Resumo: Este artigo é parte da dissertação de mestrado defendida em 2012 perante o programa de Mestrado em Direito Agrário da faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Abordamos parte do estudo sobre os contratos agrários, seus conceitos, seus prazos mínimos e sua ligação com o direito constitucional e o direito civil. O contrato agrário é considerado um mecanismo de manejo do homem dedicado à terra, para lhe fornecer segurança jurídica diante dos negócios realizados, mas às vezes em razão do Estatuto da Terra se mostra estranho e divergente da realidade. Os prazos mínimos e obrigatórios previstos na legislação tornam o contrato distante da nova realidade social vivida nos campos brasileiros. Assim, buscou-se dar uma interpretação mais consentânea com a realidade agrária, numa visão neo-agrarista. A intenção foi contribuir para o debate diante da legislação desatualizada.
Resumen: Este artículo es parte de la tesis de maestro defendida en 2012, antes de la Maestría en Derecho de la Facultad de Derecho Agrario en la Universidad Federal de Goiás. Enfoque del estudio de los contratos agrarios, sus conceptos, sus términos mínimos y su relación con el derecho constitucional y derecho civil. El contrato agrario se considera un mecanismo para gestionar el hombre dedicado a la tierra, para ofrecerle la seguridad jurídica de las transacciones realizadas pero a veces debido al Estatuto de la Tierra muestra extraño y divergente de la realidad. El plazo mínimo obligatorio con arreglo a las leyes hacen que el contrato a distancia de la nueva realidad social con experiencia en los campos brasileños.pero a veces por el Estatuto de la Tierra muestra extraño y divergente de la realidad. Por lo tanto, tratamos de ofrecer una interpretación más coherente con la realidad agraria, una visión neo-agrarista. La intención era contribuir al debate sobre la legislación obsoleta.
Sumário: 1-Conceito de contrato agrário na teoria brasileira. 2- A visão neo-agrária e os contratos inominados. 3 – A questão dos prazos mínimos nos contratos agrários. 4 – Conclusão. 5 – Referências bibliográficas.
1 – CONCEITO DE CONTRATO AGRÁRIO NA TEORIA BRASILEIRA.
O contrato agrário tem sua gênese nos campos agrícolas da Europa, nas Américas, na África e no Oriente, locais que produzem alimentos manuseando os recursos naturais. Entretanto, a partir do momento que duas pessoas decidiram manejar o espaço agrário ao redor delas, foi necessário disciplinar a convivência pacífica, socializando conhecimentos, práticas agrícolas nos plantios, nas colheitas e as práticas pecuárias evitando conflitos rurais. No Brasil, o contrato agrário tem sua origem nos campos brasileiros, na roça[1], onde o alimento é produzido.
Daí, o contrato foi sendo construído ao longo dos anos, absorvendo inicialmente a idéia do individualismo absoluto e do religioso, até compreender a necessidade de mudanças para aplainar o individualismo privado, aceitando as revoluções ocorridas na sociedade.
Para Arnoldo Wald, citado na obra de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho tem-se que:
“Poucos institutos sobreviveram, por tanto tempo, e se desenvolveram sob formas tão diversas quanto o contrato, que se adaptou a sociedades com estruturas e escalas de valores tão distintas quanto as que existiam na Antigüidade, na Idade Média, no mundo capitalista e no próprio regime comunista” (GAGLIANO & PAMPLONA FILHO, 2010,pág. 1 – 2).
O contrato agrário, mais que uma realidade no cenário rural, tornou-se uma necessidade para o homem do campo, cabendo ao Direito agrário e o próprio Direito civil como fonte suplementar, regulamentar o assunto, construindo setas que indiquem a trajetória adequada, evitando conflitos e problemáticas que prejudiquem a produção agrária e o negócio jurídico.
Este pode ser compreendido como uma das boas justificativas para o estudo dos contratos agrários e suas problemáticas. Já no Brasil, com o aparecimento do Estatuto da Terra os contratos agrários ganharam mais notoriedade, sendo enaltecidos com uma legislação específica. O Direito agrário sistematizado na legislação especial revelou o seu propósito na busca pela justiça social no campo e a prospecção pela reforma agrária, estruturando um conjunto de regras consideradas publicísticas imperativas e irrenunciáveis, revelando o grau de proteção dada para aqueles que trabalham a terra.
Neste sentido surgem os contratos agrários como mecanismos de manejo para alcançar o desiderato proposto pela legislação. Entretanto, como diz o emérito professor José Fernando Lutz Coelho que:
“Existe uma enormidade de equívocos e de confusões, na aplicação e interpretação da relação locatícia e dos contratos agrários”. (COELHO, 2006, pág. 66).
É por causa disto que esmiuçamos polêmicas nos contratos agrários, quer sejam típicos ou atípicos, e uma delas é exatamente a questão do prazo contratual mínimo. É sabido que o objeto do Direito agrário é a atividade agrária, isto é, o labor com a terra e suas nuances jurídicas, tais como a fixação de prazos contratuais, preços contratuais, venda, compra evidentemente descritos nos contratos agrários.
Entretanto o vem a ser um contrato agrário ? Qual o seu objeto e a sua finalidade dentro desta perspectiva ?
Segundo Wilson Ferretto :
“Pode ser considerado como o instrumento através do qual o homem rural, dedicado à terra – mas sem terra -, pode cultivá-la diretamente, nela desenvolvendo sua empresa por meio de arrendamento ou parceria”. (FERRETTO, 2009, pág. 4)
Observa-se que o conceito de contrato agrário está armazenado na legislação vigente. Entretanto, outros doutrinadores revelam seus conceitos, como veremos a seguir.
Em Sílvia Opitz e Oswaldo Opitz enxergamos outro tipo de conceituação no que tange aos contratos agrários. Neles temos:
“O contrato agrário tem que ser feito por pessoa capaz, isto é, que possa consentir validamente e que o objeto do acordo seja lícito, sem esquecer a forma prescrita no Estatuto da Terra. A manifestação ou acordo da vontade somente pode ser dado por aquele que está no pleno uso de sua capacidade civil. É norma de direito comum, aplicável aos contratos agrários (Lei n. 4.947/66, art. 13)”. (OPITZ & OPITZ, 2012, pág. 278).
Octávio de Mello Alvarenga, também assim diz:
“Por contrato agrário devem ser entendidas todas as formas de acordo de vontade que se celebrem, segundo a lei, para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos vinculados à produtividade da terra”. (ALVARENGA, 1982, pág. 09).
Neste conceito acima, percebemos que o doutrinador pretende agasalhar todos os tipos de contratos agrários, quer sejam típicos ou atípicos, desde que mergulhados na finalidade agrária, no labor da terra, no manuseio da terra. Assim, podemos compreender o contrato agrário como o ato jurídico decorrente da vontade de pelo menos duas pessoas em exercer a atividade agrária.
Apresentamos assim, bons conceitos de contratos agrários formulados por excelentes doutrinadores agraristas, desenvolvidos conforme uma mente agrarista. Ademais, qual o objeto e a finalidade dos contratos agrários ?
Segundo Wilson Ferretto:
“O objeto dos contratos agrários é o imóvel rural e seu fim é o uso ou posse temporária da terra, para a implementação de atividade agrícola ou pecuária, nas modalidades de arrendamento ou de parcerias rurais, segundo se depreende dos arts. 92 a 94 do Estatuto da Terra, observadas as disposições de seus arts. 95 e 96, explicitados pelo art. 1º de seu Regulamento”. (FERRETTO, 2009,pág.4).
Aproveitando a indicação do texto legal, transcrevemos o que dispõe :
“Art. 1º. O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista (art. 92 da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra – e art. 13 da Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966)”.
Verifica-se que o contrato agrário é apresentado com uma das formas de manejo da terra, para alcançar a função social. Na legislação agrária temos contratos típicos ou nominados, a saber, arrendamento rural e parceria rural. E contratos atípicos ou inominados, a saber, locação de pasto, contrato de fica, puxirão e cambão. A preocupação com os fins sociais da terra, a justiça social e a disponibilidade de oportunidades para as pessoas que vivem no campo ou que desejam viver no campo, desenvolvendo uma profissão honesta e contributiva na produção de alimentos, tornam os contratos agrários valorizados e enaltecidos, neste sistema jurídico.
2 – A VISÃO NEO-AGRÁRIA E OS CONTRATOS INOMINADOS.
O Direito agrário é assunto envolvente e para ampliar sua visão, utilizamos da sociologia, da filosofia, da antropologia, da agronomia, da zootecnia e da medicina veterinária, porém sempre realçando o caráter jurídico deste ramo autônomo do Direito brasileiro. É desta forma, que trabalhamos a visão neo-agrária. Utilizamos outras fontes para estudo e automaticamente o agrário passa a ser enxergado de uma maneira mais ampla.
Há alguns anos atrás, um bom exemplo era o estudo da falsa parceria, que feria a existência de um contrato de trabalho justo, ético e social. Hoje, vislumbramos o problema através o trabalho análogo à escravidão e questionamos até quando o Brasil ainda viverá sob o fantasma da escravidão ? Não obstante a este bom exemplo, apresentamos outros, que especificamente também abordam a questão contratual, porém, em outras vertentes.
O que trazemos à baila neste artigo são as mudanças que ocorreram no cenário rural brasileiro, que influenciaram os contratos de arrendamento e de parceria, isto é, contratos agrários típicos. As mudanças propiciadas pelo mercado globalizado do agronegócio, o avanço das tecnologias no plantio, o pescado e em tantas outras áreas da atividade agrária incentivaram mudanças, transformações sociais e o nascimento de novas modalidades contratuais agrárias, que fizeram a nossa legislação agrária fica ultrapassada.
E novas modalidades contratuais são estas ? Estamos falando dos contratos agrários atípicos, ou seja, daqueles que não estão descritos na legislação, porém, são praticados de forma larga no cenário rural brasileiro. Quem nunca ouviu falar em aluguel de pasto por três meses ? Quem nunca ouvir falar em contrato de puxirão e de barragem ?
Nesse sentido, torna-se salutar compreender que o Estatuto da Terra ainda permanece engessado nas antigas modalidades contratuais agrárias e no pensamento social da década de 1960, que exigiam referenciais principiológicos específicos, conforme aquele contexto histórico. Além disto, as alterações ocorridas em 2007, através da Lei n.º 11.443 de 05 de janeiro de 2007, não foram suficientes para providenciar uma notória modernização legislativa.
A nova ordem constitucional trouxe sua contribuição, exaltando direitos fundamentais – artigo 5º da CF/88, que sem dúvida foram tratados a longo tempo pelos adeptos da filosofia do constitucionalismo, a exemplo de Locke, Rousseau, Montesquieu e Tocqueville (BULOS, 2012, pág.93). Entretanto, o Direito Civil também contribuiu. No entendimento de José Fernando Lutz Coelho “a nova principiologia contratual sufragada pelo Código Civil brasileiro, é que pode sem vulnerar os preceitos fundamentais agraristas, resolver os problemas” (COELHO, 2006, pág. 12). Defende seu pensamento, mesmo diante de posturas críticas, vejamos:
“Sabemos da postura crítica dos doutrinadores, e evidenciamos nas participações dos congressos estaduais de Direito agrário, […] onde agraristas, Des. Wellington Pacheco Barros, João Sidnei Duarte Machado, Luiz Ernani Bonesso Araújo, Domingos Terra, demonstram preocupação com uma interpretação mais flexível ao Estatuto da Terra e seu regulamento, em virtude da insegurança jurídica, e do possível rompimento das normas públicas, no sentido de “civilizar”, ou seja, priorizando as regras civilistas.” (COELHO, 2006, pág. 13).
A posição doutrinária de José Fernando Lutz Coelho é clara. Para ele o neo-agrarismo surge como mecanismo adequado para preencher as lacunas e problemáticas existentes. As transformações sociais, econômicas e tecnológicas no campo, com a própria globalização no calço destas mudanças, incentivando-as a aparecerem, expõe a defasagem da legislação agrária em referência aos contratos utilizados pelo homem nos campos brasileiros.
Um bom exemplo disto é o prazo mínimo contratual exigido pelo Estatuto da Terra, para dar roupagem jurídica ao arrendamento e à parceria. Se os contratos não obedecerem os prazos mínimos de três, cinco e sete anos, tais contratos são ilegais. Ora, como o pequeno e até mesmo o grande produtor rural no Brasil, não pode submeter a terra a contratos agrários atípicos com prazos menos do que os previstos em lei ? Não concordamos com os prazos mínimos, como definidos na legislação e veremos adiante novos argumentos.
Não podemos demonizar o agronegócio, culpando-o por toda a mazela que o produtor rural no Brasil sofre e o próprio meio ambiente diante da utilização de defensivos agrícolas. O Brasil precisa do agronegócio e não pode se furtar de atualizar suas leis.
A legislação continua a mesma. Não surgem membros do Legislativo ou de outro poder, para propor alterações substanciais no Estatuto da Terra. É evidente que o assunto é polêmico, pois mexe com as estruturas agrárias brasileiras, tão amarradas ainda na idéia do absoluto. Diga-se que a função social ainda causa arrepios e furor em muitos proprietários rurais.
Uma coisa é certa, as mudanças ocorridas no meio rural incentivaram o uso do Direito civil para a construção de novos modelos contratuais. Assim, se as regras não surgem, e o Legislativo não trabalha a contento, as coisas continuam acontecendo, as barreiras não ultrapassadas e um novo jeito de negociar, flexibilizando os negócios e o Direito surgem como mecanismos modernos.
José Fernando Lutz Coelho em sua obra reforça a teoria neo-agrária dizendo:
“Se as regras não surgem, se o legislativo se omite, e as coisas continuam acontecendo, os operadores do direito, essencialmente os julgadores, devem na composição das lides, ultrapassar determinadas barreiras e solucionar conforme a realidade e postura social. Vamos flexibilizar, que não significa burlar as regras legais, mas amainar, amenizar no caminho de concatenar aos casos reais que necessitam de respostas, pois não podemos tratar a aplicação da regra com rigorismo formal, e não se trata de alternativismo, mas de uma nova postura, através de uma atuação dos intérpretes do direito, como instrumento na busca da justiça social”. (COELHO, 2006, pág. 12-13).
É neste referencial teórico que fincamos nosso raciocínio. Defendemos a flexibilização das leis agrárias, para adequar os novos contratos agrários, propiciando orientações racionais, dentre de uma exegese jurídica plausível, que permita melhorar a produção das propriedades rurais e ainda aperfeiçoar o relacionamento existente entre o proprietário da terra e quem trabalha a terra.
Esclarecemos que não defendemos condutas ideológicas ou políticas marxistas, que impedem a flexibilização das leis, acreditamos no compêndio marxista como uma mudança, uma escalada jurídica fulcrada na evolução histórica do Direito agrário, nas novas regras contratuais, no novo relacionamento próximo com o Direito Constitucional, sem perder a autonomia conquistada pelo Direito agrário.
3 – A QUESTÃO DOS PRAZOS MÍNIMOS NOS CONTRATÓS AGRÁRIOS.
Antes de tecemos palavras específicas sobre a problemática dos prazos nos contratos agrários atípicos, faremos inicialmente, uma narrativa sobre o nascimento da legislação especializada, visando uma melhor compreensão da polêmica em exposição.
O Estatuto da Terra surgiu através da Lei n.º 4.504 de 30 de novembro de 1964 e foi regulamentado pelo Decreto n.º 59.566 de 14 de novembro de 1966. Também foi alimentado pela Lei n.º 4.947 de 06 de abril de 1996 que fixava normas de Direito agrário dispondo sobre o sistema de organização e funcionamento do antigo e extinto IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária.
Nestas normas agrárias muito assunto foi definido, mas para dar realce ao que objetivamos nesta dissertação, enfatizamos os artigos inerentes aos contratos agrários. No Estatuto da Terra, os contratos começam a ser mencionados a partir do artigo 92, quando se fala da posse ou uso temporário da terra, exercida mediante contrato escrito ou verbal, construído entre o proprietário e a pessoa que nela exercerá a atividade agrária. No artigo vê-se a descrito do contrato agrário de arrendamento rural, suas características principais e demais aspectos. Já no artigo 96, vê-se a descrição do contrato agrário de parceria rural, que da mesma forma, apresenta suas características principais.
No Decreto regulamentador de n.º 59.566/66 o arrendamento e a parceria são reconhecidos novamente como verdadeiros contratos agrários, para o propósito de regular a posse ou de uso temporário da terra, entre duas partes, a saber, o proprietário rural, ou então quem detenha a posse ou a livre administração de um imóvel rural e de outro lado, a pessoa que efetivamente irá desenvolver a atividade agrária. Esta atividade agrária poderá ser agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista.
Ainda no Decreto regulamentador também ficou definido, no artigo 2º que todos os contratos agrários deverão ser regidos pelas normas do Direito agrário de forma obrigatória. Inclusive, também fica muito bem exposto que são irrenunciáveis os direitos e vantagens instituídos na legislação especial.
Desta forma, qualquer estipulação contratual que ofenda estes direitos irrenunciáveis e as vantagens instituídas são consideradas estipulações nulas de pleno direito e de nenhum efeito jurídico. Vê-se portanto, que a legislação agrária apresenta um caráter extremamente protetivo, onde o dirigismo contratual estatal é notório e por conseguinte, a autonomia da vontade é diminuída substancialmente. Vejamos:
“Art.2º Todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente Regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos (art. 13, IV, da Lei n.º 4.947, de 6 de abril de 1966). Parágrafo único. Qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo, será nula de pleno direito e de nenhum efeito.”
Entretanto, como se não bastasse as disposições legais do artigo segundo e seu parágrafo único, o mesmo Decreto regulamentador descreve no artigo doze parágrafo único que as partes contratuais poderão ajustar outras estipulações que julgarem convenientes aos seus interesses, mas desde que não atropelem os dispositivos do Estatuto da Terra e a Lei n.º 4.947/66 que fixava as normas de Direito agrário e o próprio regulamento. Vejamos o que diz o Decreto regulamentador – 59.566/66:
“Art.12 parágrafo único. As partes poderão ajustar outras estipulações que julguem convenientes aos seus interesses, desde que não infrinjam o Estatuto da Terra, a Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966, e o presente Regulamento”.
Além, disto, nos contratos agrários também deverão estar mencionadas cláusulas obrigatórias, conforme o artigo 13 do mesmo Decreto regulamentador sob pena de ofensa e de nulidade do contrato. Neste artigo, em especial, vemos as definições dos chamados prazos mínimos contratuais. Estes prazos contratos agrários são obrigatórios e de nenhuma forma, poderão ser esquecidos ou manipulados em desrespeito às legislações agrárias:
“Art. 13. Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, constarão obrigatoriamente, cláusulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados a saber” (art. 13, III e V, da Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966).
Neste artigo, o Decreto regulamentador estipula prazos específicos, que conforme o caput do artigo 13 que combinados com o artigo 12 parágrafo único e artigo 2º do mesmo Decreto devem ser respeitados, sob pena de ser declarado nulo de nenhum efeito o contrato agrário estipulados entre as partes.
Estes prazos são de 03 (três) anos para o arrendamento para exploração de lavoura temporária e ou de pecuária de pequeno e médio porte e em todos os casos de parceria. De 05 (cinco) anos para o caso de arrendamento para exploração de lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal. E de 07 (sete) anos para os casos em que ocorra atividade de exploração florestal.
Esclarecemos que estes prazos são definidos pelo mesmo Decreto regulamentador, como mínimos, na atividade agrária. Daí fica muito claro que qualquer contrato agrário com prazo inferior desrespeita as normas legais, sendo portanto, nulo e sem nenhum efeito jurídico entre as partes. Pois bem, neste ponto já temos uma questão polêmica e problemática para travar debate nesta dissertação.
Prosseguindo a exposição, na Lei n.º 4.947/66 os contratos agrários são manejados a partir do artigo 13, dando destaque para o fato de que os princípios gerais que regem os contratos de Direito comum, no que concerne ao acordo de vontade e ao seu objeto, também podem ser utilizados no Direito agrário. Fica notória a recepção amigável das regras civilistas aos contratos agrários:
“Art. 13. Os contratos agrários regulam-se pelos princípios gerais que regem os contratos de Direito comum, no que concerne ao acordo de vontade e ao objeto, observados os seguintes preceitos de Direito Agrário: IV – proibição de renúncia, por parte do arrendatário ou do parceiro não-proprietário, de direitos ou vantagens estabelecidas em leis ou regulamentos.”
Vê-se novamente de forma clara, que as normas agraristas diminuem a autonomia da vontade, nos contratos agrários, apresentando um caráter extremamente publicístico.
Entretanto, passadas algumas décadas do nascimento do Estatuto da Terra e de suas alterações também na década de 1960, como acima narradas, os artigos 95 e 96 do Estatuto agrário foram novamente alterados, em razão da edição da Lei n.º 11.443 de 05 de janeiro de 2007, durante do governo do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Estas mudanças surgiram como produto das transformações ocorridas no campo, bem como, de pedidos formulados ao longo dos anos por pessoas que vivem a atividade agrária na sua rotina. Porém, pensamos que as alterações apresentadas pela Lei editada no ano de 2007 ainda não foram suficientes para preencher as lacunas ou omissões deixadas pelo Estatuto da Terra e outras normas agrárias.
Enfatizamos a visão neo-agrarista pois é flexibilizadora do Direito agrário. Acreditamos na mudança, para melhorar o trato do homem com a terra, tornando-a mais social e produtiva. A é questão polêmica e se encontra na aplicação dos prazos mínimos do Estatuto da Terra, para contratos agrários com prazo certo de duração (prazo determinado) e com prazo incerto de duração (prazo indeterminado).
Em Wilson Ferretto, vemos uma exposição clara e singela daquilo que pode ser chamada de questão polêmica nos contratos agrários. O prazo contratual é o argumento nuclear da exposição. Vejamos:
“A matéria foi examinada anteriormente, quando foram acentuadas as divergências sobre a incidência das disposições estatutárias que prevêem os prazos mínimos, tanto em relação aos contratos de arrendamento, quanto de parceria.” (FERRETTO, 2009, pág. 93).
Argumenta o doutrinador, que no que tange ao contrato de arrendamento, já existe entendimento de que o prazo contratual mínimo de três anos se aplicaria ao contrato de prazo indeterminado ou então para o contrato verbal. Já, no que diz respeito ao contrato de parceria rural, o prazo mínimo de três anos, incidiria quando não convencionado pelas partes outro prazo específico. Assim, Wilson Ferretto (2009, pág. 93) conclui dizendo “pela possibilidade de contratação de prazos inferiores aos previstos pela lei agrária, desde que convencionados pelas partes em contratos com tempo certo de vigência”.
Daí, manifestar seu pensamento desta forma não é contraditório. Tanto que esta era a doutrina defendida pelo agrarista gaúcho, Oswaldo Opitz, em sua obra. Na parceira rural, Opitz acreditava que isto era inerente.
Porém, ao contrário das teorias acima expostas, a doutrina majoritária responde dizendo que os prazos contratuais mínimos fixados pelas leis agrárias, devem ser obedecidos incondicionamente, isto é, seja nos contratos típicos e atípicos e nos contratos indeterminados sem prazo definido.
O saudoso Paulo Torminn Borges (1998, pág. 125) dizia que “O prazo mínimo é estabelecido principalmente para evitar o mau uso da terra. Quem toma a terra, em arrendamento ou parceria, por um ano só, quererá tirar todo o proveito imediato”.
Entretanto, ousamos discordar do pensamento de tão grande nobre jurista. O produtor brasileiro, nos dias atuais, não pode ficar atrelado à idéia de um contrato de arrendamento mínimo de três anos, sendo possível um arrendamento com prazo menor.
Pensamos ser inconsistente o argumento, uma vez que, os prazos mínimos previstos na legislação agrária foram elaborados no contexto daquela época. O que enxergamos hoje é algo distinto. O direito não nasce pronto e por isto, precisa ser reformado sob pena de não acompanhar a modernização da sociedade.
Assim, conforme a exposição acima, voltamos a nossa pergunta: Seria realmente possível exigir a aplicação destes prazos mínimos contratuais aos contratos agrários atípicos, tais como, contrato de comodato rural e no contrato de pastoreio ou invernagem de gado para os dias atuais ?
Tais contratos são construídos a partir da legislação civilista. São contratos que surgiram em razão das mudanças tecnológicas, sociais e econômicas ocorridas no cenário rural, que não foram acompanhadas pelo Estatuto da Terra.
É comum entre o homem do campo, locar pasto com seu vizinho, para engorda de gado durante alguns meses do ano. Isto pode durar três ou quatro meses, quando muito chegando a um ano. Daí como aplicar a regra do prazo mínimo contratual estipulado na legislação agrária ?
Eis mais uma questão polêmica. O produtor de gado não pode ser obrigado a arrendar por três anos, no mínimo, o pasto de seu vizinho ante a disposição obrigatória da legislação agrária. E também não podemos dizer que tal contrato atípico não tem finalidade agrária.
Ampliando o debate, trazemos a preocupação que também existe na Argentina. Entre eles, os contratos que não estão mencionados na legislação federal são chamados por BREBBIA(1982, p. 181) de “contratos accidentales”. Nela o mencionado jurista argentino nos fala dos contratos de pastoreio.
Segundo o jurista, em sua obra:
“Antecedentes Y Evolución Legislativa. – Hemos visto que uno de los objetivos esenciales que se proponíaalcanzar La ley 13.246 consistía em garantizar La estabilidaddelproductor, acordándoleseguridad por um ciclo agrícola completo. Esta finalidad se concreta mediante elestabelecimiento de um plazo mínimo que encuentrasu fundamento, como dijéramos, em consideraciones de orden social, técnico y econômico.”
Como ocorreu na Argentina, assim também ocorre no Brasil. Os prazos mínimos previstos na legislação especial agrária permitem conflitos e sugerem insegurança jurídica. Lá na Argentina Fernando P. Brebbia faz menção de outro jurista conterrâneo MARTINEZ(1982), que também diz:
“El contrato de pastoreo y elaccidental por hasta dos cosechas como máximo, importan uma relación jurídica que en principio, participa de los caracteres que configuranlos contratos de arrendamientos o de aparcerías, com arreglo AL concepto dado por losarts. 2º y 21 de La ley 13.246.”[2]
Vê-se então, que os prazos mínimos exigidos pela lei especial agrária não poderiam ser aplicados a todos os tipos de contratos agrários existentes. No Brasil, enxergamos que os prazos mínimos de três, cinco ou sete anos, previstos no Estatuto da Terra não podem ser aplicados para outras modalidades contratuais.
Na visão neo-agrarista, enxergamos uma flexibilidade, uma razoabilidade para interpretação destas polêmicas. Esta nova visão para com os contratos agrários surge com as transformações tecnológicas, sociais e econômicas do agronegócio brasileiro. Daí, ser razoável utilizar as regras civilistas, tais como: contrato de comodato rural, contrato de locação de pastagem contrato de pastoreio ou invernagem e o contrato de barragem d´água.
Nestes novos contratos agrários, a aplicação dos prazos mínimos previstos na lei agrária é incoerente. Diga-se até impossível de se praticar, ante o prejuízo que podem causar às partes envolvidas nos contratos. Entretanto, mesmo diante das mudanças no cenário rural, o assunto inerente aos contratos agrários ainda continua a obrigação do prazo mínimo legal.
4 – CONCLUSÃO.
A reflexão é salutar e seu intuito é apresentar um novo jeito de olhar para o Direito agrário. Esclarecemos que esta nova visão agrária não prega respostas transformadoras sem base concreta e à margem do sistema jurídico vigente, mas consegue apontar propostas sem o uso exclusivo do Direito agrário criado na década de sessenta e sua macilência diante da nova realidade agrária brasileira.
Possuindo uma legislação agrária, abriremos os olhos para privilegiar novos valores, que ajudarão a modernizar os nossos contratos agrários e torná-los mais funcionais. E dentre estes novos valores estão os novos contratos agrários, tais como, o contrato de locação rural, o contrato de comodato, o contrato de roçado, o contrato de Fica e o contrato de barragem. Em outro artigo vamos tecer conceitos e detalhes sobre cada um destes contratos.
A flexibilidade nos negócios agrários conduzirá a melhores respostas. Estes novos negócios jurídicos borbulham no País e ganham espaço no cenário jurídico. Não podem ser deixados de lado, sob o argumento de que não são contratos típicos previstos na lei agrária brasileira e por isso não merecem guarida na pesquisa jurídica agrária e nem mesmo proteção no Judiciário.
Realçamos novamente, que se torna penoso utilizar regras agrárias da década de 1960, de forma literal, para contratos que foram sendo construídos nos ano de 1970, 1980, 1990 até chegarmos à década de 2000 e 2010 com uma nova mentalidade. Novas apresentações tecnológicas alteraram a imagem do produtor rural e a forma de produzir alimentos.
Em suma, novas peculiaridades surgiram e o Estatuto da Terra não conseguiu acompanhar as modificações sociais no campo, estando desatualizado. Respondendo à questão colocada neste artigo, acreditamos que a mudança na legislação pode melhorar o cenário agrário brasileiro, flexibilizando os prazos contratuais, incentivando o produtor rural em seu negócio e legalizando uma maior quantidade de contratos agrários praticados no país.
Mestre em Direito (área de concentração: Direito Agrário), pela Universidade Federal de Goiás. Professor concursado na Universidade Estadual de Goiás – Unidade de Uruaçu-GO. Professor da Faculdade de Direito/ALFA e Faculdade de Direito/IUESO em Goiânia-GO. Advogado
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