Resumo: Este ensaio tem por objetivo analisar algumas questões pontuais e atuais sobre o ônus da prova no direito processual civil[1].
No Brasil, o juiz não pode esquivar-se de seu dever de decidir a causa posta à sua análise, uma vez que ao Estado não é dada esta prerrogativa. A ele, cabe buscar a pacificação social e isso não seria possível caso deixasse as partes às margens do direito. A partir do momento em que o Estado proibiu a justiça com as próprias mãos, assumiu integralmente o dever de pôr fim aos litígios sociais[2].
Mas, o que ocorre com a demanda se as partes não conseguirem convencer o juiz, em função de não produzir provas dos fatos articulados (que possuem o direito pleiteado)? Imagine-se não ser possível comprovar que o réu praticou determinado ato, eis que essa verdade não pôde ser provada com as provas existentes? Ou, ainda, o juiz não está convencido de quem tem razão?
Nesse tocante, salienta Carnelutti que a experiência do processo, sobretudo, ensina, mesmo ao grande público, que as provas não são freqüentemente suficientes para que o juiz possa reconstruir, com certeza, os fatos da causa. As provas deveriam ser como faróis que iluminassem seu caminho na obscuridade do passado; mas, freqüentemente, esse caminho fica nas sombras. O autor, então, pergunta-se: O que fazer em tais casos?[3]. O ordenamento seria falho se imputasse um dever que não fosse passível de cumprimento, pelo menos não em todas as situações, possuindo, então, o que se denomina de lacuna. Carnelutti responde à sua própria pergunta dizendo que é necessário julgar, mesmo assim adverte que, de uma forma ou de outra, poderá haver uma injustiça, pois quem não possui o direito pode ter uma sentença procedente, ou quem o possui pode não receber o bem litigado[4].
A fórmula encontrada pelos sistemas processuais foi a imputação de um ônus às partes, ou seja, a parte tem o ônus de fornecer provas dos fatos dos quais depende o efeito jurídico que pretende que o magistrado constitua ou certifique. Dessa feita, o sistema normativo brasileiro não possui referida falha, eis que atribui às partes determinados ônus processuais em relação à produção da prova que demonstrará seu direito.
O ônus probatório é estabelecido para as partes, sendo que, não comprovando determinadas circunstâncias que a lei lhes imputa, sairiam perdedoras no litígio. Isso, porque não houve o convencimento do magistrado que a razão lhes assiste, não restando, assim, vitoriosas. Silva diz que como todo o direito sustenta-se em fatos, aquele que alega possuir um direito deve, antes de mais nada, demonstrar a existência dos fatos em que tal direito se alicerça. Portanto, a regra geral do sistema probatório brasileiro é de que cabe à parte que alegar a existência de algum fato ensejador de um direito o ônus de demonstrar sua existência[5].
Cintra et al aduzem que “a distribuição do ônus da prova repousa principalmente na premissa de que, visando à vitória da causa cabe à parte desenvolver perante o juiz e ao longo do procedimento uma atividade capaz de criar em seu espírito a convicção de julgar favoravelmente”[6].
Separando, neste momento, a palavra ônus, tem-se que essa se origina do latim “ônus (carga, peso, obrigação), na significação técnico-jurídica, entende-se todo encargo, dever, ou obrigação que pesa sobre uma coisa ou pessoa, em virtude do que está obrigada a respeitá-los ou a cumpri-los”[7].
Juridicamente falando, na questão probatória, tem-se que “Ônus probandi, é, pois, o encargo que têm os litigantes de provar, pelos meios admissíveis, a veracidade dos fatos, conforme for a distribuição de tal imposição”[8]. Assim, surge uma questão de vital relevância para a compreensão do instituto e seu alcance, qual seja: a parte litigante possui um ônus no sentido de necessidade-possibilidade ou no sentido de obrigação-dever?
Assevera Chiovenda que, ainda que não se possa falar em um dever de provar, mas apenas em uma necessidade ou ônus, a carência da prova dá origem a uma situação jurídica análoga à que enseja o inadimplemento de um dever, pois a parte a quem incumbia o dever de provar suportará as conseqüências de sua falta (não ter provado)[9].
Tem-se uma obrigação-dever ou uma necessidade-possibilidade? Santos entende que o ônus da prova é uma necessidade no sentido de fornecer ao juiz a prova para que este firme convicção quanto aos fatos alegados[10]. Nesse sentido, Alvim distingue “ônus” de “obrigação”, dizendo que a distinção primordial é a de que a obrigação pede uma conduta cujo adimplemento ou cumprimento traz benefícios à parte que ocupa o outro pólo da relação jurídica. Havendo omissão do obrigado, este será ou poderá ser coercitivamente obrigado pelo sujeito ativo. Já o ônus, o indivíduo que não o cumprir sofrerá a conseqüência, ou seja, o descumprimento que recairá sobre ele próprio[11].
Então, a conseqüência do não-cumprimento do dever probatório somente será suportada pela parte que restou inerte, claro que em termos negativos, eis que a outra parte também sofrerá uma conseqüência, qual seja, sair-se vencedora na demanda. Desta feita, o litigante (cujo ônus lhe foi imputado) sofrerá as conseqüências negativas do seu não agir, caso as provas necessárias ao seu ganho de causa não estiverem presentes nos autos.
Nessa mesma linha de raciocínio, Miranda aduz que a diferença entre dever e ônus está em que: a) o dever é em relação a alguém, ainda que seja a sociedade; há relação jurídica entre dois sujeitos, um dos quais é o que deve: a satisfação é do interesse do sujeito ativo; ao passo que, b) o ônus é em relação a si mesmo; não há relação entre sujeitos: satisfazer é do interesse do próprio onerado. Não há sujeição do onerado; ele escolhe entre satisfazer, ou não ter a tutela do próprio interesse[12]. Não cumprindo seu ônus, a parte não poderá ser compelida a efetuar provas, mas arcará com suas conseqüências.
Não se está diante, portanto, de uma obrigação-dever, já que não há uma sanção para o descumprimento do ato ou mesmo não se pode exigir (forçosamente) seu cumprimento. Tem-se, sim, uma necessidade-possibilidade, pois, de um lado, há a faculdade da prática do ato (possibilidade) e, de outro, o caráter essencial da conseqüência de sua realização (necessidade). Ônus da prova é a necessidade-possibilidade da produção de prova, visando ao deslinde da demanda em favor da parte que lhe aprouver, efetivando-se seu interesse.
Theodoro Júnior salienta que “cada parte, portanto, tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que pretenda seja aplicado pelo juiz na solução do litígio”[13]. Completando o ensinamento acima, Campo afirma que, longe de ser um dever para as partes, o ônus da prova é um instituto que irá ditar regras para o magistrado fundamentar legalmente sua sentença diante da existência de fatos afirmados e não provados[14].
Trata-se a situação de solucionar um conflito sem elementos suficientes de convicção. O juiz, não podendo escusar-se de julgar a causa, tem de apresentar uma solução pacificadora para a lide. Então, busca na identificação do ônus a razão de sua decisão.
O sistema processual brasileiro, seguindo a processualística italiana, adotou, no Código de Processo Civil, a seguinte distribuição do ônus da prova: Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Para que o autor seja o vencedor na demanda, deve comprovar (demonstrar) a veracidade dos fatos que trouxe aos autos para convencer o juiz de seu direito, ou seja, deverá evidenciar o direito e sua ligação com os fatos ocorridos (a própria constituição de seu direito). Portanto, seu ônus seria o de provar a veracidade dos fatos trazidos, não como dever, mas para evitar uma conseqüência desfavorável que se apresenta inevitável, pois, diante da ausência de determinada prova, a parte onerada assume o risco de ter uma decisão contrária da pretendida.
Quando o CPC imputa ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, está possibilitando que este estruture os fatos nos moldes da essência que visa demonstrar, fazendo, assim, que a própria ligação direito-fato se constitua, nasça para o mundo jurídico.
Segundo Carnelutti, “O ônus de provar recai sobre quem tem o interesse em afirmar”[15]. Assim, não importa a posição que o indivíduo ocupe na relação processual (autor, réu, etc.), pois, quando fizer uma afirmação da qual decorra seu próprio direito (em razão do fato ocorrido), terá de provar sua veracidade. Daí, a regra adotada pelo direito brasileiro, ao autor, caberá o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, enquanto que, ao réu, restará a comprovação da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Como fato constitutivo, entende-se os “que têm a eficácia jurídica de dar vida, fazer nascer, de constituir a relação jurídica, e, geralmente, também a função de identificar seus elementos”[16]. No dizer de Chiovenda, são os “que dão vida a uma vontade concreta da lei e à expectativa de um bem por parte de alguém”[17].
Seria, então, um fato constitutivo aquele que quando ocorrido faz nascer uma relação jurídica, ou seja, cria direitos por ligar o acontecimento a uma intenção, cuja base legal encontra-se no ordenamento. Dessa forma, ao autor cabe a prova destes fatos para que sua pretensão seja recepcionada e procedente.
Por seu turno, dentro do sistema de demonstração dos argumentos trazidos, o réu deve demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Para Santos, fatos impeditivos “são todas aquelas circunstâncias que impedem decorra de um fato o efeito que lhe é normal, ou próprio, e que constitui sua razão de ser”[18].
Para Chiovenda, fato impeditivo é “um fato de natureza negativa, a saber, a falta de uma das circunstâncias que devem concorrer com os fatos constitutivos a fim de que estes produzam os efeitos que lhes são peculiares e normais”[19]. São situações que, quando ocorrem, fazem com que o efeito da constituição do próprio direito não se produza. São elementos faltantes para a constituição do fato que geraria o direito. Não há, então, o fato constitutivo quando algo lhe impede de se formar (nascer).
Fatos modificativos são os que, sem excluir ou impedir a relação jurídica, à qual são posteriores, têm a eficácia de modificá-la[20]. Assim, determinada parte no processo (autor) traz certo fato e busca a tutela em face da outra parte (réu). Este, por sua vez, em sede de defesa, alega e prova que o fato trazido não ocorreu nos moldes do referido pelo autor, mas com características e efeitos diversos, o que reflete na tutela pretendida, assim reconhece parcialmente a situação, requerendo que a decisão considere a modificação demonstrada. Atenta-se, entretanto, para o fato de que a modificação deve ser relevante e ligada ao efeito pretendido pela tutela do autor.
Os fatos modificativos, na explicação de Nery Júnior, são os que possuem a eficácia de modificar a relação jurídica, são os que impedem que o pedido do autor seja acolhido de forma integral, como pleiteado na inicial, em virtude de modificações ocorridas entre os negócios havidos entre autor e réu, sendo que o juiz até poderá julgar procedente o pedido do autor, mas com as modificações que a situação concreta impõe[21].
Por último, existem os fatos extintivos que são, na definição de Santos, “os que têm a eficácia de fazer cessar a relação jurídica”[22]. Alvim não discorda dizendo serem fatos extintivos aqueles que extinguem a relação jurídica material ou o Direito invocado pelo autor[23].
Nesta situação, têm-se fatos que, uma vez provados (pois ocorridos), aniquilam as pretensões da parte contrária, pois extinguem o próprio direito buscado. Imagine-se o autor pleiteando o pagamento de uma determinada dívida quando o réu que se defende em juízo traz o comprovante de que a mesma já foi paga; o autor, então, perderá a demanda, eis que o direito pretendido não lhe assiste mais. Como diz Chiovenda, “fazem cessar uma vontade concreta da lei e a conseqüente expectativa de um bem”[24].
Salienta-se que, em certas situações, não há a necessidade de efetivar a prova das alegações para que o juiz as considere (para efeitos de seu convencimento), são eles: os fatos notórios, afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, admitidos, no processo, como incontroversos, em cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade. Tal é a regra positivada no art. 334, do Código de Processo Civil brasileiro.
Advogado (1998), Professor Universitário (1999), Mestrado em Direito Constitucional (2001/2004), MBA em Gestão Empresarial (2004/2005), MBA em Liderança e Gestão de Instituições de Ensino Superior (2006/2007). Autor do Livro Inversão do ônus da prova nas relações de consumo: momento processual e autor de diversos textos e artigos científicos.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…