem sempre é considerado na interpretação dos contratos e nos seus ajustamentos às alterações normativas e tecnológicas[61].
2.2 Administração do risco
A necessidade de se fortalecerem os mecanismos de execução do contrato de concessão, com a compatibilização do regime jurídico dos serviços públicos e a variável econômica de retorno do concessionário, revela-se premente em face da extensa diversidade das demandas por serviços públicos, da variabilidade dos grupos de consumidores, das incertezas econômicas e políticas que envolvem os contratos de longo prazo. E, certamente, mudanças advirão no contrato, mormente quando se considera a inafastável abertura do contrato de concessão e a constante evolução tecnológica[62] a que se sujeita.
Os riscos que envolvem os contratos de concessão são invariavelmente maiores e mais diversos do que eram quando o instituto foi modelado no contexto do Estado Sudsidiário[63]. Ressalte-se, ademais, que o contrato não mais se restringe ao liame entre poder concedente e concessionário. Os usuários, a quem os serviços públicos são destinados, se agregam a essa relação, o que implica que suas demandas sejam incorporadas nas discussões relativas aos efeitos do contrato e à sua adequação.
A teoria das áleas, por sua vez, considera a divisão dos riscos numa perspectiva abstrata e contempla somente os prejuízos já existentes, contabilizados. Não fornece um parâmetro seguro para diferenciar, nos casos práticos, o que se enquadra como álea ordinária ou extraordinária e a quem imputar a responsabilidade para arcar com as conseqüências[64]. Não está, portanto, suficientemente habilitada para lidar, sozinha, com a complexidade que envolve o contrato de concessão[65].
Necessário, portanto, desenvolver instrumentos que previnam o risco, com vistas a afastar a responsabilização do Poder Público pela ausência ou incompletude da prestação de serviços públicos e a garantir à população o atendimento contínuo de suas demandas por serviços públicos[66]. Ademais, uma vez que o risco do negócio integra a composição do preço da concessão, uma adequada gestão do risco importará numa avaliação menos onerosa no valor da concessão e de seus consectários, a exemplo da tarifa do serviço[67].
A ausência de previsão específica na lei não afasta a possibilidade de que referidos instrumentos sejam aprimorados.
A boa-fé objetiva[68], a abertura do contrato e a necessidade de relações contratuais estáveis fundamentam a necessidade de robustecer o planejamento da concessão[69]. É na fase pré-contratual que devem ser identificados os riscos para valoração na licitação e para que, no instrumento contratual, seja claramente repartida a responsabilidade para lidar com eles[70].
Nesse compasso, a Lei n. 11.079/2004, que instituiu as parcerias público-privadas, apresenta uma evolução normativa na administração do risco do contrato de concessão. Expressamente contemplou-se, como diretriz das parcerias público-privadas, a repartição objetiva dos riscos e foram apresentados instrumentos específicos para garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, tal como a contraprestação pelo poder concedente e a garantia pública aos créditos financeiros concedidos para execução do contrato.
Sabe-se, contudo, que a dimensão do equilíbrio econômico-financeiro do contrato somente pode ser efetivada considerando-se o caso concreto[71] e não há possibilidade de que sejam previamente delineadas todas as causas e definidos seus respectivos impactos na equação.
A valoração das situações de desequilíbrio e as soluções do reequilíbrio, portanto, não prescindem de um tratamento mais qualificado, por um quadro de recursos humanos capacitados que possa, efetivamente, acompanhar e avaliar a execução do contrato e propor as alterações pertinentes para garantir o equilíbrio econômico do ajuste[72]. Para tanto, deverão ser consideradas, em uma visão integrada, questões de ordem econômica, política, normativa e de gestão empresarial e do serviço público.
Uma vez que essas habilidades não são próprias à normatização, revela-se desinteressante a proliferação de normas sobre o tema da concessão, sob pena de se engessar um instrumento que não prescinde de flexibilização e adaptação às realidades concretas[73].
CONCLUSÃO
As transformações do paradigma de modelo do Estado correspondem às mudanças no espaço concedido aos serviços públicos e à sua delegação por intermédio do contrato de concessão.
Constata-se a relevância atual do tema das concessões, por ser o principal instrumento para prestação dos serviços públicos, cuja diversidade e complexidade se avolumam no cenário atual. Nesse contexto, a atual teoria de repartição de riscos e de garantia ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato revela-se insuficiente para permitir a continuidade do serviço público adequado e o proveito econômico justo por parte do concessionário.
Desse modo, faz-se necessário proceder a uma releitura da Lei n. 8.987/95 e revisitar a administração do risco dos contratos de concessão, com vistas a entabular novos instrumentos de gestão, acompanhamento e de soluções de reequilíbrio econômico-financeiro do ajuste.
Procuradora Federal lotada junto à Procuradoria Federal Especializada do Ibama. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Constitucional pela UniSul. Mestranda em Direito e Políticas Públicas 2011/2012 pelo UniCeub. Ex-procuradora do Estado de Goiás.
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