Considerações sobre o controle da administração pública no âmbito do Tribunal de Contas da União

Resumo: Este breve artigo objetiva discutir, de forma geral, as características do controle externo realizado pelo Tribunal de Contas da União, apresentando alguns detalhes sobre a estrutura desse órgão e dos processos administrativos   que tramitam em seu âmbito.

Palavras-chave: Controle da Administração Pública. Fiscalização Financeira. Controle externo. Tribunal de Contas da União. Processo.

Sumário: Introdução. 1 Conceito. 2 Controle Financeiro. 3 Controle externo. 4 Tribunal de Contas da União. 5 Jurisdição. 6 Estrutura Organizacional. 7 O Processo no Tribunal de Contas da União. 7.1 Contas. 7.2 Outros. Conclusão. Referências.

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Introdução

Conforme dispõe a Constituição Federal, na Seção dedicada à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, tal atividade será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder[1].

Neste texto são apresentados, de forma breve, alguns dos principais aspectos relacionados ao órgão responsável pela fiscalização financeira, como auxiliar do Congresso Nacional, qual seja, o Tribunal de Contas da União.

1 Conceito

Ao tratar da conceituação do termo “controle”, o magistério de Evandro Martins Guerra diz: “Controle, no sentido empregado nesse estudo, é a palavra originária do francês Contrerole, anotada, segundo pesquisadores, desde 1367, como também do latim medieval contrarotulus, significando, àquela época, “contralista”, isto é, segundo exemplar do catálogo dos contribuintes, com base no qual se verificava a operação do cobrador de tributes, designando um segundo registro, organizado para verificar o primeiro.”[2]

Posteriormente, teria ocorrido a evolução para a acepção mais atual, qual seja, a de análise, domínio e fiscalização.

2 Controle Financeiro

A norma insculpida no art. 70 da Constituição Federal dispõe que o Congresso Nacional exercerá a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, bem como das entidades da administração direta e indireta, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder .

Esta fiscalização é o controle exercido sobre o Executivo no que se refere a receita, despesa e gestão de recursos públicos.

No que tange à fiscalização financeira da Administração Pública, esta será realizada pelo Poder Legislativo, com auxílio do Tribunal de Contas, exercendo o chamado “controle externo”.

3 Controle externo

O Controle externo é o controle exercido por um órgão separado da estrutura do órgão que está sendo (ou será) controlado.

Em sentido amplo, pode-se dizer que o Poder Judiciário realiza controle externo sobre os outros Poderes.

Em sentido estrito, o controle externo é o controle exercido pelo Poder Legislativo e pelo Tribunal de Contas sobre a Administração direta e indireta dos outros Poderes.

4 Tribunal de Contas da União

A idéia de criação de um Tribunal de Contas no Brasil surgiu em 1826, mas somente após o fim do Império, já em 1890, é que foi institucionalizada a Corte, por iniciativa do Ministro da Fazenda da época, Rui Barbosa, através do Decreto nº 966-A.

A primeira Constituição Republicana, em 1891, institucionalizou o Tribunal de Contas da União.

Atualmente, a Constituição Federal de 1988 consagrou a Corte de Contas em seu art. 71 e seguintes, ampliando sua jurisdição e competência, de modo que “qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária, bem como daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário” tem o dever de prestar contas ao TCU[3].

Conforme os ensinamentos do i. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, o Tribunal de Contas da União ocupa posição institucional e natureza específicas, sendo instituição estatal independente, não se tratando de mero “apêndice” auxiliar do Poder Legislativo, tampouco hierarquicamente subalterno, não se submetendo a qualquer dos poderes.

Por tudo isso, é considerado um órgão sui generis, possuindo lei orgânica própria (Lei Nº 8.443, de 16 de Julho de 1992), bem como Regimento Interno (aprovado pela Resolução Nº 155, de 4 de Dezembro de 2002, publicada no DOU de 09.12.2002, Seção 1, p.125.), dotado de estrutura técnica, organizado e com autonomia administrativa.  

Trata-se de Corte Especial que exerce função de fiscalização com base na legalidade dos atos e com capacidade de julgar questões no âmbito de sua competência privative, submetendo os atos a exame de economicidade, além de legitimidade.

5 Jurisdição

A Constituição Federal definiu o exercício da função jurisdicional pelos Tribunais de Contas, especialmente na norma do art. 71, inc. II.

Assim, a Corte examinará, com exclusividade, a legalidade, legitimidade e economicidade expressas pelos elementos e valores contidos na prestação ou tomada de contas públicas.

Nesse sentido, o judiciário não teria função no exame de tais contas, não sendo competente para rever, apurar o alcance dos responsáveis, tendo em vista a competência exclusiva dos Tribunais de Contas, haja vista o conteúdo da jurisdição dos Tribunais de Contas ser diferente do conteúdo da jurisdição do Poder Judiciário, sob pena de se incorrer até mesmo em bis in idem.

Assim, pode-se dizer que o juiz comum julgará crimes e os Tribunais de Contas julgarão contas.

Contudo, em razão da adoção do sistema de jurisdição baseado na norma do art. 5º, XXXV, CF/88 que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” é possível a revisão do Poder Judiciário, mas esta somente se daria quando as decisões dos Tribunais de Contas estivessem contaminadas de: manifesta ilegalidade, abuso de poder ou quando o procedimento violasse garantia do devido processo legal (contraditório e ampla defesa).

As decisões produzidas pelos Tribunais tem natureza administrativa. E apenas as decisões condenatórias ensejam constituição de título executivo (conforme dispõe a norma do art. 71, § 3o., CF/88).

Tais decisões são remetidas ao Poder Judiciário (Advocacia Geral da União ou Ministério Público, nos casos em que se constate ilícitos configurando crimes) para que se promova a execução forçada.

6 Estrutura Organizacional

O Tribunal é composto por 13 Ministros, pelo Ministério Público especializado junto ao TCU, por 26 SECEX – Secretaria de Controle Externo – nos Estados, e várias outras Secretarias em Brasília, destacando-se as 9 SECEX especializadas Brasília/DF, 4 SECOBs – Secretarias de Obras e Patrimônio da União e a SERUR – Secretaria de Recursos.

7 O Processo no Tribunal de Contas da União

A fiscalização exercida pelo Tribunal de Contas da União se dá através de um processo administrativo.

De acordo com o Regimento Interno TCU, em art. 144, são partes no processo o responsável e o interessado.

O responsável é aquele qualificado na CR/88, Lei Orgânica do TCU e respectiva legislação aplicável e o interessado é aquele que, em qualquer fase do processo, tenha reconhecida pelo Relator ou Tribunal razão legítima para intervir no processo.

Esses são alguns dos tipos de processos específicos do Tribunal de Contas da União:

7.1 Contas:

7.1.1 tomadas de contas (art. 71, II, CF);

7.1.2 prestações de contas (art. 71, II, CF);

7.1.3 tomadas de contas especiais (art. 71, II, CF);

7.2 Outros:

7.2.1 processos de admissão de pessoal (CF, art. 71, III, 1ª parte)

7.2.2 concessões de aposentadorias, reformas e pensões (CF, art. 71, III, 2ª parte);

7.2.3 relatórios de auditoria (CF, art. 71, IV);

7.2.4 solicitações do Congresso Nacional (CF, art. 71, IV e VII);

7.2.5 denúncias (CF, art. 73, § 2º); etc.

Alguns dos procedimentos específicos são: levantamento, auditoria, inspeção, monitoramento, denúncia e representação.

O levantamento busca identificar objetos e instrumentos de fiscalização de modo a avaliar a viabilidade da realização de fiscalizações.

A auditoria se presta a examinar a legalidade e legitimidade dos atos de gestão dos responsáveis quanto ao aspecto contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial.

Por sua vez, a inspeção se destina a suprir omissões e lacunas de informações, esclarecer dúvidas ou apurar denúncias ou representações quanto a legalidade, legitimidade, economicidade de fatos da administração e dos atos administrativos praticados por responsável sujeito a sua jurisdição.

Através do monitoramento o Tribunal verificará o cumprimento de suas deliberações e os resultados dela advindos.

A denúncia e a representação, bem como a consulta, são considerados procedimentos especiais.

A denúncia de irregularidades pode ser apresentada por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato.

No caso da representação, tem legitimidade: o Ministério Público, os órgãos de controle interno, Senadores, Deputados, Juízes e Servidores Públicos, os Tribunais de Contas dos Estados, DF e Municípios, as próprias equipes de inspeção de auditorias, bem como órgãos, entidades e pessoas que detenham essa prerrogativa por força de Lei.

Como se vê, tais processos podem ser iniciados de ofício, por meio de uma Portaria de designação, no caso de processos de Relatório de Auditoria; pela apresentação da tomada ou da prestação de contas anual dos gestores; pelo recebimento de uma tomada de contas especial enviada pelo controle interno; por solicitação do Congresso Nacional ou de uma de suas casas ou das respectivas comissões; por denúncia conhecida pelo Relator (processo de denúncia) ou por representação conhecida pelo Relator (processo de representação).

Entre os critérios do Tribunal para escolha dos projetos cuja utilização de recursos públicos será fiscalizada estão: o valor empenhado no exercício anterior e o fixado para o posterior, projetos de grande vulto, a regionalização do gasto, o histórico de supostas irregularidades pendentes obtido a partir de fiscalizações anteriores, a reincidência de irregularidades já cometidas e, no que se refere especialmente às obras públicas, as obras contidas no Anexo de obras com indícios de irregularidades graves da Lei Orçamentária vigente.

Ainda com relação à fiscalização de obras públicas, o Tribunal classifica as supostas irregularidades em:

IG-P: Indícios de Irregularidades Graves – categoria ‘P’, que ensejam paralisação;

IGC: Indícios de Irregularidades Graves – categoria ‘C’, que permitem continuidade e

OI: Outras irregularidades, que não são consideradas irregularidades graves.

Definidos os projetos a serem fiscalizados, serão instaurados os processos administrativos, perante o Tribunal de Contas, disciplinado pela Lei 8.443/92, Lei Orgânica dessa Corte, e também pelo seu Regimento Interno aplicando-se, ainda, o Código de Processo Civil subsidiariamente.

Não resta dúvida de que é exigida a aplicação do devido processo legal, também na esfera administrativa.

O processo no Tribunal de Contas da União vai observar e atender também os princípios relativos ao processo administrativo federal, conforme a Lei 9.784/99, como por exemplo: o procedimento administrativo é, em regra, escrito, não se sujeita a formalismo rígido na instrução (formalismo moderado), os prazos não são peremptórios, são aceitas cópias reprográficas (xérox) sem autenticação, estão presentes a garantia ao contraditório e à ampla defesa, há a busca contínua pela verdade real, etc.

Após a instauração, os processos no Tribunal de Contas compreendem as fases de instrução, decisão e consequente execução.

Os documentos referentes à fiscalização são enviados ao Tribunal, protocolizados, autuados e distribuídos a um Ministro Relator, que presidirá aquele processo.

O Relator pode determinar audiências dos responsáveis e diligências, bem como solicitor manifestação das Secretarias do Tribunal e do Ministério Público especializado.

Os responsáveis são chamados aos autos através de recebimento de ofício do Tribunal, no qual lhes é oportunizado o exercício da ampla defesa.

Nesse momento, o responsável pode requerer vista e cópia dos autos, pode solicitar prorrogação do prazo para apresentar sua manifestação (desde que não se trate de fase recursal, que não admite dilação de prazo), que será protocolada por escrito em qualquer unidade (SECEX) do Tribunal de Contas e, caso deseje, pode  ainda apresentar sua manifestação em conjunto com outros responsáveis.

A defesa do responsável deve abordar todos os aspectos relacionados às supostas irregularidades apontadas, questões de fato e de direito.

Após o cumprimento de todos os trâmites relativos ao devido processo legal, o processo é colocado em pauta para julgamento pelo Plenário ou por uma de suas Câmaras.

As decisões dos colegiados, nos termos da Lei Orgânica do TCU, podem ser preliminares, definitivas ou terminativas.

Preliminar – o Tribunal se pronuncia antes da decisão do mérito das contas, podendo tratar de sobrestamento do julgamento, ordenar citação ou audiências dos responsáveis, fixar novos prazos ou determinar diligências para saneamento do processo.

Definitiva – o Tribunal julga e encerra as contas, classificando-as como regulares, regulares com ressalva ou irregulares.

Terminativa – o Tribunal ordena o trancamento das contas consideradas iliquidáveis, ou determina o seu arquivamento pela ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo ou por racionalização administrativa e economia processual.

Por fim, cabe informar quais os tipos de recursos que podem ser interpostos em face de decisões prolatadas pelo Tribunal de Contas.

São eles: Recurso de Reconsideração, Pedido de Reexame, Embargos de Declaração, Recurso de Revisão e Agravo.

O Recurso de Reconsideração é interposto em face de decisão definitiva e tem efeito suspensivo. O prazo para sua interposição é de 15 dias.

O Pedido de Reexame é utilizado em face de decisão de mérito proferida em processos concernentes à fiscalização de atos e contraltos. O prazo para sua interposição é de 15 dias.

Os Embargos de Declaração, assim como no processo judicial, devem ser manejados nos casos em que a decisão recorrida revele obscuridade, omissão ou contradição. Difere do processo judicial no que se refere ao prazo para sua interposição, que é de 10 dias.

O Recurso de Revisão, corresponde à “ação rescisória” no processo judicial, é recurso interposto em face de decisão definitiva, sem efeito suspensivo, interposto pelas partes, seus sucessores ou MP geralmente em processos de Tomadas de Contas Especial. O prazo para sua interposição é de 5 anos.

O Agravo pode ser interposto em face de despachos desfavoráveis à parte e  em face de medida cautelar. Diferentemente do Agravo no processo judicial o prazo para sua interposição é de 5 dias.

Importa colocar que, no Tribunal de Contas da União, o Relator pode receber uma peça recursal apresentada equivocadamente como se fosse outra, com base no princípio da fungibilidade recursal dos processos administrativos.

Conclusão

Considerando os desafios atuais no Controle Externo e, ainda, a carência de maior regulamentação e estabilização doutrinária, essas ações de controle merecem ser estudadas e analisadas.

Promover e incentivar o estudo, análise e discussões das questões relacionadas às atividades do TCU, sugerindo debates sobre temas ligados à prevenção da corrupção, dando maior visibilidade a esse que é o órgão central do Sistema de Controle Externo, sua macroestrutura, atribuições e a atuação desse órgão é uma forma de garantir acesso a informação e à promoção da cidadania.

            

Referências
Acórdão Nº 2992/2010 – TCU – Plenário, TC 027.472/2009-4, Relator Ministro Benjamin Zymler, DOU 11/11/2010, disponível em: www.tcu.gov.br acesso em 8 de dezembro de 2011.
ALMEIDA, Guilherme de La Rocque. Lei orgânica do Tribunal de Contas da União anotada: normativos correlatos. Belo Horizonte: Fórum, 2006. 332 p.
FERNANDES, J. U. Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. ed. 1.reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
FERRAZ, Luciano. Controle da administração pública: elementos para a compreensão dos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. 230 p.
GUERRA, Evandro Martins. Os controles externo e interno da Administração Pública. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
Notas:
[1] Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
[2] GUERRA, Evandro Martins. Os controles externo e interno da Administração Pública. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 89
[3] Art. 1o. da Lei Nº 8.443, de 16 de Julho de 1992, publicada no DOU de 17.7.1992 e art. 1o. da Resolução Nº 155, de 4 de Dezembro de 2002, Aprova o Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. Publicada no DOU de 09.12.2002, Seção 1, p.125.

Informações Sobre o Autor

Renata Ribeiro Felipe

Mestre em Direito Público pela PUC Minas. Bacharel em Direito pela PUC Minas. Conselheira CRPS do Ministério da Previdência e Assistência Social. Professora do curso de graduação em Direito da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – FUNCESI


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Equipe Âmbito Jurídico

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