Resumo: Traz as considerações iniciais sobre o controle de constitucionalidade, determinando conceitos e diretrizes sobre o assunto, assim como sobre as formas de proteção à Constituição, demonstrando as várias maneiras de controle de constitucionalidade e, finalmente, explica os tipos de inconstitucionalidade.*
Palavras-chave: controle de constitucionalidade; proteção à Constituição; tipos de inconstitucionalidade
Abstract: Brings the initial considerations on the control of constitutionality, determining concepts and guidelines on the subject, as well as on ways to protect the Constitution, showing the various ways to control the constitutionality and finally explains the types of unconstitutionality.
Keywords: judicial review; protection of the Constitution; types of unconstitutionality
Sumário: 1. Constitucionalidade e inconstitucionalidade; 2. Proteção da Constituição; 3. Tipos de inconstitucionalidade; 3.1. Inconstitucionalidade formal; 3.2. Inconstitucionalidade material; 3.3. Constitucionalidade originária e superveniente; 3.4. Inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão; Conclusão; Referências Bibliográficas
1. Constitucionalidade e inconstitucionalidade
Primeiramente, antes de começarmos um estudo do tema, é necessário entendermos os conceitos de constitucionalidade e inconstitucionalidade.
Provavelmente tenha sido Rui Barbosa, com apoio em Dicey, o primeiro a perceber entre nós que a sanção à violação da Constituição integra o próprio conceito de inconstitucionalidade, dizendo aquele que a expressão inconstitucional poderia ter pelo menos três tipos de acepções diferentes dependendo do tipo de Constituição adotada, sendo sua lição aqui registrada:
“A expressão inconstitucional, aplicada a uma lei, tem, pelo menos, três acepções diferentes, variando segundo a natureza da Constituição a que aludir:
I – Empregada em relação a um ato do parlamento inglês, significa simplesmente que esse ato é, na opinião do indivíduo que o aprecia, oposto ao espírito da Constituição inglesa; mas não pode significar que esse ato seja infração da legalidade e, como tal, nulo.
II – Aplicada a uma lei das câmaras francesas, exprimiria que essa lei, ampliando, suponhamos, a extensão do período presidencial, é contrária ao disposto na Constituição. Mas não se segue necessariamente daí que a lei se tenha por vã; pois não é certo que os tribunais franceses se reputem obrigados a desobedecer às leis inconstitucionais. Empregada por franceses a expressão de ordinário se deve tomar com simples termo de censura.
III – Dirigido a um ato do Congresso, o vocábulo inconstitucional quer dizer que esse ato excede os poderes do congresso e é, por conseqüência, nulo. Neste caso a palavra não importa necessariamente reprovação. O americano poderia, sem incongruência alguma, dizer que um ato do Congresso é uma boa lei, beneficia o país, mas, infelizmente, peca por inconstitucionalidade, isto é, ultra vires, isto é nulo.” (BARBOSA, Rui apud MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1156)
Explica Jorge Miranda que constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação, isto é, “a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido”. (2001, p. 273-274.).
No entanto, a idéia de conformidade ou inconformidade é incompleta. A constitucionalidade não está ligada apenas a critérios materiais (entra ou não em conflito com artigos já positivados na Constituição), mas também a critérios formais (determinada norma foi ou não editada por autoridade competente e como a Constituição determina).
Ensina Celso Ribeiro Bastos que “o controle de constitucionalidade das leis consiste no exame da adequação das mesmas à Constituição, tanto de um ponto de vista formal quanto material (…)”. (1968, p. 51).
Alexandre de Moraes traça o mesmo entendimento sobre a questão, senão vejamos: “controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais”. (2001, p. 559).
Não se configura suficiente uma sanção direta ao órgão ou agente que promulgou o ato inconstitucional, porquanto tal providência não o retira do ordenamento jurídico, fazendo com que o conceito de inconstitucionalidade converta-se em simples crítica.
Vale aqui registrar o magistério de Kelsen:
“Embora não se tenha plena consciência disso – porque uma teoria jurídica dominada pela política não lhe dá ensejo – é certo que uma Constituição que, por não dispor de mecanismos de anulação tolera a subsistência de atos e, sobretudo, de leis com elas incompatíveis, não passa de uma vontade despida de qualquer força vinculante. Qualquer lei, simples regulamentos ou todo negócio jurídico geral praticado por entes privados têm uma força jurídica superior à Constituição, a que estão subordinados e que lhes outorga validade. É que a ordem jurídica zela para que todo ato que contraria uma norma superior diversa da Constituição possa ser anulado. Assim, essa carência de força obrigatória contrasta radicalmente com a aparência de rigidez outorgada à Constituição através da fixação de requisitos especiais de revisão. Por que tanta preocupação se as normas da Constituição, ainda que quase imutável, são, em verdade desprovidas de força obrigatória? Certo é, também, que uma Constituição, que não institui uma Corte Constitucional ou órgão análogo para anulação de atos inconstitucionais, não se afigura de todo desprovida de sentido jurídico. A sua violação pode dar ensejo a sanções onde exista pelo menos o instituto da responsabilidade ministerial contra os órgãos que participaram da formação do ato desde admita sua culpa. Mas, além do fato de que, como ressaltado, essa garantia não se mostra muito eficaz, uma vez que deixa íntegra a lei inconstitucional, não se há de admitir que a Constituição estabeleça uma única via possível para a edição de leis. O texto constitucional explicita, consoante o seu sentido literal e subjetivo, que as leis devem ser elaboradas de um certo modo e que hão de ter, ou não, determinado conteúdo. Mas no seu sentido objetivo, admite a Constituição que a lei é válida, mesmo em caso de inobservância de regras de índole procedimental ou material.” (KELSEN, Hans apud MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1157-1158).
Como assinala Orlando Bitar, dir-se-á que constitucional será o ato que não incorrer em sanção, por ter sido criado por autoridade constitucionalmente competente e sob a forma que a Constituição prescreve para a sua perfeita integração. (1996, v.1, p. 477).
Pelo exposto, fica claro que o conceito de constitucionalidade guarda relação com os critérios materiais e formais apontados pela própria Constituição.
2. Proteção da Constituição
Como a Constituição tem uma supremacia reconhecida de sua força vinculante frente ao Poder Público, muito se discute sobre as formas e os modos de defesa do Texto Magno e sobre a necessidade de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos daquele.
O controle de constitucionalidade pode ser feito de várias maneiras, de modo que sua classificação será determinada em relação ao modo ou à forma, quanto ao órgão de incidência e/ou quanto ao momento do controle.
Quanto ao modo ou à forma de controle de constitucionalidade, pode ser ele incidental ou principal. No controle incidental a inconstitucionalidade é argüida no contexto de um processo principal, a questão da lide é decidida com base na constitucionalidade ou na inconstitucionalidade de determinada aplicação legal. Já o controle principal permite que a questão seja suscitada autonomamente, onde o objeto é a própria constitucionalidade da lei. (MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1159).
Quanto ao órgão, o controle de constitucionalidade pode ser de três maneiras, quais sejam: político, jurisdicional ou misto. O primeiro acontece quando o controle é feito por órgão político em detrimento do segundo que é feito por órgão jurisdicional; e o terceiro acontece quando se tem a possibilidade de ser feito tanto por órgão político quanto por órgão jurisdicional. (MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1159).
Explica Luís Roberto Barroso que
“No Brasil, onde o controle de constitucionalidade é eminentemente de natureza judicial – isto é, cabe aos órgãos do Poder Judiciário a palavra final acerca da constitucionalidade ou não de uma norma –, existem, no entanto, diversas instâncias de controle político da constitucionalidade, tanto no âmbito do Poder Executivo – e.g., o veto de uma lei por inconstitucionalidade – como no Poder Legislativo – e.g., rejeição de um projeto de lei pela Comissão de Constituição e Justiça da casa legislativa, por inconstitucionalidade”. (2006, p. 43).
Por sua vez, o controle jurisdicional desdobra-se em três outras opções, que são: concentrado, difuso ou misto.
O controle concentrado defere o julgamento das questões constitucionais a um órgão jurisdicional superior ou uma Corte Constitucional, tendo relação com questões objetivas, de caráter “erga omnes”, referente ao controle abstrato de inconstitucionalidade. Referido modelo pode adotar variadas formas de organização, podendo a Corte Constitucional ser composta por membros vitalícios ou detentores de mandatos, em geral, com prazo alargado. O controle difuso possibilita a qualquer órgão judicial, com atribuição da aplicação da lei a um caso concreto, o poder-dever de afastar a aplicação de uma lei se considerá-la fora da ordem constitucional, guardando extrema relação com posições subjetivas, referente às partes que compõem a lide processual e, assim, ao controle concreto de inconstitucionalidade. Por fim, o modelo misto – adotado no Brasil – defere essa possibilidade de qualquer órgão judicial determinar a inconstitucionalidade de determinada norma em caso concreto, mas defere a um Tribunal Supremo ou Corte Constitucional a competência para proferir decisões em determinadas ações de perfil abstrato ou concentrado. (MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1161-62).
Afirma Luís Roberto Barroso sobre o sistema difuso:
“Diz que o sistema é difuso quando se permite a todo e qualquer juiz ou tribunal o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma e, conseqüentemente, sua não-aplicação ao caso concreto levado ao conhecimento da corte”. (2006, p. 47)
Já no sistema concentrado, “o controle de constitucionalidade é exercido por um único órgão ou por um número limitado de órgãos criados especificamente para esse fim ou tendo nessa atividade sua função principal”. (BARROSO, 2006, p. 47).
Finalmente, quanto ao momento do controle, temos o controle preventivo e o repressivo ou sucessivo, onde o primeiro é realizado durante o processo legislativo de formação do ato normativo, em oposição ao segundo que será realizado sobre a lei, e não mais sobre o projeto de lei. (LENZA, 2011. p. 235-240).
O controle preventivo pode ser realizado pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário. O Legislativo verificará, através de suas comissões de constituição e justiça, se o projeto de lei conterá algum vício a ensejar a inconstitucionalidade. O Executivo exerce esse tipo de controle quando o chefe do Executivo veta um projeto de lei inconstitucional. Por fim, e esse recebe atenção destacada, o Judiciário exerce esse tipo de controle quando existe vedação na própria Constituição ao trâmite da espécie normativa.
3. Tipos de inconstitucionalidade
3.1. Inconstitucionalidade formal
Os vícios relativos à formalidade afetam o ato normativo sem atingir seu conteúdo, referindo-se aos procedimentos e pressupostos relativos às feições que formam a lei.
Ensina-nos Gilmar Mendes que “os vícios formais traduzem defeito de formação do ato normativo, pela inobservância de princípio de ordem técnica ou procedimental ou pela violação de regras de competência”. (In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1170).
Paulo Bonavides explica sobre o controle formal:
“Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado”. (2003, p. 297).
Também sobre a inconstitucionalidade formal, Pedro Lenza distingue a dois tipos de vícios formais, que são o vício formal subjetivo e o vício formal objetivo. Explica o autor:
“(…) o vício formal subjetivo verifica-se na fase de iniciativa. Tomemos um exemplo: algumas leis são de iniciativa exclusiva (reservada) do Presidente da República como as que fixam ou modificam os efeitos da Forças Armadas, conforme o art. 61, § 1º, I, da CF/88 (…). Em hipótese contrária (ex.: um Deputado Federal dando início), estaremos diante de um vício formal subjetivo insanável, e a lei será inconstitucional.
(…) por seu turno, o vício formal objetivo será verificado nas demais fases do processo legislativo, posteriores à fase de iniciativa. Como exemplo citamos uma lei complementar sendo votada por um quorum de maioria relativa. Existe um vício formal objetivo, na medida em que a lei complementar, por força do art. 69 da CF/88, deveria ter sido aprovada por maioria absoluta”. (2011, p. 232).
Luís Roberto Barroso traz a seguinte classificação:
“A primeira possibilidade a se considerar, quanto ao vício de forma, é a denominada inconstitucionalidade orgânica, que se traduz na inobservância da regra de competência para a edição do ato (…). De outra parte, haverá inconstitucionalidade formal propriamente dita se determinada espécie normativa for produzida sem a observância do processo legislativo próprio”. (2006, 26-27).
Do exposto, fica claro que a inconstitucionalidade formal faz referência ao erro na observância da competência ou nas regras relativa ao processo definido na Constituição.
3.2. Inconstitucionalidade material
Os vícios materiais, diferentemente dos formais, estão ligados ao próprio mérito do ato, referindo-se a conflitos de regras e princípios estabelecidos na Constituição.
Gilmar Mendes apresenta o seguinte entendimento da questão:
“A inconstitucionalidade material envolve, porém, não só o contraste direto do ato legislativo com o parâmetro constitucional, mas também a aferição do desvio de poder ou do excesso de poder legislativo.
É possível que o vício de inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua um dos mais tormentosos temas do controle de constitucionalidade hodierno. Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de se proceder à censura sobre a adequação e a necessidade do ato legislativo”. (In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1172).
Nas palavras de Barroso,
“a inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou o ato normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional – e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) – ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º, caput, e 3º, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas.” (2006, p. 29).
Destarte, a inconstitucionalidade material se dá quando a norma vai contra os parâmetros explícitos da Constituição ou contra o as vertentes do princípio da proporcionalidade (adequação e necessidade).
3.3. Constitucionalidade originária e superveniente
O momento da edição das normas constitucionais é que procede a distinção entre inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidade superveniente.
Se uma norma legal vem depois da Constituição e com essa é incompatível, tem-se um caso típico de inconstitucionalidade. Se a contradição, no entanto, for entre norma constitucional superveniente e o direito ordinário pré-constitucional, indaga-se se seria caso de inconstitucionalidade ou de mera revogação.
Tem-se também caso em que a norma editada com os parâmetros constitucionais vigente à época pode tornar-se com ela incompatível em decorrência de mudanças fáticas ou de mudanças na interpretação constitucional.
Esse tipo de discussão tem enorme relevância prática, já que, dependendo do modelo adotado, tratando-se de mera revogação da lei anterior, qualquer órgão jurisdicional terá competência para apreciá-la; no entanto, tratando-se de inconstitucionalidade, a atribuição para manifestar acerca da questão será dos órgãos jurisdicionais competentes.
Durante a Constituição de 1967/69, a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) não deixava duvida que a compatibilidade do direito anterior com norma constitucional superveniente deveria ser aferida no âmbito do direito intertemporal. (MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1177).
Sob a égide da Constituição de 1988, discutiu-se esse assunto na ADIn 2, de relatoria do Ministro Paulo Brossard, permanecendo a tese tradicional. Seu voto ficou assim sintetizado:
“Disse-se que a Constituição é a lei maior, ou a lei suprema, ou a lei fundamental, e assim se diz porque ela é superior à lei elaborada pelo poder constituído. Não fora assim e a lei a ela contrária, obviamente posterior, revogaria a Constituição sem a observância dos preceitos constitucionais que regulam sua alteração.
Decorre daí que a lei só poderá ser inconstitucional se estiver em litígio com a Constituição sob cujo pálio agiu o legislador. A correção do ato legislativo ou sua incompatibilidade com a lei maior, que o macula, há de ser conferida com a Constituição que delimita os poderes do Poder Legislativo que elabora a lei, e a cujo império o legislador será sujeito. E em relação a nenhuma outra.
O legislador não deve obediência à Constituição antiga, já revogada, pois ela não existe mais. Existiu, deixou de existir. Muito menos a Constituição futura, inexistente, por conseguinte, por não existir ainda. De resto, só por adivinhação poderia obedecê-la, uma vez que futura e, por conseguinte, ainda inexistente.
É por esta singelíssima razão que as leis anteriores à Constituição não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio a ter existência mais tarde. Se entre ambas houver inconciliabilidade, ocorrerá revogação, dado que, por outro princípio elementar, a lei posterior revoga a lei anterior com ela incompatível e a lei constitucional, como lei que é, revoga as leis anteriores que se lhe oponham.” (BROSSARD, Paulo apud MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1178).
Esses aspectos de revogação referem-se apenas a aspectos materiais, já que no pressupostos de índole formal, há de prevalecer o princípio do tempus regit actum.
Nesse sentido ressalta Canotilho que:
“a inconstitucionalidade superveniente refere-se, em princípio, à contradição dos atos normativos com as normas e princípios materiais da Constituição e não à contradição com as regras formais ou processuais do tempo da sua elaboração”. (CANOTILHO, J. J. apud MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1180).
No mesmo sentido, afirma García de Enterría que “essa inconstitucionalidade superveniente há de referir-se precisamente à contradição dos princípios materiais da Constituição, e, não, às regras formais da elaboração das leis que a Constituição estabelece no momento presente”. (ENTERRÍA, Garcia de apud MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1180).
Como já falado, a caracterização da inconstitucionalidade pode acontecer mediante significativa alteração das relações fáticas. Por esse motivo, norma que não podia ser tida com inconstitucional no tempo em que foi editada, torna-se, em decorrência de profunda mudança dessas relações, suscetível de reprovação no mundo jurídico, acontecendo assim o processo de inconstitucionalização.
Muito se discute também sobre a mutação constitucional em decorrência de uma nova interpretação dada à Constituição.
Gilmar Mendes faz a seguinte observação do assunto:
“Talvez um dos temas mais ricos da teoria do direito e da moderna teoria constitucional seja aquele relativo à evolução da jurisprudência e, especialmente, a possível mutação constitucional, decorrente de uma nova interpretação da Constituição. Se a sua repercussão no plano material é inegável, são inúmeros os desafios no plano do processo em geral e, sobretudo, do processo constitucional”. (In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1183).
Mister também é demonstrar o pensamente de Larenz:
“De entre os fatores que dão motivo a uma revisão e, com isso, freqüentemente, a uma modificação da interpretação anterior, cabe uma importância proeminente à alteração da situação normativa. Trata-se a este propósito de que as relações fáticas ou usos que o legislador histórico tinha perante si e em conformidade aos quais projetou a sua regulação, para os quais a tinha pensado variaram de tal modo que a norma dada deixou de se ‘ajustar’ às novas relações. É o fator temporal que se faz notar aqui. Qualquer lei está, como fato histórico, em relação atuante com o seu tempo. Mas o tempo também não está em quietude; o que no momento da gênese da lei atuava de modo determinado, desejado pelo legislador, pode posteriormente atuar de um modo que nem sequer o legislador previu, nem, se o pudesse ter previsto, estaria disposto a aprovar. Mas, uma vez que a lei, dado que pretende ter também validade para uma multiplicidade de casos futuros, procura também garantir uma certa constância nas relações inter-humanas, a qual é, por seu lado, pressuposto de muitas disposições orientadas para o futuro, nem toda a modificação de relações acarreta por si só, de imediato, uma alteração do conteúdo da norma. Existe a princípio, ao invés, uma relação de tensão que só impele a uma solução – por via de uma interpretação modificada ou de um desenvolvimento judicial do Direito – quando a insuficiência do entendimento anterior da lei passou a ser evidente”. (1997, p. 495).
Vê-se, pois, que a alterações das relações práticas podem mudar o sentido da norma imaginada pelo constituinte e, conseqüentemente, a norma que antes era considerada constitucional em todos seus aspectos – material e formal – passa a ser inconstitucional por ser insuficiente para disciplinar o atual cenário jurídico.
3.4. Inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão
Além das formas de inconstitucionalidade até então vistas, temos, por fim, também a inconstitucionalidade por ação e a inconstitucionalidade por omissão.
A inconstitucionalidade por ação é aquela advinda da incompatibilidade entre uma norma e a Constituição, enquanto que a omissão legislativa inconstitucional pressupõe a “inobservância de um dever constitucional de legislar, que resulta tanto de comando explícitos da Lei como de decisões fundamentais da Constituição identificadas no processo de interpretação” (MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1184-1185).
Explica Luís Roberto Barroso que
“A referência a inconstitucionalidade por ação, portanto, abrange os atos legislativos incompatíveis com o texto constitucional. (…). Os múltiplos modelos de controle de constitucionalidade (…) foram concebidos para lidar com o fenômeno dos atos normativos que ingressam no mundo jurídico com um vício de validade”. (2006, p. 31-32).
Cabe também registrar a lição de Kildare sobre a inconstitucionalidade por ação:
“Este tipo de inconstitucionalidade pressupõe uma conduta positiva do legislador, que se não compatibiliza com os princípios constitucionalmente consagrados. Envolve um facere do Estado, e compreende os atos legislativos incompatíveis com a Constituição. A inconstitucionalidade por ação acarreta a invalidação de um ato que existe, que foi praticado”. (2008, p. 353).
A idéia de controle de constitucionalidade vem do fato que a Constituição é a norma base para as demais e, como ensina Kelsen, “regem a conduta recíproca dos membros da coletividade estatal, assim como das que determinam os órgãos necessários para aplicá-las e impô-las, e a maneira como devem proceder, isto é, em suma, o fundamento da ordem estatal”. (2003, p. 131).
Assim, resultando o processo legislativo em incongruência com o texto constitucional, o ordenamento jurídico oferece meios para expulsar essas normas que são incompatíveis com a vontade da Constituição.
Temos omissão legislativa absoluta quando não são empregadas pelo legislador as diretrizes constitucionais reclamadas. Já a omissão parcial acontece quando a norma criada atende parcialmente a vontade constitucional ou de modo insuficiente.
Ensina Luís Roberto Barroso que “a omissão inconstitucional total ou absoluta estará configurada quando o legislador, tendo o dever jurídico de atuar, abstenha-se inteiramente de fazê-lo, deixando um vazio normativo na matéria”. (BARROSO, 2006, p. 35).
É mister demonstrar ensinamento do ministro Gilmar Mendes:
“Caso clássico de omissão parcial é a chamada exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade. Tem-se a exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade se a norma afronta o princípio da isonomia, concedendo vantagens ou benefícios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas”. (In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1186).
Pelo exposto, nota-se que a inconstitucionalidade não se dá apenas pela ação do legislador ao editar lei que vai contra os mandamentos da Constituição, mas também quando descumprir suas obrigações constitucionalmente descritas, simplesmente por não legislar ou por legislar de forma incompleta.
Conclusão
Por todo exposto, percebemos que a constitucionalidade de uma norma não está atrelada apenas a critérios matérias, mas também a critérios formais, de modo que esse controle de constitucionalidade pode ser feito de várias maneiras, sendo que sua classificação será determinada em relação ao modo ou à forma, quanto ao órgão de incidência e/ou quanto ao momento do controle.
Finalmente, vimos que há mais de um tipo de declaração de inconstitucionalidade, ou seja, pode ser ela formal, material, superveniente, originária, por ação e/ou por omissão.
Acadêmico de Direito na Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação – ESAMC/Uberlândia.
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