Sumário: 1. Introdução. 2. Os consórcios públicos como instrumento para a realização dos objetivos do Estatuto da Cidade. 3.Parcerias entre municípios e particulares. Operações urbanas consorciadas. 4.Consórcios públicos intermunicipais e viabilidade da aplicação da Lei das Parcerias Público Privadas . 5. Problemas de operacionalização das PPPs pelos consórcios públicos intermunicipais. 5.1. O problema dos riscos. 5.2. Garantias do consórcio concedente. 6. Considerações finais.
1.Introdução.
Nunca é demais ressaltar a extraordinária importância do Estatuto da Cidade, como a lei geral de desenvolvimento urbano a que todos aspiravam. Porém é ainda muito difícil levar suas disposições à prática em grande número de municípios brasileiros – diríamos, até, na maioria deles, em função da extrema desigualdade regional que ainda reina em todo o País.
Temos acompanhado profissionalmente, de perto, a dura realidade dos municípios de nosso Estado, em nada muito diversa daquela de outros municípios do Nordeste. É uma realidade que às vezes nos faz pensar, até, que estamos sonhando com outro País, ao ouvir falar das realizações e das experiências de outros municípios mais desenvolvidos .
Por um lado, temos o grave problema da extrema dependência da liberação de recursos financeiros provenientes da União, até mesmo daqueles que já são constitucionalmente devidos.
Por outro lado, em regra, os empreendimentos mais vultosos dos municípios são custeados mediante verbas repassadas através de convênios com órgãos federais. E aí tudo acontece, em verdadeira via crucis. Ou as verbas recebidas são simplesmente desviadas por maus prefeitos e empregadas em fins diversos daqueles constantes dos seus objetivos. Ou, então, a contumaz descontinuidade do pagamento, pelos órgãos federais, das parcelas previstas nos convênios leva a constantes interrupções e paralisações das obras já iniciadas, prolongando-se por anos a fio a sua conclusão: mesmo porque, muitas vezes, quando as verbas chegam, grande parte das obras já iniciadas se deteriorou, tornando-se necessário refazer tudo de novo. Esse círculo vicioso leva a constantes condenações dos administradores municipais pelos Tribunais de Contas e até mesmo pelos próprios órgãos financiadores, ante o descumprimento das obrigações inicialmente conveniadas.
Temos ainda os problemas acarretados pela corrupção administrativa, através dos desvios de verbas para fins pessoais e eleitoreiros, em prejuízo da coletividade. É impressionante, por exemplo, nesse sentido, o exame da pauta da Câmara Especializada do Tribunal de Justiça baiano, quase toda ocupada por ações pertinentes à cassação de Prefeitos.
Mesmo em administrações municipais bem intencionadas e corretas no emprego dos dinheiros públicos, temos o problema angustiante da falta de aparelhamento jurídico e de pessoal suficientemente preparado para conduzir os processos licitatórios e para enfrentar as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, levando-as ao cometimento de erros crassos, tudo em prejuízo dos interesses da coletividade urbana.
Mas, apesar desse quadro desalentador, surge, para muitos municípios do País, a perspectiva das ações conjuntas de municípios e de particulares, ou de vários municípios reunidos, para, através de efetiva colaboração, superando suas deficiências e dificuldades, reunir esforços e recursos para a consecução de empreendimentos de mútuo interesse de seus munícipes.
Já bem antes, aliás, de que a legislação, na busca da realização dos objetivos constitucionais, cuidasse de institucionalizar tais ações, já era nacionalmente consagrado o desenvolvimento, ainda que em ações esparsas e desconexas, daquele espírito de solidariedade entre vizinhos, – entre munícipes ou municípios, – tão tradicional e caracteristicamente arraigado na sociedade brasileira, sobretudo nas pequenas comunidades. Temos fartos exemplos de ações simples, como a doação, por famílias de pequenos municípios, de bancos da praça com seus nomes, ou a realização de “mutirões” entre particulares e Prefeitura, para pequenas melhorias nos bairros; ou mais complexas, exemplificadas no extraordinário número de consórcios intermunicipais existentes no País, surgidos à revelia de qualquer legislação reguladora, para a solução de problemas comuns a municípios limítrofes. É emblemático, a esse respeito, o histórico exemplo do consórcio intermunicipal do ABC paulista para o combate à poluição atmosférica.
Nosso trabalho se dirige para o exame das possibilidades para a solução racional e coordenada de problemas dos Municípios, em nível de cooperação associada. Tais perspectivas estão sendo amplamente abertas com a edição de novas leis que ultimamente foram promulgadas. Entre estas, destacaremos, além do nódulo central constituído pelo Estatuto da Cidade, a lei geral dos consórcios públicos no 11.107, de 6 de abril de 2005 e (por que não?) a lei nacional reguladora das parcerias público – privadas ( PPPs) de no 11.079, de 30 de dezembro de 2004.
São leis muito recentes, eivadas de obscuridades, imperfeições e até de inconstitucionalidades, que vêm sendo zelosamente apontadas pela doutrina, e que certamente poderão vir a ser oportunamente corrigidas. Podem-se delas extrair, entretanto, em um exercício ainda puramente doutrinário, – já que praticamente ainda não foi iniciada sua aplicação – algumas coordenadas que certamente poderão nortear a adoção de soluções futuras.
2. Os consórcios públicos como instrumento para a realização dos objetivos do Estatuto da Cidade.
Com o advento da Lei de Consórcios Públicos de no 11.107, de 6 de abril de 2005, abrem-se novas perspectivas para a efetiva consecução de objetivos consubstanciados nas diretrizes de política urbana do artigo 2o do Estatuto das Cidades, tais como:
– garantia do direito a cidades sustentáveis, – entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos ( art. 2o, I);
– oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais (art. 2o, V);
– ações tendentes a evitar a poluição e a degradação ambiental, e a proteger, preservar e recuperar o meio ambiente, o patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico (art. 2o, VI, g, e XII).
A Lei de Consórcios Públicos enseja a utilização adequada de instrumentos que possam reunir municípios carentes de recursos, impossibilitados de enfrentar isoladamente empreendimentos de infra-estrutura altamente necessários para suas populações, porém muito vultosos. Poderão, assim, congregar-se associadamente para combinar os recurss materiais, financeiros e humanos de cada um, no sentido de realizarem ações conjuntas que, se fossem desempenhadas por cada ente público, isoladamente, nem ofereceriam a suficiente viabilidade financeira, nem alcançariam os mesmos resultados positivos com a desejável eficiência.
Decerto, porque o compartilhamento de recursos isoladamente escassos, de máquinas e equipamentos, de pessoal, especializado ou não, propicia condições que atinjam resultados que não seriam possíveis a nenhuma unidade isoladamente, na realização de políticas públicas de grande interesse coletivo.
Além disso, a congregação de vários municípios em torno de uma realização comum irá, sem dúvida, representar um maior atrativo para a catalisação de investimentos privados e de financiamentos de certo porte, ampliando significativamente seu poder de negociação junto aos governos estaduais e federais.
Nas possibilidades abertas à constituição de consórcios intermunicipais para licitações e contratações de obras e serviços de interesse comum, há que atentar ainda para aspectos especiais de economicidade e eficiência, ligados à proximidade de certos municípios.
Vejamos matérias como canalização de esgotos de vários municípios vizinhos para um terminal único; realização de programas comuns de irrigação de municípios ribeirinhos; realização de vastos programas de preservação ambiental e de combate à poluição atmosférica ou de águas, atingindo comunidades tão próximas umas das outras que a ação isolada de cada uma delas não poderia conduzir a nenhum resultado eficaz; de aproveitamento mais racional de recursos hídricos provenientes das mesmas bacias.
Em tais casos, talvez um município disponha de recursos suficientes, mas nem adianta encetar uma obra ou serviço, se os municípios vizinhos também não o fizerem. Nada mais racional, pois, que somem seus esforços e recursos para a consecução de objetivos comuns.
Entre as propostas aprovadas pela II Conferência Nacional das Cidades (Mato Grosso, 15 e 16 de setembro de 2005) incluiu-se amplo leque de possibilidades abertas à formação de consórcios públicos para o co-financiamento à gestão compartilhada nos setores de saúde, meio ambiente, habitação, educação profissionalizante e superior, infra-estrutura urbana, transportes urbanos, segurança, e outras.
3.Parcerias entre municípios e particulares. Operações urbanas consorciadas.
Mas, às vezes, não basta que os Municípios juntem esforços e recursos para resolverem seus problemas em comum. É necessário captar recursos privados para que se chegue a resultados apreciáveis.
Dentro desse contexto, refletindo o Estatuto da Cidade, como reflete, as mais modernas tendências e aspirações de nossa época, é que surge o tema das operações urbanas consorciadas, previstas em seus artigos 32 a 34.
Trata-se de grandes empreendimentos urbanos, que deverão congregar, em ações coordenadas, os esforços conjugados e os recursos:
– do poder público municipal;
– de investidores privados;
– dos proprietários de determinadas áreas urbanas;
– dos seus moradores;
-dos usuários permanentes: aqueles que, mesmo nelas não residindo, ali exercem suas atividades de trabalho ou de recreação.
Todos esses esforços e recursos, agora disciplinados pela Lei, constituem solução ideal para a recuperação e a revalorização de certas áreas dos centros urbanos, prévia e especificamente identificadas por lei : a) construídas a esmo, desordenadamente, em desobediência a todos os padrões; b) decadentes; c) urbanisticamente degradadas e deterioradas.
Tais operações urbanas, conjugando a participação de setores públicos e privados, têm expressivos precedentes no direito comparado.[1]
Dentro do Estatuto da Cidade, é uma previsão legal que confere agora melhores e muito mais eficazes instrumentos para que se possam realizar empreendimentos urbanos: a) dentro da consagração de novas técnicas de parceria e participação; b) norteadas pelos princípios gerais do art. 2o do Estatuto da Cidade.
São características essenciais das operações urbanas consorciadas:
– A área a ser objeto de tais operações deverá ser rigorosamente delimitada por lei municipal específica, a qual deverá suceder à aprovação do Plano Diretor.
– Essa lei específica deverá objetivar, fundamentalmente, todo um conjunto de transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental, além do necessário estudo prévio do impacto de vizinhança;
– A Lei prevê a adequada utilização de várias medidas a serem aplicadas exclusivamente naquela área determinada, tais como modificação dos índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e sub-solo.
– Bem assim, far-se-á a alteração das normas edilícias, tendo em vista prevenir-se o impacto ambiental que delas possa vir a resultar.
– Consectária de tais medidas será a regularização de construções, reformas e ampliações que estejam em desacordo com a legislação vigente.
A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada em determinada área da cidade deve conter um plano de operação, com, no mínimo, os seguintes pontos:
– Definição e delimitação da área.
– Programa básico de ocupação.
– Programa de atendimento econômico e social para a população diretamente atingida.
– Definição das finalidades da operação.
– Estudo prévio do impacto de vizinhança.
– Estabelecimento de contrapartidas dos proprietários, usuários permanentes e investidores, em função da utilização dos benefícios que advirão da operação consorciada.
– Destinação dos recursos assim obtidos, exclusivamente para a área objeto da operação consorciada.
– Compartilhamento do controle da operação, entre o poder público municipal e a representação da sociedade civil.
– Anulação das licenças e autorizações do poder público municipal que venham a ser expedidas em desacordo com o plano.
Particulares, inclusive interessados em realizar obras públicas no local da operação, mesmo não sendo proprietários, moradores ou usuários permanentes, poderão adquirir certificados de potencial adicional de construção (CEPAC), quando pretenderem exercer direito de construir além do coeficiente legalmente estipulado. Tais certificados serão emitidos pelo Município e poderão ser alienados em leilão, ou ser diretamente utilizados na realização da operação.
Evidentemente, tais operações urbanas consorciadas só terão aplicação possível nos maiores centros urbanos, onde existam grandes empresas como potenciais investidores, pois resultam na realização de um conjunto de obras extremamente onerosas, complexas e demoradas. Suas especificidades, como instrumentos votados a grandes transformações urbanísticas locais, desaconselham recorrer a consórcios públicos para a constituição de tais parcerias, porque lhes faltaria aquele liame de interesses comuns que leva à constituição de consórcios intermunicipais.
4. Consórcios públicos intermunicipais e viabilidade da aplicação da Lei das Parcerias Público Privadas.
Isto não quer dizer, porém, que consórcios públicos não possam recorrer à parceria com a iniciativa privada para a melhor consecução de suas realizações, sobretudo para a gestão associada de serviços públicos.
Podem os municípios, reunidos em consórcios públicos, recorrer à aplicação da Lei de Parcerias Público-Privadas, para obter financiamentos de grandes investidores ou de órgãos financiadores internacionais, para seus empreendimentos?
A Lei 11.079/04. em seu art. 28, § 1o, alude expressamente aos Municípios que contratarem empreendimentos por intermédio de parcerias público-privadas.
Vários autores vêm acenando com tal possibilidade. Entre outros citamos, a propósito, recentes trabalhos de DARCI PIMENTEL[2] e ALEXANDRE ARAGÃO.[3]. Também nesse sentido se pronunciou WLADIMIR RIBEIRO – co-autor do anteprojeto da Lei 11.07/05, em conferência perante o I Congresso Brasileiro de Licitações e Contratos Administrativos (Salvador 3/06/05). Em Exposição de Motivos ao projeto de Lei de Resíduos Sólidos, o Ministro do Meio Ambiente enfatizou a necessidade de integração das Leis de Consórcios Públicos e de Parcerias Público-Privadas e das futuras Leis de Saneamento e da Política Nacional de Resíduos Sólidos . Tal possibilidade vem sendo amplamente defendida nas últimas Conferências das Cidades.
Mas há entendimentos em contrário. Vimos até notícia jornalística da retirada, por pressão de um partido político, em anteprojeto de lei ainda em tramitação, de dispositivo que autorizava expressamente os consórcios públicos intermunicipais a contratarem com particulares obras e serviços, em regime de parceria público – privada.
A referida Lei das PPPs coloca um forte empecilho prático para sua utilização por municípios isoladamente. Veda, no art. 2o, § 4o, inciso I, a celebração de contratos de parceria público- privada com valor inferior a 20 milhões de reais, e, no inciso II do mesmo dispositivo, a de contratações com prazo inferior a 5 anos. Segundo alguns, tais restrições visariam evitar a “vulgarização “de sua aplicação, reservando o instrumento das PPPs para empreendimentos de grande porte, em que seu tratamento excepcional seja realmente necessário.
A Lei das PPPs é uma lei de normas gerais sobre contratação de concessões de serviços públicos. Nada impede que municípios, no uso da competência do art. 30, I e II da Constituição Federal, elaborem, em caráter suplementar, suas próprias leis de PPPs, quando introduziriam limites menores de valor.
Porém, de imediato, será bem mais prático que se reúnam em consórcios intermunicipais para tais contratações. Segundo colhemos do exame de ambas as leis – a de consórcios públicos e a das PPPs –em princípio também nada o impede.
Pois a nova Lei das PPPs abre excelentes perspectivas para a realização de obras públicas de infraestrutura de grande porte, do interesse de vários municípios. Pensamos, sobretudo, no caso das “concessões administrativas”, que contemplam serviços de que a Administração Pública é usuária direta ou indireta, e que não comportam a cobrança de tarifas aos usuários particulares, mas que são altamente necessários.[4]
A matéria ainda está, pois, em aberto para discussão.
A expressão “não vulgarizar” é muito forte. Mas é preciso que os municípios não se deixem levar pelo sabor da novidade, tão comum em administradores inexperientes, sem que reflitam sobre as dificuldades de operacionalização que resultam das peculiaridades das duas novas leis, tanto a de consórcios públicos como a de PPPs. São leis recentes, em início de aplicação, ainda pendentes de regulamentação que esclareça suas múltiplas obscuridades e certas perplexidades que sua interpretação enseja. Já é difícil que sejam aplicadas pelas pessoas de direito público, quanto mais por essa nova figura dos consórcios públicos, de natureza extremamente complexa.
A esse respeito das PPPs em geral, diz PAULO MODESTO:
“O modelo das parcerias público-privadas não pode ser um modismo, que afaste a aplicação dos contratos de concessão comum, quando estes ainda são cabíveis.”[5]
Com muito maior razão, entendemos que, em princípio, e como regra geral, muito melhor será que os consórcios intermunicipais se utilizem, como prevê a Lei 1.107/05, da velha e ainda prestante concessão comum de serviços públicos, para a realização dos seus empreendimentos, tão necessários ao interesse das suas cidades.
5. Problemas de operacionalização das PPPs pelos consórcios públicos intermunicipais.
Constitucionalmente, inexiste obstáculo a que os consórcios públicos intermunicipais celebrem contratos de parceria público-privada. A Lei de PPPs adotou a figura básica das concessões de serviços públicos, e é muito claro nosso ordenamento jurídico-constitucional ao definir a competência dos municípios para efetuarem tais concessões.
Os obstáculos que existem, a nosso ver, decorrem de certas peculiaridades dos institutos criados pelas Leis nos 11.079/04 e 11.107/ 05, os quais muitas vezes não se compatibilizam facilmente; e, muito mais, pelas deficiências, omissões e obscuridades da própria Lei de Consórcios Públicos, como veremos a seguir.
5.1. O problema dos riscos.
Como é sabido, uma das peculiaridades inovadoras da sistemática da Lei das Parcerias Público-Privadas, é o compartilhamento de riscos entre concedente e concessionários.
Em cuidadosos estudos a respeito da matéria, LUIZ FERREIRA XAVIER BORGES e ARNALDO MESQUITA BITTENCOURT NETO [6] dedicam-se a analisar os riscos a serem ponderados pelos parceiros privados e pelos agentes públicos, enumerando os de construção, os financeiros, os da falta de crédito do setor público, o de performance, o de demanda e o político ou ideológico.
Os mais relevantes, especificamente para o caso de parceria público-privada com consórcios intermunicipais, parecem ser o político, ou ideológico, e o da falta de crédito do setor público.
Tais riscos decorrem em primeiro lugar da própria natureza dos consórcios públicos. Podemos identificar, nesse negócio jurídico multilateral que estabelece um vínculo de cooperação associativa, algumas características especiais, todas presentes, na Lei de Consórcios Públicos:
– posição jurídica idêntica dos partícipes;
– diversificação do tipo de cooperação a ser prestada;
– liberdade de ingresso e de retirada dos partícipes;
– possibilidade de denúncia unilateral por qualquer dos partícipes;
– subsistência das responsabilidades assumidas durante a vigência do ajuste.
É de sua essência, pois, serem voluntários, em atenção mesmo à autonomia das ordens federativas. Mesmo após firmado um protocolo de intenções entre vários municípios, ainda assim a inclusão deles no consórcio dependerá de ratificação pelas leis próprias de cada um. Sua retirada do consórcio também é livre, e pode ocorrer a qualquer tempo, ficando vinculados apenas às obrigações até então contraídas.
Ora, a retirada de um ou algum dos municípios consorciados poderá, em certos casos, esvaziar economicamente o consórcio, já que decorre da simples vontade política ou orientação ideológica de seu representante. Tendo os contratos de PPPs a duração mínima de cinco e máxima de trinta e cinco anos, é evidente que eles sempre ultrapassam a vigência das gestões político-administrativas municipais vigentes na época da celebração. E, quando estas gestões mudam, pelo que bem conhecemos da realidade brasileira, tudo pode acontecer.
A Lei dos Consórcios Públicos é bastante falha, aliás, na disciplina de tais ocorrências, que irão repercutir, sobretudo, na sistemática dos contratos de rateio do aporte de recursos financeiros.
Assim, para o ingresso do município em consórcio, mediante assinatura do protocolo de intenções, há necessidade de ratificação, pela lei própria de cada município. Mas, para a retirada do município consorciado, inexiste obrigatoriedade de ratificação legislativa: basta simples ato formal de seu representante perante a assembléia consorcial (art. 11), podendo retirar seus bens, salvo expressa disposição em contrário no instrumento de contrato ou de transferência (§ 1o), embora continue responsável pelas obrigações até então assumidas.
O contrato de rateio é de vital importância para a firmeza e segurança do ajuste, pois estabelece as obrigações financeiras de cada um dos entes reunidos em consórcio. Segundo a previsão da Lei l l.107/05,
– é celebrado entre cada ente consorciado e o consórcio público (art. 8o);
– é formalizado em cada exercício financeiro;
– tem prazo de vigência condicionado à previsão das dotações orçamentárias que lhe darão suporte (art. 8o, § 1o). Isto quer dizer que um contrato de parceria público-privada somente pode abranger programas e ações contempladas em plano plurianual, ou as concessões patrocinadas, que são custeadas por tarifas ou preços públicos;
– os entes consorciados, isoladamente ou em conjunto, são partes legítimas para exigir o cumprimento das obrigações previstas no contrato de rateio ( art. 8o, § 3o);
– a Lei prevê, no § 5o do art. 8o, a exclusão do consórcio, após prévia suspensão, do ente consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária, ou em créditos adicionais, as dotações necessárias para atender às despesas assumidas pelo contrato de rateio.
Só não diz a Lei, em lamentável omissão, quem é competente para adotar medidas tão drásticas, quais sejam a suspensão e a exclusão do consórcio, nem qual o período da suspensão e seus efeitos, nem em quais condições a exclusão seguir-se-á, ou não, à suspensão. Apenas se presume que tal competência deverá caber à assembléia geral consorcial, mas as disposições pertinentes à competência dessa assembléia, prevista como instância máxima do consórcio, diluem-se entre alguns incisos do art. 4o, dedicado às cláusulas necessárias do protocolo de intenções, quando mereceria ser objeto de um artigo autônomo.
É falha e omissa, ainda, quanto às sanções que decorrerão da inadimplência dos entes consorciados, configurada nos atrasos do aporte de recursos. Matéria de sanções é reserva da lei, e deveria figurar entre as cláusulas obrigatórias do protocolo de intenções.
Tais incertezas sobre com quem, afinal, estão contratando, põem em insegurança as empresas ou órgãos internacionais financiadores que pretendam celebrar um contrato de PPP com consórcios. Aumentam, assim, adicionalmente, os riscos decorrentes da falta de crédito do setor público que a Lei 11.079/04 já pretende conjurar com uma série de fortes garantias.
5.2. Garantias do consórcio concedente.
Tais garantias são:
a) vinculação de receitas, com as vedações do art. 167, inciso IV, da Constituição. Essa vinculação tem sido fortemente inquinada de inconstitucionalidade pelos comentaristas da Lei 11.079/04, mesmo depois da nova redação do dispositivo, dada pela Emenda Constitucional no 42/2003[7] Ora, no que diz respeito a municípios participantes de consórcios, a matéria se torna ainda mais complicada;
b) instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei. Quanto à União, a Lei 11.079/04, em seu art. 16, autorizou a constituição do Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas, com base, certamente, no art. 167, inciso IV, da Constituição, e na expressa previsão do seu § 4o, com a redação da Emenda no 3/93, que prevê a vinculação de receitas para garantia ou contra-garantia à União, e para pagamento de débitos para com esta. Não há previsão semelhante que agasalhe a criação de tais Fundos pelos Municípios. Recentemente, aliás, a II Conferência das Cidades realizada em Mato Grosso, em 2005, aprovou proposta na criação de um Fundo de Desenvolvimento Urbano Misto, englobando a União, Estados e Municípios. Por enquanto, é só uma proposta.
c) contratação de seguro-garantia junto a companhias seguradoras que não sejam controladas pelo poder público:
d) garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;
e) garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa privada criada para essa finalidade, o que também tem sido inquinado de inconstitucionalidade;
f) outros mecanismos admitidos na Lei. Alguns deles são bastante inadequados para a temática dos consórcios públicos, como o do art. 9o, inciso II (emissão de empenhos em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública) e III ( indenização dos órgãos financiadores por extinção antecipada do contrato).
6. Considerações finais.
Para a consecução dos objetivos do Estatuto das Cidades, estabelecidos nas diretrizes urbanas do seu art. 2o, surgem novas perspectivas para os municípios, na de ações conjuntas de vários municípios, ou destes com particulares, no sentido de reunir esforços e recursos para a realização de empreendimentos de mútuo interesse para a solução de seus problemas .Tais perspectivas foram bastante ampliadas com a edição das novas leis de consórcios públicos e de parcerias público-privadas.
Os consórcios públicos intermunicipais, através da regulação do art. 241 da Constituição, propiciam a combinação de recursos materiais, financeiros e humanos de municípios isoladamente carentes, e se tornam especialmente recomendáveis para o atendimento dos aspectos de economicidade e eficiência, na solução dos problemas de municípios muito próximos.
Mas, muitas vezes, não basta que os municípios congreguem seus recursos e esforços para tais realizações, e se torna necessário recorrer a captação de recursos privados.
O Estatuto das Cidades prevê, nos artigos 32 a 34, a possibilidade da realização de operações urbanas e consorciadas com particulares. Porém, pelas suas especificidades, voltadas para a realização de grandes transformações urbanísticas locais, não se prestam à atuação dos consórcios públicos intermunicipais, porque lhes faltaria um liame de interesse comum.
A possibilidade de consorciarem-se os municípios para a contratação de parceri-
as público-privadas – as PPPs, tem amparo na Constituição e nas leis. A Constituição confere competência aos municípios para contratarem concessões de sérviços públicos. A Lei de Consórcios Públicos dispõe sobre a competência dos consórcios públicos para atuarem mediante concessões de serviços públicos. A Lei 11.079/004, expressamente alude, em seu art. 28, às parcerias público-privadas constituídas por consórcios públicos, inclusive dos Municípios.
A Lei das Parcerias Público-privadas adotou, diferentemente de outros países, as concessões de serviços públicos como forma de sua atuação. E abre excelentes perspectivas para a solução de problemas cruciais dos Municípios, através da figura das “concessões administrativas”para a realização de grandes obras de infra-estrutura grandemente necessárias, porém sem atrativos de rentabilidade imediata.
Existem obstáculos para a viabilidade da celebração das PPPs pelos consórcios públicos intermunicipais decorrentes de certas peculiaridades de suas legislações, que não se compatibilizam facilmente. E, muito mais, das deficiências, omissões e obscuridades da Lei de Consórcios Públicos.
Os aspectos mais relevantes dessas incompatibilidades decorrem dos riscos políticos das contratações de PPPs, sobretudo em vista das incertezas trazidas pela natureza mutável da composição dos consórcios, bem como pelas omissões da Lei no 11.107./005 quanto às conseqüências da retirada dos consorciados e às garantias contra sua inadimplência nos contratos de rateio.
Bem assim, as especificidades dos consórcios e a sistemática constitucional dos municípios dificultam extremamente a concretização das garantias previstas na Lei das PPPs para a segurança dos investidores e órgãos financiadores, ante contratações muito longas e dispendiosas, sem imediato retorno financeiro.
Tudo isso aconselha a que haja uma grande cautela dos municípios e dos eventuais investidores nas decisões para adoção das PPPs. Faz-se necessária, além disso, uma cuidadosa revisão da Lei dos Consórcios Públicos, para escoima-la de suas imperfeições, tornaodo viável sua aplicação.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…