Considerações quanto à decretação de prisão civil pelo juiz, sem que seja pedida na inicial da ação de depósito

Segundo
o conceito de VICENTE GRECO FILHO a ação de depósito tem por finalidade exigir
a restituição da coisa depositada.1  É
a ação adequada quando se trata de depósito regular, legal, ou convencional,
que tem por objeto coisa infungível.

De acordo com a Constituição Federal, artigo 5º,
LXVII, não haverá prisão civil por dívida, salvo se o responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário
infiel, em suma, a prisão civil é uma exceção e não a regra, não possuindo
caráter criminal, mas simplesmente medida coercitiva, para que o depositário
cumpra com a obrigação de devolver a coisa, que deve ser cessada,
imediatamente, quando ele devolver a coisa ou consignar o equivalente, senão
vejamos in verbis o  pronunciamento do CPC:

“Art.
905. Sem prejuízo do depósito ou da prisão do réu, é lícito ao autor promover a
busca e apreensão da coisa.  Se esta for encontrada ou entregue
voluntariamente pelo réu, cessará a prisão e será devolvido o equivalente em
dinheiro.” (grifamos)

A
prisão do depositário infiel deverá ser pedida com a inicial (art. 902, § 1º),2 apesar
do STF Ter entendido, ultimamente, que o pedido poderá ser feito pelo autor, na
fase de cumprimento da decisão, ainda que não conste na sentença, conforme
enuncia a Sumula 619 do STF – “A prisão do depositário judicial pode ser
decretada no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente
da propositura da ação de depósito”.

Em
se tratando de depositário judicial, pode o magistrado determinar,  nos
próprios autos da execução, que ele exiba o bem penhorado ou o equivalente em
dinheiro, sob pena de prisão. (RT 702/90).
A petição inicial da ação de deposito, deverá estar instruída com prova literal
do depósito e a estimativa do valor da coisa.  Caso não estiver constando
o contrato, o autor pedirá a citação do réu, para no prazo de cinco dias, entregar a coisa, depositá-la em juízo ou consignar-lhe o
equivalente em dinheiro ou contestar a ação.  O devedor pode depositar ou
consignar e contestar também.

Na
petição inicial poderá constar, ainda, a cominação da pena de prisão até um ano
como depositário infiel, mas o magistrado só a decretará se procedente a ação
na sentença final (artigo 904 do CPC).  O pedido na inicial é
condicionante da decretação da sentença.  Como a apelação contra a
sentença tem efeito suspensivo, a execução da ordem somente pode ocorrer após o
julgamento do recurso confirmando a sentença de procedência.  Na sentença
final, procedente a ação, o juiz determinará a entrega da coisa em 24 horas ou
o equivalente em dinheiro, sob pena do depositário infiel.

Importante
observar que a pessoa jurídica poderá, também, ser depositária e, em
conseqüência, ser ré na ação de depósito.  Entretanto não é possível a
prisão de pessoa jurídica, a decretação da prisão deve recair sobre seus
representantes legais, ou pessoa designada por ela ,
que tenha aceito e participado do ato do depósito.

Na visão do ilustre mestre JOSÉ CARLOS BARBOSA
MOREIRA, só caberá a decretação da prisão civil na ação de depósito, se esta
for requerida na inicial, não podendo o autor a qualquer tempo da ação requerer
em juízo tal prerrogativa, não podendo também ao juiz decretá-la de ofício,
posicionamento compartilhado pelo processualista ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS,
observa-se, neste caso, o instituto da preclusão.

Em
sentido contrário está o Prof. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, que amparado pelo
posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que afirma que o disposto no art.
902, § 1º, não obriga o autor a pedir na inicial a
prisão civil do réu, sendo possível o pedido de prisão após o não cumprimento
do mandado de execução da sentença condenatória, segundo o aresto do Pretério Excelso, “prisão civil não é pena pública ou
privada, mas mera técnica processual de coerção (meio indireto de
execução).  Consequentemente, não é correta a exegese literal dada ao § 1º
do art. 902 do Cód. Proc. Civil no sentido de, se da
inicial não constar o pedido de prisão, haverá julgamento extra petita se a sentença aludir a ela a hipótese de
não-cumprimento do mandado de execução da condenação.  Não há, obviamente,
condenação a meio indireto de execução de sentença condenatória” (STF, Pleno,
Bem. De Div. No RE 92.847, ac.
De 03.05.84, Rel. Min. Moreira Alves in  RTJ 113/626).3

Ora,
se a prisão civil na ação de depósito é uma faculdade do credor, que poderá
dispensá-la, optando pela execução específica, ou pela execução do equivalente
econômico, sem que o procedimento se desnature.  Dessa forma ficamos com o
posicionamento de MOREIRA e SANTOS.  Inclusive, se a prisão não foi pedida
na inicial, deve refletir o desejo do autor de que ela não se concretize.
E, em posicionamento contrário, mas respeitando o posicionamento de THEODORO
JR. e do STF, entendemos que a decretação da prisão civil pelo juiz é uma
decisão supra petita.

Portanto,
sendo postulado a parte, não pode o juiz ex officio
decretar a prisão do depositário infiel.  Terá  que aguardar a
provocação do depositante, que poderá ocorrer tanto na petição inicial como em
fase ulterior do processo, como, por exemplo, após a frustração do mandado de
entrega expedido por força de sentença.4

A
prisão civil não é propriamente, um meio executivo, mas um meio coativo
subsidiário, somente se aplica se os meios executivos regulares não tiverem
sucesso.  A prisão é apenas um dos meios utilizados na fase executória do
procedimento, para atingir-se o desiderato da prestação
jurisdicional.   Daí cessar a prisão imediatamente, quando o réu
devolver a coisa ou consignar o equivalente (artigo 905 do CPC).

De
acordo com o STF o requerimento da prisão civil não sendo feito na inicial,
poderá sê-lo depois do não cumprimento de mandado de execução de sentença
condenatória.

A
cominação de prisão civil e decorrência automática da estruturação legal do
depósito, achando-se ínsita na ação do depósito.  Portanto, ao julgar uma
ação dessa espécie com ou sem pedido expresso do autor, o juiz pode lançar na
sentença a cominação abstrata – condeno o réu a restituir a coisa depositada
sob pena de prisão civil.  A expedição do mandado de prisão é que
dependerá de requerimento do autor.

 

Bibliografia:

DINAMARCO, Cândido Rangel –  A reforma do código de processo civil.
4. ed. rev. ampl. e  atual.. São Paulo: Saraiva,
1997.
GRECO FILHO, Vicente – Direito processual civil brasileiro. 12 ed.
atual.. 3° Vol. São Paulo: Saraiva, 1997.
MARCATO, Antônio Carlos – Procedimentos especiais. 8 ed.
rev. ampl. e
atual. São Paulo: Malheiros, 1998.
THEODORO JÚNIOR, Humberto – Curso de direito processual civil. 17 ed. rev. atual.. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
SANTOS, Ernane Fidelis – Manual de direito
processual civil. 5 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997.

 

Notas:
1. Greco Filho, Vicente. Op. Cit., p. 213.
2. Santos, Ernane
Fidélis. Op. Cit., p. 24.
3. Theodoro Júnior, Humberto.  Curso de
Direito Civil, 17ª ed. universitária. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 66.
4. Theodoro Júnior, Humberto.  Ob. Cit.,
p. 65.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Murcio Kleber Gomes Ferreira

 

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Prejuízos causados por terceiros em acidentes de trânsito

Acidentes de trânsito podem resultar em diversos tipos de prejuízos, desde danos materiais até traumas…

3 dias ago

Regularize seu veículo: bloqueios de óbitos e suas implicações jurídicas

Bloqueios de óbitos em veículos são uma medida administrativa aplicada quando o proprietário de um…

3 dias ago

Os processos envolvidos em acidentes de trânsito: uma análise jurídica completa

Acidentes de trânsito são situações que podem gerar consequências graves para os envolvidos, tanto no…

3 dias ago

Regularize seu veículo: tudo sobre o RENAJUD

O Registro Nacional de Veículos Automotores Judicial (RENAJUD) é um sistema eletrônico que conecta o…

3 dias ago

Regularize seu veículo: como realizar baixas de restrições administrativas

Manter o veículo em conformidade com as exigências legais é essencial para garantir a sua…

3 dias ago

Bloqueios veiculares

Os bloqueios veiculares são medidas administrativas ou judiciais aplicadas a veículos para restringir ou impedir…

3 dias ago