Considerações acerca do início da contagem do prazo prescricional na reparação civil

Resumo: Introdução ao tema. Considerações teóricas acerca do instituto da prescrição. São trazidas hipóteses de início de contagem da prescrição no Direito Civil e no CDC. Discussão sobre a novidade do Código Civil de 2002. Conclusão. 


Sumário: 1. Introdução; 2. Do Instituto da Prescrição. 3. Do início da contagem do prazo prescricional. 4. Da introdução do artigo 189 do Novo Código Civil acerca da prescrição. 5. Conclusão. 6. Bibliografia.


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Palavras-chave: Prescrição; Contagem; Código; Civil.


1. Introdução.


O presente trabalho visa a identificar o termo inicial da contagem do prazo prescricional, uma vez que a evolução do instituto da prescrição no Código Civil de 2002 trouxe critério novel inexistente no anterior.


Sob a égide do Código Civil de 1916, diferentes aplicações poderiam ser utilizadas pelos operadores do Direito com o intuito de beneficiar ou prejudicar uma das partes da relação jurídica. Atualmente, em razão da consolidação de posicionamento expresso no novo diploma civil, pôs-se fim à controvérsia.


De plano, cabe salientar que o presente artigo não trata da questão dos prazos prescricionais durante o período de transição entre o Código Civil de 1916 e de 2002, nos termos do art. 2.028 do Novo Código Civil. Restringe-se somente ao início da contagem do prazo de prescrição de dano causado já na vigência do Código Civil de 2002. 


2. Do Instituto da Prescrição.


De acordo com a definição de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (NERY JR.e NERY, 2006), a prescrição “é a causa extintiva da pretensão de direito material pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei”. Portanto, ocorrendo a lesão a um direito subjetivo, nasce para o titular deste uma pretensão de exercê-lo, dentro de um prazo previsto em lei.


Tal prazo é de suma importância, uma vez que garante a estabilidade das relações que se consolidaram durante um período de tempo. Assim, em não havendo o exercício da pretensão surgida com a lesão ao direito, há que se entender que duas situações ocorrem: uma situação de direito violado e outra situação de fato que se consolidou com o não exercício do direito pelo seu titular.


Pode-se destacar, a título de exemplo, que, existindo a ocorrência de danos materiais, o titular do direito lesado possui uma pretensão de obter uma indenização a ser paga pelo causador do dano, como na hipótese de reparação civil, tendo aquele direito ao ressarcimento por tais danos materiais.


Entretanto, no caso de omissão do titular do direito violado, a situação de fato consolida-se para o causador do dano que configura a expectativa de não reparar o dano causado, seja porque o dano não foi relevante para a pessoa lesada, seja porque não houve interesse desta na devida reparação civil. Ora, em havendo inércia do titular do direito violado, por um período determinado em lei, a situação de fato de não ressarcimento se consolidará, sobrepondo-se inclusive à situação jurídica existente.


É de se ressaltar que a prescrição surge, de um lado, como fenômeno capaz de fazer com que haja a perda da pretensão de um direito subjetivo pelo seu titular que se quedou inerte durante um prazo fixado em lei, e de outro, como fenômeno liberatório da obrigação por parte do causador do delito, caso queira se valer da alegação da prescrição. Na lição de Roberto Senise Lisboa (LISBOA, 2004), “a prescrição não extingue direito material algum, porém veda o exercício da pretensão judicial ao cumprimento da prestação”.


Assim, trata-se de instituto que visa a privilegiar a segurança das situações de fato decorrentes da inércia do titular de um direito subjetivo violado, justamente porque se ele não quis exercer seu direito durante um período razoável (fixado em lei), entende-se que a lesão não o afetou de maneira tão significativa. Por isso, mantém-se a situação de fato de não indenizá-lo, como dito anteriormente, uma vez que houve, também, a expectativa por parte do causador da lesão de que sua conduta não afetou o lesado de forma tão drástica que merecesse reparação durante certo período.


Não se quer dizer com isso que o causador da lesão deva ser privilegiado em detrimento do lesado, mas que o comportamento deste (ou melhor, o não comportamento) fez consolidar uma situação de fato existente. Assim, a prescrição existe porque houve a inércia do titular do direito lesado.


Tem-se, portanto, segundo doutrina de Alan Martins e Antonio Borges de Figueiredo (MARTINS e FIGUEIREDO, 2004), um dos fundamentos da prescrição:


“… a maioria dos doutrinadores fundamenta a existência do instituto na intenção social de não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto, estabelecendo-se, assim, harmonia e segurança jurídica na sociedade. Sem a prescrição para pôr termo às pretensões, mesmo depois de decorridos tempos imemoriais, sempre haveria a possibilidade de serem propostas ações, cujos direitos pleiteados já teriam suas provas de constituição perdidas no tempo…”


De acordo com tais juristas, a prescrição fundamenta-se não na concessão de privilégios a uma das partes, mas sim em critérios objetivos de forma a preservar a segurança das relações jurídicas e a paz social.


3. Do início da contagem do prazo prescricional.


Questão relevante é o conhecimento de quando se inicia a contagem do prazo prescricional: se da data da lesão ou da data do conhecimento do fato por parte do titular lesado.


Primeiramente, cumpre observar que o artigo 178 do Código Civil de 1916 nada mencionava acerca do início da contagem do prazo. Simplesmente estabelecia os prazos de prescrição e de decadência. Aplicava-se, então, o entendimento que admitia como termo inicial da prescrição a data em que surgiu o legítimo interesse. Ora, a expressão “legítimo interesse” possui caráter subjetivo, dando azo ao questionamento acerca do início da contagem do prazo prescricional.


Subsistia, portanto, a dúvida acerca da data em que surgiu o legítimo interesse, se esta seria contada desde quando o direito foi violado ou somente a partir do momento em que o titular do direito lesado tomou conhecimento do fato. Tal questionamento, presente à época, admitia decisões ora num sentido, ora em outro, fazendo com que não houvesse critério objetivo identificador do momento correto, o que criava situações díspares, a depender do termo inicial utilizado.


Com essa falta de posicionamento, o causador da violação do direito poderia ser beneficiado com o prazo prescricional, se o início da contagem desse prazo se desse a partir da lesão, ou poderia ser prejudicado, caso o início do prazo prescricional somente ocorresse a partir do conhecimento do fato pelo titular lesado.


Em que pese o argumento de que o causador da violação do direito não poderia ser beneficiado em detrimento do titular do direito lesado, é de se entender que o instituto da prescrição não visa a privilegiar ou a prejudicar determinada pessoa. Trata-se, apenas, de instituto cujo fundamento busca a estabilidade das relações sociais, em observância ao Princípio da Segurança Jurídica, só alcançando o titular do direito lesado, repise-se, na medida em que se quedou inerte durante certo período. Assim, no estudo da prescrição devem ser avaliados critérios objetivos que, uma vez presentes, dão plena aplicabilidade ao instituto.


4. Da introdução do artigo 189 do Novo Código Civil acerca da prescrição.


Para afastar qualquer dúvida, o artigo 189 do atual Código Civil introduziu regra esclarecedora, definindo o momento inicial da prescrição, in verbis: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206”.


Conforme se depreende do dispositivo legal supracitado, pode-se afirmar que, com a violação do direito ou, em outras palavras, com a ocorrência da lesão, começa-se a correr o início da contagem do prazo prescricional.


Ressalta-se, ainda, a novidade trazida pelo Código Civil de 2002 no que se refere ao instituto da prescrição, tendo em vista as reformas significativas ocorridas, tais como a diferenciação com a decadência, feita de maneira enunciativa em cada dispositivo, e, também, em linhas gerais, a expressa disposição acerca do início da contagem do prazo.


Assim, a reforma trazida pelo novo Código Civil no artigo 189 pôs fim à discussão acerca do início da contagem do prazo, fazendo com que não haja mais dúvidas que poderiam beneficiar ou prejudicar uma das partes envolvidas na relação jurídica por questões de dias, entre a ocorrência da lesão e do conhecimento do fato.


Quanto ao início do prazo prescricional, em se tratando de ação de indenização por reparação de danos, ter-se-iam, pelo Código Civil de 1916, duas possibilidades.


A primeira consistiria na possibilidade de se contar o início do prazo prescricional a partir da data do fato, isto é, da lesão, o que prejudicava o titular do direito violado, pois o prazo para a prescrição ser-lhe-ia desfavorável, na medida em que teria de ter conhecimento imediato do fato para usufruir de todo o prazo legal, sob pena de perda da pretensão da reparação de danos.


A segunda ocorreria no caso de se contar o início do prazo prescricional a partir do conhecimento do fato pelo titular do direito lesionado. Nessa hipótese, o ingresso com pedido reparatório em face do causador da violação do direito ocorreria em momento posterior à lesão, momento este que não seria definido por critérios objetivos, o que poderia ser utilizado, de má-fé, pelo titular do direito lesado.


Na vigência do antigo Código Civil, houve quem se posicionasse no primeiro sentido, de acordo com lições de J.M. Leoni Lopes de Oliveira (OLIVEIRA, 1999), a seguir transcritas:


“A prescrição começa a correr do dia em que o direito subjetivo poderia ser exercido. É a partir do dia em que o titular do direito subjetivo poderia fazê-lo valer que começa a correr o prazo prescricional.”


“Podemos afirmar que, no momento em que ocorre a lesão a um direito subjetivo, inicia-se o prazo prescricional.”


Na segunda situação, em havendo início da contagem do prazo prescricional apenas com o conhecimento do fato pelo titular do direito lesado, o uso do instituto da prescrição ficaria submetido a um critério altamente subjetivo, pois ficaria sujeito à vontade do titular do direito lesado que determinaria, ao seu critério, o momento inicial em que tomou conhecimento do fato.


Assim, se o titular do direito lesado agisse de má-fé, poderia utilizar essa contagem de prazo prescricional em seu favor, alegando que teve conhecimento do fato na data que bem lhe aprouvesse, mesmo que já tivesse tomado conhecimento do fato anteriormente. Significa dizer que deixar ao arbítrio da parte a “escolha do momento” em que tomou conhecimento, pode acarretar um subterfúgio que pode ser usado de má-fé pelo beneficiário, ferindo de morte o instituto da prescrição, que visa, dentre outras, à manutenção da segurança, da estabilidade das relações jurídicas e da paz social.


Tal critério subjetivo poria fim ao instituto da prescrição, pois qualquer pretensão poderia, facilmente, se tornar imprescritível, a depender da vontade de uma das partes. Ademais, seria violado, ainda, o Princípio da Boa-Fé Objetiva, visto que o início da contagem do prazo prescricional ficaria ao arbítrio do titular do direito violado, que poderia usá-lo ao seu alvedrio. 


Esse, também, é o entendimento dos ilustres civilistas Alan Martins e Antonio Borges de Figueiredo (MARTINS e FIGUEIREDO, 2004), ao preceituarem que:


“Sem dúvida, seria mais vantajosa para o titular do direito violado a orientação de que a prescrição começaria a fluir a partir do conhecimento da violação. Não por outra razão, tal concepção subjetivista acabou defendida na primeira edição desta obra, que teve lume ainda na vigência do diploma de 1916, durante a vacatio legis do Código agora em vigor.”


“Obtempere-se, contudo, que a adoção expressa da concepção subjetivista como regra sempre impingiria o ônus da prova da data exata do conhecimento da violação a alguma das partes ou até a terceiros. Poderiam surgir dificuldades e prejudicar a segurança jurídica que busca o instituto da prescrição, razão pela qual o codificador de 2002 adotou uma concepção objetivista do princípio actio nata, estabelecendo, como regra, o momento da violação como termo inicial do lapso prescricional (art. 189).”


Destarte, os aludidos autores informam que houve uma evolução no entendimento acerca do início da contagem do prazo prescricional a partir do Código Civil de 2002, ao estabelecer que tal prazo, previsto no artigo 189, ocorre a partir da violação do direito ou da lesão e não do conhecimento do fato.


Observa-se que, excepcionalmente, a contagem do início do prazo inicia-se do conhecimento do fato somente quando a lei assim expressamente prevê. Diante disso, quando a lei quis prever o início da contagem do prazo prescricional a partir da data do conhecimento do fato, assim o fez expressamente, conforme se verifica no art. 206, § 1 º, inciso II, alíneas “a” e “b”, do Código Civil de 2002. Noutro sentido, o artigo 189 do Novo Código, inserido nas disposições gerais sobre prescrição, e, por isso, estabelecendo regra geral, dispõe, apenas, que a prescrição começa a correr da violação do direito.


Em lúcida doutrina sobre a questão, cumpre trazer à baila preciosa lição de Alan Martins e Antonio Borges de Figueiredo (MARTINS e FIGUEIREDO, 2004), a seguir transcrita:


“Portanto, agora, somente se conta a prescrição a partir da data do conhecimento da violação em situações excepcionalmente expressas em normas específicas, como é o caso das pretensões excepcionalmente expressas em normas específicas, como é o caso das pretensões do segurado pelo segurador, ou deste contra aquele, cujos prazos prescricionais anuais devem ser contados: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão (CC/02, art. 206, §1º, inciso II, a e b).”


Ressalta-se que o entendimento do início da contagem do prazo prescricional a partir do conhecimento do dano quando a lei não exige, poderia levar ao absurdo de tornar imprescritíveis certas pretensões, uma vez que ficaria a critério subjetivo da parte dizer se tomou ou não conhecimento do fato, podendo dar azo à má-fé do titular do direito violado, contrariando os Princípios da Segurança Jurídica e da Boa-Fé Objetiva que devem pautar as relações civis.


5. Conclusão.


Assim, pode-se concluir que o início da contagem do prazo prescricional dá-se, em regra, a partir da lesão do direito, só havendo cômputo a partir do conhecimento do fato nos casos explicitados em lei. Significa dizer que o critério objetivista é preservado de qualquer maneira, na medida em que é legalmente estabelecido, seja quando a lei determine que o início da contagem do prazo prescricional se dê a partir do conhecimento do fato, seja quando comece a ser contado, como regra geral, a partir da lesão, nos termos do artigo 189 do Código Civil de 2002, garantindo mais eficazmente a aplicação da prescrição no caso concreto, de acordo com os Princípios da Segurança Jurídica e da Boa-Fé Objetiva.


 


Bibliografia.

BRASIL. [Código Civil (1916)]. Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

BRASIL. [Código Civil (2004)]. Código Civil. Lei n.º 10.406, de 10-1-2002, acompanhada de legislação complementar, súmulas e índices sistemático e alfabético-remissivo do Código Civil. 55. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL. [Código Civil] Código Civil: quadro comparativo 1916/2002, atualizada até maio de 2003. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2003.

BRASIL. Código Civil (2002). Código Civil e Constituição Federal: Lei n.º 10.406, de 10-1-2002, acompanhada de legislação complementar, súmulas e índices sistemático e alfabético-remissivo do Código Civil, cronológicos da legislação e alfabético da legislação complementar, da Lei de introdução e das súmulas. 58. ed. [atual.]. São Paulo: Saraiva, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva , 2007. Vol. 1.

LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. Vol. 1.

MARTINS, Alan ; FIGUEIREDO, Antonio Borges de. Prescrição e Decadência no Direito Civil: doutrina, legislação e jurisprudência, de acordo com o velho e novo Código Civil. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004.

NERY JR., Nélson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado: atualizado até 20 de maio de 2006. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006.

OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 1999. Vol. 2.

Informações Sobre o Autor

Carla Regina Oliveira Caldeira de Andrada

Advogada – OAB-RJ 101.702. Especialista em Direito pela FESMPDFT


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Equipe Âmbito Jurídico

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