Resumo: O presente trabalho destina-se ao estudo dos direitos da personalidade e sua possibilidade de aplicação à pessoa jurídica. Inicialmente pretende-se caracterizar os direitos da personalidade, sua evolução histórica e as teorias que procuram justificar sua natureza jurídica. Em seguida, tratar-se-á dos direitos da personalidade da pessoa jurídica, sua natureza jurídica e compatibilidade com o instituto. Ainda, focalizará a tutela dos direitos da personalidade dentro da legislação atual e as possíveis indenizações quando esse atributo é afetado. A parte final da exposição tratará da polêmica gerada quanto ao dano à honra objetiva da pessoa jurídica e o dano à imagem-atributo da mesma.
Palavras Chaves: Personalidade; pessoa jurídica; tutela; honra e imagem.
Abstract: This paper is intended for the study of personal rights and their ability to apply to corporations. Initially intended to characterize the personality rights, its historical evolution and the theories that seek to justify its legal nature. Then it will treat the rights of the legal personality of the person, their legal nature and compatibility with the institute. Also, focus on the protection of personal rights within existing legislation and possible damages when this attribute is affected. The final part of the exhibition will address the controversy generated about the damage to the honor of objective legal person and damage to the image-attribute of it.
Keywords: Personality; corporation; protection, honor and image.
Sumário: Introdução – 1. Breves Considerações sobre os Direitos da Personalidade – 2. Direitos da Personalidade da Pessoa Jurídica – 3. Tutela dos Direitos da Personalidade da Pessoa Jurídica – 4. Dano Moral sob a Perspectiva da Pessoa Jurídica – Conclusão – Referências.
1. Introdução
A pesquisa em tela tem por escopo analisar o instituto do direito da personalidade da pessoa jurídica, tendo como ponto de partida, breve análise da evolução histórica dos direitos da personalidade, passando pelo conceito de direitos da personalidade, características, bem como pelas correntes que os informam.
Na sequência, far-se-á apontamentos quanto os direitos de personalidade consagrados pela Constituição Federal de 1988, e pela legislação ordinária, encaminhando-se para o final, e também para o ponto central da pesquisa, serão analisado os direitos da personalidade, pertinentes, especificamente a pessoa jurídica, especialmente no que tange a forma de tutela desses fazendo-se neste ponto breve apanhado jurisprudencial do tema, a fim de demonstrar a efetividade de tais direitos. Por fim, tratará da polêmica gerada em torno do dano à honra objetiva e o dano à imagem da pessoa jurídica.
Nesse sentido, o presente artigo visa contribuir com os estudos relativos aos direitos da personalidade da pessoa jurídica, não buscando exaurir o tema, mas promovendo um debate jurídico sobre o mesmo.
2. Breves considerações sobre os direitos da personalidade
A vida em sociedade é necessária para a manutenção da própria sobrevivência, uma vez que os interesses e necessidades dos indivíduos são satisfeitos com a troca de serviços, bens ou informações. Desde as primeiras civilizações até a atual sociedade capitalista e consumista, os homens travam relações econômicas, negociais, políticas, culturais e familiares entre si, nesse sentido aponta Maria Helena Diniz[1], que “sendo o ser humano eminentemente social, para que possa atingir seus fins e objetivos une-se a outros homens formando agrupamentos”.
Corroborando com essa idéia Nancy Dutra[2] destaca que “a tutela dos direitos individuais da pessoa humana deu-se inicialmente pela esfera pública, como resultado das lutas liberais revolucionárias do século XVIII”. O ideal burguês de liberdade e de não interferência do Estado nas relações entre particulares fez emergir as declarações de direito norte-americana e francesa, que consagravam a proteção dos chamados “direitos fundamentais” ou “liberdades públicas”. Vê-se, portanto, que a abrangência legislativa das garantias individuais, entre estas os direitos da personalidade, teve seu começo no campo do Direito Público, por meio da tutela constitucional e, em alguns casos, da penal, dado o grande valor dos bens da vida objetos de proteção estatal.
No âmbito do Direito Privado, somente a partir dos séculos XIX e XX a tutela dos direitos da personalidade tornou-se mais efetiva, visando à proteção da pessoa não em face da ingerência estatal, mas em relação à interferência de todos os demais particulares. Frente ao crescente desenvolvimento do conhecimento técnico-científico, financiado pelo capital privado, e ao conseqüente risco de lesões à individualidade física, intelectual e moral da pessoa em nome da ciência, o resguardo dos atributos personalíssimos exigiu a extensão da esfera protetiva também o campo privado.
Na legislação brasileira, embora os direitos da personalidade já fosse assunto tratado pela doutrina à época da formulação do Código Civil de 1916, este não trouxe dispositivo expresso sobre o tema. Com a Constituição Federal de 1988, os direitos individuais concebidos como fundamentais consagram-se através do artigo 5º, o qual expressa garantias tais como o direito à vida, à integridade física, à liberdade de manifestação religiosa, artística, intelectual e científica, à inviolabilidade da intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. Referido artigo, apesar de enumerar as garantias individuais ao longo de seus vários incisos, não representa uma lista exaustiva impassível de uma interpretação extensiva. Ao contrário, os princípios constitucionais permitem a priorização do valor da pessoa humana em todos os aspectos, e a pessoa jurídica no que couber, sendo sempre possível assegurar ao indivíduo a efetivação dos seus direitos da personalidade.
O Código Civil vigente trouxe novidades em relação à tutela dos direitos da personalidade, seguindo inclusive a tendência da Constituição Federal sobre o tema, fato que, aliás, gerou na doutrina, divergências com relação abrangência do instituto. Para os jusnaturalistas que entendem que os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana, passível de individualização por meio do seu nome e estado. Esses direitos encontram-se acima do Estado, que só pode os reconhecer e atribuir-lhes coercitividade.
Os positivistas por sua vez, defendem os direitos da personalidade como resultado jurídico-normativo. Esses trabalham com o conteúdo expresso pela lei por considerar que entendimento diferente geraria insegurança jurídica pela utilização excessiva de juízos de valores[3].
Dentre os adeptos da concepção naturalista, merece destaque, Carlos Alberto Bittar[4], que defende seu posicionamento nos seguintes termos
“Entendemos que os direitos da personalidade constituem direitos inatos – como a maioria dos escritores ora atesta –, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano do direito positivo – em nível constitucional ou em nível de legislação ordinária –, e dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra o arbítrio do poder público ou as incursões de particulares.”
Já, para autores positivistas como De Cupis e Tobeñas os direitos da personalidade devem ser os reconhecidos pelo Estado, que lhes dá força jurídica. Assim, dizem que todos os direitos subjetivos devem derivar do ordenamento positivado.[5]
Os direitos da personalidade encontram-se disciplinados entre os artigos 11 e 21 do Código Civil, referidos direitos são considerados inatos e absolutos, e não são apresentados em um rol taxativo, mas exemplificativo com os aspectos mais relevantes, possibilitando uma interpretação ampla. A personalidade deve ser concebida como um valor ilimitado a ser tutelado tendo como referência a própria noção de pessoa e sua dignidade, trata-se de atributo da pessoa, devendo as normas de direito primarem por sua efetiva proteção.
Não se deve adotar apenas a concepção legalista, pois é restritiva. O ideal é que seja considerada de forma geral e ampliada. O Direito deve prever também, a proteção dos valores não positivados, sem os quais a personalidade se tornaria impossível.
A legislação não permitiu limitações ao exercício dos direitos da personalidade, nem mesmo por seu titular, salvo nos casos em que a própria lei permite a disposição. Maria Helena Diniz[6], com relação a esse ponto, acentua que, os direitos da personalidade são absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriávies.
Assim, os direitos da personalidade são atributos da pessoa, que existem desde sua origem ou nascimento, por natureza, bem como aqueles que se projetam para o mundo exterior em seu relacionamento com a sociedade.
3. Direitos da personalidade da pessoa jurídica
Sempre que se fala em direitos da personalidade a primeira referência que se faz é a pessoa natural, como detentora exclusiva de tais direitos, sendo que na maioria das vezes sequer os direitos da personalidade são considerados sob o prisma da pessoa jurídica, em que pese à proteção que o Código Civil dedicou a essas.
Não se pode ignorar evidentemente, que “a pessoa jurídica não se desenvolve como a pessoa física, nem faz jus a todos os direitos da personalidade a ela inerentes”.[7]
Exemplo disso verifica-se no tocante aos direitos físicos da personalidade, aqueles, por exemplo, inerentes ao o corpo vivo, corpo morto ou equivalentes, visto tratar-se de um ente fictício.
Com base no método histórico-evolutivo de interpretação, durante muito tempo entendeu-se que tais direitos eram exclusividade das pessoas naturais. Mas, já na vigência do Código Civil de 1916 não havia limitações quanto a sua aplicação à pessoa jurídica. Do mesmo modo que não havia referência específica a tais direitos beneficiando as pessoas naturais, também não havia restringindo a tutela da pessoa jurídica.
O efetivo reconhecimento dos direitos da personalidade da pessoa jurídica se deu com o advento do Código Civil de 2002, especificamente com a redação do artigo 52[8], que determinou a aplicação às pessoas jurídicas, obviamente de acordo com a compatibilidade, as tutelas dos direitos da personalidade.
Conforme ensina Bittar[9]:
“[…] são eles plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (novo Código Civil, arts. 40 e 45), fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra.”
A pessoa jurídica, à luz da doutrina corrente, consubstancia-se na unidade da pessoa natural ou de patrimônios, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações, que visa à obtenção de certas finalidades, nesse sentido, merece destaque as lições de Washington de Barros Monteiro[10].
“Surgem assim as pessoas jurídicas, também chamadas pessoas morais (no direito francês) e pessoas coletivas (no direito português) e que podem ser definidas como associações ou instituições formadas para a realização de um fim e reconhecidas pela ordem jurídica como sujeito de direitos.”
Resta saber quais direitos da personalidade podem ser atribuídos a pessoa jurídica.
Fabio Ulhoa Coelho[11] sustenta que, “os direitos da personalidade que cabem nas pessoas jurídicas têm por objeto o nome, imagem, vida privada e honra”.
Maria Helena Diniz[12] por sua vez, entende ser compatível com a pessoa jurídica direitos da personalidade como “nome, à marca, à honra objetiva, à imagem, ao segredo, etc., por serem entes dotados de personalidade pelo ordenamento jurídico-positivo”.
Alex Sandro Ribeiro[13] dentre os direitos da personalidade que podem ser aplicados a pessoa jurídica, merece destaque, o nome, (CC, art. 16) na medida em que não pode ser empregado por outrem em publicações e representações que a exponham ao ridículo, ainda quando não haja intenção difamatória, mesmo quando houver simples animus narrandi, sem vontade de difamar, assumindo integral risco pela eventual conseqüência danosa. Somente com autorização da pessoa o seu nome pode ser divulgado, seja ou não propaganda comercial, tenha ou não interesse em difamar.
Do mesmo modo, tutela-se em relação à pessoa jurídica, a identidade, neste particular salienta o autor o seguinte: “repousam aqui os elementos que o público, consumidor ou fornecedor, se vale para individualizar e reconhecer a pessoa jurídica, de per si, principalmente pelo nome comercial, pela firma, pela razão social ou pela denominação (nome fantasia)”
Desse modo, à pessoa jurídica tem resguardado seu o direito à identidade, vedando, por exemplo, o uso indevido por concorrente de nome igual ou semelhante para a captação de clientela.
No tocante a imagem, o autor ressalva que havendo utilização, exposição ou publicação que se destinar a fins comerciais, ou atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade da pessoa jurídica, caberá indenização, salvo se houver autorização ou quando utilizá-la se mostrar necessário à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Outorga-se direito de obstar “a lesão ao direito quando tenha havido exploração dolosa, culposa, aproveitamento pecuniário, e, pior que tudo, desdouro[14] para o titular da imagem”
É a imagem da pessoa jurídica que vai apresentar a todos os seus costumes comerciais ou a sua índole, sendo esse um ponto que será mais explorado adiante.
Liberdade: só com liberdades há democracia. Sentir-se liberto de opressões, controles externos e imposições é salutar para o desenvolvimento social e econômico de uma pessoa, e de um povo. Com liberdade se constrói a razão de ser da pessoa jurídica, se mantém incólume a sua retidão na vida e se lhe possibilita extinguir-se regular e naturalmente. A liberdade de atuação é franquia constitucional, sendo exemplo dessas, as de conteúdo econômico e social, como a livre iniciativa, o comércio, a autonomia e o ensino. Preenchidos os requisitos técnicos e atendidas as exigências formais, nada pode obstá-lo, pois a autonomia da vontade esbarra unicamente no ordenamento jurídico positivo. Cabe como luva a norma paulista cognominada de Lei de Cidade Limpa, que, a pretexto de cuidar do meio ambiente, pôs fim à atividade empresarial de mídia externa ou out door, além de invadir outros direitos personalíssimos das pessoas jurídicas que, eminentemente de fins lucrativos, atuam no comércio jurídico em que prevalece o princípio constitucional da livre iniciativa e da livre concorrência.
Intimidade: o direito à intimidade não se confunde com a inviolabilidade de domicílio. Também não se confunde com o direito à honra, conquanto guardem em seu âmago traços muito semelhantes. Preserva-se, entre outros elementos, o domicílio, a correspondência e as fórmulas técnicas. Protegem-se a confidência, o informe pessoal (dados pessoais) e a atividade negocial da empresa, tal como a preservação do conteúdo de livros mercantis, cujo acesso a terceiros somente é permitido pela legislação vigente quando houver prévia determinação judicial ou fiscal, devidamente fundamentada.
Honra: o mais expressivo e talvez o de maior pureza dos direitos da personalidade, significando integridade, dignidade pessoal, consideração, decoro, reputação, probidade e virtude, que toda pessoa procura manter no convívio social, ou seja, é um sentimento de estima e respeito a si mesmo. Protege-se a consideração social, a honra, no seu aspecto objetivo, que significa a qualidade íntima da pessoa jurídica valorada pela sociedade profissional e no meio empresarial, evidenciando que lhe interessa preservá-la.
Portanto, evidente que mesmo carecendo de atributos personalíssimos próprios das pessoas naturais, ressoa de forma nítida e inescondível a perfeita adequação de importantes direitos da personalidade à situação fictícia da pessoa jurídica, mormente considerando-se que se trata de um ente ideal dotado de personalidade jurídica própria e que, nos dias atuais, pode e deve ser considerada como relevante instrumento social especialmente no tocante a circulação de riqueza e conseqüente equilíbrio e desenvolvimento social.
4. Tutela dos direitos da personalidade da pessoa jurídica
A tutela dos direitos da personalidade da pessoa jurídica está garantida pelo ordenamento jurídico em seus diferentes campos: constitucional, penal, civil, empresarial, consumo, trabalho e etc., decorre de mandamento expresso contido no artigo 52 do Código Civil, que preceitua: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
A Carta Magna, já no seu artigo 1º consagra como fundamento da República Federativa do Brasil, em seu inciso IV “os valores do trabalho e da livre iniciativa”, disciplina ainda, que as liberdades públicas regulamentando os direitos de cunho fundamental do Estado, delegando garantias específicas para a defesa da pessoa jurídica frente aos poderes públicos.
No Código Penal observa-se diversas figuras que tratam de forma repressiva da personalidade da pessoa jurídica. Em ações tipificadas com crimes (delitos contra a honra, a intimidade, o segredo, os direitos intelectuais e relacionados ao meio ambiente).
Na esfera cível, têm-se instrumentos de preservação da pessoa jurídica no âmbito privado, contra investidas de particulares e na defesa de seus interesses, dentro da liberdade e autonomia própria de cada ente.
O ordenamento jurídico de forma geral prevê várias formas de reação, que permitem ao lesado respostas de acordo com o interesse visado. Sendo possível a cessação e práticas lesivas, dentre elas as mais comuns são; apresentação de materiais oriundos dessas práticas, submissão do agente à cominação de pena, reparação de danos materiais e morais e a perseguição penal do agente. Tais medidas são cumulativas, podendo coexistir, sucessiva ou simultaneamente, em razão da ação do lesado.
No âmbito administrativo, quando dotado de estrutura própria, pode o interessado obter a satisfação pretendida.
Caso não haja instrumento administrativo específico, pode o lesado ingressar em juízo no plano civil com as ações cabíveis. Assim, pode preliminarmente valer-se de ação cautelar (CPC, arts. 796 e segs.), obtendo por meio de liminar, a imediata cessação das práticas lesivas. Nesse sentido, pode impetrar ação de busca e apreensão (CPC, arts. 839 e segs.), que retira de circulação o material ofensivo e permite dimensionar os prejuízos havidos e reclamáveis em seguida por meio de ação de reparação ou ressarcimento de danos. São cabíveis, ainda, ações de notificações, protestos, interpelações e outras compatíveis (CPC, arts. 867 e segs.). Sendo a ação de reparação de danos a de maior alcance (CC, art. 186) que permite a satisfação de prejuízos materiais e morais havidos da conduta ilícita.
No plano penal, quando a conduta constitui delito, pode o interessado prestar queixa crime, contra o agente, sendo ainda possível a, busca e apreensão que formará o corpo de delito. Dentre figuras tipificadas, as que são compatíveis com a violação dos direitos da personalidade da pessoa jurídica são, de forma não taxativa: os crimes contra a honra, compreendendo a calúnia (art. 138), a difamação (art. 139) e a injúria (art. 140); os crimes contra a liberdade, como o constrangimento ilegal (art. 146) e a ameaça (art. 147); os crimes contra a inviolabilidade do domicílio (art. 150); os crimes contra a inviolabilidade de correspondência (art. 151 e 152) e os crimes contra a inviolabilidade dos segredos (art. 153 e 154).
São vários e distintos os remédios que integram o elenco das providências que o ordenamento jurídico põe a disposição do lesado.
Abaixo seguem alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça[15].
“Processo: REsp 1032014/RS
Relatora: ministra Nancy Andrighi
Órgão Julgador: STJ – terceira turma
Data do julgamento: 26/05/2009
Ementa: Direito empresarial. Contrafação de marca. Produto falsificado cuja qualidade, em comparação com o original, não pôde ser aferida pelo Tribunal de Justiça. Violação da marca que atinge a identidade do fornecedor. Direito de personalidade das pessoas jurídicas. Danos morais reconhecidos. O dano moral corresponde, em nosso sistema legal, à lesão a direito de personalidade, ou seja, a bem não suscetível de avaliação em dinheiro. Na contrafação, o consumidor é enganado e vê subtraída, de forma ardil, sua faculdade de escolha. O consumidor não consegue perceber quem lhe fornece o produto e, como consequencia, também o fabricante não pode ser identificado por boa parte de seu público alvo. Assim, a contrafação é verdadeira usurpação de parte da identidade do fabricante. O contrafator cria confusão de produtos e, nesse passo, se faz passar pelo legítimo fabricante de bens que circulam no mercado. Certos direitos de personalidade são extensíveis às pessoas jurídicas, nos termos do art. 52 do CC/02 e, entre eles, se encontra a identidade. Compensam-se os danos morais do fabricante que teve seu direito de identidade lesado pela contrafação de seus produtos. Recurso especial provido.
Acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro relator. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra relatora. Impedido o sr. ministro Vasco Della Giustina.”
No caso em tela, resta cabalmente demonstrada à preocupação do ordenamento jurídico em efetivamente resguardar os direitos da personalidade da pessoa jurídica, sendo inconteste que qualquer ofensa ao ente fictício acaba inclusive, ferindo direitos de personalidade até mesmo de seus proprietários, assim, em que pese à pessoa jurídica, não ostentar os chamados direitos psíquicos da personalidade[16], outros lhe são sem dúvidas atribuídos, e sendo assim, passíveis de tutela.
5. Dano moral sob a perspectiva da pessoa jurídica
A honra (do latim honore) está relacionada com a dignidade de uma pessoa frente às demais, o que lhe confere consideração social e estima. Para Adriano De Culpis[17] a honra abriga tanto o valor moral do homem (a estima dos outros, a consideração social, o bom nome, a boa fama) quanto o sentimento, ou consciência, da própria dignidade pessoal.
Na Constituição Federal Brasileira de 1988 a honra foi assegurada no artigo 5º, X.[18], para a doutrina, referido atributo divide-se em honra subjetiva e objetiva. A subjetiva está relacionada com a autoestima, o amor-próprio, o sentimento da própria dignidade e a consciência do próprio valor moral e social.[19]
Já a honra objetiva é a consideração dos outros para com a pessoa, o apreço, o respeito, a fama e a reputação que ostenta ou conforme leciona Roberto Senise Lisbo[20], “é a qualidade íntima do indivíduo valorada pela sociedade. A honra objetiva pode ser ofendida mediante a calúnia ou a difamação”.
Com relação a pessoa jurídica, não há dúvidas à cerca da tutela de sua honra objetiva, posto que essa, é que a exterioriza, e garante sua reputação.
Carlos Aberto Bittar[21] define o direito à imagem como
“O direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e seus respectivos componentes distintos (rosto, olho, perfil, busto) que a individualizam no seio da coletividade. Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no seio social. Por outras palavras, é o vínculo que une a pessoa a sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em partes significativas (como a boca, os olhos, as pernas, como individualizadoras da pessoa).”
A idéia de imagem definida anteriormente é a relacionada à imagem-retrato, que decorre da identificação física da pessoa, conforme se depreende do disposto no art. 5º, X da CF/88.
Porém, existe outra imagem, que corresponde ao conjunto de características efetivamente apresentadas socialmente por determinado indivíduo, chamada de imagem-atributo que cujo fundamento legal é extraído do disposto no art. 5º, V da CF/88.[22]
A pessoa jurídica, em razão de ser detentora de direitos da personalidade é titular do direito da imagem-atributo, todavia, não da imagem-retrato, uma vez que este se relaciona com a figura humana.
O atributo imagem diferencia-se do conceito de honra objetiva e do conceito de imagem-atributo, pois, enquanto aquela tem referência ao que é socialmente aceitável para um padrão médio de conduta, esta pode ter características positivas, negativas ou neutras que retratam o comportamento social do indivíduo.
Logo, embora ambos versem sobre direitos inerentes a personalidade, eles não se confundem, pois sua caracterização é diferenciada, além do que vale lembrar, que a honra, concentra-se em um aspecto extremamente subjetivo do indivíduo, ligado exclusivamente a pessoa humana, para elucidar esse aspecto, cabe aqui uma consideração especial.
Aqueles que defendem a teoria da honra sustentam que o artista pode captar e reproduzir o que bem entender desde que o retrato não tenha nada de repreensível ou insultante, ou seja, desde que a reprodução paute-se pelo razoável.
Porém, a pessoa tem direito de não ter sua imagem captada e reproduzida independente do caráter ofensivo da publicação. Ou seja, a imagem pode ser atingida mesmo em situações em que a honra é resguardada ou elevada, visto que são atributos diferentes, que dizem respeito ao mesmo indivíduo, mas que acima de tudo correspondem a esferas diferenciadas da personalidade.
Não há como negar que na maioria das vezes a violação do direito a imagem vem acompanhada da lesão à honra. Embora sejam bens jurídicos autônomos e que merecem tutela individualizada.
Fica fácil distinguir os bens jurídicos (imagem e honra) quando se define da honra-subjetiva e imagem-retrato. Mas, quando se fala nos aspectos objetivo da honra e da imagem-atributo, a linha que os separa é tênue.
Para que haja violação da honra objetiva, normalmente faz-se necessário um fato ofensivo tipificado penalmente, Já a ofensa a imagem-atributo não obriga a uma previsão legal tipificada, pois pode ter caracteres negativos ou mesmo nulos (que não causam dano significativo a reputação do indivíduo).
Exemplo bastante esclarecedor neste particular é trazido por David Araújo[23] “um médico cirurgião pode ser conhecido pelo sucesso de suas cirurgias cardíacas. Ser bom ou mau cirurgião nada tem que ver com a honra. Ou um advogado pode ser conhecido por representar políticos renomados em ações criminais, sem que isso esteja ligado a sua honra. Aqui se verifica a incidência da imagem atributo.
Continua David Araújo sobre a distinção destes bens jurídicos:
“Há ‘construções’ de imagem que não levam em conta a honra ou dela não necessitam. Construímos, por anos, a figura da nossa imagem. Essa imagem tem um caráter (mesmo que longínquo) de fundo publicitário. Criamos nossa imagem, apresentamos nossa imagem, vivemos com a nossa imagem e imaginamos que as pessoas nos procurem profissionalmente pela imagem que construímos. Sendo um especialista em determinado assunto, serei procurado por tal característica. Construí a idéia de que sou um bom profissional, zeloso, sereno, que posso aconselhar bem meus clientes. (…) Não estamos, repetimos, diante da honra.”
É bem verdade que a lesão a honra objetiva pode estar acompanhada do dano a imagem-atributo, é o que se denota, por exemplo, nos casos em que o dano for causado a um atributo positivo, previsto na lei, contra a moral e bons costumes que são socialmente aceitos. A imputação falsa de um fato criminoso violará a honra e a imagem-atributo, isso se socialmente a imagem do indivíduo for de um sujeito correto e cumpridor da lei, esse, aliás, um traço bastante subjetivo da personalidade.
O artigo 20, caput do Código Civil prevê o direito á proibição da transmissão da palavra, da publicação, exposição e utilização da imagem de uma pessoa “se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem para fins comerciais”.
Verifica-se do exposto no supracitado artigo que o legislador condicionou a proteção da imagem à violação da honra, boa fama e respeitabilidade ou ao destino comercial da publicação. Porém, na Constituição Federal no seu art. 5º, X o direito à imagem é autônomo e amplo. Isso nos leva a entender que o dano à imagem pode ocorrer independentemente do dano à honra e demais direitos da personalidade.
A polêmica surgiu quando o legislador civil tentou proteger a honra tomando por base a imagem. E conforme se demonstraram, os bens jurídicos são independentes.
Oduvaldo Donnini e Rogério Ferraz Donnini[24], a respeito do art. 20 do Código Civil, sustentam:
“O tratamento do instituto imagem no novo Código Civil está desatualizado e contrário ao texto constitucional, na medida em que a simples exposição da imagem de uma pessoa, sem a devida autorização, independentemente de atingir a sua honra, a boa fama ou respeitabilidade, gera o direito à indenização. Ressalte-se que a parte final do dispositivo em comento também contraria a Constituição Federal e a jurisprudência e doutrina dominantes, tendo em vista que a exposição da imagem de alguém, mesmo para fins institucionais, também possibilita ao ofendido a reparação deste dano, o que torna descipienda a expressão ou se se destinarem a fins comerciais.”
Sendo a pessoa jurídica titular dos direitos da personalidade, consequentemente terá sua honra-objetiva e sua imagem-atributo imersas na mesma polêmica que se citou anteriormente.
6. Conclusão
Os direitos da personalidade, embora sejam próprios do ser humano, estende-se a pessoa jurídica por força de determinação legal, sendo eles, fundamentais para a coexistência harmoniosa em sociedade.
O Código Civil vigente tutelou tais direitos de forma nos artigos 11 a 21 e 52. Sendo que os primeiros referem-se genericamente aos direitos da personalidade e o artigo 52 estende expressamente sua aplicação à pessoa jurídica, no que couber.
Desta forma, a pessoa jurídica pode ser titular de direitos da personalidade, na medida em que esses se compatibilizem com as suas características, como ocorre em relação ao nome, identidade, imagem, intimidade, porém, este rol de direitos, a exemplo do que se verifique com relação à pessoa natural, não é taxativo, ao contrário é ilimitado.
O ordenamento jurídico brasileiro, não traz parâmetros específicos sobre a tutela dos direitos personalíssimos da pessoa jurídica, deixando a cargo da interpretação doutrinária e dos tribunais, no tocante ao delineamento de tais limites.
O que não se pode ignorar, é que uma vez que se implementou no ordenamento jurídico pátrio, conceitos abertos como as cláusulas gerais, conseqüentemente permitiu-se uma discussão mais ampla sobre a tutela dos direitos da personalidade da pessoa jurídica, contudo, o que se verifica na prática é que os direitos da personalidade da pessoa jurídica carecem de uma discussão mais acirrada e cautelosa, haja vista as particularidades que cercam o instituto.
Estudante de Direito.
Advogada, professora universitária, especialista em direito aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná, Mestre em Direitos da Personalidade pelo Cesumar.
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