INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo apresentar, de forma clara e sucinta, os principais aspectos das características mais marcantes das duas modalidades de contratos aleatórios.
Para o bom entendimento da matéria sob comento, far-se-á um breve relato histórico na primeira parte do presente estudo tratando-se do surgimento dos contratos, de forma geral, seguindo-se de logo, ao que se refere a conceituação do que vem a ser “contrato”, de acordo com os autores pesquisados.
Apresentam-se, então, as principais características dessa forma contratual que, de maneira geral, é aplicada a todos os contratos.
Serão abordadas as duas modalidades de contratos aleatórios, de futuro ou não. Em cada uma das formas examinadas serão apresentadas as suas peculiaridades, bem como, onde se encontram regrados no ordenamento jurídico civil, em conformidade com o Novo Código Civil.
1.DA CONCEITUAÇÃO E BREVE RELATO HISTÓRICO DOS CONTRATOS
Contrato, de forma bastante simplista, é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial. Na conceituação do autor ROPPO, contrato nada mais é que:
“…uma construção da ciência jurídica elaborada (além do mais) com o fim de dotar a linguagem jurídica de um termo capaz de resumir, designando-os de forma sintética, uma série de princípios e regras de direito […] reflectem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de relações, de situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas maneiras, uma função instrumental.” (1988:07).
O autor MARTINS, por sua vez, descreve o contrato como o acordo de duas ou mais partes para constituírem, regularem ou extinguirem uma relação jurídica patrimonial entre si (1990:76).
No Código de 1916, em seu artigo 81, foi definido o negócio jurídico, mais denominado de forma genérica como ato jurídico: “todo o ato ilícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos”; já o Novo Código Civil referiu-se ao negócio jurídico sem defini-lo pormenorizadamente, conforme descrito no artigo 104 e seguintes.
Tal explicação se faz pertinente considerando que, como apontado pelo autor VENOSA, embora os Códigos atuais possuam normais gerais de contratos, as suas verdadeiras regras são as mesmas para todos os negócios jurídicos, situadas na parte geral, que ordena a real teoria geral dos negócios jurídicos. (2003:361).
De acordo com este mesmo autor, foi o Código Napoleônico a grande codificação moderna, apresentada, sobretudo após a revolução de 1789. Nesta codificação a forma de negócio jurídico contratual vinha disciplinada como um “modo de aquisição da propriedade” (2003:362). Neste sentido esclarece ROPPO (1988) que foi este o primeiro dos códigos “burgueses”, que serviu para satisfazer os interesses e solicitações da sociedade como uma nova forma de organização econômica, e mais:
“… formas de riqueza imaterial, as relações e os direitos […] têm, as mais das vezes, a sua fonte num contrato (de licença, de opção, de trabalho, ou então de sociedade ou de transporte no que respeito às acções e ao conhecimento de carga). […] estes bens imateriais são assimiláveis, num curto sentido, a “coisas” e que os direitos sobre eles são assimiláveis ao direito de “propriedade”.” (1988:65/66)
Desta forma observa-se que a propriedade em si passa a não ser mais o centro das atenções nos negócios jurídicos, mas sim o próprio contrato, o qual não poderia deixar de existir.
Já no direito alemão, o contrato passou a pertencer a uma categoria mais generalizada que o francês, como expõe VENOSA (2003). Estas são as duas principais origens dos conceitos de contrato adotados pelo ordenamento jurídico de forma generalizada.
Expõe o mesmo autor que, ao contrário do que se possa imaginar, o contrato, e não mais a propriedade, passou a ser um instrumento fundamental no mundo dos negócios, apesar da chamada “crise do contrato” como colocado (VENOSA, 2003:368), em que passa a existir a limitação da liberdade de contratar e a função social do contrato, a partir de 1975.
Ademais, torna-se relevante salientar então que com o passar dos anos passou-se a notar ainda mais a presença dos princípios dos contratos, dentre os quais, de acordo com COELHO (2008) o Princípio da Autonomia de Vontade que surgiu em um primeiro momento da evolução contratual valorizando a vontade humana sem a qual não existe formação contratual. Este princípio era de extrema importância na análise dos contratos e sua adoção irrestrita criou diversas injustiças o que fez com que o Novo Código Civil atenuasse o mesmo pela função social do contrato e pela boa-fé objetiva.
Conforme observado pela maioria dos autores pesquisados o Princípio do “Pacta Sunt Servanda” representa a coercitividade do contrato para com as partes. O autor ROPPO escreve que: “Cada um é absolutamente livre de comprometer-se ou não, mas, uma vez que se comprometa, fica ligado de modo irrevogável à palavra dada: ‘pacta sunt servanda’.” (1988:34).
O contrato, por tal princípio, cria uma força obrigatória entre os contratantes e que só foi ser mitigada pela cláusula do Direito Canônico denominada de “Rebus Sic Standibus” aplicada sempre que existisse onerosidade excessiva para algum dos contratantes nos contratos de longa duração. É a adoção da Teoria da Imprevisão que representa o surgimento de uma situação de desequilíbrio econômico do contrato devido a uma circunstância superveniente que seja imprevisível e que onere excessivamente um dos contratantes devendo o contrato alcançar a recomposição do equilíbrio que foi motivadora do ajuste.
2. DOS CONTRATOS ALEATÓRIOS
Como observado anteriormente, o contrato passou a fazer parte do cotidiano das pessoas como peça-chave, fundamental para a realização dos negócios jurídicos, que estão preceituados no Novo Código Civil em seu artigo 104 e seguintes. Já as regras pertinentes aos contratos em geral estão dispostas no mesmo código, em seu Título V, a partir do Capítulo I, artigo 421 e seguintes. Daí advém a “função social do contrato”, que foi já citada pelo autor VENOSA (2003) neste estudo.
Em conformidade com o autor ALVES: “A função social do contrato acentua a diretriz de “sociabilidade do direito” […] princípio a ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade” previsto na Constituição Federal” (2004:374).
Os “contratos aleatórios”, por sua vez, estão previstos na Seção VII, a partir do artigo 458 do Código Civil. Coloca o autor MARTINS:
“Aleatório é o contrato em que uma prestação pode deixar de existir em virtude de um acontecimento incerto e futuro. É o caso, no mesmo contrato de compra e venda, quando se compra coisa incerta ou futura (compro a colheita de um campo de trigo, que pode existir se o campo produzir o trigo, ou deixar de existir, caso não produza) ou o contrato de seguro, em que a contraprestação do segurador só é devida se ocorrer um evento futuro (no seguro contra incêndio, a indenização só será devida se a coisa se incendiar).” (1990:109).
Torna-se imprescindível observar que conforme explica o autor VENOSA (2003:405), no artigo 1118 do Código Civil de 1916, esta classificação de contrato como aleatório se referia a coisas futuras, cujo risco de não virem a existir seria assumido pelo “adquirente” (“emptio spei”). Neste sentido, explica o autor que, o artigo 458 do Novo Código, mantém tal entendimento, porém admitindo-se que “qualquer das partes pode assumir o risco de nada obter”.
O autor ROPPO conceitua que o contrato aleatório é aquele em que a prestação de uma ou de mais partes depende do risco, futuro e incerto, assim como explica VENOSA; risco este que não se pode antecipar o seu quantum: “Aleatório será o contrato se a prestação depender de um evento casual (álea = sorte), sendo, por isso, insuscetível de estimação prévia, dotado de um extensão incerta” (ROPPO, 1988:19).
Este risco a que se refere o autor citado alhures pode ser total ou absoluto (quando uma das partes apenas cumpre sua prestação sem perceber nada em troca) e parcial ou relativo (quando cada um dos contratantes se responsabiliza por alguma prestação independente de serem iguais ou não).
Existem duas modalidades de contratos aleatórios então, aqueles que se referem a coisas futuras e aqueles que versam sobre coisas já existentes mas que estão sujeitas a riscos futuros, como colocado por ROPPO (1988).
O artigo 458 do Novo Código Civil trata do risco sobre a “existência” da coisa, retratando, desta forma a “emptio spei”, ou seja, a venda da “esperança”, a “probabilidade da coisa existir”, caso em que o alienante terá direito a todo o preço da coisa que venha a não existir. Exemplo disto é a venda de colheita futura, como já apresentado anteriormente, independente da existência da safra ou não existir, em que o comprador deve assumir o risco da completa frustração da safra, ou seja, sua não existência, salvo se o risco cumprir-se por dolo ou culpa do vendedor. (ALVES, 2004:410).
O artigo 459, por sua vez, trata dos casos de coisas futuras, quando o adquirente assume o risco de virem a existir em qualquer quantidade. Expõe VENOSA: “O preço será devido ao alienante, ainda que a quantidade seja inferior à esperada. Trata-se da emptio rei speratae.” (2003:405).
Escreve o autor ALVES que trata-se do risco sobre a “quantidade” exata da coisa, retratando a “emptio rei speratae”, ou seja, venda da coisa esperada, a probabilidade da coisa existir na quantidade deseja ou prometida, caso em que o alienante terá o direito a todo o preço da coisa que venha existir quantitativamente diferenciada, como sucede ainda no exemplo da venda da colheita futura quando a safra alcança quantidade inferior ou mínima.
Tal sorte, neste caso, se vincula à quantidade e não a existência da coisa, como no artigo anterior e, o alienante, não terá direito ao preço contratado, se houver agido com dolo ou culpa (2004:411).
Ou seja, conclui-se daí que enquanto o artigo 458 se refere ao risco da coisa em si, à própria existência da coisa objeto do negócio jurídico; o seu seguinte, 459 refere-se à quantidade menor ou não que venha a existir da coisa.
Salienta-se que em ambos os casos o vendedor deve empregar toda a sua diligência para que a esperança, total ou parcial, como apontado por VENOSA (2003), tenha sucesso.
Há a necessidade preeminente de se examinar o caso concreto, se o adquirente se comprometeu a pagar em qualquer situação, independente se o resultado do negócio jurídico (“coisa”) venha a existir ou não, ou se ele se comprometeu a pagar “desde que” haja a existência do resultado (“coisa”) e em qual quantidade. A este respeito refere-se o parágrafo único do artigo 459, in verbis:
“Parágrafo único – Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido.”
O autor VENOSA, citando Orlando Gomes, ressalta que apesar de defender a posição subjetiva (usos e costumes do ramo de venda e do local servirão de prova), na distinção entre os dois contratos, adverte que na doutrina se prevalece o critério objetivo, ou seja, que há venda de “esperança”, se a existência das coisas futuras depende do “acaso”; e, há venda de coisa “esperada”, se a existência das coisas futuras está na “ordem natural”.
Exemplifica o douto autor citado por VENOSA: “Uma colheita, por exemplo, será objeto de emptio rei speratae, porque é de se esperar normalmente que haja frutificação. No fundo, trata-se de uma quaestio voluntatis, devendo-se, na dúvida, preferir a emptio rei speratae, por ser mais favorável ao comprador”[1].
Confirma este entendimento o autor ALVES, ao citar Darcy Arruda Miranda, explicando que numa safra de algodão, por exemplo, o adquirente animado pela espera da colheita farta, sucedendo, no entanto, quantidade irrisória resultado do algodão se achar praguejado, e o alienante se omitir sobre tal circunstância, agiu ele com dolo. Nesta situação o contrato é nulo.
Assim sendo, conclui-se que se o alienante atuou dolosamente, com intuito de causar prejuízo ao adquirente, nenhum direito terá ao preço ajustado, obrigando-se a restituir. “A exclusão do dolo, no preceito, por se referir o dispositivo somente à culpa, constitui omissão do legislador…”[2].
O que é importante se ater nestes casos apontados é que se o risco foi assumido sobre a “quantidade”, a não existência da coisa traz como conseqüência a nulidade do contrato, obrigando-se o alienante a restituir o valor recebido, certo que nada existindo, a alienação não existirá.
Além destas duas características dos contratos “de futuro”, existe ainda outra modalidade de contrato aleatório, que se refere às coisas já existentes, mas que estão sujeitas a se danificarem, como colocado pelo autor ROPPO (1988:19), ou que podem se depreciar.
Estes casos estão previstos no artigo 460 do Código Civil, sendo que como exposto por ALVES:
“Trata-se de contrato aleatório tendo por objeto coisas existentes mas expostas a risco. O adquirente assume o risco de não receber a coisa adquirida, ou recebê-la parcialmente, ou ainda danificada, deteriorada, ou desvalorizada, pagando, entretanto, ao alienante todo o valor […] exemplo da mercadoria embarcada, tomando sobre si o adquirente a sorte (álea) de vir ou não a receber, devido a acidente ou naufrágio.” (2004:412).
Desta forma, mesmo que a coisa resultado do objeto do contrato já não existisse no todo ou em parte, o risco assumido obriga o adquirente ao pagamento do preço, com a exceção trazida pelo artigo 461 em que o contrato poderá ser anulado, provando o adquirente e prejudicado a conduta dolosa do alienante que, não ignorando o perecimento do bem em detrimento da consumação do risco, o aliena mesmo quando já não existe.
Coloca VENOSA que é imprescindível que o contratante não saiba da inexistência das coisas quando do contrato, caso contrário estará agindo de má-fé, conforme expõe o artigo 461 (o contrato pode ser anulado por dolo se o outro contraente já sabia da consumação do risco, isto é, da materialização da inexistência da coisa).
Um exemplo trazido por este último autor: “Imagine, por exemplo, a compra de mercadoria sitiada em zona de guerra, ou em região sob estado de calamidade pública. O adquirente assume o risco de que as mercadorias não mais existam quando da tradição. Tal não inibe o alienante de receber todo o preço contratado” (2003:406).
Neste caso não existe a sorte desse contrato exatamente na assunção do risco por parte do comprador, que sabe que as mercadorias contratadas já não mais correm risco, ou no caso do alienante, se este já sabe não mais existir qualquer mercadoria. Daí decorre a explicação do autor para o artigo 461: “O risco aqui tratado é da existência total ou parcial das coisas” (2003:406). Não se pode confundir este caso com os vícios ocultos na própria coisa, que sujeitam as partes às conseqüências dos vícios redibitórios, próprios dos contratos comutativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante toda a pesquisa sobre o assunto enfocado, notou-se que não houve muita diferença do Código Civil de 1916 para o Novo Código, quando comparados os artigos referentes ao contrato aleatório.
Observou-se que se trata o contrato aleatório a respeito de coisas ou fatos futuros, que cujo risco de não virem a existir causa a um dos contratantes o dever de assumir, enquanto terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.
Conforme a leitura realizada para a realização do presente trabalho, notou-se a aplicação dos artigos 458 a 461 do Código Civil de forma direta, considerando-se, no entanto, cada caso em concreto.
Não há como dizer que determinado contrato é aleatório simplesmente sem se observar atentamente aquilo que foi concordado entre as partes. O caso concreto é que levará a conclusão da aplicação do artigo 458 ou 459 do Código Civil.
Diante de tudo o que neste breve estudo foi exaurido, observa-se em linhas amplas os principais aspectos referentes às características gerais sobre o contrato aleatório.
Bacharel em Economia pela Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (2000) e em Direito pela Faculdade Integrado de Campo Mourão (2007). Assessora Parlamentar do Poder Legislativo de Campo Mourão – Paraná desde 2004.
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