Contrato built to suit e as inovações acarretadas pela lei nº 12.744/12

Resumo: O presente artigo tem por escopo o estudo do contrato built to suit e as inovações introduzidas pela Lei nº 12.744/12. Nesta perspectiva, busca-se empreender reflexão acerca da relação contratual, destacando-se, dentre outros, os direitos e deveres de locador e locatário e o interesse econômico que permeia o assunto. Por fim, após perquirir sobre o tratamento legal que envolve o tema, discorre-se sobre a segurança jurídica trazida pela criação da nova legislação acerca do contrato built to suit, a fim de nortear a resolução das questões polêmicas com a aplicação das disposições da lei de locações.

Palavras-chave: Contratos. Locação. Built to suit. Tipicidade. Mercado de capitais.

Abstract: This article has as its scope the study of the built-to-suit contract and the innovations introduced by Law no. 12.744/12. In this perspective, we seek to perform a reflection on the contractual relationship, highlighting, among others, the rights and duties of lessor and lessee and the economic interests permeating the issue. Lastly, after investigating the legal treatment involving the theme, we approach the theme of the juridical security brought by the creation of the new legislation on the built-to-suit contract, so as to guide the resolution of polemic issues when applying the dispositions of the lease law.

Keywords: Contracts. Lease. Built-to-suit. Doctrine. Capital market.

Sumário: Introdução. 1. Contrato – 2. Regras principiológicas; 2.1. Autonomia privada; 2.2. Obrigatoriedade dos contratos; 2.3. Boa-fé; 2.4. Função social; 2.5. Supremacia da ordem pública – 3. A tipicidade do contrato built to suit – 4. Contrato built to suit; 4.1. Considerações históricas sobre o contrato built to suit; 4.2. Terminologia; 4.3. Estruturação; 4.4. Conceito; 4.5. Securitização de recebíveis imobiliários (CRI’s); 4.6. Natureza jurídica; 4.7. Características – 5. As modificações da Lei nº 12.744/12 na Lei do Inquilinato – 6. Direitos e obrigações. Conclusão – Referências.

INTRODUÇÃO

Os empreendimentos do tipo built to suit compõem uma categoria crescente de investimento no Brasil e no mundo. Seu desenvolvimento reflete a importância cada vez maior dada à separação entre a propriedade imobiliária e a operação de empreendimentos comerciais e/ou industriais, bem como ao uso mais eficiente do mercado de capitais para o financiamento dos imóveis.

Em um ambiente de muita interação entre normas jurídicas e fatos econômicos, marcado por problemas de crédito e, certa medida, de segurança jurídica, o surgimento de novas leis, a postura do Poder Judiciário e a atuação de agentes econômicos foram aperfeiçoando um novo cenário para o mercado imobiliário nacional.

As modificações incorporadas, especialmente na legislação, através da edição da Lei nº 12.744/12, somadas à estabilidade econômica propiciaram uma escalada deste setor da economia.

Neste cenário, insere-se a operação built to suit, cujo objetivo principal é atender ramos da economia cuja atividade principal volta-se ao varejo, ao comércio, à indústria etc. e, de outro, fomentar os empreendimentos da seara imobiliária.

Antes de adentrarmos nos aspectos práticos do contrato built to suit, necessário é definirmos alguns conceitos.

1 CONTRATO

A lei não prestou a definir o que seja contrato, deixando para a doutrina essa tarefa. Segundo Orlando Gomes, (1996, p. 5), o contrato “é o acordo de duas ou mais partes para constituir, regular ou extinguir, entre elas, uma relação jurídica de caráter patrimonial”. 

Contrato na definição de Maria Helena Diniz, (2008, p. 30) é o seguinte:

“É o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.”

A validade do contrato exige acordo de vontades, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. (art. 104 do CC).

Silvio Rodrigues (2002, p. 3), “reforça que a coincidência de vontades, o acordo entre as partes é fator elementar do contrato”.

Adverte, contudo, Orlando Gomes (1959, p. 10):

“A palavra contrato emprega-se em sentido amplo e restrito. Na acepção lata, designa todo negócio jurídico que se forma pelo concurso de vontades. Restritivamente, indica o acordo de vontades produtivo de efeitos obrigacionais. Em sentido ainda mais limitado, significa o negócio jurídico bilateral cuja função especifica é criar uma obrigação patrimonial.”

Ao tratar do assunto contratos, Arnaldo Rizzardo (2010, p. 5-6) pontua “a necessidade da convergência de duas ou mais vontades para conseguir um mesmo fim ou um resultado determinado. Há um acordo simultâneo de vontades para produzir efeitos jurídicos”.  

É sabido que o contrato é uma espécie de negócio jurídico, com sua origem reconhecida no direito canônico e fundamentado na teoria da autonomia da vontade. Durante sua evolução, os contratos eram equiparados à própria lei entre as partes, consubstanciada no princípio do pacta sunt servanda, pela qual tudo o que fora contratado deveria ser estritamente cumprido, em seus mais rigorosos termos.

Wald (2009, p. 208) relata sobre a teoria da autonomia da vontade oriunda dos canonistas:

“A teoria da autonomia da vontade foi desenvolvida pelos enciclopedistas filósofos e juristas que precederam a Revolução Francesa e afirmaram a obrigatoriedade das convenções, equiparando-as, para as partes contratantes, à própria lei.”

Em virtude dessa liberdade contratual, surgiu a possibilidade da criação de contratos não previstos em lei, cuja existência se baseia essencialmente na vontade das partes. Tais ajustes são conhecidos como contratos atípicos. Temos ainda, os contratos mistos, que individualmente possuem previsão legal, mas, ao serem englobados numa relação conjunta, formam uma nova relação contratual.

O contrato built to suit demonstra o dinamismo e o desenvolvimento das relações contratuais, originado através da constante evolução que o Direito tem passado e que se amolda perfeitamente ao interesse das partes no atual mercado imobiliário.

Até dezembro de 2012 o contrato built to suit era considerado um contrato atípico, eis que era aceitável qualquer tipo de convenção quanto ao seu conteúdo e ao objeto, respeitando-se, é claro, as limitações naturais existentes, como a observação das normas de ordem pública, as regras principiologicas e contratuais.

Com o advento da Lei 12.744, de 19 de dezembro de 2012, que alterou a Lei 8.245/91, reconhecendo o contrato built to suit como de locação, restou mais clara essa relação, que era tida como atípica, e resta agora enquadrada como uma modalidade de contrato de locação. Mesmo assim, é um contrato complexo, envolvendo situações peculiares desse tipo contratual e muito diversas das demais situações típicas da locação.

2 REGRAS PRINCIPIOLÓGICAS

2.1 AUTONOMIA PRIVADA

O contrato, como as demais formas do ordenamento jurídico, é regido, também, por princípios que norteiam a sua compreensão e auxiliam na conformação de seus fins e de seus limites.

O ordenamento jurídico, compreendido que deve ser como sistema unitário de leis ou normas jurídicas, é informado por princípios, cuja função é orientar e atar essa ordem jurídica, de modo a mantê-la íntegra, consagrando ao final, a unidade do sistema jurídico.

Nos dizeres de Carlos Ari Vieira Sundfeld (2000, p. 143 e 145-146):

“Os princípios são as ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se. Os princípios, como as regras, integram o ordenamento jurídico, contendo valor normativo e determinando o sentido e o alcance daquelas.”

Alguns princípios possuem alcance mais amplo e outros, porém, dirigem-se apenas a certas espécies de contrato.

No momento, nos interessa destacar, inicialmente, o princípio da autonomia privada, segundo o qual aos indivíduos é conferida a liberdade de contratar.

Essa liberdade compreende a decisão (a faculdade) de contratar e a definição do conteúdo do contrato (da espécie, que pode ser atípica do contrato). Ocorre, portanto, um desdobramento do princípio da autonomia nos espectros mencionados.

Por força desse princípio, os indivíduos criam efeitos jurídicos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica.

Não obstante, a autonomia privada, tradicionalmente, sempre foi limitada pela lei, à medida que esta impõe a prevalência da ordem pública e dos bons costumes ao interesse particular.

(VENOSA, 2005, p. 406) entende que o contrato de nossa época,

“A lei prende-se mais à contratação coletiva, visando impedir que as cláusulas contratuais sejam injustas para uma das partes. Assim, a lei procurou dar aos mais fracos uma superioridade jurídica para compensar a inferioridade econômica.”

Isto ocorre porque, ao longo do tempo, a concepção contratual rígida sofreu drásticas modificações, com mitigação quanto à sua obrigatoriedade, contraposta ao individualismo, em que por muito tempo esteve inspirada, até chegar ao modelo atual, no qual se preservam muito mais os interesses envolvidos, tanto individuais quanto coletivos, do que às regras engessadas antes impostas.

Outra limitação sofrida pela liberdade de contratar advém do princípio do dirigismo contratual, que se manifesta quando o Estado intervém na relação entre as partes e dita certas regras de observância obrigatória, objetivando impedir o absoluto individualismo contratual.

De fato, o ordenamento jurídico estabelece normas cogentes, de interesse social, coletivo, reservando o campo dos direitos disponíveis (em geral, de caráter patrimonial) à incidência da liberdade das partes e determinar o conteúdo contratual.

Nessa esteira, o Código Civil prevê que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato (art. 421 do Código Civil).

Lado outro, onde prevalece a liberdade contratual dá-se à lei um papel supletivo, subsidiário, o que permite seja ela afastada pela vontade expressa das partes.

Não se olvidando da importância que assumem os demais princípios e qualquer relação contratual, constatar-se-á que o atinente à autonomia privada alcança função de destaque na órbita do contrato de built to suit.

O relevo do assunto, tanto para o contrato de built to suit como para as outras espécies de contrato, emana da dificuldade de se dimensionar o alcance do princípio da autonomia privada.

2.2 OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS

O princípio da força vinculante (obrigatoriedade) dos contratos também ganha relevo no seio do presente estudo.

Este princípio nos remete à conhecida ideia de que o contrato é lei entre as partes (desde que observados seus pressupostos e requisitos de existência, validade etc.).

Verte-se no brocardo pacta sunt servanda e tem, por objetivo, resguardar a segurança das relações jurídicas, de modo que a palavra comprometida seja cumprida.

Todavia, o princípio da obrigatoriedade também sofre atenuações, havendo justificativas para tanto, como a ocorrência de guerras ou greves, por exemplo.

Assim a lei procura manter o equilíbrio contratual, admitindo a revisão ou mesmo a resolução contratual diante de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis que acabam por tornar excessivamente onerosa a prestação de uma das partes.

O tema não esta isento de discussões, especialmente quando se trata da teoria da imprevisão (rebus sic stantibus), e ainda sofre variações na legislação específica, como no caso do direito do consumidor.

(WALD, 2009, p. 302) trata do tema:

“A cláusula rebus sic stantibus, renovada no direito moderno sob o nome de teoria da imprevisão, tem assim importância como conceito amortecedor, ou seja, como ideia-força que limita a autonomia da vontade no interesse da comutatividade dos contratos e com a finalidade de assegurar a equivalência das prestações das partes quando, por motivo imprevisto, uma delas se tornou excessivamente onerosa.”

Caso não ocorra uma mudança substancial no estado das partes, capaz de vislumbrar a onerosidade excessiva no contrato, este deverá ser cumprido até seu termo previsto, conferindo uma garantia também ao investidor, sob a ótica da análise de risco, que deve ser previsto, já no ato da contratação.

No built to suit, a incidência do risco do negócio muitas vezes é minimizada pela confecção de contratos bem elaborados, aptos a prevenirem hipóteses que poderiam inviabilizar o feito e capazes de vincular garantias determinantes ao fiel cumprimento contratual, que, apesar de não impedirem a incidência da teoria da imprevisão, possibilitarão, ao aplicador do Direito, uma solução mais eficaz, na medida de restabelecimento do efetivamente contratado.

Enfim, como se verá, esse princípio, tal qual o da autonomia privada, assume importante papel na análise do contrato built to suit, o qual, como também já se disse, sofre influência dos demais princípios contratuais, mas cuja abordagem, para os propósitos deste trabalho, dar-se-á de modo pontual. 

2.3 BOA-FÉ

O princípio da boa-fé objetiva é cláusula geral que deverá ser observada nos contratos built to suit, cuja principal função é a de alcançar resultados justos e equilibrados. Referida regra está expressamente prevista, em nosso Código Civil, em seu art. 422, com amparo no art. 79 da Lei nº 8.245/91, que prescreve que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Trata-se de regra de suma importância e de necessária observância, pois, quando não regularmente praticada pelas partes, certamente dará causa a um conflito e, na sequência, será objeto de análise e de apreciação, na revisão judicial imposta.

(VENOSA, 2005, p. 408) ao tratar da boa-fé, discorre que:

“Importa, pois examinar o elemento subjetivo em cada contrato, ao lado da conduta objetiva das partes. A parte contratante pode estar já, de início, sem a intenção de cumprir o contrato, antes mesmo de sua elaboração. A vontade de descumprir pode ter surgido após o contrato. Pode ocorrer que a parte, posteriormente, veja-se em situação de impossibilidade de cumprimento. Cabe ao juiz examinar em cada caso se o descumprimento decorre de boa ou má-fé.”

A boa-fé serve, assim, para evitar abusos das partes e que uma parte se onere demais na execução contratual e depois veja frustrada a contraprestação. De efeito, a boa-fé, por ser requisito inerente a todos os contratos, merece sempre destaque.

2.4 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

A função social do contrato não deve ser entendida, especificamente, como um princípio, mas como uma cláusula geral a ser cumprida na realização do negócio. O contrato built to suit tem, em sua essência, a produção e a geração de riquezas na sociedade, estando implícito nestes objetivos o seu caráter social.

O usuário, sem a necessidade de mobilizar seu capital, poderá destinar esses recursos para investimentos diretamente ligados com a sua atividade principal. E o construtor, detentor de um cliente pré-determinado, terá a garantia de retorno de seu investimento, sem correr o risco, por exemplo, de construir um imóvel e depois não obter sucesso na sua locação.

Ensinam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, no seu Código Civil Comentado (Ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2005, p. 378):

“A função mais destacada do contrato é a econômica, isto é, de propiciar a circulação da riqueza, transferindo-a de um patrimônio para outro. Essa liberdade parcial de contratar, com objetivo de fazer circular riqueza, tem de cumprir sua função social, tão ou mais importante do que o aspecto econômico do contrato. Por isso fala-se em fins econômico-sociais do contrato como diretriz para sua existência, validade e eficácia. O contrato estará conformado à sua função social quando as partes se pautarem pelos valores da livre iniciativa, da solidariedade e da justiça social, respeitada a dignidade da pessoa humana (conforme a Constituição Federal de 1988). O contrato tem de ser entendido não apenas como as pretensões individuais dos contratantes, mas como verdadeiro instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade.”

O contrato built to suit possibilita a todas as partes envolvidas, direta ou indiretamente no contrato, alcançarem seus objetivos socioeconômicos e, por corolário, a geração de riquezas para a sociedade em geral.

2.5 SUPREMACIA DA ORDEM PÚBLICA

No âmbito do direito civil, o que prevalece é a vontade individual, forte no princípio da autonomia da vontade, facultado às partes conceber conteúdo próprio e independente ao negócio.

O Estado, em regra, não deverá intervir nas relações privadas, formadas exclusivamente por particulares na consecução de um fim específico.

(WALD, 2009, p. 210) defende a supremacia da ordem pública nas relações privadas, eis que “em tese, a liberdade contratual só sofre restrições em virtude da ordem pública, que representa a projeção do interesse social nas relações interindividuais”.

Alguns elementos, possivelmente presentes no contrato built to suit podem conter carga justificativa de intervenção estatal, como a inobservância (i) das cláusulas gerais do contrato (Dirigismo Contratual), caracterizada nos demais princípios vistos e (ii) a existência de parte economicamente mais fraca, considerada hipossuficiente, podendo sujeitar o contrato a revisões sob a égide do Código de Defesa do Consumidor.

São fatores que interferem na liberdade individual e estão diretamente ligados a um interesse maior. Assim, resta diminuída a importância do indivíduo, diante dos interesses da coletividade e da ordem pública.  

3 A TIPICIDADE DO CONTRATO BUILT TO SUIT

A locação por contrato de construção ajustada foi regulamentada pela Lei nº 12.744/12, passando o built to suit a ser, agora, um contrato típico na Lei do Inquilinato, dando segurança jurídica ao locador e ao locatário.

A Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, conhecida como Lei do Inquilinato, dispõe sobre as locações de imóveis urbanos e descreve os procedimentos a serem observados nas ações a ela pertinentes.

Dentre os dispositivos da mencionada lei, há vários artigos expondo as regras gerais e as regras específicas que as partes devem se atentar na elaboração do contrato de locação convencional.

Não podemos olvidar que algumas cláusulas devem obrigatoriamente ser inseridas no contrato de locação convencional para evitar discussões judiciais desnecessárias, e outras são estipuladas livremente pelos contratantes locador e locatário, desde que haja equilíbrio e justiça nos direitos e obrigações assentadas no instrumento contratual.

Portanto, o equilíbrio e o acatamento às normas legais são à base de todos os contratos de locação, dando segurança aos contratantes e evitando demandas judiciais de anulação, revogação ou resolução de cláusulas contratuais ou contratos locatícios.

Partindo deste prisma, qual seja a segurança jurídica das partes contratantes, um novo artigo foi acrescentado à Lei do Inquilinato, com o objetivo de regulamentar uma prática que vinha se apresentando com frequência nos últimos tempos, mas ainda carente de regulamentação própria.

A Lei n.º 12.744, de 19 de dezembro de 2.012, acrescentou o artigo 54-A à Lei 8.245/91, dispondo sobre a locação nos contratos de construção ajustada.

Esse tipo de contrato de locação, conhecido como “built to suit”, ou “construído para servir”, é utilizado pelo mercado imobiliário brasileiro há algum tempo, porém não havia regras específicas e expressas na Lei do Inquilinato acerca da sua utilização e especificidades, daí a insegurança que rondava as partes quando da elaboração desta forma contratual, mormente porque neste tipo de negócio as obrigações são deveras vultosas.

Portanto, com a inserção deste novo artigo na Lei do Inquilinato, o contrato built to suit, até então atípico, passou a ser uma espécie de contrato de locação regulamentado por lei, afastando qualquer insegurança advinda nesta negociação.

4 CONTRATO BUILT TO SUIT

4.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O CONTRATO BUILT TO SUIT

O built to suit é um contrato que vem ganhando força no mercado imobiliário brasileiro. Por se tratar de um contrato diferenciado de todos os previstos na legislação, adentrou no país como um contrato atípico.

Trata-se de um modelo contratual bastante recente e, por isso, a escassez de doutrina sobre o tema ainda é grande, com poucas obras de autores renomados encontrados ou capazes de esgotar o assunto, o que torna o tema ainda mais atraente e repleto de informações desencontradas, em face de um universo de lacunas a serem preenchidas.

Desta feita, torna-se impossível precisar seu surgimento e, ao que nos parece, o contrato built to suit adentrou em nosso sistema pela aplicação do direito comparado, em especial pelo Direito Norte Americano, país em que, provavelmente, teve seu nascimento e é mais maciçamente utilizado.

No Brasil, o built to suit é muito utilizado no ramo imobiliário, sendo que suas principais regras e características estão descritas no art. 54-A da Lei nº 8.245/91.

O desenvolvimento de empreendimentos industriais e comerciais em processo de built to suit é um assunto relativamente novo no Brasil, porém largamente difundido no exterior desde a década de 1950, principalmente nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa e na Ásia.

Daí a importância do presente estudo, no intuito de difundir esse relevante instrumento contratual e de orientar os profissionais da área sobre a correta utilização nos casos práticos, com vistas a evitar futuros dissabores, que possam surgir, quando ausente um assessoramento técnico na formação do instrumento contratual.

4.2 TERMINOLOGIA

A esse respeito Rodrigo Ruede Gasparetto (2009, p. 28) esclarece que:

“No mercado brasileiro essas operações não têm, ainda, denominação específica, sendo que a expressão mais utilizada é built to suit, isto é, o verbo construir (em inglês) no tempo passado e não build to suit como é utilizado no mercado americano”.

A Lei nº 12.744/12, que deu tipicidade a esta espécie de ajuste locatício, nomeou referida locação de “contrato de construção ajustada”.

A introdução do contrato built to suit na economia brasileira perpassa pela evolução histórica que o mercado imobiliário nacional viveu nos últimos 30 anos.

O contrato em comento encontrou campo fértil para o seu desenvolvimento num contexto de ampla reestruturação pelo qual passou, e tem passado o mercado imobiliário brasileiro.

A criação de novos institutos jurídicos, especialmente sólidas garantias contratuais, permitiu o aperfeiçoamento dos mecanismos de financiamento das operações imobiliárias, facilitando a circulação de riquezas nas cadeias de fornecimento e consumo, o que, por consequência, conferiu pujança a esse setor da economia.

O fortalecimento dos fundos imobiliários e a intensificação da securitização de recebíveis (créditos) imobiliários, ambos impulsionados pela criação do patrimônio de afetação, proporcionaram uma ramificação das operações imobiliárias tradicionais, que passaram a ser alimentadas por novos fluxos de investimento.

Foi nesse contexto de relações entrelaçadas (produtor-consumidor-investidor), lastreadas em garantias legais, que o mercado acolheu a operação built to suit, permitindo que empresas atuantes em setores distintos do imobiliário direcionassem seus esforços a suas atividades principais, enquanto a empreendedores imobiliários passou a caber a consecução dos imóveis que àquelas serviriam.

Esse cenário deve ser levado em conta quando do estudo do contrato sob exame, de sorte a se apreender os fundamentos e os reflexos jurídico-econômicos que o envolvem.

4.3 ESTRUTURAÇÃO

O contrato built to suit insere-se num contexto de conexão contratual, onde são estabelecidas, muitas vezes de modo autônomo, variadas relações que, no fundo, são interdependentes.

O contrato built to suit, embora seja composto por características elementares, pode ser concebido a partir de diferentes bases jurídico-econômicas.

Para ilustrar esse cenário, colacionamos abaixo o desenho de uma hipótese de estruturação de built to suit.

O referido desenho nos revela algumas possibilidades de negócios que podem ser estruturados em torno do contrato built to suit.

Vislumbra-se a presença de terceiros, investidores, que adquirirão certificados de recebíveis imobiliários (CRI’s), emitidos com base nos créditos oriundos de um contrato built to suit (aluguéis), cujo direito de recebê-los é cedido a uma companhia securitizadora.

Nessa linha, e sem prejuízo de outras estruturas que possam ser licitamente esquematizadas, tem-se que o contrato built to suit é encontrado num ambiente de contratos conexos, formado pelos mais diversos interesses.

4.4 CONCEITO

Segundo Gasparetto (2009, p. 31),

“Trata-se de um negócio jurídico por meio do qual uma empresa contrata outra, usualmente do ramo imobiliário ou de construção, para identificar um terreno e nele construir uma unidade comercial ou industrial que atenda às exigências especificas da empresa contratante, tanto no que diz respeito à localização, como no que tange às características físicas da unidade a ser construída. Uma vez construída, tal unidade será disponibilizada, por meio de locação à empresa contratante, por determinado tempo ajustado entre as parte.”

Marcelo José Lomba Valença (2005, p. 329) define que:

“Built to Suit consiste em um modelo de negócio imobiliário no qual a parte interessada em ocupar um imóvel para o desenvolvimento de uma atividade empresarial (ocupante) contrata com um empreendedor imobiliário (empreendedor) a (i) aquisição de um terreno em uma localização estrategicamente selecionada pelo ocupante (terreno); (ii) a construção de um edifício no terreno para atender as necessidades empresariais do ocupante (edifício); (iii) a locação do empreendedor para o ocupante no terreno com o edifício (terreno e edifício, coletivamente, o imóvel).”

Fábio Cilli (2005, p. 7), profissional do setor imobiliário, equipara, ao definir em trabalho de monografia, o conceito de contrato do built to suit ao contrato locatício:

“Portanto, o imóvel gerado em um built to suit é construído especialmente para um ocupante específico e se volta para a locação; segue critérios pré-estabelecidos, devidamente estudados e analisados pelo usuário por meio de técnicas adequadas de planejamento de espaço, que envolvem o padrão construtivo, as especificações técnicas, o arranjo físico, o crescimento da empresa, a flexibilidade para expansão, a localização, dentre outros fatores.”

O engenheiro e advogado Francisco Maia Neto (2009, on line) em artigo intitulado “O que significa o conceito built to suit”, escrito para a coluna “Mercado Imobiliário”, do jornal Estado de Minas, traz a seguinte definição:

“Por definição, trata-se de uma modalidade de operação imobiliária que pode ser traduzida como construção sob medida, consistindo em um contrato pelo qual um investidor viabiliza um empreendimento imobiliário segundo os interesses de um futuro usuário, que irá utilizá-lo por um período pré-estabelecido, garantindo o retorno do investimento e a remuneração pelo uso do imóvel.”

É uma nova modalidade contratual, fruto de novas relações comerciais.

“Despontam como notas marcantes a encomenda da construção e a locação por longo prazo” (PEREIRA, 2008, on line). Aparecem, com igual frequência, a seleção e aquisição de terreno. Há também, muitas vezes, a captação de recursos com terceiros, de um lado, e, de outro, a cessão de direitos creditórios.

(ULIAN, 2011, on line) esclarece que:

“Portanto, verifica-se que a relação contratual do built to suit é extremamente complexa, uma vez que envolve a busca adequada do terreno, contratação de construtora, elaboração de projeto específico a ser desenvolvido em determinado prazo, captação de fundos para o investimento, e assim, deveres e obrigações que se diferenciam daqueles de uma simples relação locatícia”.

Aqui, destaca-se a conexidade entre contratos, a qual pode operar entre um contrato principal e o seu acessório ou entre contratos, em tese, independentes, mas que se posicionam numa relação de interdependência, visto que, em virtude da unidade econômica na qual inseridos, sofrem reflexos um do outro.

É um contrato intuito personae, cujo bem a ser dado em uso é desenvolvido de modo a atender às especificas necessidade de seu usuário. Há, portanto, um investimento pelo empreendedor tendo em mira os interesses do futuro usuário.

A avença engloba a construção ou “personalização” (que pode ser executada por terceiro contratado) de um imóvel que, mediante periódica remuneração, será disponibilizado ao uso e gozo por um longo prazo.

A remuneração levará em conta não só o uso concedido, mas também os investimentos que foram feitos pelo empreendedor-contratado.

A aquisição do imóvel pelo empreendedor, embora comumente verificada, não é imprescindível. Pode, por exemplo, ser parte no contrato aquele que já tem terreno e sobre ele construirá, bem como aquele tem direito de superfície sobre um imóvel (observada a exigência de compatibilidade entre este e o contrato built to suit, especialmente quanto ao prazo e destinação).

O projeto relativo a construção pode ser elaborado sob responsabilidade de qualquer uma das partes.

Numa operação built to suit é possível identificarmos as características de várias outras modalidades contratuais, tais como: compra e venda; incorporação imobiliária; empreitada; prestação de serviços; locação ou cessão de direitos.

Resumidamente, o contrato built to suit é o negócio jurídico pela qual uma das partes contratantes, no caso, a locatária, acerta a construção de imóvel que atenda as necessidades pontuais da sua atividade empresarial, remunerando a empreendedora-locadora mediante o pagamento de aluguéis fixados em patamares que combinem o retorno dos investimentos realizados na construção e o uso do bem imóvel por meio da cessão temporária (locação) fixada por um longo período previamente ajustado.

4.5 SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS IMOBILIÁRIOS (CRI’s)

Como vimos, no contrato built to suit, o empreendedor-locador, para a execução de uma operação imobiliária desse tipo, necessita realizar um aporte de grande monta financeira, a fim de poder ceder a posse à empresa-locatária num prazo razoável e conforme as necessidades do core business desta.

Em grande parte, os investimentos necessários para viabilizar a construção dos empreendimentos contratados sob medida (built to suit) são captados no mercado de capitais, por meio da securitização dos créditos oriundos do contrato entabulado entre o empreendedor-locador e a empresa-locatária do futuro empreendimento imobiliário.

Tal captação no mercado financeiro se dá por meio da emissão, no mercado de capitais, de títulos conhecidos por Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI’s), emitidos por uma companhia securitizadora, nos termos da Lei nº 9.514/97.

Diante dessas especificidades contratuais, o contrato built to suit tem-se tornado um dos principais lastros que permitem o desenvolvimento do financiamento imobiliário por meio da emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários, conforme as regras introduzidas pelo art. 6º da Lei nº 9.514/97.

“Art. 6º O Certificado de Recebíveis Imobiliários – CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro.

Parágrafo único. O CRI é de emissão exclusiva das companhias securitizadoras.”

A companhia securitizadora, por sua vez, emite Certificado de Recebíveis Imobiliários, legalmente definido como um “título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários” que “constitui promessa de pagamento em dinheiro” e providencia a averbação junto ao Oficial de Registro de Imóveis da circunscrição imobiliária competente, ou seja, no local da matrícula do imóvel objeto do contrato built to suit.

Desta feita, é comum, que, além dos contratantes e terceiros (investidores), tenha-se a participação de uma companhia securitizadora, nos termos do art. 9º da Lei nº 9.514/97.

“Art. 9º A companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre créditos imobiliários, a fim de lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários, sendo agente fiduciário uma instituição financeira ou companhia autorizada para esse fim pelo BACEN e beneficiários os adquirentes dos títulos lastreados nos recebíveis objeto desse regime.”

Em síntese, o empreendedor-locador adquire o terreno, constrói ou manda construir conforme as especificações técnicas exigidas aluga o imóvel à empresa-locatária e contrata uma companhia securitizadora para a transferência de seus créditos, a fim de receber antecipadamente o valor dos aluguéis estabelecidos no contrato, mediante a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI’s) no mercado de capitais lastreados nos créditos decorrentes do contrato built to suit.

Para segurança dos investidores, os créditos permanecem afetados de tal sorte que não se confundem com o patrimônio da companhia securitizadora, nos termos do art. 11, da Lei nº 9.514/1997.

Assim, os contratos do tipo built to suit estão inseridos numa categoria de operações imobiliárias que vem crescendo a passos largos no Brasil, traduzindo a importância do uso mais econômico e eficiente da propriedade imobiliária.

4.6 NATUREZA JURÍDICA

Dentre as diversas espécies possíveis de contrato built to suit, citamos apenas a título exemplificativo e não exaustivos, os seguintes:

(i) locação não residencial;

(ii) compromisso de compra e venda, mediante abatimento dos valores locatícios no valor final do produto;

(iii) compra e venda simples;

(iv) concessão de direito real de superfície;

(v) empreitada;

(vi) financiamento;

(vii) incorporação imobiliária.

Entretanto, tais possibilidades não afastam o contrato built to suit como modalidade contratual típica, possuindo natureza jurídica de locação de imóvel.

4.7 CARACTERÍSTICAS

Além dos requisitos indispensáveis a todo e qualquer contrato, como objeto lícito, agente capaz e forma prescrita ou não proibida pela lei e da presença das cláusulas e princípios gerais do Direito, o contrato built to suit possui algumas características específicas, com traços peculiares, próprios de sua identificação.

Dentre as principais características do contrato built to suit, as mais importantes são as seguintes:

a) destinatário ou usuário pré-determinado;

b) objeto específico, conforme a necessidade do usuário;

c) possibilidade de construção ou adaptação do objeto;

d) dificuldade de realocação do bem, em caso de denúncia, descumprimento ou rescisão contratual, em virtude da letra b;

e) impossibilidade de denúncia unilateral pelo locador;

f) possibilidade de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, mediante o pagamento da multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.

g) aplicação da Lei 8.245/91, do Código Civil e do Código de Processo Civil;

h) em se tratando de imóvel, cumulativamente:

– localização específica;

– lapso de tempo que possibilite ao construtor recuperar os investimentos efetuados;

– possibilidade de prazo dilatados de duração, mediante pagamento (locação) por tratos sucessivos ou periódicos;

– possibilidade de convencionar a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.

– não incidência de ação renovatória durante o prazo de vigência do contrato de locação;

– possibilidade de securitização de recebíveis imobiliários e emissão de certificados de recebíveis imobiliários.

Além destas, existem outras características e cláusulas específicas, dependentes da natureza contratual adotada, que serão determinantes na execução e no cumprimento do contrato pelas partes.

5 AS MODIFICAÇÕES DA LEI Nº 12.744/2012 NA LEI DO INQUILINATO

A Lei nº 12.744/12 modificou o caput do artigo 4º da Lei nº 8.245/91, bem como incluiu um novo artigo em seu texto, o art. 54-A:

“Art. 4º – Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.

Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.

§ 1o Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.

§ 2o Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.”

Referida lei alterou o artigo 4.º da Lei 8.245/91 e introduziu o artigo 54-A. A regra geral, prevista no artigo 4.º da Lei de Locações, é de que o locador não pode reaver o imóvel locado no prazo do contrato. Já o locatário poderá rescindir o contrato, devolvendo o imóvel mediante o pagamento de multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato ou aquela que for fixada judicialmente.

Continua valendo a regra geral de que o locador não poderá reaver o imóvel locado durante o prazo do contrato de locação, mas o locatário poderá devolvê-lo. A exceção trazida no artigo 4.º, prevista no parágrafo 2.º do artigo 54-A, estabeleceu apenas uma condição quanto ao pagamento e ao valor da multa a ser pactuada entre as partes no contrato built to suit, de tal forma que o locador tenha assegurado o retorno do capital investido na construção do imóvel, caso o locatário desocupe-o antes de findo o prazo do contrato.

Devidamente situado, o contrato como de locação e regido por lei especial, mesmo tendo sido estabelecido que “prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato”, referidas condições devem seguir os princípios gerais dos contratos, já devidamente analisados no início deste estudo. A lei de locações deve ser aplicada ao contrato built to suit na sua plenitude, sistematicamente. E pelas disposições procedimentais, ele se sujeita às ações previstas na lei, tais como ação de despejo, de consignação em pagamento, revisional, renovatória da locação. Em relação a esse aspecto, foi um grande passo para trazer maior segurança às partes.

A primeira alteração foi a do caput do art. 4º, que incluiu uma exceção à disposição referida nesta regra. Para todos os outros casos, o locatário sempre pode devolver o imóvel que está em sua posse antes do fim do prazo determinado no contrato e pagar, proporcionalmente ao tempo do cumprimento do contrato, a multa pactuada ou a que for estipulada em ação judicial.

Denota-se que essa mudança foi essencial, visto que se aplicadas as regras da locação ao contrato atípico que a possui como base, esta afetaria gravemente o equilíbrio contratual em caso de denúncia antecipada.

A regra, inclusive legal, é que, descumprida a obrigação e carreados por uma das partes indevidos prejuízos à outra, esta fará jus à respectiva obrigação pelos danos sofridos.

O descumprimento voluntário (ou imputável) da prestação colocará a parte obrigada em mora, impondo-se-lhe penas moratórias e compensatórias (e, ainda, dependendo do caso, o pagamento de perdas e danos adicionais).

Ao final, poderá chegar-se à extinção do contrato.

Em segundo lugar, e mais importante, foi incluído na Lei do Inquilinato o artigo 54-A. Ele surgiu como forma de diferenciar as operações conhecidas como built to suit das demais locações de imóveis urbanos.

Denota-se do caput que o legislador preferiu não se utilizar de um termo para definir a operação a que se aplica tal dispositivo, de forma a evitar que a mera mudança textual do contrato ensejar a sua inaplicabilidade.

Na prática, mesmo que se entenda que o contrato built to suit não deva ser tratado apenas como uma locação antecedido por uma empreitada ou qualquer outra figura contratual, discussão essa ainda reservada à doutrina, a Lei nº 12.744/12 foi elaborada de forma a determinar que a Lei do Inquilinato se aplica a esse tipo de contrato apenas se definido expressamente pelas partes. Isso quer dizer que a regra geral é a não subordinação do built to suit à referida lei.

Desta forma, a lei confirma que as partes são livres para contratar, aplicando-se, no entanto, as disposições procedimentais previstas na Lei de Locações.

Já em seu parágrafo primeiro, dispõe a liberdade aos contratantes para renunciar ao direito de revisão de alugueres. Decorrido o prazo, se a locação for renovada, tal dispositivo já não se aplicará automaticamente, sendo certo que o valor da remuneração a vigorar deverá ser aquele de mercado, calculado por perícia, como base, também, nas particularidades que emanam das prestações atribuídas a cada parte no contrato de built to suit.

Nos casos em que as partes estipularem a aplicação da Lei do Inquilinato (mesmo que subsidiariamente), verifica-se que a ação revisional de alugueres está prevista entre os artigos 68 e 70 da Lei do Inquilinato.

(CARBONE, 2013, on line) defende a possibilidade de renúncia a ação revisional:

“Tal possibilidade de renúncia de direito existe para proteger o locador que apenas passará a receber os aluguéis quando entregar a obra, sendo estes manifestamente superiores aos aluguéis do mercado, visto que compreendem o valor do investimento acrescido do valor estimado pelo uso e gozo da coisa locada”.

A possibilidade de renúncia, prevista na lei, se refere apenas ao direito de revisão do valor do aluguel, por conta da complexa e difícil tarefa de definição do valor do aluguel. Já em relação ao exercício do direito de preferência ou ao direito de promover ação renovatória da locação, como a lei não possibilitou às partes renunciar, se estas convencionarem nesse sentido tais disposições poderão ser consideradas nulas, de acordo com o art. 45 da Lei nº 8.245/91.

Cumpre destacar que a Lei nº 12.744/12 apenas referendou o entendimento da jurisprudência sobre a validade da cláusula de renúncia à revisão, já largamente utilizada nos contratos built to suit. Com efeito, tal medida funda-se no fato de que o valor ajustado para o aluguel neste tipo contratual corresponde à remuneração do locador/empreendedor tanto pelo uso do imóvel ao longo do período contratual de locação quanto pelo capital investido na aquisição e construção (ou reforma substancial) do imóvel sob encomenda.

No entanto, é importante notar que a renúncia não é norma cogente, mas, pelo contrário, é uma opção das partes e, assim, precisa vir claramente prevista no contrato para ser aplicável e vinculativa. A renúncia, portanto, não se presume e, na ausência de cláusula específica, ambas as partes – locador e locatário – poderão se valer da revisão contratual nos termos da Lei de Locações.

Vejamos o entendimento do STJ[1] sobre o tema antes mesmo da promulgação da Lei nº 12.744/12.

“CIVIL. LOCAÇÃO COMERCIAL. PEDIDO REVISIONAL. CLÁUSULA RENUNCIATIVA. VALIDADE. 1 – Não viola o art. 19 e nem o art. 45, ambos da lei 8.245/91 e, muito menos conflita com a súmula 357-STF, a disposição contratual, livremente pactuada pelas partes, na qual o locador renuncia ao direito de propor ação revisional de aluguel, considerando-se ratificada se, após renovação da avença, continua a integrar os seus termos sem nenhuma objeção da parte interessada. Precedente desta Corte. 2 – Recurso não conhecido.”

Ademais, o parágrafo segundo do art. 54-A (aliado a modificação do caput do artigo 4º da mesma lei) determina que o locatário que denunciar antecipadamente o contrato deverá arcar com o determinado na cláusula penal, não podendo esta superar os valores dos aluguéis restantes.

É importante, antes, referir que as normas do Código Civil brasileiro ainda são plenamente aplicáveis. Assim, destacam-se dois dispositivos do Código Civil importantes, o art. 572 e o artigo 413.

Como refere TARTUCE (2013, p. 347):

“Esses artigos do mesmo Codex estão em sintonia, visto que o primeiro, norma especial se aplica as locações de coisas, enquanto o segundo, referente a redução de cláusula penal, se aplica aos demais negócios jurídicos particularmente para aqueles envolvendo a locação de imóvel urbano, como é o caso do built to suit”.

Ressalta-se ainda que, a doutrina tem entendido que o art. 413 do Código Civil é irrenunciável por se tratar de preceito de ordem pública. Tal entendimento está estampado no Enunciado nº 355 aprovado na IV Jornada de Direito Civil, realizada em 2007 (o enunciado foi mantido pela edição realizada em 2012).

Isso não significa que as partes não possam estabelecer entre si os limites da cláusula penal. Não obstante, a jurisprudência brasileira tem entendido que essa autonomia não vincula o juiz, “devendo” o juiz utilizar-se do art. 413 do Código Civil para reduzir o contido na cláusula.

Essa interpretação também é defendida por GASPARETTO (2009, p. 139), que entende que “ao contrário da faculdade posta no art. 924 do Código de 1916, o art. 413 refere agora o dever judicial deve ser reduzida. Desta forma, se o contrato foi cumprido parcialmente a multa deve sofrer redução proporcional”.

Contudo, GASPARETTO (2009, p. 150) aponta que: “no caso dos contratos Built to Suit o magistrado deve observar que se trata de um negócio jurídico complexo, não simplesmente de uma mera relação locatícia”.

GASPARETTO (2009, p. 151) não se furta de lembrar que uma diferente conclusão seria prejudicial ao mercado imobiliário nacional:

“O empreendedor-locador muitas vezes utiliza-se do mercado de capitais para financiar o empreendimento, sendo certo que uma eventual redução da cláusula penal compensatória não iria apenas prejudicar este último, mas todos aqueles investidores institucionais ou pessoas jurídicas que de alguma forma acreditaram e confiaram nas informações apresentadas pelas partes aos órgãos competentes (usualmente a CVM) para liquidar financeiramente a operação.”

Mas essa análise diferenciada por parte dos magistrados não deve ocorrer apenas com vistas a proteger o mercado imobiliário, pois as cláusulas de securitização não são elementos essenciais desse tipo de relação. Os alugueres nesse acordo não são calculados apenas de acordo com a cessão da posse, como já referido anteriormente.

“O aluguel inicialmente fixado não é composto somente pelo uso e gozo, mas é composto visando à aquisição da coisa (terreno), sua adaptação (construção ou reforma) e entrega ao locatário” (CARBONE 2013, on line).

Por conta dos aluguéis diferirem substancialmente dos contratos típicos de locação, deve o juiz separar as fases do pagamento das obrigações do locatário. A primeira fase, a mais curial, visa a cobrir os custos de aquisição e construção/reforma do local que será posteriormente alugado. No caso de esses custos não terem sido diluídos no mercado imobiliário, o locador arcaria sozinho com o prejuízo da resolução contratual antecipada. Ultrapassada esta fase, passa-se ao pagamento pela fruição do imóvel, como nos contratos de locação de imóvel urbano.

Portanto, se a denúncia do contrato ocorrer ainda durante a primeira fase, não deve ser considerado “montante manifestamente excessivo” se for necessário para cobrir os custos do locador com a aquisição e construção/reforma de um edifício especificamente projetado para o locatário. Essa é a natureza e a finalidade do negócio, conforme definido no próprio art. 413 do Código Civil. Contudo, se a denúncia ocorrer já na segunda fase, não há motivos para diferenciar seu tratamento de uma locação de imóvel urbano.

6 DIREITOS E OBRIGAÇÕES

O contrato built to suit comporta prestações diversas, das quais decorrem direitos, obrigações e responsabilidades igualmente diversos.

O contratado (empreendedor), de regra, terá as seguintes obrigações: (i) adquirir o imóvel, selecionado ou não pelo contratante (usuário); (ii) edificar construção ou reforma nos termos das instruções fixadas pelo contratante (sob medida e por encomenda); (iii) conceder ao contratante, pelo prazo pactuado, o uso e gozo do imóvel construído.

Lado outro, este empreendedor-contratado fará jus à percepção de remuneração que o pague não só pela fruição da coisa, mas também pelo significativo investimento despendido (daí a natural tendência de que o contrato perdure por longo prazo).

O contratante-usuário, a seu turno, terá o direito de possuir e fruir o bem por certo prazo, sempre em consonância com os fins ajustados. Noutra ponta, como dito, incumbir-lhe-á pagar a remuneração periódica fixada (o aluguel), de modo a amortizar o dispêndio suportado a seu favor pelo contratado-locador.

Pode-se entabular ainda, como de praxe, que o usuário responda pelos encargos da coisa, como tributos, despesas de conservação etc. Ademais, algumas garantias contratuais podem ser exigidas de ambas as partes.

Os direitos e obrigações acima enumerados defluem em diversos outros de significativa relevância, o que recomenda decompor os primeiros.

Da obrigação de adquirir imóvel decorre a exigência de que sejam adotadas todas as cautelas convenientes ao respectivo negócio imobiliário, de modo que problemas, por exemplo, relacionados à posse ou à propriedade do bem não frustrem os fins almejados pelo contrato built to suit a se firmar.

Se a seleção do bem couber ao empreendedor, deverá este observar rigidamente as instruções do futuro usuário, de modo a atender às expectativas existentes quanto a características, funcionalidades, localização, adequação a projeto construtivo, possibilidade legal de exercício da atividade pretendida no local etc.

Em outro contexto, se o bem for selecionado pelo usuário e não for possível sua aquisição em razão de eventuais fatores que afetem a segurança jurídica necessária ao negócio (ou, ainda, alterem as bases negociadas para o built to suit), o contratado não poderá ser obrigado a adquirir o imóvel.

Por outro lado, o contratado-locador até poderá, se não houver convencionado em sentido diverso, adquirir direitos que não a propriedade, desde que lhe permitam cumprir de forma plena o acordo estabelecido ou que estabelecerá com o contratante-locatário.

Assim, poderá o locador dotar-se do direito de superfície relativo a certo imóvel, para, então, sujeitar este a um contrato built to suit, bastando que haja compatibilidade entre os termos de cada avença (especialmente quanto ao prazo de vigência).

Como já dito, o locador também responderá pela solidez e segurança da obra. E mais, deverá conformá-la às necessidades do locatário, uma vez que se trata de obra sob medida e por encomenda.

O usuário, por usa vez, deve cumprir o contrato regularmente, remunerando o empreendedor pelos investimentos que este fez e, ainda, pela fruição do imóvel.

Tendo em vista a especificidade da obra construída, a sua fruição pode ficar limitada a pequeno grupo de interessados ou mesmo, somente, aos interesses do usuário que a encomendou. Portanto, cumpre a este pagar ao empreendedor remuneração que seja compatível com a contrapartida suportada, o que exige a observância de prazo contratual adequado (ainda que supostamente longo).

Outro ponto a ser lembrado é o concernente ao direito de preferência na hipótese de alienação do imóvel objeto do contrato built to suit. Tal direito poderá ser previsto pelas partes a favor do usuário. Já que não decorrente de lei. Porém, ante a falta de suporte legal, o que inclusive dificulta a publicidade do contrato, ou seja, seu conhecimento por terceiros, a preferência estipulada não terá eficácia real, podendo, na prática, restar frustrada (o que não impede a previsão de compensação adequada).

O mesmo se aplica à cláusula de vigência, o que pode gerar sérios problemas.

As partes também podem pactuar a opção de compra do bem ao final do prazo contratual, o que não desvirtuará o built to suit se a remuneração periódica não representar verdadeira compra parcelada.

Em síntese, pode-se afirmar que estes são os principais direitos e obrigações das partes de um contrato built to suit.

Na outra ponta, a inovação legislativa determinou, de forma cogente, que, nos contratos built to suit, a multa contratual pela denúncia antecipada da locação pelo locatário será devida, sempre, na sua integralidade, limitada à soma dos aluguéis vincendos. A opção legislativa, neste caso, considera que, no contexto dos contratos built to suit, o empreendedor/ locador tem direito à garantia do ressarcimento dos investimentos feitos no imóvel, enquanto o locatário tem a obrigação de promover tal ressarcimento, além da obrigação de pagar o aluguel mensal.

CONCLUSÃO

Do exposto, algumas conclusões podem ser extraídas.

O mercado imobiliário evoluiu ao longo dos últimos anos, passando por período de grande pujança, sendo que agora dá sinais de estabilidade econômica.

As balizas desse novo cenário passaram diretamente pela segurança jurídica, em especial pela criação da Lei nº 12.744/12. Por se tratar até então de um contrato atípico, uma das dificuldades enfrentadas por investidores vinha sendo determinar os limites contratuais da locação built to suit, a fim de estabelecer a extensão da aplicabilidade das disposições da lei de locações, especialmente no que se refere (i) à multa no caso de rescisão antecipada e (ii) possibilidade de renúncia ao direito de ação revisional do aluguel pelas partes.

Ainda que o entendimento fosse de que havia sólida base legal para defender a viabilidade desta modalidade contratual, havia um vazio na legislação e também nas decisões dos tribunais superiores a respeito do tema, o que gerava certa insegurança jurídica às partes. A maior dúvida residia justamente em como conciliar as disposições contratuais do built to suit com as regras de ordem pública da lei nº 8.245/91.

Assim, a Lei nº 12.744 inovou para expressamente excepcionar, nos contratos built to suit, dois dos principais institutos de proteção dos locadores e dos locatários na Lei de Locações: o direito à revisão dos aluguéis e o benefício de multa limitada a três (3) aluguéis e proporcional, na hipótese de rescisão unilateral e antecipada da locação pelo locatário. Adicionalmente, a lei confirma que as partes são livres para contratar, aplicando-se, no entanto, as disposições procedimentais previstas na Lei de Locações.

Contratos como o de built to suit são capazes de satisfazer as necessidades específicas de cada ramo das atividades comercial, industrial e de prestação de serviços, em benefício da tão almejada segurança jurídica, essencial ao desenvolvimento da economia.

O contrato built to suit serve, ainda, como potente instrumento de geração e circulação de riquezas às partes e à sociedade, como a desmobilização de capitais pelo destinatário do produto e viabilização para que tais recursos sejam aplicados na atividade fim exercida. Por fim, ao construtor ou investidor, possibilita garantia de retorno dos valores por ele despendidos e, sobretudo, uma projeção mais real de suas margens de lucros na operação.

 

Referências
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Nota:
[1] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 243.283/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgamento em 16/3/00, DJe 10/04/2000.)

Informações Sobre o Autor

Dyonísio Pinto Carielo

Mestrando em Direito Empresarial pela Faculdades Milton Campos. Advogado


Equipe Âmbito Jurídico

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