É legal a cobrança antecipada de mensalidades escolares e a imposição de multa e encargos moratórios quando o pagamento se dá após a data estabelecida no contrato, ainda que dentro do mês de referência?
Este é o questionamento que faço com relação ao contrato escolar. Fui buscar na legislação que trata da matéria as informações necessárias para responder ao questionamento proposto.
Em 1989, depois de acirrada discussão na Imprensa e no Judiciário, entre associações de pais e escolas particulares, o Conselho Federal de Educação editou a Resolução nº 3/89, de 13.10.89, para disciplinar a cobrança de encargos educacionais nas instituições do Sistema Federal de Educação.
O art. 1º da citada resolução previu o intervalo de tempo em que as mensalidades poderiam ser reajustadas. O art. 2º trouxe a fórmula a ser aplicada para se encontrar o valor das mensalidades. O art. 3º estabeleceu o indexador a ser aplicado para correção das mensalidades a partir de julho/90. Entretanto, para este estudo que fiz, o que mais importou foi o contido no § 1º do art. 4º, porque definiu o significado do termo “mensalidade escolar”:
“Mensalidade escolar constitui a contraprestação pecuniária correspondente à educação ministrada e à prestação de serviços a ela diretamente vinculados como matrícula, estágios obrigatórios, utilização de laboratórios e biblioteca, material de ensino de uso coletivo, material destinado a provas e exames, de certificados de conclusão de cursos, de identidade estudantil, de boletins de notas, cronogramas, de horários escolares, de currículos e de programas”.
O art. 7º estabeleceu que a falta de pagamento da mensalidade escolar até a data do vencimento implicaria no acréscimo da multa de 10% (hoje esse percentual foi reduzido para 2%) e correção monetária pro rata die sobre o principal a partir do dia subseqüente ao vencimento.
O art. 13 determinou que a instituição deveria devolver ao aluno qualquer valor cobrado em excesso ou em desacordo com a referida Resolução ou decisão do Conselho Federal de Educação, na mesma forma do art. 7º.
Posteriormente a essa Resolução, o Congresso Nacional editou a Lei nº 8.170, de 17.01.91, que estabeleceu regras para a renegociação de reajustes das mensalidades escolares. A importância dessa lei para este estudo está no disposto no art. 3º que assim dispôs:
“No caso de celebração de contratos de prestação de serviços educacionais, os mesmos deverão obedecer o disposto na Lei nº 8.078, de 11.09.90 (Código de Defesa do Consumidor)”.
A vinculação desses contratos ao CDC deu mais garantias aos contratantes, possibilitando-lhes discutir as cláusulas junto aos órgãos de defesa do consumidor.
Em 1999 o Congresso Nacional editou a Lei nº 9.870, que dispôs sobre o valor total das anuidades escolares. O § 3º do art. 1º desta lei informa:
“O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos anteriores”.
Posteriormente a essa lei, veio a Medida Provisória nº 1.968, que em sua terceira reedição, publicada em 03.02.2000, alterou dispositivos da Lei nº 9.870/99, cujo § 1º do art. 1º ficou assim redigido:
“Art. 1º – O art. 1º da Lei 9.870, de 23 de novembro de 1999, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 3º e 4º, renumerando-se os atuais §§ 3º e 4º para §§ 5º e 6º:
§ 3º – Poderá ser acrescido ao valor total anual de que trata o § 1º montante proporcional à variação de custos a título de pessoal e de custeio, comprovado mediante apresentação de planilha de custo, mesmo quando esta variação resulte na introdução de aprimoramentos no processo didático-pedagógico.
§ 4º – A planilha de que trata o parágrafo anterior será editada em ato do Poder Executivo”.
A legislação acima anotada é a que trata da questão dos contratos escolares. Como se pode observar, nenhum dos dispositivos citados permitiu às instituições de ensino estabelecer o vencimento antecipado das mensalidades. Ao contrário. A Resolução 3/89, em seu art. 4º, § 1º, ao definir mensalidade escolar, informa que esta constitui a contraprestação pecuniária correspondente à educação ministrada.
Contraprestação é o cumprimento de obrigações por uma das partes em correspondência às de outra, nos contratos bilaterais (Novo Dicionário AURÉLIO da Língua Portuguesa). Se a mensalidade escolar é a contraprestação, logo esta não pode ser exigida pelo contratado antes de prestado o serviço educacional prometido.
Entretanto, o que se vê nos contratos escolares é a praxe de se estabelecer o vencimento da mensalidade para o mês de prestação do serviço (geralmente nos dia 5, 10 ou 15) e, em caso de não pagamento, exigir-se multa moratória, correção monetária e ainda juros moratórios.
Essa praxe afronta a Resolução 3/89, que, ao definir o termo “mensalidade escolar”, permitiu que o pagamento desta seja feito depois de recebida a educação. E não antes, como vem ocorrendo.
Assim, a multa pactuada só poderá ser exigida quando o pagamento for efetuado após o vencimento da mensalidade; vencimento este que só ocorrerá depois do serviço prestado. Assim, também, a cobrança de correção monetária, que só pode ser exigida pro rata. Quanto aos juros moratórios, não há previsão legal para a sua exigência.
Portanto, a cobrança de mensalidade escolar na forma atual, é ilegal à luz do ordenamento jurídico vigente, e abusiva, à lua do CDC. Abusiva, também, é a exigência de multa, correção monetária e juros moratórios no caso do não-pagamento na data pré-determinada no contrato.
A cobrança antecipada é ilegal porque a mensalidade deve corresponder ao pagamento do serviço prestado; A exigência de multa e de correção monetária são indevidas porque a obrigação ainda não está vencida; A cobrança de juros moratórios, ainda que por eventual atraso, é indevida, porque não há previsão legal. A lei só permite a cobrança de correção monetária pro rata die (art. 7º da Res. 3/89).
Os incautos poderão argumentar que, existindo um contrato escrito estipulando a data de vencimento da mensalidade, a multa e os encargos moratórios, a instituição de ensino está autorizada a praticar tal cobrança.
Entretanto, não se há de esquecer que o contrato escolar está submetido ao Código de Defesa do Consumidor, como previsto na Lei nº 8.170, de 17.01.91, cujo art. 3º estabeleceu que “no caso de celebração de contratos de prestação de serviços educacionais, os mesmos deverão obedecer o disposto na Lei nº 8.078, de 11.09.90 – CDC”.
Se não é permitida a cobrança antecipada das mensalidades escolares, a instituição que se utiliza dessa prática deve ser punida e os contratos revistos para que sejam adequados aos parâmetros da lei.
O Código de Defesa do Consumidor, que se aplica a esses contratos não só por força do art. 3º da Lei nº 8.170/91, mas também porque regula as relações de consumo (arts. 2º e 3º do CDC), prevê a declaração de nulidade das cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, inc. IV).
Não se pode negar que o consumidor de serviços educacionais está sendo enganado na sua boa-fé quando lhe é exigido o pagamento antecipado das mensalidades escolares, sem previsão legal para isso, e sofre abuso quando é compelido a pagar multa e outros encargos moratórios quando deixa de pagar a mensalidade no prazo previsto no contrato elaborado pela instituição.
O contrato escolar é um contrato de adesão. Contrato de adesão, na definição simplificada do art. 54 do Código de Defesa do Consumidor, é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
É elaborado unilateralmente pela instituição de ensino que não permite a discussão de suas cláusulas. O pagamento da matrícula é exigido no ato em que esta é feita. A matrícula ocorre, geralmente, nos meses de dezembro ou janeiro, se o período é anual, e também nos meses de junho ou julho, se o período é semestral. O aluno não tem a liberdade de discutir o contrato. Ou o assina para formalizar a matrícula, ou, caso contrário, não se matriculará.
Pode-se argumentar que o aluno tem a opção de procurar outra instituição de ensino que aceite discutir as cláusulas contratuais. Entretanto, essa hipótese só será possível quando se tratar do ensino básico ou do fundamental, em que o aluno pode se transferir para outras instituições do mesmo nível de ensino.
No ensino superior isso não será possível porque o aluno fica vinculado á instituição escolhida por força do vestibular. Assim, ele só poderá se matricular na instituição onde prestou vestibular.
Qual a solução para o problema?
O contrato escolar deverá ser revisto para adequação das cláusulas que tratam do vencimento das mensalidades e dos encargos moratórios. O pagamento só poderá ser exigido após a prestação do serviço educacional contratado, ou seja, após o mês de referência. Os encargos moratórios deverão ser limitados a multa de 2% e correção monetária pro rata die. Esta, aplicada através de índice oficial previamente indicado para todo o território nacional.
Como a matrícula ocorre, em geral, nos meses de dezembro ou janeiro, para as instituições que têm ciclo anual, e também nos meses de junho ou julho, para aquelas que se utilizam do ciclo semestral, a cobrança antecipada do valor da matrícula servirá como sinal de negócio, ou seja, a confirmação de que o aluno irá ocupar a vaga que lhe foi destinada. Entretanto, as mensalidades só poderão ter os seus vencimentos estabelecidos para o mês posterior ao da prestação do serviço educacional contratado.
O contrato atual aplica dupla penalização ao aluno, pois exige o pagamento antecipado de um serviço que ainda não foi prestado, e ainda impõe multa e encargos moratórios quando não é atendido o vencimento indicado pela instituição de ensino.
Na forma em que se dá a cobrança da mensalidade escolar, ocorre evidente antecipação de receita para a instituição. A instituição que quiser antecipar sua receita deverá oferecer desconto. Medida salutar que traz vantagens para ambas as partes, dando equilíbrio e equidade ao contrato.
A correção dessa injustiça poderá ser feita, num primeiro momento, por ação do Ministério Público, através da ação civil pública, cujo resultado alcança a todos que estejam na mesma situação. No segundo momento, ou mesmo enquanto tramita a referida ação civil pública, pelo Poder Legislativo, através de uma lei que corrija essas distorções estabelecendo regras claras e concretas para a elaboração do contrato escolar.
Fazer justiça é dar a cada um o que é seu.
Advogado em Campo Grande/MS
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