Resumo: O presente artigo trata do conhecimento e sua relação com a linguagem, analisando-se tais conceitos sob o prisma do Direito. Ao conceber o Direito como linguagem traz-se à baila a relevante questão da autonomia existente entre o direito positivo e a Ciência do Direito, estudo esse que desenvolvemos sob a ótica do chamado “giro lingüístico”.
Palavras-chave: Conhecimento. Linguagem. Direito. Giro linguístico.
Riassunto: L'articolo riguarda la conoscenza e il suo rapporto con il linguaggio, affrontandosi tali concetti attraverso il prisma del diritto. Quando si progetta il diritto come linguaggio porta alla ribalta l’importante questione dell’autonomia esistente tra diritto positivo e la Scienza del Diritto, autonomia questa, che analizziamo dal punto di vista del "giro linguistico".
Parole-chiavi: Conoscenza. Linguaggio. Diritto. Giro linguistico.
Sumário: 1. O conhecimento e a linguagem: premissas. 2. Direito, linguagem e método. 3. Da autonomia entre os ramos do direito positivo e da Ciência do Direito. Conclusões. Referências.
1. O CONHECIMENTO E A LINGUAGEM: PREMISSAS.
Por muito tempo se concebeu que por meio da linguagem o sujeito se conectava ao objeto, porque esta expressava sua essência. Todavia, houve uma mudança na concepção filosófica do conhecimento, cujo início atribui-se ao advento da obra Tractatus Logico Philosophicus, de Ludwig Wittgenstein.
Tal obra constituiu importante referencial ao tema da linguagem, pois foi a partir desta que iniciou o seu processo de independência em relação à realidade, passando a sobrepô-la. Esta fase, que chega até os dias atuais, é conhecida como “o giro linguístico”.
Por meio deste novo paradigma, a linguagem assumiu importante função, deixando de ser apenas instrumento de comunicação de um conhecimento já realizado para ser condição de possibilidade para constituição do próprio conhecimento enquanto tal.[1]
A linguagem, como bem destaca Tárek Moysés Moussallem[2], não é o espelho da realidade. Trata-se de mundos distintos quanto não interseccionáveis. A linguagem existe per se, é auto-subsistente. É o universo humano.
É através da linguagem que se (re)constroem os acontecimentos físicos, e para que eles efetivamente existam no universo é necessário que sejam resgatados por uma linguagem. Assim, nada existe fora das interpretações.
Considerando o mundo como uma construção de significações, podemos afirmar que nada existe fora da seara interpretativa, pois uma palavra só se explica por outra palavra e o significado de uma palavra já não é a coisa mesma, mas consiste em outra palavra.
Para a compreensão do homem e do direito reveste-se de peculiar importância o entendimento da realidade humana como uma continuidade lingüística na medida em que ambos não trabalham com os acontecimentos físicos, mas somente com a interpretação ou versão, por fim linguagem.
A linguagem é que organiza o caos do ato de conhecer, é forma, é a estrutura sobre a qual as limitações humanas e sensoriais são expressas. Ao constituir a realidade, ela passa a ocupar lugar essencial na relação de conhecimento.
O estudo do conhecimento é a principal tarefa do ramo da filosofia chamado epistemologia ou teoria do conhecimento.
Alaor Caffé Alves, citado por Paulo de Barros Carvalho[3], assim esclarece: “conhecer é representar-se um objeto. É a operação imanente pela qual um sujeito pensante representa um objeto. É o ato de tornar um objeto presente à percepção, à imaginação ou à inteligência de alguém… Esse processo cognitivo está fundado, portanto, em três elementos: a representação, o objeto representado e o sujeito que representa o referido objeto”.
O conhecimento é a relação entre linguagens-significações, constituindo, assim, um fato complexo que ocorre dentro de um processo comunicacional. É a relação que se dá entre a linguagem do sujeito cognoscente e a linguagem do sujeito destinatário sobre a linguagem do objeto-enunciado, como bem leciona Tárek Moysés Moussallem[4].
De acordo com a corrente conhecida por “giro linguístico”[5], a experiência, além de só se tornar possível por causa da linguagem, resta condicionada pela própria linguagem. A palavra não é só a materialização do pensamento, é o próprio pensamento.
Assim, temos que não existe conhecimento sem linguagem, nem linguagem sem conhecimento. O conhecimento é o que impulsiona e cria o mundo e é criado pelo mundo.
2. DIREITO, LINGUAGEM E MÉTODO.
Existe profunda relação entre estes itens fundamentais da ciência.
O Direito, enquanto objeto cultural é entendido como um fenômeno lingüístico que constrói realidades próprias, dentro de um conjunto de fundamentos que são a unidade do sistema.
A unidade do sistema é formada por pontos que se baseiam em uma estrutura que é a norma, consistente em estrutura lógica que conjuga um antecedente e um conseqüente por meio de um functor deôntico.
Segundo Jonathan Barros Vita é da contingência e generalidade que surge a unidade do sistema jurídico, o seu código lícito/ilícito, que cria assimetrias e realiza a comunicação jurídica, sustentada pela linguagem[6].
O Direito é norma e norma é linguagem, de conseqüência, direito é linguagem.
Enquanto objeto do mundo o direito é e existe através da linguagem, que é a forma de criação de realidades, de existência do mundo, já que a linguagem é que está à frente dos acontecimentos, que são, somente, alcançados a posteriori, quando captados de maneira eficaz por um eixo lingüístico-comunicativo.
Obviamente, qualquer objeto de estudo, no caso, o direito, acaba tendo de ser aproximado mediante um método que é a forma do conhecer em sentido científico.
O vocábulo “método” deriva do grego methodos que significa “caminho para se chegar a um fim”. Os métodos regem a produção da linguagem científica, do modo que não existe conhecimento científico sem método e este influi diretamente na construção do objeto[7].
O método, bem como as técnicas utilizadas, está intimamente ligado às escolhas epistemológicas do cientista e influi diretamente na construção de seu objeto, demarcando o caminho percorrido para justificação de suas asserções.
Olhando externamente ao sistema, constatamos que o direito cria suas próprias realidades, ao passo que dentro de uma visão interna, somente existe o direito, não existindo uma distinta realidade para este.
De outra parte, o método também pode ser descrito como uno e ao mesmo tempo plural, pois para conhecer um objeto de estudo de nada adianta ter apenas uma visão, que é sempre deturpada, falha e arreflexiva por natureza.
Consiste o método num posicionamento/reposicionamento frente ao objeto constante, quer seja por meio da semiótica, lógica, da filosofia, o que infere que o método é aplicado na construção e investigação do objeto, que é dúplice e uno ao mesmo tempo, pois se estuda a linguagem que é a forma de expressão do direito[8].
O método, portanto, bem como as técnicas utilizadas, está intimamente ligado às escolhas epistemológicas do cientista e influi diretamente na construção de seu objeto, demarcando o caminho percorrido para justificação de suas asserções.
3. DA AUTONOMIA ENTRE OS RAMOS DO DIREITO POSITIVO E DA CIÊNCIA DO DIREITO.
Cumpre pontuar inicialmente que o direito é entendido, para todos os efeitos, aqui, como um fenômeno que se expressa e existe como linguagem esquematizada em um contexto de comunicação, organizado sob a forma de um sistema único.
Tal unidade consiste dizer que as meras divisões de abordagem ou distinções entre os ramos do direito são de caráter meramente metodológico, pois a simplificação é base de qualquer estudo científico, do que é válido afirmar a existência de uma divisão na ciência do direito, mas nunca será válido afirmar que o direito positivo divide-se[9].
Inobstante o caráter da unidade, temos que o termo “direito” é passível de inúmeras referências denotativas.
Nesse contexto, temos a realidade do direito positivo e da ciência do Direito, que, enquanto mundos diferentes, não se confundem. Todavia, por serem representados linguisticamente pela mesma palavra e por serem ambos tomados como objeto do saber jurídico, acabam não sendo percebidos separadamente por todos[10].
Importante destacar a distinção feita por Paulo de Barros Carvalho[11] entre a realidade do direito positivo e da Ciência do Direito. Assevera que “são dois corpos de linguagem, dois discursos lingüísticos, cada qual portador de um tipo de organização lógica e de funções semântica e pragmática diversas”. Correspondem, portanto, a duas regiões do conhecimento jurídico. Assim, se o direito positivo é o conjunto de regras jurídicas válidas em um determinado país e em determinada época, “à Ciência do Direito cabe descrever esse enredo normativo, ordenando-o, declarando sua hierarquia, exibindo as formas lógicas que governam o entrelaçamento das várias unidades do sistema e oferecendo seus conteúdos de significação”.
A Ciência do Direito possui uma linguagem própria e distinta do direito positivo, pois as ciências, de uma forma geral, são apresentadas com a linguagem em sua função descritiva, forma declarativa, e tipologicamente qualificada como científica[12].
Consiste, em verdade, num ramo científico que visa descrever, organizando o conhecimento, seguindo metodologia que dê conteúdo de segurança ao conhecimento exposto, fazendo notas e observações a respeito do seu objeto, que é o direito positivo ou, de forma mais abrangente, o direito possível, seguindo a técnica de Robles.
Já o direito positivo apresenta-se revestido, normalmente, da função prescritiva, podendo ser ainda afásica, operativa, persuasiva ou, também, sob função metalingüística, com forma declarativa e tipologicamente classificada em técnica.
Na doutrina do ilustre Professor Paulo de Barros Carvalho[13] encontramos o ensinamento de que “o direito positivo aparece como um plexo de preposições que se destinam a regular a conduta das pessoas, nas relações inter-humanidade”.
A partir de um vínculo ciência – objeto, o mesmo jurista concebe ciência jurídica como aquela à qual “cabe descrever esse enredo normativo” (o direito positivo) ordenando-o, declarando sua hierarquia, exibindo suas formas lógicas que governam o entrelaçamento das várias unidades do sistema e oferecendo seus conteúdos de significação.
Com os dados apresentados, podemos dizer que o Direito Positivo exprime valores de validade ou invalidade, enquanto a Ciência do Direito, que emprega linguagem descritiva, transporta valores de verdade ou falsidade.
Quanto aos valores dos dois mundos lingüísticos o saudoso Lourival Vilanova[14] disserta: “Examinando-se os textos onde a teoria pura do direito tem feito a distinção entre norma jurídica (Rechatnorm) e proposição jurídica (Rechatssatz), vê-se que se estriba nos seguintes pontos: I – a norma jurídica provém do fato do costume, ou do ato de legislador (em sentido amplo); a proposição jurídica procede do ato cognoscente, da Ciência do Direito; II – o modo-de-referência (semântico) da norma jurídica é prescritivo de possíveis fatos de um universo-de-fatos; o modo-de-referência das proposições jurídicas é o descritivo de fatos; III – conseqüentemente os valores de normas diferem dos valores de proposições: umas, válidas ou não-válidas; outras, verdadeiras ou falsas.”
Portanto, a linguagem prescritiva do direito positivo estabelece regras de comportamento denominadas normas jurídicas, ao passo que o discurso da Ciência do Direito caracteriza-se por uma sobrelinguagem descritiva das normas jurídicas.
CONCLUSÕES.
Diante de quanto apresentado nas linhas anteriores, tem-se que o direito se trata, em verdade, de objeto cultural e se traduz num fenômeno lingüístico que constrói realidades próprias.
Direito é norma e norma é linguagem, logo, direito é linguagem, silogismo básico e eficaz na demonstração de que o direito e linguagem são interconectados.
Enquanto objeto do mundo o direito é e existe através da linguagem, que é a forma de criação de realidades, de existência do mundo, já que a linguagem é que está à frente dos acontecimentos, que são, somente, alcançados a posteriori, quando captados de maneira eficaz por um eixo linguístico-comunicativo.
Em outras palavras, a linguagem é o meio pelo qual o cientista visualiza o direito, por esta ser o direito, em determinadas condições.
Neste ótica há que se destacar a importante contribuição do professor Paulo de Barros Carvalho que, reinterpretando Lourival Vilanova, apresentou uma teoria chamada de Constructivismo Lógico-Semântico. Esta teoria apresenta um foco específico que perfaz um importante entrecruzamento entre aspectos lógicos (sintáticos), o chamado giro lingüístico e uma forte investigação semântica das estruturas e palavras dispersas no corpo do direito positivo.
Advogado especialista em Direito Tributário pela UNISUL/SC mestre em segundo nível em Direito Tributário da Empresa pela Università Commerciale Luigi Bocconi de Milão Itália e mestrando em Direito Tributário pela PUC-SP
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